24 minute read

AS RELAÇÕES ENTRE A LOUCURA E O ESPIRITISMO

Next Article
RASTROS DO NAZISMO

RASTROS DO NAZISMO

De Médicos e Médiuns: As Relações entre Loucura e o Espiritismo

“Nós ainda não fechamos o livro da história. As coisas andam, não acabaram ainda. Por onde você passa vê pessoas dormindo nas marquises e ninguém toma uma atitude. Como é que se pode passar em frente de uma família com dificuldades e ignorar? Falta amor navida das pessoas.” Uribatan de Magalhães Barbalho

Advertisement

AFrança foi o primeiro lugar do mundo em que se construíram hospitais psiquiátricos. Philipe Pinéu, um psiquiatra francês fez um trabalho revolucionário com doentes mentais. Ele mandava dar banhos nos doentes. Cortava seus cabelos. Mandou que tirassem as correntes que os amarravam nos porões e os colocava para tomar sol. Naquele período os doentes mentais sofriam tratamento desumanos, com dentes arrancados e tratados como rejeitados e animais. Em seus relatórios Pinéu descrevia avanços dos doentes por seus procedimentos, a exemplo do banho de sol. A melhora foi acentuada. Muitos deles ainda mantinham a razão.

A França que foi a mãe do Iluminismo, também foi a pátria-mãe de Alan Kardek, o Decodificador do espiritismo. Porém, depois da Primeira Guerra Mundial não avançou mais nos estudos espíritas kardecistas, e hoje está muito materialista. A Europa avançou muito na economia, na antropologia e em outras áreas, mas retrocedeu nas questões da espiritualidade. Ainda existe um certo preconceito nas práticas espíritas no tratamento dos transtornos mentais no Brasil, e em Mato Grosso não é diferente. Carecemos de avançar neste terreno ainda pouco divulgado e estudado, discutir o papel do espiritismo nos ataques de loucura. No Hospital Adauto Botelho, em Cuiabá, existem vários doentes crônicos abandonados pelas famílias que não os querem mais. Pelo menos a metade deles poderiam ser tratado por métodos espíritas, mas isso não é consentido.

EVOLUÇÃO No Brasil muitos nomes se destacaram na busca do conhecimento espiritual e na compreensão de seus benefícios em tratamentos de doentes mentais obsidiados. O médico psiquiatra Brasileiro, Inácio Ferreira, foi o primeiro do mundo a associar a doença mental com a espiritualidade. Esse médico foi convidado por Maria Modesto Cravo, de Uberaba, a “dona” Modesta, na década de 1930, a dirigir o Sanatório Espírita de Uberaba. O psiquiatra Inácio não era espírita, mas envolveu-se com os movimentos espíritas, que eram fortes e organizados na cidade de Uberaba, naquele período. Com isso passou a trazer para dentro do hospital a metodologia de leitura, da oração, da água fluidificada, do ensino da doutrina, influenciando outros dirigentes e pessoas ligadas ao hospital a conhecerem e se aprofundarem no espiritismo.

Começou a fazer trabalhos mediúnicos com todos os pacientes para verificar quem era lesado orgânico e quem não era. Apesar de todos passarem pelo sistema de eletroconvulsoterapia, Inácio Ferreira provou que 50% eram lesados orgânicos e esquizofrênicos para a vida toda, mas os outros 50% eram dramas da obsessão. Os primeiros eram caracterizados como doentes mentais e o restante eram psíquicos, que muitos acham que é coisa fora da matéria. Como se o espiritual não fosse matéria e sim uma coisa etérea. Só no Brasil é que existiu esse trabalho estatístico, em nenhum outro lugar do mundo foi feito estudo semelhante. lume MatoGrosso

53 MATO GROSSO Com uma população de mais de 3 milhões de habitantes, somos pelo menos 10% de doentes mentais. Trata-se de uma média universal, que em alguns pontos pode chegar até 13%. Alguns lugares têm endemias atribuídas à esquizofrenia, isso não significa que todos têm doença mental. Anualmente, dos aproximadamente 300 mil doentes mentais de Mato Grosso, pelo menos 6% irão desencadear algum tipo de distúrbio, podendo ser ou não internados. Desses 18 mil doentes que irão apresentar sintomas graves, muitos irão requerer atenção especial. Desta quantia, pelo menos 2%, ou seja, 360 pessoas irão surtar, literalmente. Esses 360 indivíduos, sem dúvida alguma irão requerer internação, remédios e outros cuidados especiais com profissionais capacitados. Infelizmente os aparelhos estatais não são suficientes para atender essa demanda histórica. Aí poderia entrar o trabalho feito pelos espíritas, mas não existe apoio formal para tal empreita.

