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Lógica da linguagem
Nota
www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732007000200012 João Queiroz Classificações de signos de C.S.Peirce. Revista Trans/Form/Ação vol.30 no.2 Marília , 2007 Para estudar o significado dos artefatos, adotamos a classificação dos signos segundo a relação que se pode estabelecer entre signo e objeto: três categorias dentre as dez tricotomias e sessenta e seis classes .subdivididas por Peirce. A definição das três categorias de signo selecionadas, ícone , índice e símbolo é a seguinte, segundo Décio Pignatari (2003) :
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Ícone, quando possui alguma semelhança ou analogia com seu referente. Exemplos: uma fotografia, uma estátua, um esquema, um pictograma. Índex ou Índice, quando mantém uma relação direta com o seu referente, ou a coisa que produz o signo. Exemplos: chão molhado, indício de que choveu; pegadas, indício de passagem de animal ou pessoa; uma perfuração de bala, uma impressão digital etc. Símbolo, quando a relação com o referente é arbitrária, convencional. As palavras, faladas ou escritas, em sua maioria, são símbolos. As palavras, faladas ou escritas, em sua maioria, são símbolos. Quando eu pronuncio os fonemas correspondentes a mesa, por exemplo, o som complexo que emito designa um determinado objeto por convenção estabelecida (embora muito se possa discutir sobre a genética morfológica desse tipo de signos) ... (Pignatari,2003, p.30).
A partir deste entendimento podemos então afirmar que: 1.
2. Ícone: Possui conformidade com o referente, é uma qualidade. No caso dos produtos e artefatos já citados neste trabalho teriamos como exemplo: A FONTE, de Duchamp (1913). Índex ou Índice: Relacionado diretamente ao referente, em termos materiais/ físicos ou sensí-
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3. veis/ estímulos, ou mesmo funcionais, um sinal de presença. Neste trabalho um possível exemplo é o grafismo dos rótulos remanescentes nas chapas de latão das luminárias na exposição organizada por Lina sobre a arte vernacular da Bahia. Símbolo: é uma forma arbitrária de conexão com o referente, uma convenção, sem nenhuma necessária associação qualitativa ou funcional. Por exemplo, As imagens desenhadas por Munari, figura x, que embora sejam abstrações, simbolizam um rosto humano”.
Para se estudar o processo de produção de significados a partir da constatação e identificação de signos é necessário, segundo PEIRCE (PEIRCE apud PIGNATARI, data) a compreensão de três níveis do signo, que são responsáveis por identificar forma e funções dos referentes. São eles:
Sintaxe: responsável por explicar a composição, a estrutura do objeto através da discriminação dos elementos que o constituem. Semântica: representa a sua conotação, seu estudo verbal, a definição amparada pelo código verbal. Pragmática: demonstra a experiência do usuário, como é utilizado. Trata-se de um signosujeito a variações contínuas, graças a diferenças culturais e à evolução dos comportamentos.
Por exemplo: para identificar uma cadeira é necessário elementos específicos, e esses correspondem à sintaxe da cadeira, isto é: assento + encosto + base. Porém, se houver uma mudança nessa estrutura, o nome do objeto é alterado também, mudando assim sua semântica: assento + encosto + base + braços dá
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Figura 19: Poltrona Barcelona desenhada por Mies Van der Rohe em 1929.
Figura 20: Poltrona Barcelona no Pavilhão da Alemanha. origem a uma poltrona, significado que, por sua vez, pode ser alterado dependendo do local onde o objeto é utilizado, portanto, em uma condição que altera seu nível pragmático. Se este objeto estiver em uma sala de estar, ou dentro de um apartamento é denominado poltrona, porém mudando o local do artefato, levando-o a um palácio, dentro da sala real, onde o rei se senta, o objeto passa a se denominar trono (a compreensão do signo está filtrada pelo uso- nível pragmático). Um caso clássico deste fenômeno é o projeto da poltrona Barcelona, desenvolvido por Mies Van der Rohe em 1929 para ser colocada no pavilhão da Alemanha, na Exposição Internacional de Barcelona cujo destino era receber o rei e a rainha da Espanha. (Figura 19 e figura 20) Há modelos desta poltrona no palco e no saguão do auditório do Centro de Convenções, do CAS (2019), cuja finalidade de uso é completamente outra: Qualquer alteração feita em um nível de um signo, pode alterar o referente, alterando também seu significado. Cardoso (2014) nos dá um exemplo curioso sobre este caráter do signo:
E quando os garçons do bar, [...] colocam as cadeiras viradas de cabeça para baixo sobre as mesas? nesse momento a cadeira não é para sentar: ela é um signo comunicando que está na hora de ir embora [...] (CARDOSO, 2014, p.123)
Comunicar significados, estimular a produção de significados é função da linguagem. A linguagem é a forma que as pessoas encontram para se comunicar, expressando sentimentos e ideias.