Eu não alimento a minha horta de ignorânica mais que a minha horta de sabedoria, sou espírita de alma e corpo.

UBIRATAN DE MAGALHÃES BARBALHO

O PSIQUIATRA Para compreender melhor as questões que envolvem espiritualidade e tratamento para doenças mentais convidamos o médico psiquiatra Dr. Ubiratan, que está lotado no Hospital Adauto Botelho, em Cuiabá, para falar sobre esse tema em forma de perguntas e respostas. O médico psiquiatra Dr. Ubiratan possui larga experiência na área, sendo adepto dos trabalhos de Inácio Ferreira, o psiquiatra inovador, estudioso e ousado que decodificou estatísticas da espiritualidade e é referência sobre seus feitos eficazes e duradouros na área do tratamento de doentes mentais. Vamos às perguntas!

COMO SE DEU SUA ENTRADA PARA O ESPIRITISMO? » Sou espírita de alma e corpo, pois nem preciso acreditar. Nasci no meio católico, mas minha alma já era espírita. Eu já sabia disso desde os 7 anos de idade, pois tinha um raciocínio acima da média. Por conta disso sempre fiquei calado. Nunca tive oportunidade discutir esse tema, pois não tive forças do plano espiritual para me envolver com os espíritas, porque eu tinha uma coisa para fazer. Fiz tudo para ficar no meio dos espíritas, mas sempre me empurraram para o lado dos doentes mentais. Sei que estou na terra por méritos e desgraças que fiz no passado. Tenho consciência disso e tenho que apaziguar o meu raciocínio, pois tenho tendências perversas, pois eu nasci na terra, logo sou impuro. A minha vontade é jogar bombas, é fuzilar, mas isso a minha consciência já sabe que é imoral, é ilegal. Então eu não alimento a minha horta de ignorância mais do que a minha horta de sabedoria. Hoje eu tenho a camisa do espiritismo, de Nosso Senhor Jesus Cristo, por isso falo com transparência, não vou mais para o caminho do meio. Eu sei qual é o caminho, não digo que é o das sombras, do mal, mas pelo meu livre arbítrio, que eu tenho direito, resolvi não retardar mais o meu processo de evolução. Cansei. Eu senti isso, não sei de onde veio, mas sinto que é da minha maturidade espiritual. Posso errar, pecar, cair em tentação, posso. Eu tenho essa consciência, por isso tenho que estar vigilante. Eu sou obreiro, mas não sou hipócrita, posso não discutir, mas trabalho numa casa espírita duas vezes por semana, dou passes, além de atuar também em finais de semana, nas obras sociais do Auta de Souza.

COMO SE DEU A OPÇÃO DE ESTUDAR MEDICINA PSIQUIÁTRICA? » Não fui eu que escolhi ser psiquiatra. Me escolheram. Eu sabia que ia ser psiquiatra sem saber que para isso tinha que estudar medicina, porque todo meu estudo original foi em cima de disciplinas de elétrica e telecomuni

cações, no colégio em que estudei, na cidade mineira de Governador Valadares. O meu primeiro vestibular foi engenharia eletrônica, mas não sei porque eu cheguei para o meu pai e disse: Pai, vou fazer medicina. Ele se assustou e disse que esse curso era para quem estudava desde cedo, e eu sempre fui do esporte, do basquete. Convenci meu pai e fui para BH, onde fiquei em um quartinho com amigos, estudando bastante para o vestibular. Passei. Acredito que “alguém” me dirigiu para estudar medicina e, da mesma forma, na psiquiatria percebi a intuição. Graças a Deus hoje me considero um psiquiatra mediano, pois não gosto de autopromoção, já que nossa doutrina não permite esse tipo de avaliação. Por conta disso pretendo ser mais humilde que um inseto. Isso não custa nada. Chico Xavier se considerava um cisco. É como Emanuel fala: “menos, um verme está bom”.

ATUALMENTE O SENHOR NÃO ESTÁ CLINICANDO, PORQUE? » Não sou mais médico, me processaram por tráfico de drogas. Quem armou isso foi a polícia. Veio de dentro da secretaria de saúde, porque eu tinha projetos plantados lá dentro para captar recursos para a saúde mental, e a máfia que está lá há mais de 30 anos não deixou, e por conta disso a polícia armou para mim dentro

do meu consultório. Eles fizeram isso para me intimidar. A sorte minha é que eu sou pobre, se eu fosse rico a coisa estava feia, e os advogados que me assistem são todos irmãos, porque eu não tenho dinheiro para pagar. Estou descapitalizado, pois só recebo o salário básico, tinha melhor renda no meu consultório, onde minha receita era o dobro do que ganho no serviço público. Não posso clinicar, me caçaram (o diploma de médico) para que eu possa responder ao processo. O CRM me caçou o direito de clinicar, não posso exercer a medicina.

O SENHOR É UM PROFISSIONAL DEDICADO À SUA PROFISSÃO? » Sou um psiquiatra muito conhecido, fruto do trabalho que fiz na rede pública. A lei manda você atender 16 pessoas, aparece 30 como é que faz? Atendo a todos, nunca deixei nenhum prá fora. Minto, deixei uma mulher sem atendimento e pago até hoje esse remorso. Isso foi há 10 anos, no Coxipó. Estava esgotado. Havia atendido 34 pessoas, estava esgotado. Eu fechei a porta na cara dela, que veio correndo e pediu pelo “Amor de Deus”, mas não atendi. Ela poderia ter corrido por detrás do prédio e me cercado, mas não conseguiu, pois eu saí correndo, entrei no carro, sendo mais rápido que ela. Ela deixou escrito um texto enorme, sem me condenar, passando um fax para a direção, que me entregou o escrito alegando falta de humildade da minha parte. Isso me machucou bastante. Estava cansado mas poderia ter deixado ela entrar e ter saído com ela pela porta da frente. Os pequenos remorsos juntados eu nunca esqueci.

O QUE É ELETROCONVULSOTERAPIA? » É um tratamento oferecido aos doentes mentais. Trata- -se de um sistema altamente científico, verdadeiro e eficaz para a depressão grave. É tratamento injustamente associado à cadeira elétrica e à tortura, mas a eletroconvulsoterapia é considerada atualmente o melhor tratamento para a remissão dos sintomas depressivos graves. A eletroconvulsoterapia não causa dano cerebral e pode ser aplicada até em mulheres grávidas, sem qualquer risco. lume MatoGrosso

55 DISCORRA SOBRE O HOSPITAL ADAUTO BOTELHO, EM CUIABÁ. » Esse hospital merecia muitas energias espirituais. Porque é muita maldade em cima desse hospital. O povo de Mato Grosso precisa dar uma atenção melhor para os seus doentes mentais. Um estado riquíssimo como esse merecia equipes de médicos e técnicos de saúde mental em todas as regiões. Para se lidar com o doente mental com dignidade, inclusive com seus funcionários públi cos, sendo que grande par-

Allan Kardec

56 te deles estão doentes. Da mesma forma todos os escalões políticos e de serviços que estão adoentados pelo mundo do consumo. Fui convidado para trabalhar num processo de readequação do hospital Adauto Botelho, que está há 10 anos não contratando, não fazendo concurso público e diminuindo a quantidade de vagas. Temos 60 pacientes, mas a capacidade é para um número bem maior. Hoje temos 40 homens e 20 mulheres internadas. O Adauto Botelho não autoriza trabalhos espirituais em pacientes. Não se pode oferecer um passe espiritual ou mesmo atividade de entidades religiosas. Eu acho um absurdo e ignorância, pois seria benéfico demais. Com trabalhos espirituais poder-se-ia amenizar crises. Os doentes estão morrendo no interior do estado, porque aqui fecharam as portas para o doente mental, obrigando-os a assumirem suas consequências, como se isso fosse apenas um problema das famílias, que sofrem demais. A malda

de que se faz com o doente mental no interior é a morte, porque aqui em Mato Grosso eles morrem. Nós servidores da área psíquica e psiquiátrica acabamos sendo coniventes com essa situação, porque não somos capazes de abrandar esse sofrimento (do doente mental) das famílias. Na constituição fala-se que o Estado tem a obrigatoriedade de dar atenção e assistência e serviços. O Adauto Botelho chegou ao ponto de faltar remédio para doente mental. Oras, os doentes mentais já são rejeitados pelos municípios e em grande parte das vezes por suas famílias. Por conta disso ficamos rezando para que algum paciente do hospital seja mandado embora. Porque quando fica hospitalizado muito tempo passa a ter surtos dentro do hospital. O doente precisa estar em contato com a família, precisa de alternativas.