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Nota
Forma aqui significa todos os meios e recursos utilizados por aquele que produz linguagem, em contextos específicos: elementos constituintes , características do suporte, características dimensionais, características sensíveis (visuais, sonoras, táteis, olfativas e palatares), características cinéticas (ritmos, frequências, velocidades) etc. (nota de atendimento TCC, 2019, - prof° Myrna Nascimento) “Comunicar-se [...]significa associar-se de algum modo, formando uma organização ou organismo” (PIGNATARI, 2003, p.20)
Para se compreender a comunicação, o fenômeno (evento) comunicacional, deve-se entender a lógica por trás dela. Para Pignatari (2003) a comunicação ocorre sempre de uma fonte para um destino, que estão em locais distintos. É necessário uma mensagem que é transmitida/ emitida pelo emissor e recebida/ percebida pelo receptor, elaborada a partir de um código, compartilhado pelos envolvidos no processo comunicacional. Em contato com a mensagem, o receptor decodifica o código e “responde/corresponde”, “age” conforme a intenção do emissor ( ou não, pois há sempre a possibilidade de ruídos e desvios interferirem no processo). (PIGNATARI, 2003, p. 22) .Ferrara (2002) complementa essa ideia explicando a existência de distintas formas para se expressar, que são conduzidas, todas, para uma espécie de “filtro” comum, que as separa em comunicação verbal e não-verbal.
Textos e falas são formas de expressão muito comuns e utilizadas majoritariamente por diferentes culturas. O texto é uma manifestação natural: conhecimentos que foram há muito passados dos mais velhos para os mais novos através da fala, popularmente chamados de “boca-a-boca”, foram se perdendo e dando origem à necessidade do surgimento de uma forma de armazenar esse conteúdo, a escrita. (FERRARA, 2002, p.13) Neste caso, o autor do livro é a fonte, o texto é o emissor sendo o livro o meio, e o código a língua portuguesa. É necessário a compreensão do código pelo receptor, a condição de decodificação através da leitu-
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ra, para que a fonte mensagem chegue ao destinatário.
A linguagem não-verbal, mais complexa de se definir, é uma forma de comunicação “implícita”, está presente em toda parte do dia-a-dia, ou seja no cotidiano.
A todo momento pessoas estão se comunicando, pela linguagem corporal, pelas vestes, acessórios, cortes de cabelo, e tudo isso mostra uma linguagem que nos leva a uma discussão já antes abordada neste trabalho, acerca de objetos diretamente relacionados à personalidade do consumidor/ usuário e seus hábitos de escolhas e consumo. (FERRARA, 2002, p.6)
Assim, intervenções que são inseridas e executadas em objetos e artefatos, modificando-os e alterando eventualmente suas funções são, sob este raciocínio, expressões de linguagem de quem as propõe e realiza.
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Reuso. Reciclo. Ressignifico
Figura 21: Latas descartadas de maneira inadequada e que poderiam ser reutilizadas Como discutido anteriormente a transformação do artefato se dá através de muitas formas; com pequenas mudanças no objeto pode-se alterar completamente seu significado. Existem materiais mais fáceis de serem trabalhados em cada nível de transformação. Madeira, metal, pedra, entre outros, cada um destes materiais pode ser mudado de forma específica, através de ferramentas e técnicas como: torno e goivas para madeira; formão e martelo para pedra; alicates e maçaricos para o metal; etc. O resultado da modificação realizada depende também do talento e habilidade manual de quem fará a intervenção, elevando detalhes, técnicas, alterando ferramentas a nível experimental para obter resultados não previstos e originais.
Além disso, para um objeto ser reutilizado depois de transformado por alguma dessas formas, ele passa por um processo de descarte (como já comentado acima cap. 2, “duração”), quando ele perdeu o seu valor, e a possibilidade de desempenhar suas funções. (figura 21). Para entender como os materiais podem ser mudados, devemos entender como se dá a transformação de um objeto e quais os níveis que classificam cada categoria. O trabalho abordará três níveis de intervenção e mudança nos objetos, sendo eles: reutilização, reciclagem e ressignificação. Reutilizar, utilizar novamente. Utiliza-se o material inteiro, alterando apenas seu entorno, ou seja, sua semântica, e, consequentemente, seu signi-
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Figura 22: Totem feito com pneus indicando uma borracharia.