COMO O ESTADO VEM TRABALHANDO ESTE PROBLEMA? » As autoridades pretendiam diminuir vagas alegando que construíram no interior CAPS-Centro de Assistência Psico-Social. Realmente foram criadas, o governo paga R$20 mil para cada CAPS, para que se constitua uma equipe de um médico, uma enfermeira, um (a) assistente, perfazendo equipe mínima de 6 membros. Não há necessidade de ser psiquiatra, pode ser um clínico treinado. Deve ter algo em torno de 30 a 40 unidades atualmente no interior do estado. Só que os médicos que estavam fazendo formação psiquiátrica desistiram por causa dos assédios excessivos em cidades do interior. Veja bem, o clínico geral aprendeu a clinicar, mas não aprendeu a lidar com o vereador, com a primeira dama e isso quebra todo o organograma: senhas, quantidades de consulta, a padronização, que é uma consulta por mês. Depois que a pessoa sai da crise tem direito a uma consulta por mês, vai ao CAPS pegar remédio, bater um papo. Só que a demanda é 200 vezes maior que a capacidade. Em Cuiabá no setor público quase não se contrata psiquiatra. O contrato é desestimulante. O profissional vai para a iniciativa privada, onde tem menos incômodos e mais ganho.

ALÉM DO ADAUTO BOTELHO, EXISTEM OUTROS HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS EM MT? » Na cidade de Rondonópolis existe o hospital Paulo de Tarso, que é bem amparado pela sociedade e sempre tem recursos advindos, notadamente dos adeptos do espiritismo. Por conta disso o estado há 4 ou 5 anos vem diminuindo as suas responsabilidades, reduzindo aportes financeiros.

QUEM RESPONDE PELO DOENTE MENTAL? » A família é responsável direta pelo doente mental. A

doença pode ser manifestada na adolescência, através de drogas ilícitas e do álcool. O adolescente não sabe que vai desencadear a doença e acaba por desenvolver a psicose e inadequações sociais. Acaba desencadeando loucuras e esquizofrenia, mormente é internado e nisso a família, após algumas tentativas de reintegração social, percebem que ocorreram mudanças, pois a psicose, somada com drogas, desorganizaram a sua cognição e o indivíduo não consegue mais voltar em ao convívio em sociedade de forma normal. Por conta disso o doente acaba sendo abandonado dentro do hospital.

EXISTEM MÉDICOS PSIQUIATRAS SUFICIENTES PARA A DEMANDA MATO-GROSSENSE? » Temos aproximadamente entre 35 a 40 médicos psiquiatras em Mato Grosso. A grande maioria clinica em consultórios particulares, porque o estado não oferece condições atraentes de trabalho. O estado paga mal e cobra política de resultados. O governo federal e até algum tempo atrás, o próprio estado imaginavam que os médicos psiquiatras eram pais-de-santo, que resolvem as questões dos doentes mentais em terreiros de candomblé.

NESSE MEIO EXISTE INTOLERÂNCIA RELIGIOSA? » No Adauto Botelho não se trata o doente com questões religiosas. No entanto, fora dali eu faço sempre. Um doente mental nunca me pediu para dar um passe para ele na casa dele. Estamos vivendo uma onda de intolerância religiosa. Está aí, todos os lugares que existem terreiros de candomblé estão tratando muito mal as Mães- -de-Santo. Notadamente os mais velhos, porque os jovens são mais raçudos e não admitem esse tipo de comportamento. Tudo é falta de consciência religiosa. Eu não falo nem da fé, simplesmente do princípio da intolerância, da cultura, da antropologia, da sociologia. Teríamos que fazer como na Europa, não formar simplesmente por formar, mas sim formarmos cidadãos. Engenheiros e médicos com responsabilidade cristã. Temos que citar casos emblemáticos de desprezo pelos seres humanos a exemplo do edifício Palace II, construído pela Construtora Sersan, de Sérgio Naya. Se fosse nos EUA até pedreiro tinha sido preso, pois sabiam que a areia era do mar, que era proibido. Ninguém foi preso.

O ESPIRITISMO ESCLARECE OS PROBLEMAS MENTAIS? » Chico Xavier nos ensinou a saber quem fomos em vidas passadas através da observância de quem somos agora. Então se eu sei quem eu sou na atualidade posso ter melhor embasamento para autoanálise de vidas passadas. No mínimo sei que fui um leitor de Alan Kardek, pois nada vem do nada, tudo é continuação, queiram ou não. O cosmo é muito grande para se alterar um átomo. Temos o livre arbítrio, mas para entendermos o que é isso temos que estudar. Não venham me dizer que os pobres de espírito terão o reino do céu, pois terão muitas dificuldades. Não sabemos porque pessoas nascem retardadas mentais, pode ser porque abusou de sua inteligência. Do mesmo jeito que sua ascensão é monitorada, no mérito, a sua queda também o é. A sua queda pode vir em muitas vidas, 10 ou 20, talvez. Você vai guardando na sua memória psíquica essa queda. Para o retardado mental só existe o abismo, imagine você saber que existe, mas não tem consciência. Até o macaco está tendo consciência, assim como o cachorro e uma série de animais que começam a ter consciência. Jesus falou: - “no dia que pararem de escutar a voz de meu Pai, até as pedras falarão”. lume MatoGrosso

Chico Xavier

Religião

A Brasilidade em questão: uma visão do candomblé e a umbanda na sociedade

Grande parte das pessoas no Brasil simpatiza com o samba, carnaval, feijoada, acarajé, roda de capoeira e tantas outras expressões que contribuem com os traços que compõem a identidade do povo Brasileiro. Essas expressões demonstram a riqueza e a beleza, presentes em nossa diversidade cultural, que se originam das práticas ancestrais dos africanos que chegaram ao Brasil na condição de escravos. Hoje, estes traços culturais são conservados pelos Sagrados Terreiros de Candomblé e Umbanda que, em sua maioria, são formados por pessoas de variadas classes sociais; tanto homens quanto mulheres são os guardiões das expressões que compõem a pujança da cultura Brasileira. POR MAURÍCIO VIEIRA FOTOS MARIA CAROL

60 lume MatoGrosso Vários Terreiros têm sido alvo de depredação e violência por pessoas que anonimamente invadem o espaço sagrado onde se pratica o culto e se cultiva a memória da nossa ancestralidade. O que leva tais pessoas a agirem desta forma? Uma resposta é possível: a falta de informação tem levado muitos ao erro. Outra pergunta pode ser feita sobre estas questões: o que representa um terreiro de Candomblé e/ou Umbanda e as manifestações das sagradas matrizes africanas?

Já se passaram mais de dez anos da implementação da Lei Federal nº 10.639/03 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, obrigando a escola a inserir os conteúdos referentes à história e cultura africana e afro Brasileira. Ainda assim com o advento da Lei nº 10639/03, ao tratar questões referentes às religiões de matriz africana, imediatamente se constrói no imaginário coletivo situações diversas e inusitadas, que provocam a negação da possibilidade de aproximação destas religiões. Candomblé e Umbanda são religiões que trazem consigo sinais de ancestralidade e herança africana que reforçam o caráter religioso, e por esta herança africana são discriminadas da mesma maneira que ocorre no plano do preconceito racial. É necessário olhar o Terreiro como espaço educativo, considerando o conjunto de indivíduos, autônomos e independentes, que por uma série de ideais partilhados, por vontade própria obrigam-

-se a aprender e trabalhar juntos, comprometendo-se e influenciando-se uns aos outros dentro de um processo de troca de conhecimento, sendo tudo conduzido de forma simples e dinâmica, porém através de uma beleza transcendental.

As sagradas matrizes africanas são incompreendidas na sua forma litúrgica, que inclui a dança, comidas e suas vestes sagradas. O sagrado nas religiões de matriz africana se manifesta em espaços ecológicos que dão a dimensão da força da natureza presente no rito, sendo aquela representada pelos orixás: Iemanjá, Ogum, Exú, Oxum, Oxossi, Ossaim, Iansã, Xangô, Oxalá Oxumaré, Omulu entre outros. Tanto o sagrado feminino como também o sagrado masculino são representados e utilizam como campo energético mares, cachoeiras, matas e rios.