Figura 23: Balanço feito da reciclagem de pneus gastos. ficado. Podemos observar um exemplo deste fenômeno quando um objeto é utilizado fora do seu sentido, como o pneu (figura 22). Como podemos observar na Figura 22, alguns pneus estão empilhados e apenas um é colocado, em cima de todos; assumindo a forma de um totem de identidade visual. Neste caso o pneu está sendo reutilizado, pois houve uma alteração de semântica, antes era utilizado para sustentar, locomover e gerar aderência para um veículo deslocar-se, e agora nenhuma dessas qualidades estão sendo exploradas, pois ele está sendo utilizado de outra forma semântica, se tornando um totem de informação (ou apoio para um sinalizador, como no caso da pilha). Reciclar, ato de reprocessar uma substância a fim de aprimorá-la e melhorar seu rendimento como um todo. O material é modificado, podendo ser transformado de forma inteira ou apenas sendo “desmembrado” dividindo suas partes, havendo alteração na sintaxe, o que traz, consequentemente, alterações nos outros níveis de significado do signo, como, por exemplo, no semântico, pois o objeto passa a pertencer a outra categoria de produto. (figura 23) Na imagem do balanço, o pneu foi completamente modificado, alterando sua estrutura e construindo outro objeto, novo e distinto, porém com a mesma base material. Neste caso seria uma reciclagem, onde se altera primeiramente a sintaxe, levando às alterações posteriores. O objeto antigo, reciclado, passa a servir apenas como material a ser trabalhado para assumir novo significado, uso e constituir um novo objeto.
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Figura 24: Lamparina feita com uma lampada e latas de metal. Ressignificar, significa atribuir um novo significado a alguma coisa. Um artefato ressignificado tem maior complexidade do que os outros dois casos citados acima. Para haver a ressignificação deve existir uma modificação em todos os aspectos de forma concisa. A quantidade de “variáveis”, ou seja, de elementos, que estão presentes no contexto estudado “somam” qualidades ou repertórios que não são convencionalmente encontrados juntos a um objeto, transformando-o em outro produto completamente distinto.
Na Figura 24 vemos uma lamparina construída de materiais transformados. A lâmpada, objeto comum e familiar ao universo das luminárias, é modificada mudando sua função original : de fonte luminosa ela migra para um novo contexto, assumindo o papel de um receptáculo, que é utilizado para armazenar o combustível da lamparina. Esta lâmpada não é mais a produtora da luz, porém age como uma viabilizadora da obtenção de luz acionada manualmente através de fogo colocado no pavio para queimar . No entanto, esse é apenas o início da construção deste artefato. A base desse objeto é produzida com chapas de flandres provenientes de latas de metal, moldadas para ser o suporte da lâmpada, uma base improvisada, fixada em uma parede com um eixo para mudar sua direção (outro artifício inusitado e original, não contemplado nos tradicionais soquetes fixos de lâmpadas comuns). Esta junção de elementos, fazendo alterações em todos os níveis do signo, é classificada como ressignificação do artefato, dada a complexidade da alteração do objeto, da sua idealização e construção. (figura 24)
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Produto
O resultado final deste TCC é constituído por duas partes: Artefatos e zine. A primeira etapa deste trabalho, os artefatos, correspondem aos objetos construídos com materiais descartados recolhidos de diversas fontes. O trabalho se desenvolveu da análise destes objeto encontrados. Havia-se a intenção da busca de novas parte de objetos para a construção de artefatos mais complexos, porém a situação pela qual estamos passando bloqueou esta operação, contudo foi possível realizar a construção com os objetos que já haviam sido recolhidos.
Com os artefatos finalizados foi feito um ensaio fotográfico com a finalidade de serem expostos em um fotozine, cujos capítulos possuem formatos distintos para cada artefato.
O zine inicialmente concebido para ser elaborado com os papéis reciclados também não deixou de sofrer alterações, novamente pela situação da pandemia que me inviabilizou visitar lugares que trabalham com este material. Porém houve uma solução viável, a troca consistente de substrato que antes seria papel reciclado manualmente e passou para o papel offset, buscando a origem da construção dos zines onde eram feitos neste substrato, em máquinas de xerox.
As circunstâncias que me impediram de buscar novos recursos, provocou momentos de reflexão com os objetos que já haviam sido recolhidos, trazendo momentos de criatividade e ajudando na construção dos artefatos finais.
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Zine
Os capítulos apresentam formas distintas de se manusear, apresentando e enfatizando a singularidade de cada artefato, mesmo que todos apresentem o mesmo conceito de base e estrutura, cada peça possui sua própria personalidade, características e ideia.
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Referências
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IPEA. Disponível em https://bit.ly/34Z7Lwe. Acesso em: 10/10/2019. IPEA. Disponível em https://bit.ly/2O5uWOr. Acesso em: 10/10/2019 FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Leitura Sem Palavras. São Paulo: Editora Ática,2002. FRAZÃO, Dilva. Biografia de Marcel Duchamp. Disponível em https://bit.ly/2rwstVx. Acesso em: 04/11/2019. MUNARI, Bruno. Artista e Designer. Lisboa: Edições 70, Lda, 2001.
MUNARI, Bruno. Fantasia. Lisboa: Edições 70, Lda. 1997.
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