O que temos acompanhado nas redes sociais e nos meios de imprensa sobre questões de “intolerância”, que prefiro denominar como violência contra Candomblé e Umbanda, é fruto de muitos anos de indiferença e invisibilidade. Hoje pessoas são impulsionadas a agirem de forma agressiva contra adeptos de religião de matriz africana, pelo simples fato de estarem na rua usando suas guias e sua roupa branca. Atitudes como estas revelam o perigo que há por trás de discursos ultraconservadores que pregam a existência de uma única verdade, violando a dignidade da pessoa humana cujo direito à liberdade como princípio deveria ser garantido por um estado laico.

É importante compreender que as diferenças, longe de serem motivos para discriminação e exclusão, devem ser motivos de riqueza, de aprendizagem de novos saberes, de troca de experiência que conduzem cada vez mais para a abertura e o acolhimento do ‘desconhecido’, do diferente, eliminando assim as barreiras que nos tornam intolerantes, que nos levam a ver no diferente um (a) inimigo (a) contra o (a) qual se deve lutar e manter distância.

A lei nº 10.639/03 vem com a função de introduzir as reflexões em torno da história da cultura africana e afro Brasileira, tem como principal objetivo combater práticas racistas e discriminatórias também em relação às religiões de matriz africana, e este processo começa na escola, pois é ali que se começa a conhecer as noções de mundo e a partir daí compreender e respeitar a diversidade presente na sociedade. O encontro de religiões e de culturas é na verdade o encontro de pessoas religiosas que possuem saberes e culturas diferentes. Permitir o acolhimento do outro e da outra na sua alteridade, na sua diferença, faz acontecer um mundo onde os preconceitos e a discriminação sejam erradicados, na certeza de que ‘um outro mundo é possível’.

Imagens retiradas da Exposição “Oralidade, a História entre os lábios da Diáspora Afro-Brasileira no Cerrado.”

De Silvícolas a Indígenas

Os índios na Constituição Federal de 1988

AConstituição da República Federativa do Brasil de 1988, apelidada de Carta Cidadã, sem dúvida, trouxe um considerável avanço na garantia de direitos dos povos indígenas. Quando se faz um percurso pelas Constituições Federais do Brasil, inclusa a de 1824, a Constituição Política do Império do Brasil, e as de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988, as republicanas, verificam- -se posicionamento ao reconhecimento dos povos indígenas como integrantes da sociedade nacional. Nas duas primeiras, 1824 e 1891, diante ao poder público, os índios permaneceram na invisibilidade. A de 1934, a de menor duração, clamou pela incorporação dos silvícolas à comunhão nacional e respeitou a posse de suas terras. POR LOYUÁ RIBEIRO FERNANDES MOREIRA DA COSTA

Em 1937, chegou uma nova Carta Magna, apelidada de “polaca”, inspirada no ideário fascista. Nela, determinou-se respeito aos “silvícolas”e a posse permanente de suas terras. Na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, a União continuou com o propósito de incorporar os “silvícolas” à comunhão nacional, respeitando a posse das terras onde se achavam permanentemente localizados, sem que tivessem direito à transferência a outros.

De caráter ditatorial, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, deu aos “silvícolas” três artigos que não trouxeram avanços, se comparada às anteriores. Já a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é a que mais reserva artigos aos indígenas. São, ao todo, 16 vezes que as palavras “índios” e “indígenas” aparecem na Carta Magna. Como as anteriores, a União, que deve legislar sobre as populações indígenas, reconhece “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” e tem o Congresso Nacional competência para autorizar a “exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais”. Em termos de reconhecimento de um país pluriétnico, são os Artigos 231e 232 e respectivos parágrafos que reconhecem “aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Pela primeira vez na história das Constituições Federais, a União não determina incorporação dos índios à comunhão nacional.

Não há dúvida de que a Constituição de 1988 está à frente das cartas constitucionais anteriores tanto em artigos reservados aos indígenas quanto em número de vezes que as palavras “índios” e “indígenas” inscrevem-se no referido instrumento normativo. Mais do que isso, percebe-se que, ao contrário aos objetivos do Serviço de Proteção ao Índio e da Fundação Nacional do Índio que determinaram integração do índio à sociedade Brasileira, reconhece os índios como integrantes na nação, respeitando sua autodeterminação.

Outro ponto a ser destacado: a palavra “silvícola”, presente nas Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967foi substituída por “índios” e “indígenas”. No dicionário da língua portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda, no verbete “silvícola”, lê-se: “que nasce ou vive nas selvas, selvagem, selvático”. Muito a refletir... É certo que a Constituição Federal de 1988 proporcionou significativo avanço aos direitos dos povos indígenas. Contudo, ainda existe um longo caminho a ser percorrido. Torna-se necessário fazer valer o respeito aos direitos conquistados pelos indígenas, uma tarefa de todos os cidadãos. Não se pode esquecer que interesses econômicos, antagônicos às práticas socioculturais indígenas, atingem territórios, aldeias e comunidades, quando desconsideram a existência do diferente. Não se pode esquecer das PEC (Proposta de Emenda Constitucional) e das PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). A exemplo, da PEC 215 que pode paralisar a regularização de territórios indígenas e quilombolas ao dar a palavra ao Congresso Nacional. Como desabafou um indígena da etnia Xerente, de Tocantins: “É PAC para um lado e PEC para outro, tá difícil para os povos indígenas”.

Sem dúvida, a Constituição Cidadã trouxe um novo paradigma na relação do Estado, sociedades indígenas e sociedade não indígena. Por força do texto constitucional, os índios nascidos no Brasil são considerados cidadãos Brasileiros como todos os demais; são titulares de direitos e deveres inerentes à cidadania. Portanto, de “silvícola” a “índios” e “indígenas”, um reconhecimento que deve ser levado em consideração. Mas, todo cuidado é pouco porque Constituições Federais podem ser “emendadas”. lume MatoGrosso

63 Loyuá Ribeiro Fernandes Moreira da Costa é graduada em Direito pelo Univag Centro Universitário

Munduruku Quando mandavam as mulheres

MUNDURUKÚ - Tronco linguístico tupi. Terra Indígena Apiaká- -Kayabí. Cada povo vive uma cultura própria, com especificação de língua, costumes, organização militar, estrutura política, cosmovisão, religião. Em tempos que vão longe, as mulheres habitavam a Casa-dos-Homens, e os homens estavam alojados em vasta casa coletiva. Os homens tinham de fazer todo o trabalho para as mulheres: caçar, plantar, buscar lenha, desenterrar a mandioca, espremer e fornear a farinha. Essas eram suas tarefas. E, como se isso não bastasse, também iam buscar água no rio.

Foi nessas priscas eras que três mulheres - Ianiubêri, cacique do povo munduruku, Taiumburu e Parauerê, acharam três flautas chamadas caduqué. Encontraram-nas num riacho e três peixinhos as tiraram da água. As mulheres as experimentaram.

— Que som bonito! - disseram elas. Então passaram a tocá- -las na mata, todos os dias. E para isso saíam de casa, às escondidas. Os homens começaram a desconfiar.

— Aonde irão sempre as mulheres?

Acabaram por esconder- -se a fim de melhor espreitá-las. E as encontraram tocando as suas flautas.

— Que devemos fazer? - perguntaram-se.

Mas os irmãos mais novos de Ianiubêri, que se chamavam Marimaberê e Mariburubê, propuseram: — Tiremo-lhes as flautas! Elas nem sequer vão à caça e nós temos de fazer todos os serviços!

Aceita a proposta, furtaram-lhe as flautas. E também as experimentaram.

— Que som bonito! - disseram eles.

E passaram a tocá-las. As mulheres ficaram muito tristes porque já não dispunham de suas flautas. Soluçando, entraram na grande casa. Assim, os homes se apossaram da casa coletiva, que ficou sendo a Casa-dos-Homens.

Texto recolhido pelo historiador, militar e político Couto de Magalhães, publicado no livro “O Selvagem”, reeditado pela Companhia Editora Nacional, Coleção Brasiliana. lume MatoGrosso

CENTRO CULTURAL

Rua do Penhasco, 105, Bom Clima, Chapada dos Guimarães, MT 55 65 | 99941-6937 www. casadirose.com.br /casadirose /casadirose.mt

This article is from: