Apollo: Quando o Amor está em Jogo

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Apollo é um jogador de futebol famoso e bastante procurado pela mídia. Sexo, dinheiro e fama não são problemas. As mulheres fariam qualquer coisa para ter um momento ao lado de um homem rico e lindo como ele, mas bastou um olhar na direção de uma certa morena de olhos verdes para bagunçar seu mundo perfeito. Kimberly é rica, mas sempre desprezou o dinheiro de seu pai que é dono de um grande clube de futebol. A imundice que acompanha tanto glamour não é para ela. Sua mãe e sua irmã, sim, amam essa vida. Ela não, por isso batalhou e se tornou jornalista por conta própria. Acontecimentos do passado fizeram com que evitasse se aproximar de jogadores de futebol a todo custo, mas uma entrevista com Apollo pode salvar a emissora na qual trabalha e manter o emprego de milhares de pessoas. Ela poderia lutar contra si mesma e contra tudo o que mais odeia para ajudar outras pessoas? Apollo teria o poder de quebrar a primeira regra na lista de proibições dela? Acompanhe essa história que vai além da negação, superação, perdão, sexo quente e a descoberta do amor.

Capítulo 1 Só dessa vez – Bom dia, Jane. Como vai seu bebê fofo? Está melhorzinho da gripe? – Está melhorando, Kim. Obrigada por perguntar.


Estou iniciando o meu turno como jornalista investigativa na emissora RNC, onde geralmente chego às nove, e a manhã já começou a todo o vapor com gente andando de um lado para o outro, jornalistas convocando sua equipe e olhos vidrados em computadores em busca de notícias recém saídas do forno. – Fico feliz que aquela coisa linda está melhor. Vou visitá-lo quando puder. Jane sorriu. – Já viu Sr. Olavo? Ele está louquinho para falar com você. – Olavo? O que ele teria para falar comigo? Será que tem algo a ver com o caso daquele político que estava recebendo propina? – Você ainda está mexendo com essa casa de abelhas, Kim? Aquele deputado é perigoso. Não tem medo dele tentar calar sua boca? Esse povo não tem escrúpulos. – Não. Eu não tenho medo. Se eu tivesse medo teria que mudar de profissão, não acha? – De certa forma... talvez tenha razão, mas cuidado. Esses caras fazem de tudo para se manter no poder. – Sei disso melhor que ninguém. Deixe-me ir. Vou ver o que meu chefe quer dessa vez. Continuo caminhando em direção à minha mesa. Antes de saber o que estava acontecendo, preciso guardar a bolsa e checar a minha caixa de entrada. Estou esperando a confirmação de uma informação quentíssima que pode ser um divisor de águas na minha carreira de jornalista. – Bom dia, Silvio. Bom dia, Ana. – Cumprimento meus colegas que trabalham nas mesas ao lado. – Já foi até a sala do chefe, Kimberly? Ele pediu para que o procurasse assim que você chegasse. – Silvio pergunta. Putz. Eu já tenho que começar o dia com Olavo tentando me podar, me dizendo que eu não vá tão fundo em minhas investigações, que não ponha minha vida em risco? Que raio de emissora pede que um jornalista não faça seu trabalho direito? Isso só deve existir aqui. – Ainda não. Daqui a pouco estarei lá. Alcanço a minha mesa e sento, ligando o meu computador. Aperto o play para que a minha playlist comece a tocar e dou um suspiro quando ouço as


primeiras melodias saírem do alto-falante. Eu tenho uma seleção para cada dia da semana e como hoje é quinta, a sequência inicia com a canção “Beautiful Day” da banda Irlandesa U2. É tudo o que desejo. Espero que hoje seja um dia bonito. Cantarolo o refrão enquanto guardo meus objetos pessoais no armário adjacente. “Está um lindo dia, não o deixe escapar”. A música tem o poder de elevar a minha alma, fazer do meu dia mais leve, mais esperançoso. Tiro da gaveta algumas fotos e as coloco em cima da mesa. Elas são a minha inspiração diária. Meu pai, Eduardo Nóbrega, está em uma delas dando um sorriso que pouco se vê em seu rosto quando está diante de outras pessoas. Para mim, ele sempre sorri. Eros, meu irmãozinho, está ao seu lado, dando um grande abraço. Eu amo meu irmão e, embora eu tenha usado diminutivo, ele é apenas um ano mais novo que eu. Tem vinte e cinco anos. Só não gostei da profissão que escolheu, mas isso é papo para mais tarde. Em outra foto está meu lindo noivo Rafael. Rafe, como costumo chamar. Ele é a melhor coisa que já me aconteceu. Nós temos três anos juntos e um de noivado. Estamos planejando nos casar daqui a no máximo um ano. Eu já tenho vinte e seis e ele trinta. Acho que já está na hora de construirmos uma família, não? Os três homens da minha vida. Juntos, em cima da minha mesa, me dão inspiração e razão para prosseguir. Se existem mulheres em torno de mim? Ah, sim, elas existem, mas falo melhor sobre elas em outro momento. Quanto ao meu trabalho? Todas as energias positivas são importantes para que eu não surte. É muita sujeira que encontro debaixo do tapete e preciso ter muito autocontrole para não levar os problemas para a minha vida pessoal. – Kim, Sr. Olavo disse que quer falar com você assim que chegar. – Outro funcionário passa por mim, deixando a tão repetida mensagem. Uau! Será que tem alguém desesperado por aqui? Esse cara deixou recado por todos os funcionários da emissora? Ele não vai me dar o direito sequer a respirar? Levanto da cadeira respirando fundo e estralo meus dedos antes de dar os primeiros passos a caminho do escritório do meu chefe. Estralar os dedos é como um mantra para mim. Parece que meu corpo ganha vida quando faço isso. Às vezes


me acho meio estranha por conta dessa mania, mas depois penso: quem não as têm? – Bom dia, Tânia. Sr. Olavo pode me receber agora? – Pergunto à sua secretária que levanta com a prontidão e eficiência de um soldado inglês. Seus cabelos devidamente presos em um coque e sua roupa cliché de secretária destoa completamente da loucura que é trabalhar em uma emissora de TV. – Ele só está te aguardando, Srta. Nóbrega. É sério isso? Alguém neste país ainda usa essa coisa de senhorita? Tânia deve ser um anjo do século passado enviado especialmente para lidar com Olavo. Eu não aguentaria ser sua secretária por um dia. – Obrigada, Tânia. Dou duas batidas na porta e a empurro para ter acesso à sala do meu chefe. Ele está falando ao telefone e nem percebe a minha entrada. – Eu quero isso resolvido ainda hoje. Se não conseguir essa entrevista, você está demitido. Demitido! – Grita, fazendo caras e bocas como se a pessoa do outro lado da linha pudesse lhe ver. Limpo a garganta e finalmente tenho sua atenção. Seus olhos se arregalam demonstrando algo que identifico como alegria, como se eu fosse sua tábua de salvação no meio de um maremoto. Ufa! Pelo menos dá a entender que aí não vem bomba. – Quer falar comigo, Olavo? Ele larga o telefone sobre a mesa, interrompendo a conversa sem a menor cerimônia e dá alguns passos em minha direção, parando mais perto de mim do que eu gostaria. Não precisa estar tão próximo para que eu sinta o fedor de cigarro que já havia se tornado seu perfume natural. Para completar, ele tenta escondê-lo com balas de menta, fazendo uma mistura infernal. Espero que a conversa seja curta. Não aguento ficar aqui por muito tempo. – Kimberly, que bom que você chegou. Sente-se. Precisamos ter uma conversa séria. Oh, oh! Talvez eu tenha sido precipitada em achar que não viria bomba por aí.


Puxo a cadeira e me sento, enquanto ele dá a volta em torno da mesa para ficar do outro lado. Senta-se diante de mim e inclina sua cabeça para frente, me encarando de um modo que me deixa constrangida. Desvio meu olhar, passando a observar os objetos e mobiliários à minha volta. As madeiras dos móveis são escuras e a sala é pintada em um tom gelo que dá um ar pesado ao ambiente. Eu não teria escolhido essas cores se a sala fosse minha, penso rapidamente. Réplicas de pinturas famosas quebram a monotonia do lugar e conseguem trazer uma atmosfera um pouco mais leve em contraponto aos mobiliários de aparência pesada e rústica. Ao menos um pouco de vida em uma sala tão obscura. – Do que se trata, Olavo? Desde que cheguei à emissora, todos estão me dando recados e mais recados. O que aconteceu agora? Tem alguma coisa a ver com aquele deputado? – Não. Dessa vez não tem nada a ver com suas investigações. A questão é que a emissora está precisando de você como nunca precisou tanto de alguém. Você sabe que nunca tivemos interesse em usar suas influências, mas dessa vez não temos escolha. Tenho um pedido muito sério a te fazer, Kim. Me chamou pelo apelido? Mal sinal. Com certeza vai me pedir algo realmente muito importante. Quase impossível. Ele não baixaria a guarda se não tivesse um bom motivo para isso. – Desembucha de uma vez, homem. Já está me deixando preocupada. Estralo meus dedos das mãos mais uma vez e fico me perguntando se eu pareceria louca se começasse a estralar os dedos dos pés também. Resolvo não arriscar. – Calma, Kim, não vou te pedir o impossível ou qualquer coisa absurda. Aliás, o impossível você faz todos os dias em seu brilhante trabalho. O que vou te pedir está completamente dentro das suas possibilidades. Hum... me enchendo de elogios à toa? Isso não é próprio do meu chefe. Deve ser algo que vai mover o mundo. Nunca o vi tão bonzinho. Estralo o último dedo e volto minha atenção para ele que franze a testa ao ouvir o último estralo. Será que sou tão estranha assim? – Continua com essa mania, hein, Kim? Estralar os dedos atrofia as juntas, sabia disso?


Sempre achei que essa conversa era só invenção das pessoas mais velhas. Tenho essa mania desde criança e meus dedos são completamente normais. Eu poderia ser um caso a ser estudado pela ciência? – Você não me chamou aqui para falar dos meus dedos, Olavo. Só faço isso quando estou nervosa e é como você está me deixando. Fale logo o que está acontecendo? Não tenho paciência para adivinhas. Como eu falo assim com meu chefe? Eu sou boa no que faço. Se ele me demitir, tem um punhado de emissoras que vão querer o meu trabalho e ele sabe disso. Esporadicamente recebo uma proposta, mas ainda não encontrei motivos para mudar de casa. – Você quer que eu vá direto ao assunto, é o que farei. Bem, como todos sabem, seu pai é dono de um dos maiores clubes de futebol deste país e, por isso, você cresceu no meio de celebridades, jogadores e artistas famosos. – Já não estou gostando do rumo dessa conversa, mas continue. – A emissora está perdendo contratos de propaganda de marcas expressivas porque não estamos apresentando um diferencial na área que sempre foi o nosso carro chefe, que é o esporte. – Talvez seja o momento de investir em outra área? – Talvez. Pode ser que você tenha razão, mas investir em outra área demanda tempo e dinheiro. No momento não temos nenhum dos dois. Penetro meus olhos verdes nos seus enormes e negros totalmente proporcionais ao seu rosto rechonchudo em busca de mais alguma informação que negue ou confirme o que eu estou pensando. Minha atenção agora está cem por cento voltada a essa conversa. – Está querendo dizer que a emissora pode fechar as portas? Ela tem chances de falir? Ele respira fundo e se recosta em sua cadeira olhando para o teto como se lá fosse encontrar a melhor resposta para me dar. – É exatamente o que estou dizendo, Kimberly. Se algo não for feito com extrema urgência, os dez mil trabalhadores da RNC correm o risco de ficar desempregados da noite para o dia. Caramba, pensei que estava trabalhando em uma empresa sólida, que não corresse esse risco. Dez mil pessoas sem emprego. Dez mil famílias sem seu sustento. Não, algo tem que ser feito. Isso não pode acontecer.


– O que eu posso fazer para ajudar? Ele solta a respiração que parece estar presa em seus pulmões. Suas feições aliviam como se eu fosse a super heroína que está prestes a salvar a emissora dessa situação. De que forma eu faria isso? – Você pode fazer muito, Kim, não tem ideia do quanto. Você pode contribuir para que a emissora permaneça forte, mas para isso terá que trabalhar na área que sempre tentou fugir. Não, não e um sonoro não. A área esportiva não me atrai, não é o que quero e representa tudo o que mais odeio. Lembro de minha mãe dizendo: “você foi criada para casar com um jogador de futebol rico e famoso. Linda como é e com os contatos certos, não terá qualquer dificuldade”. A insistência de minha mãe me fez nadar contra a maré. Um acontecimento da infância também colaborou para isso. Eu não quero qualquer relação com qualquer tipo de esporte, mesmo tendo um pai dono de clube e um irmão jogador de futebol. Essa definitivamente não é a minha praia. – Eu não vou trabalhar no setor de esportes, Olavo. Se essa é a sua ideia, então desista. Tente buscar outro meio de salvar a emissora. Traços de cansaço voltaram a tomar seu rosto. Percebo duas bolsas de gordura sob seus olhos, mostrando que não tem dormido direito. Olhando bem, seu rosto parece bem mais envelhecido do que me lembro. – Kimberly, entenda uma coisa. Se eu pudesse mandar qualquer pessoa fazer esse trabalho em seu lugar, não tenha dúvidas de que faria, mas você é a única com conhecimentos suficientes para conseguir essa entrevista. Eu te peço que faça apenas dessa vez e depois não falamos mais no assunto. – Entrevista? Você não tinha comentado sobre qualquer entrevista. Do que está falando exatamente? – Vou te explicar. Você conhece o jogador Apollo Assunção, não é? – Sim, já ouvi falar. Ele não é o jogador mais disputado pelos clubes de futebol? – Ele mesmo. Há rumores de que recebeu uma proposta para jogar em um dos maiores times da liga europeia, mas ainda não divulgou a notícia para a imprensa. Parece que está tentando manter em segredo pelo máximo de tempo possível.


– Certo. E onde eu entro nisso? Ainda não consegui entender, Olavo. – Vai entender agora. Você, Kimberly, é a única nessa emissora com influência suficiente para entrar no estádio e se aproximar de Apollo. O clube dele estará jogando contra os Avantes hoje, e como seu pai é dono do clube, eu pensei... Nem o deixei continuar. Me levantei da cadeira como se brasa estivesse queimando minha bunda. Inclinei meu corpo para frente e apontei um dedo na cara do meu chefe. Eu não estou nem aí se essa atitude vai ter consequências. – Não, entendeu? Vou soletrar: N-A-O-til. Não! Você acha que estudei tanto e lutei para vencer às minhas próprias custas para, na primeira oportunidade, usar a influência do papai? Não, Olavo. Eu detesto jogadores de futebol, são todos arrogantes, senhores de si e pretendo manter o máximo de distância possível. – Kim, pense bem. Eu preciso que leve em consideração as pessoas que podem sair perdendo por sua recusa. Uma entrevista em primeira mão com Apollo é tudo o que precisamos para que as abelhas corram para o mel. As marcas só vão voltar a investir se pudermos provar que somos bons. Eu preciso de você. Eu quase consigo ver lágrimas caindo dos olhos de Olavo. Sei o quanto a emissora é importante para ele e para milhares de outras pessoas, porém desta vez ele foi fundo na minha lista de proibições. Sim, eu tenho uma lista dessas, de verdade. E no seu topo está escrito que jamais devo ter qualquer contato mais próximo com um jogador de futebol, mas como todas as regras têm exceção, meu irmão é a única. Por quê? Quem sabe eu conto a qualquer momento. O fato é que preciso tirar essa ideia da mente do meu chefe a todo custo. – Olavo, se tiver alguma coisa, qualquer coisa mesmo que não seja me envolver no departamento de esportes, me avise que estarei mais que disposta a ajudar. Se a única opção for essa, lamento, mas está acima das minhas possibilidades. Ele balança a cabeça em negação a cada palavra que sai da minha boca. – Sabe que eu nunca entendi essa sua teimosia para fugir de um universo que está no seu sangue, entranhado em sua família? Meu Deus, é como se um peixe estivesse fugindo do mar. Você seria tão bem sucedida se resolvesse voltar atrás, mudar de ideia, investir na carreira de jornalista esportiva. Cristo, será que eu vou ter que desenhar? Ele ainda vai insistir nisso?


– Eu não quero voltar atrás. Eu não quero mudar de ideia. Posso te garantir que tenho meus motivos. Minha resposta é definitivamente não. Olavo fecha os olhos e parece juntar todo o fio de paciência que ainda lhe resta. Suga todo oxigênio que consegue e levanta as pálpebras, exibindo um ar de vencido. – Vamos fazer dessa forma. Você não me dá a resposta agora. Pese todas as consequências boas e ruins caso aceite fazer a entrevista e pense nas pessoas que podem depender da sua escolha. Eu estou literalmente em suas mãos. Continuo balançando minha cabeça em negação enquanto ele fala. – Ha ha, você fala como se tivesse certeza de que Apollo Assunção aceitaria me dar uma informação tão importante apenas ao olhar para os meus lindos olhos verdes. Cai na real, Olavo, o cara deve ter mil seguranças impedindo qualquer reles mortal de chegar perto dele. – Apenas pense, Kim, é só o que te peço. Apenas pense. Pensar, pensar... é tudo o que eu menos quero fazer agora. Meu desejo íntimo é de apenas bloquear qualquer pensamento e me manter firme na decisão de permanecer o mais distante possível de qualquer jogador. E daí que eu tenho grandes chances de conseguir essa entrevista caso use o nome e a influência do meu pai? E daí que milhares de pessoas podem ficar desempregadas em um país passando por uma crise financeira? E daí que uma das maiores emissoras de televisão pode fechar suas portas? Droga, essa não é você, Kimberly. Me levanto da cadeira e caminho em direção à porta da sala do meu chefe sem dizer mais nenhuma palavra. Paro no batente e olho para trás apenas para ver Olavo me fitando com cara de cachorro pidão. Por um segundo, sinto pena dele, um desejo de voltar atrás em minhas próprias convicções e lhe dizer sim. Mas não posso. Eu simplesmente não posso. Talvez em algum momento todos entendam que está acima das minhas forças. Caminho em busca do banheiro como um zumbi que não sabe para onde vai e que apenas deixa suas pernas lhe guiar. Não vejo nada nem ninguém diante de mim, apenas um turbilhão de pensamentos que trava uma guerra entre a razão e a emoção. – Kim, está tudo bem com você?


Tânia me para no caminho e por uma fração de segundo não a reconheço. Será que meus pensamentos chegaram ao ponto de nublar minha visão? Seu rosto perfeitamente maquiado sobre a pele lisa e sem rugas dá sinais de que aguarda uma resposta. Eu não gosto de fingir apenas por convenção. – Não, Tânia. Nada está bem. Sabe quando você se sente encurralada, pressionada contra a parede, sem encontrar uma saída? Estou me sentindo exatamente assim neste momento. – Aconteceu alguma coisa? Você foi demitida? Era isso que o chefe queria te dizer? Dou um sorriso tranquilizador a ela e rio internamente da sua inocência. Demissão seria uma possibilidade bastante improvável uma vez que meu trabalho rende muito na emissora. – Antes fosse isso. Antes fosse. Eu estaria mais feliz porque o problema seria apenas comigo. – Ah, que bom, então. Você faria muita falta aqui, Kim. Sim, eu sei que ela está sendo sincera, pois aqui na emissora sou daquele tipo que se envolve no trabalho dos outros, que ajuda no que pode, que põe uma música e dá vida ao ambiente e que programa as confraternizações. Só não me envolvo com o departamento de esportes. – Obrigada, Tânia. Você é sempre uma fofa. – Falo enquanto aperto sua bochecha rosada pelo blush e percebo que ela fica ainda mais rosada. Tânia enrubesce com minha atitude. Me despeço com um beijo em seu rosto e volto a dar passos largos em direção ao banheiro. Quando alcanço a pia, me encosto nela e encho as mãos de água jogando sobre o meu rosto como se pudesse lavar minha alma. Olho para a imagem no espelho me encarando com seus olhos verdes, cabelos castanhos e pele morena. A mulher diante de mim nunca fugiu de um desafio, sempre foi forte e ultrapassou barreiras para se tornar a pessoa que é. A mulher diante de mim foi criada para ser a boneca do papai ou a prostituta da mamãe, mas decidiu trilhar seu próprio caminho. Até hoje. Hoje a vida lhe deu um desafio que ela tem medo de não conseguir vencer e não quer nem ao menos tentar.


É isso. Chega dessa história. Tenho muito trabalho a fazer e enquanto a emissora está de pé tenho que continuar dando o melhor de mim. Não me julgue, por favor, ninguém sabe os meus motivos. Aliás, apenas minha prima Nina sabe. Somente ela, mais ninguém. Volto para a minha mesa tentando desesperadamente me concentrar em escrever um artigo de opinião que deverá estar pronto para o outro dia no site da RNC. Eu já contei o que significa essa sigla? Rede Nacional de Comunicação. Isso mesmo. A emissora é grande e transmitida para todo o país. Imagine a catástrofe de uma empresa desse porte fechar suas portas? As frases estão começando a se formar em minha mente, enlouquecidas para tomar forma, quando o mouse clica sem querer em um site de propagandas e adivinha quem aparece na tela? Ele mesmo. Apollo Assunção em carne, osso e músculos. E que músculos! Ele parece estar me olhando com duas piscinas azuis cristalinas brilhando em minha direção, cabelos loiros bagunçados propositalmente e uma boca... Uau! Esse cara, antes de nascer, passou na fila das bocas perfeitas e sensuais pelo menos umas dez vezes. Não é a toa que há tanto furor em torno dele. Além de ser o homem da vez quando se trata de futebol, é lindo de morrer. Quem não sonha fisgar um homem rico e bonito? Acho que eu sou a única a levantar o dedo. Descobri há algum tempo que dinheiro não é tudo. Quanto à beleza... ah, vai, qualquer pessoa há de concordar que beleza é fundamental, como dizia o poeta. Apollo deve ter entre vinte e sete ou vinte oito anos de idade, o que lhe dá um ar de garoto, reforçado por seu jeito extrovertido, e de homem ao mesmo tempo. Homem com H maiúsculo. Uh, que calor! Mas é claro que um homem desses tinha que ter um defeito, não? Ele tinha que ser a porcaria de um jogador de futebol? Não. Definitivamente, ele nunca entraria em minha lista. Além de tudo, Kimberly, lembre-se que você é noiva. Noi-va! – Kim, eu posso conversar com você? – Meus pensamentos são interrompidos por Tânia.


O jeito tímido dela faz brotar em mim uma mistura de simpatia e piedade ao mesmo tempo. Parece sempre tão carinhosa, mas, por outro lado, sempre tão carente. – Claro, Tânia. Acho que agora é a minha vez de perguntar se há algo acontecendo. – Tem, sim. E se eu não desabafar, acho que vou acabar tendo um troço. – Fala de uma vez, então, mulher. Posso te ajudar em alguma coisa? – Você sabe que tenho um filho de cinco anos que é a coisa mais valiosa que tenho no mundo, não é? – Claro, seu filho Guga. Já faz um tempo que não o vejo. Deve estar enorme. O que tem ele? – Ah, Kim, eu não contei a ninguém, mas preciso falar com alguém. Guga... meu pequeno Gustavo estava cansando e tendo vômitos com alguma frequência e a princípio os médicos pensaram que era uma virose, fiz o tratamento indicado, contudo os sintomas se prolongavam. Depois que fizemos alguns exames... – Lágrimas descem pelo rosto dela agora. – Oh, querida. Espero que não tenha más notícias. Ele sempre foi um garoto tão saudável e vejo seu esforço para ser uma boa mãe. Beba um pouco de água e sente-se. Tente manter a calma. Enquanto eu encho um copo com água, ela puxa uma cadeira para sentar. Entrego-lhe o copo e ela bebe o conteúdo, dando alguns goles e parando para recuperar o fôlego esporadicamente. – Está mais calma agora, Tânia? Só continue falando quando quiser. Eu tenho o dia todo para te escutar. – Falo a última frase sorrindo na tentativa de animá-la um pouco. Parece que funcionou. – Acho que estou mais calma, obrigada. Como eu estava dizendo, meu pequeno não ficava bom com nenhum medicamento, mesmo depois de passar por vários médicos de especialidades diferentes. – Você nunca me contou isso. Estávamos todos aqui na emissora achando que sua vida era perfeita. Eu podia tentar ajudar, não sei, talvez falar com um médico que é amigo da minha família ou quem sabe...


Ela abre a mão em minha direção interrompendo a minha fala. Ela queria continuar desabafando e eu a impedi. Que mania essa minha de falar pelos cotovelos. – Não precisa, Kim, eu te agradeço muito. O que está fazendo agora já é mais do que suficiente. Você confiou em mim quando disse que estava com problemas e isso me deu forças para te procurar e desabafar. Eu sou assim mesmo. Costumo guardar os problemas comigo. Acontece que já estava sufocada. Dessa vez eu não digo mais nada. Apenas balanço a cabeça assentindo e respeito o seu tempo para continuar falando. Sua maquiagem perfeita agora está borrada e o delineador mancha debaixo de seus olhos castanhos. Passo o polegar e tiro o excesso do lápis preto de seu rosto. – Meu filho... meu pequeno Guga foi diagnosticado com Lupus em estágio 1. Você sabe o que é isso? Meu bebê de apenas cinco aninhos tem uma doença autoimune e requer cuidados de perto, já que coloca a vida dele em risco. Tapo minha boca em surpresa. Não conheço muito sobre o assunto, mas é algo que vou começar a pesquisar. Eu preciso conhecer melhor sobre a doença e saber se posso ajudar Tânia de alguma forma. – É muito sério? Quer dizer, você disse que está em estágio 1, então é sinal de que pode avançar para outros estágios? – Sim. Graças a Deus, esse é o mais leve, porém isso não quer dizer que seja mais fácil de lidar. Gustavo vai ter que tomar medicamentos e ter cuidados especiais provavelmente por toda a vida. – Puxa vida, imagino o impacto que você e seu marido sofreram quando tiveram essa notícia. Seu choro aumenta ainda mais e tenho vontade de socar o meu próprio rosto por algo que eu disse e despertou suas lágrimas novamente. O que foi que eu falei mesmo para fazê-la chorar assim? – Tânia, o que foi? Eu disse alguma besteira? Me desculpe. Puxando todo o ar possível para encher seus pulmões, ela suspira, tentando controlar seus soluços. – O meu marido... o pai do meu filho foi embora há seis meses e até hoje não deu mais notícias. Só ouvi o boato de que está com outra família e não tive mais nenhuma informação.


Dou a volta em minha mesa e sento-me ao lado dela, puxando sua cabeça para se recostar em meu ombro. Aliso seus cabelos e deposito ali um curto beijo para mostrar que ela não está sozinha, que pode contar com os amigos. – Por que tudo de uma vez? O que eu fiz para merecer tanto tormento? Será que os céus estão me castigando por algo que eu fiz e não lembro? Cristo, se tem alguém que quase não deve ter pecados deve ser essa criatura. É a mãe mais dedicada que já vi, excelente funcionária e era ótima esposa. Levantei sua cabeça do meu ombro e segurei seu rosto para que ela olhasse no fundo dos meus olhos. Preciso de sua total atenção. – Tânia, vou falar apenas uma vez e espero que me ouça. Você não tem culpa alguma de tudo o que está acontecendo. Se seu marido a abandonou, ele é um verme e totalmente irresponsável. Eu esmagaria o pescoço dele se aparecesse em minha frente. Na verdade, acho que só ele saiu perdendo. – Você sempre dizendo as coisas certas no momento certo, kim. – E tem mais. Se o lindinho do Guga está doente é porque você é uma pessoa especial, escolhida por um ser superior, com amor suficiente para lidar com essa situação. Já imaginou se Guga fosse filho de uma irresponsável também? – Deus me livre. De irresponsável já basta o pai dele. – Então. Eu sei que é difícil ver um lado bom nessas circunstâncias, mas pelo menos tenha em mente que você não tem culpa de nada. Às vezes a gente só sabe perguntar ‘por que eu?’ e nos esquecemos de perguntar ‘por que não eu?’. Já pensou nisso? – É tão bom conversar com você. Eu me sinto mais leve, mais esperançosa. Obrigada por me dar ouvidos. Pelo menos uma coisa boa eu sei que tenho. Meu emprego que me dá condições de sustentar meu filho e comprar seus remédios. E amigos. Sei que aqui na emissora eu tenho bons amigos como você que farão o possível e impossível para me ajudar se eu precisar. Não! Eu deixo de ouvir o que ela fala a partir do momento que usou as palavras emprego, sustento e remédios na mesma frase. Estralo os cinco dedos de uma mão de uma só vez e mais os cinco dedos da outra, fazendo um barulho tão alto que chega a assustar Tânia. Ela me considera uma amiga? Ela acha que faria qualquer coisa para ajudála caso precisasse?


Se ela soubesse que não faz uma hora que me neguei a ajudá-la, não estaria fazendo esse discurso. Ela não pode perder o seu emprego. Não pode deixar de cuidar de seu filho. Deus, eu sou um monstro. Penso apenas nos meus problemas, apenas em meu próprio umbigo, enquanto as pessoas têm problemas maiores que os meus e dependem da minha tentativa, apenas uma tentativa de salvar seus empregos. – Kim, você está me ouvindo? Dou um sorriso reconfortante a ela e começo a me levantar para tomar uma atitude. Não tem jeito. Vou ter que quebrar a regra número um da minha lista de proibições. – Estou, querida, você está certa. Eu farei qualquer coisa para te ajudar. Me deixe saber o que preciso fazer e lá estará. Agora tenho que voltar à sala de Olavo. Acho que ele vai gostar da notícia que tenho para lhe contar. Você ainda não sabe, Tânia, mas aprendi uma grande lição com sua história hoje. – Verdade? Que tipo de lição? – Às vezes damos uma dimensão maior aos nossos problemas do que eles realmente têm. O que são meus problemas diante das dificuldades que você está passando agora, por exemplo? Tire o dia de folga. Vá ficar com seu filho. – O quê? Não posso. Sr. Olavo pode precisar de mim. – Eu não sou seu chefe, mas pode confiar em minha palavra. Ele não vai precisar. Pode deixar que eu assumo. Vá para casa e encha seu filhote de beijos. Ele deve estar precisando de muito carinho. Tânia me surpreende quando pula em meu pescoço de um jeito intempestivo e me dá um beijo forte na bochecha, provando sua gratidão. – Obrigada, obrigada, eu não sei como te agradecer. Quero que saiba que estou a sua disposição caso precise de mim também. Eu a acompanho até sua mesa e a vejo pegar sua bolsa para sair. Dessa vez bato na porta e aguardo um convite para entrar na sala. Olavo pode estar ocupado com um dos funcionários ou representantes. Sua voz grossa me convida para entrar e dou um passo para dentro, tomando todo o fôlego necessário pra me dar forças a fim de tomar a decisão certa. Só dessa vez, Kimberly, repito para mim mesma. Quebre a regra só dessa vez. É por uma boa causa. Depois você pode voltar para a sua redoma de vidro. Sim, é isso o que vou fazer. Só dessa vez.



Capítulo 2 Quebrando as regras – Eu não sei o que ou quem te fez mudar de ideia, Kimberly, mas se eu soubesse, iria agradecer de joelhos a essa pessoa. Não sabe o quanto estou contente em ouvi-la dizer que vai fazer a entrevista. Meu chefe quase começou a pular de alegria quando finalmente disse que aceitava me esforçar para fazer a tal entrevista. É como se eu tivesse anunciado o fim de todos os seus problemas. – Não disse que vou fazer. Eu apenas disse que vou tentar. Você tem ideia de quantos jornalistas devem estar de prontidão para entrevistar esse cara? É mais fácil conseguir uma entrevista exclusiva com o presidente dos Estados Unidos. – Tente, Kimberly. Tente com todas as suas forças. Use sua influência e conhecimento pelo menos uma vez na vida, garota. Deve servir de alguma coisa ser filha de Eduardo Nóbrega e irmã de Eros. Se ele soubesse que ser filha de um homem como meu pai me trouxe mais problemas do que oportunidades... com certeza voltaria atrás em suas palavras. – Se eu quisesse ter qualquer relação com as atividades que meu pai e meu irmão exercem, sem dúvidas eu não estaria aqui e sem dúvidas não estaríamos tendo essa conversa. Me tornei jornalista por decisão própria, Olavo. Não quero e nem preciso da influência do Sr. Eduardo Nóbrega. – Sei disso, Kim, não me entenda mal. É que na nossa profissão, muitas vezes dependemos de contatos pessoais também. Quando se conhecem as pessoas certas, é mais fácil conseguir tarefas difíceis como esta. – Tem razão, mas só estou entrando nessa por um motivo. Você estava procurando alguém para agradecer? Então terá sua oportunidade. Foi Tânia, sua secretária, quem me convenceu. Aliás, ela não. Foi sua história de vida. Você sabia que o filho dela está doente? – Tânia? Não, eu não sabia. O que Gustavo tem? – Não vou entrar em detalhes. Você só precisa saber que ele está precisando muito da mãe neste momento. A minha condição para tentar essa entrevista é que antecipe as férias dela. Eu já a liberei por conta própria hoje, apesar de sua resistência. Ela não queria ir sem sua autorização.


– Você deu férias para ela? – Não. Quem tem o poder de dar férias a ela é você. Apenas pedi para que tirasse o resto do dia de folga. Tânia sempre foi muito responsável e competente. A emissora tem que apoiá-la agora. Me surpreendo ao perceber que Olavo não parece irritado. Seu olhar mostra um lado que eu ainda não conhecia de um cara sensível e que se preocupa com os outros. – Vou mandar o RH providenciar as férias de Tânia. Vou pedir para que entrem em contato e, se ela precisar de mais dias para acompanhar o filho depois, estará liberada. Satisfeita agora? – Satisfeitíssima. – Mas eu ainda não. Olavo senta diante de sua mesa, tão concentrado em meu rosto, que me deu até medo. Trac, trac. Comecei a estralar os dedos, um a um, enquanto esperava com ansiedade o que viria a seguir. – Eu preciso... não, eu imploro para que dê o máximo de si para conseguir essa entrevista. Sei o quanto é brilhante e que vai conseguir caso se dedique. Kimberly, o emprego de Tânia e de milhares de pessoas podem depender do seu esforço. Eu tenho que ter esta informação em primeira mão, entendeu? Estrategista! Eu sei que jogo ele está jogando. Quer colocar toda a carga de responsabilidade em cima de mim para que eu me empenhe mais. Até parece que ele não me conhece. Eu sempre dou o máximo de mim quando aceito um desafio. Com este, não será diferente. – Chega dessa ladainha. Me diga o que devo fazer. Você já tem as perguntas prontas? Passe-as para mim, homem. Tenho que andar para tentar ter acesso ao estádio. Ele me olha apreensivo. Seus cílios piscam rapidamente, denunciando sua insegurança. Solta, vai, Olavo. Eu sei que lá vem bomba. – Realmente tem que ir, Kim. O jogo será esta tarde e os jogadores devem estar chegando a qualquer momento. Você... terá que se virar. A informação que precisamos basicamente é a confirmação ou não da sua partida para a Europa e, de preferência, todos os detalhes sobre a transação. O câmera que estará com você é Nelson, o melhor que nós temos.


– Quer dizer que eu não terei perguntas prontas? Eu não conheço nada sobre esse cara nem quais são os boatos que estão rolando. Que diabos vou perguntar a ele? Está louco, Olavo? – Vá, Kimberly, apenas vá. Sei o quanto é competente e tenho certeza de que se sairá bem como sempre fez. Então é isso. Eu estou entrando na cova dos leões sem qualquer proteção, sem saber o que vou fazer ou com o que posso me deparar. Não me leve a mal, não sou do tipo negativista, mas será que só eu estou vendo que essa entrevista será um fiasco? Sou virginiana, ora essa, perfeccionismo está no meu sangue. Sempre me organizo antes de fazer qualquer coisa e sempre me preparo para o imprevisível. Desta vez, a regra do jogo é lidar com o inesperado. Certo. Então, vamos lá. Saio do escritório dele correndo para a minha mesa. Olho em volta e vejo como todos estão concentrados trabalhando como se o amanhã estivesse garantido. Sabem de nada, inocentes! Não têm ideia do que pode estar prestes a acontecer. Pego meu celular de dentro da bolsa e paro alguns segundos apenas olhando para ele. Eu tenho que fazer uma ligação para o meu pai que vai deixá-lo esperançoso e feliz, mas a mim nem um pouco. Sempre quis que eu trabalhasse com ele, mas eu sempre fugi desse destino como o diabo foge da cruz. Apertei cada número como se a minha mão tivesse o peso de um piano. Eu sempre gostei de falar com meu pai. Temos a melhor relação que um pai e uma filha possam ter, porém essa será a primeira vez que ligo para pedir um favor. Principalmente um favor que tenha a ver com futebol. – Alô! Oi, Kim. Como vai a minha princesinha? Acredite. Sr. Eduardo Nóbrega ainda me chama desse jeito, é mole? – Estou muito bem, pai. Como está sendo sua manhã? – Bastante agitada, querida. Nós temos um jogo muito importante daqui a pouco contra o Atlético Gladiadores e preciso estar no pé desses caras ou vão fazer merda mais uma vez. A gente tem que ganhar esse jogo hoje, filha. – Imagino como as coisas estão aí, mas não estou te ligando para ouvi-lo discorrer sobre futebol. O senhor sabe o quanto detesto tudo isso.


– Sei e não consigo entender até hoje. Esse clube é seu e de seu irmão. Você precisa estar à frente dele. Eu não quero viver preocupado com o futuro de um patrimônio que eu criei com tanto esforço para a minha família. Sonho com o dia que você vai pensar melhor sobre o assunto e decidir me ajudar na administração. Eu te criei para isso. Eu te criei para isso. É a frase que mais ouvi na minha infância. ‘Eu te criei para se tornar esposa de jogador de futebol’, dizia a minha mãe. ‘Eu te criei para se tornar uma grande administradora em um universo tão masculino como o futebol. Você é forte e sei que vai conseguir’, dizia meu pai. Era jogada de um lado para o outro como uma bola disputada por vinte e dois jogadores, cujo destino não tinha sequer o direito de opinar. Confesso que não me importava em seguir o que meu pai pensava para mim. Estava até propensa a seguir esse rumo. Mas algo aconteceu. Aconteceu e mudou todo o meu mundo, minhas perspectivas, meu jeito inocente de ver o mundo e as pessoas. Tudo mudou. – Pai, chega dessa conversa. Olha, estou precisando de um grande favor seu. – É sério o que estou ouvindo? Minha princesinha autossuficiente está me pedindo um favor? Não sabe o quanto estou feliz em saber que seu velho pai pode servir para alguma coisa, querida. – Sem dramas, por favor. É o seguinte, a principal jornalista esportiva da emissora está doente – minto – e não pôde vir trabalhar hoje. Olavo implorou para que eu tentasse conseguir uma entrevista com os jogadores que estarão aí esta tarde. O senhor consegue me dar acesso ao estádio? – Se consigo? Basta se identificar como minha família e terá acesso a qualquer lugar deste país. Você sabe muito bem disso. Devo agradecer ao seu chefe por estar quebrando essa barreira entre você e o futebol. Ganhei o meu dia com esta notícia. – Não se empolgue. Será apenas desta vez e pronto. Não pretendo voltar a fazer trabalhos deste tipo. Eu sou jornalista investigativa e estou muito bem com minha profissão. – Certo, certo. Me deixe saber quando estiver chegando. – Ok, muito obrigada. Fico te devendo essa. – Desse jeito você me ofende, princesinha. Até logo, então.


– Tchau, pai. Trac, traaaaac! Estralo os meus dedos sabendo que a hora de enfrentar os meus medos havia chegado. Respiro fundo enquanto pego a minha bolsa, o meu tablete e um gravador na gaveta. Se eu conseguir a entrevista, ela será filmada, mas eu preciso me preparar um pouco antes. Alcanço a portaria da emissora e sinto minha barriga roncar. Olho para o relógio e percebo que já passa do meio-dia. Nessa vida agitada, eu já estava acostumada a adiar a hora do almoço. Hoje seria mais um dia destes. – Kimberly, Kimberly... ainda bem que te alcancei. – Nelson estava arfando por ter corrido para me encontrar. Eu tinha esquecido completamente dele. – Desculpe. Mais um minuto e eu já estaria bem longe. Ele me dá um sorriso que enruga toda sua pele do rosto, na tentativa de me tranquilizar. – Fico feliz que cheguei a tempo, então. Olho para o céu e percebo que nuvens acinzentadas estão se formando para anunciar um temporal. Algumas gotas finas de chuva começam a pingar em meu braço e me apresso para entrar no carro antes que elas fiquem mais grossas. – Não vai no carro da emissora? – Nelson me pergunta enquanto guarda os equipamentos. – Não. Vou no meu. A depender do horário que saia de lá, vou direto para casa. Eu sei que estarei extremamente cansada quando deixar aquele estádio. Só a ideia de entrar lá já traz um peso às minhas costas. O meu cansaço será muito mais psicológico do que físico. Eu estou prestes a enfrentar os meus demônios. A emissora fica um pouco distante do local do jogo e eu tenho que me apressar para chegar antes da partida começar. Meu pai que me perdoe, mas penso ligeiramente em torcer para o Atlético Gladiadores, pois, quem sabe assim, o cara está de bom humor e resolve me dar a tão sonhada entrevista. Depois de enfrentar um enorme engarrafamento, de me irritar com meia dúzia de motoristas machistas e de sobreviver às ruas alagadas, consigo chegar ao estádio Armando Vieira, localizado na Zona Sul de São Paulo. Logo avisto centenas de jornalistas na entrada e imagino a quantidade que já deve estar lá dentro. Porra, esse cara é realmente muito famoso. Se ele não


estivesse jogando, tenho certeza de que não haveria tantos gaviões rodeando o lugar. Estaciono o carro e percebo que Nelson estaciona bem atrás do meu. Peço para que ele aguarde enquanto vou falar com os seguranças. – Nelson, é melhor que você espere aqui. Vou tentar conseguir a nossa liberação, me identificar e ver se consigo entrar. É claro que a emissora tem acesso ao estádio como qualquer membro cadastrado da imprensa, mas o pessoal do esporte está na área dos jornalistas e eu preciso ter acesso a um lugar mais próximo. Eu tenho que entrar no vestuário. É pedir demais? Talvez, mas posso garantir que já penetrei em lugares impensáveis para conseguir uma boa notícia. Aqui não será diferente. – Eu aguardo, Kim. Vá lá, garota. A chuva havia diminuído e apenas uma garoa cai sobre nós. Me aproximo dos jornalistas e tento forçar meu acesso entre seguranças. Ouço palavrões e caras feias voltadas para mim, mas não dou a menor importância. Tenho um objetivo e preciso me concentrar nele. – Senhora, se afaste, por favor. Todos os jornalistas autorizados já entraram no estádio. – Senhor... – procuro por seu nome no crachá e consigo ver um sobrenome em um borrão. – Almeida, meu nome é Kimberly Nóbrega e sou filha do Sr. Eduardo Nóbrega, presidente e proprietário do Avantes Esporte Clube. Pode autorizar minha entrada? Ele provavelmente não ouviu nada do que eu disse. Deve ter entendido que eu tinha vindo de Marte, tinhas chifres e quatro olhos pelo modo que me olhou e começou a rir. Merda! Pelo visto entrar nesta porcaria vai ser mais difícil do que pensava. Saio do meio da multidão e procuro um lugar onde eu possa ligar para o meu pai. Ele não podia imaginar que meu acesso seria difícil? Não podia deixar uma pessoa me aguardando na entrada? Disco o número dele e deixo chamar. Toca inúmeras vezes, mas ele não atende. Ligo novamente. Toca, toca e nada. Porra, agora é uma questão de honra. Nem que eu tenha que pular aquele enorme muro, eu vou entrar nessa joça. Custe o que custar.


Já estou caminhando mais uma vez em direção aos seguranças, quando meu telefone toca. Meu pai. Finalmente. – Pai, não me deixaram entrar. Pode mandar alguém para autorizar? – Não deixaram? Você disse que é minha filha? – Claro que disse. De que outra forma poderia sonhar em entrar sem autorização? Acontece que dizer que é sua filha não é o suficiente para me dar acesso. Os seguranças estão apenas fazendo o seu trabalho. Quantas pessoas podem chegar com histórias parecidas para tentar entrar? – Foda-se. Uma Nóbrega nunca pode ser barrada na entrada de qualquer lugar. Esses caras vão pagar por ter te impedido. – Pai, não faça nenhuma besteira. Apenas autorize minha entrada. – Vá para o portão, Kimberly. Você vai entrar agora. Ele desliga o celular sem me dar qualquer oportunidade de falar mais nem uma palavra. Chamo Nelson para me acompanhar e vamos para a entrada do estádio. Depois de muito esforço, consigo alcançar o portão e o segurança me reconhece, abrindo um sorriso sarcástico novamente. Eu já estou no limite da minha paciência, mas não há o que fazer naquele momento. Só me resta esperar. – Voltou, foi? Vai dizer agora que é filha de quem? De Michael Jackson? – Não. Apesar de tudo, não tenho interesse em renegar o meu pai. Continuo sendo filha do Sr. Eduardo Nóbrega. – Falo com ousadia no tom de voz. – Claro. E eu sou filho do rei Pelé. Você não vai entrar aqui, mocinha. Só está perdendo o seu tempo. O momento que ele fala a última frase coincide com a chegada do meu pai. Uma tonelada de jornalistas me empurra ainda mais na tentativa de conseguir uma fala do grande Eduardo Nóbrega, mas ele ignora a todos. Menos o segurança. – Será que a incompetência de vocês é tão grande a ponto de me fazer parar tudo o que estou fazendo e vir dar acesso à minha filha? Por que não a deixaram entrar? O segurança, que tem a pele clara, fica da cor de um tomate quando reconhece quem está falando com ele. – Des... desculpe, Sr. Nóbrega. Eu pensei que ela fosse mais uma com uma história falsa.


– Abra os portões para que ela entre. Aproveite a oportunidade e se desculpe com ela. Deus, por que meu pai tem que ser tão mandão, tão autoritário? Apenas porque tem dinheiro e poder? – Pai, ele não precisa. Basta apenas me deixa entrar. – Peça desculpas, rapaz, ou seu emprego pode estar ameaçado. Entro junto com Nelson que parece estar se divertindo com a situação. Fecho os olhos enquanto espero que o cara se humilhe o suficiente para satisfazer a vontade do Sr. Todo Poderoso Eduardo Nóbrega. O quê? Você acha que eu deveria ser mais incisiva e impedir que aquele teatro todo fosse adiante? Você não conhece meu pai. Se eu desse as costas e saísse andando, ele mexeria seus pauzinhos para que o segurança fosse demitido em questão de segundos. Apesar de tudo, eu não permitiria isso. – Te peço perdão, Srta. Nóbrega. Eu realmente não tinha ideia de que estava falando a verdade. – Não tem problema. Só te peço que pense duas vezes antes de ironizar alguém que você não conhece. Vai que a pessoa é realmente filha de Michael Jackson. Falo a última frase em tom de humor na tentativa de quebrar o gelo. Percebo que ele tenta esboçar um sorriso, mas quando seus olhos cruzam com os do meu pai, sua tentativa falha imediatamente. Entramos em uma grande sala onde estão alguns diretores do clube. Reconheço alguns e fico aliviada quando não encontro com Alexandre Paranhos, um dos diretores mais antigos e um dos maiores craques de futebol de todos os tempos. Tenho asco deste homem. – Kim, qual dos nossos jogadores você quer entrevistar? Consigo uma exclusiva ainda antes do jogo. Será que ele vai se sentir traído quando eu disser que quero entrevistar um jogador do time oposto? – Pai, na verdade... – Já sei. Não precisa explicar. Todos os jornalistas querem entrevistar aquele fedelho idiota. Ele está em um bom momento e entrevistá-lo pode ser bom para a


sua carreira, mas já te digo de antemão. Não tenho e nem quero ter qualquer contato com aquele garoto. Você está por contra própria agora, filha. É impressão minha ou está rolando uma rivalidade no ar? Balanço a cabeça, assentindo, e lhe dou um beijo no rosto. – Nelson, você poderia ficar por aqui um pouco? Gostaria de tentar sozinha, mas quero que fique atento ao celular. Se conseguir me aproximar, vou te ligar imediatamente. – Pode deixar, Kim. Boa sorte. Caminho em busca dos vestiários. Os sons da torcida do Avantes se fundem ao som do Atlético Gladiadores. Gritos de guerra e parte dos hinos são entoados e a impressão que eu tenho é de que a arquibancada vai cair a qualquer momento. Vejo uma placa indicando o lugar que eu tanto procuro. Não deve ser tão fácil entrar lá, mas eu tenho que tentar. Dou uma olhada rápida na entrada dos vestiários e vejo que dois homens fortes e engravatados fazem a segurança. Eles não me deixarão passar. O que eu vou fazer? Olho para os lados em busca de qualquer detalhe que me dê a desculpa perfeita para entrar ali. Atrás de mim, vejo que um homem se aproxima com uma arara de uniformes. Penso em lhe oferecer algum dinheiro para que eu me esconda em meio às roupas ou para que deixe eu me passar por funcionária, mas percebo que o plano pode ser falho. Repentinamente, ele para, deixando a arara no corredor e entra em uma sala, me deixando sozinha com aquelas roupas. Sei que não é certo o que eu estou prestes a fazer, mas não posso perder aquela oportunidade. Não mesmo. Visto uma máscara profissional, puxo a arara com os uniformes e entro no vestiário, sendo parada pelos seguranças. Claro que eles fariam isso, Kimberly. Você achou que seria assim tão fácil? – É a senhorita quem vai levar os uniformes? Geralmente isso é um trabalho para homens. Por que a mandaram? – Desculpe, senhor. Você tem toda razão, mas o nosso funcionário está passando mal e não tinha ninguém que pudesse fazer o serviço, portanto me pediram para fazer. Prometo que serei muito discreta. Um olha para o outro com desconfiança e, por um momento, acho que um deles vai confirmar a história com alguém. Mas quando vejo que saem da frente e


abrem caminho para eu passar, me sinto aliviada e sigo meu percurso, ainda ostentando um ar profissional. Ufa! Etapa resolvida. Vamos para a próxima. Ouço risos masculinos, barulho de água caindo do chuveiro e até uma batucada de longe. Me encosto na parede e tento armar um plano para entrar naquela sala e não ser intimidada por qualquer um deles. O que eu devo fazer para chegar até Apollo Assunção agora que eu estou tão perto? Meu coração está batendo a mil. Seguro minhas mãos para que eu não comece a estralar os dedos ali e faça barulho. Respiro fundo e decido. Vou entrar no vestiário. Seja o que Deus quiser. Dou dois passos em direção à porta quando vejo um homem sair dali. Não consigo me mover mais quando percebo que quem está passando diante de mim é nada mais nada menos o que o alvo da minha perseguição. Sim, ele mesmo. Apollo Assunção. Sabe quando uma pessoa olha para a outra, mas é como se não enxergasse? Assim foi comigo. Ele me olhou, mas não me viu, se é que você me entende. – Deixe o meu uniforme pendurado aqui na porta. Daqui a pouco eu pego. – Fala enquanto entra em uma sala. Eu pego qualquer conjunto da arara e sigo hipnotizada como se seu perfume tivesse me conduzindo a um lugar para onde eu preciso ir. Pela primeira vez, alguém me deixou muda. Pela primeira vez, isso aconteceu com um homem. Ele ordenou e meu corpo reagiu a um impulso natural de obedecer. Eu não sabia que força ele tinha para que o mundo se curvasse à sua presença dominante. Agora eu sei. Agora eu consigo sentir essa força. Engulo em seco e caminho para a porta da sala. Olho em volta dela e percebo que é uma espécie de vestiário individual, como se fosse um camarim. Ouço o barulho do chuveiro, o que deveria me fazer recuar, claro, mas não é isso o que acontece. Minhas pernas têm domínio próprio e elas só querem caminhar para a frente, em frente e frente. O lugar é todo branco com o nome dele fixado em uma espécie de quadro pendurado na parede. Ele tem um vestiário só para si? Uh, isso não é estrelismo demais?


Sigo meu instinto e vou em busca do meu alvo. O que eu tinha ido fazer ali mesmo? Ah, lembrei. Preciso de uma exclusiva com Apollo Assunção e essa é minha oportunidade. Ando alguns passos pelo corredor, suor descendo pelo meu rosto e uma vontade louca de estralar os dedos. Sua imagem se forma diante de mim e repentinamente minhas pernas estão bambas. Não consigo mais caminhar. Sem poder evitar, eu o observo. O que é tudo aquilo? Ele é a perfeição em forma de homem. De costas para mim, ele tem os músculos extremamente definidos sem uma linha fora do lugar e uma bunda... Céus, está me faltando o fôlego. Sua bunda deveria estar exposta em um museu junto com as obras de arte de Rodin. Deliciosamente máscula e viril. Eu deveria respeitar este momento de intimidade? Ah, ninguém é santo o suficiente para deixar de admirar uma obra-prima quando se depara com uma. Mesmo que eu quisesse, não consigo me mover. Neste momento, Apollo se vira para a frente com os olhos fechados enquanto desliza o sabonete por seu corpo. Minhas mãos estão coçando para tomar o sabão das suas e elas mesmas fazerem o serviço. Ele passa as mãos pelos cabelos, fazendo com que fiquem arrepiados. Está ainda mais lindo assim. Desço meus olhos por seu peitoral torneado indo em direção à sua barriga chapada e dividida. Sinto minha boca encher de água quando percebo que ele está se tocando. Apollo Assunção está divinamente tocando seu pau duro e grande, totalmente envolvido por suculentas veias esverdeadas, coberto por uma pele lisa e aveludada. Por uma fração de segundos, pensamentos de entrar naquele chuveiro e começar a fazer amor com ele percorrem a minha mente, mas os sacudo para longe. Não é para isso que estou aqui e, além do mais, sou uma mulher comprometida. COMPROMETIDA! Minha respiração está ficando mais profunda e sinto meus seios incharem. Ele joga a cabeça para trás, tomado pelo prazer e eu sinto um jato de tesão molhar a minha calcinha, liberando espasmos de desejo. Que diabos está acontecendo comigo? Está certo que ele é o homem mais gostoso, lindo e sexy criado pela natureza, mas isso é motivo suficiente para eu estar me desmanchando como manteiga diante dele?


Talvez seja. Ele continua se masturbando enquanto eu me contorço encostada à parede. Fecho os olhos e me deixo levar pela loucura do momento delicioso e proibido. Abro minhas pálpebras apenas para perceber que fui flagrada. Duas bolas acinzentadas estão quase me engolindo. Me encosto ainda mais à parede, pois minhas pernas dão sinal de que vão me deixar cair. Esboço um sorriso fraco que talvez o convença de que não sou uma voyer. – Apollo Assunção, me des-desculpe. Não foi minha intenção invadir o seu espaço, mas preciso muito falar com você. Posso esperar lá fora, se quiser. Sei que cheguei em má hora. Estou ciente de que minhas palavras não são nem um pouco convincentes. Como poderiam, se meus olhos não saem daquele pau incrivelmente grande e inchado? Ele limpa a garganta, tentando chamar minha atenção. Mais uma vez sou pega em flagrante. Cruzo meus olhos com os seus e, por um instante, vejo um reflexo de dor, mas esse reflexo logo passa e se transforma claramente em um sentimento que eu evitei ao máximo fazê-lo sentir. Raiva. Apollo Assunção está com raiva de mim. – Kimberly Nóbrega, que diabos você está fazendo aqui?



Capítulo 3 Fantasmas do passado – Vo-você me conhece? Como sabe o meu nome? Tenho certeza de que pareço um fantasma de tão assustada. Apollo Assunção, a maior celebridade esportiva do momento, sabe quem eu sou? De onde ele poderia me conhecer? Apollo me dá as costas e, mesmo em uma hora tão tensa, meus olhos não conseguem deixar de fitar sua bunda se movimentando firmemente a cada passo que ele dá. Minha festa acaba a partir do momento que ele pega um roupão pendurado na parede e cobre toda a visão paradisíaca que tanto me distraía. Talvez agora eu consiga me concentrar melhor no objetivo que me levou a aquele lugar. – Você não acha que o único que tem direito a fazer as perguntas aqui sou eu? Como conseguiu entrar em meu vestiário? Pisco os olhos dezenas de vezes em busca de uma resposta menos direta. Não encontro nenhuma. Eu e minha mania de sempre ir direto ao ponto. Eu nunca consigo ficar divagando, enrolando ninguém, mas também nunca precisei fazer isso. Passo a língua pelos meus lábios secos e percebo quando duas piscinas azuis acompanham meu movimento. Seu olhar agora é de um homem cafajeste diante de uma presa a ser conquistada. Eu poderia me derreter em sua inspeção. Eu poderia, se a minha missão ali não fosse maior que a luxúria. – Apollo, pelo visto não vai dizer de onde me conhece, mas já que é assim, deve saber que sou jornalista. Não foi fácil, mas dei o meu jeito de despistar os seguranças. Preciso muito de uma entrevista exclusiva com você. Pulo de susto com a reação dele. Ele se aproxima ainda mais de mim e me encara com olhos determinados e um sorriso torto em seus lábios. Segura meu queixo com o dedo indicador, me obrigando a fitar seus olhos azuis. Por um segundo, tenho medo de me perder neles. – Quem te vê falando acredita que foi preciso muito esforço para chegar até aqui. Eu sei quem você é, Kimberly. A filha de Eduardo Nóbrega. A filhinha favorita do homem que se acha o dono do mundo. Não precisa fingir que precisou se tornar uma James Bond para entrar no vestiário.


Acho que já deu para perceber que meu pai é isso tudo que ele está falando e muito mais. A única pessoa tratada diferente sou eu. Mais ninguém. Até com Eros ele tenta ser mandão. Mas meu irmão também é osso duro de roer e não aceita os mandos e desmandos do Sr. Eduardo Nóbrega. – Confesso que precisei da influência do meu pai para entrar no estádio, contudo, se estou aqui é porque tenho um motivo muito forte para isso. A emissora RNC está ameaçando fechar suas portas caso o departamento esportivo deixe de atrair parceiros e você deve saber que... – A parte de esportes é a mais importante da emissora. E o que eu tenho a ver com isso? Por que você não conversa com seu amável pai e pede para ele resolver os seus problemas? – Apollo, você pode não acreditar, mas eu nunca precisei pedir um favor a meu pai até hoje. Se eu fiz desta vez foi porque havia outras vidas em jogo. Não apenas a minha. Eu só preciso que tope me dar uma entrevista e pronto. Você nunca mais precisará me ver novamente. Ele pega um uniforme dentre vários perfeitamente dobrados dentro de um armário e tira o roupão sem qualquer pudor na minha frente. Minha atenção começa a se dissipar novamente como se um imã me atraísse a aquele corpo com uma força que eu não consigo controlar. Ele sabe que está sendo observado, mas não me olha de volta. Pelo contrário. Se veste vagarosamente, me provocando pouco a pouco até que esteja completamente coberto. Definitivamente, esse homem sabe como encher um uniforme. Como posso me sentir atraída por um cara que representa tudo o que eu mais odeio? O que está acontecendo com você, Kim? Traaac, traaac. Não resisto. – Eu não vou te dar uma entrevista, Kimberly Nóbrega. Está perdendo seu tempo. Preciso que saia. Vou estar em campo daqui a pouco e tenho que terminar de me arrumar. Me deixe sozinho, por favor. Não, não e não. Eu não fiz tanto sacrifício para aceitar uma negativa como resposta. Ele realmente não me conhece ou saberia o quão teimosa eu posso ser. – Apollo, por favor, pense melhor. Milhares de pessoas dependem de seus empregos na emissora. Eu estou aqui em nome delas. Eu sequer me interesso por


esportes. Meu negócio mesmo é investigação, mas ainda assim estou aqui. Te peço apenas um pouco de compaixão. Ele não me dá qualquer resposta. Ainda sem olhar para mim, calça as meias e o par de tênis como se tivesse todo o tempo do mundo. Era como se eu não estivesse mais ali. Repentinamente, ele decide que vale a pena me dar mais um pouco de sua atenção. Levanta impetuosamente e para diante de mim. Sua cabeça vira de lado e sua boca se abre em um sorriso sensual, porém sinto uma ponta de ironia nele. O que virá em seguida? Estou pagando pra ver. Sinto as batidas fortes do meu coração quando Apollo se inclina, aproximando sua boca do meu ouvido. Ele fala baixinho, liberando ondas de arrepios pelo meu corpo. – Até onde estaria disposta a ir para conseguir essa entrevista? Deus, ele está me oferecendo o que estou imaginando mesmo? Será que meus ouvidos não estão me traindo? – O que você quer dizer com isso? Eu sempre dou o máximo de mim para conseguir fazer meu trabalho direito. – Ótimo. Era tudo o que eu precisava saber. Sem que eu esperasse, Apollo me encosta na parede e segura meus pulsos, levantando meus braços sobre a cabeça. Seu toque é bruto, mas ao mesmo tempo extremamente sensual. Minha respiração está irregular e me sinto dominada por um perfume másculo, envolvente. Não há forças em mim para reagir. Não sei se quero reagir. Seu olhar cruza o meu e percebo que ele está afogado em um misto de desejo e ódio. Procuro um fio de raciocínio que me faça entender o motivo que o levaria a sentir ódio de mim, mas meus pensamentos logo são nublados pelo que vem a seguir. Sem qualquer toque de leveza, de forma bruta, Apollo me beija. Sua língua invade minha boca como se tivesse propriedade sobre ela e meu corpo responde ao poder de sua dominação como se tivesse encontrado o seu dono. Seu beijo é faminto, guloso e está me levando à perdição. Me pego enrolando meus braços em seu pescoço na esperança de manter meus joelhos


vacilantes de pé. Ele segura meu rosto com duas mãos fortes e intensifica ainda mais o beijo, se é que isso é possível. Repentinamente, sinto um vazio entre nós. Ele abandona meus lábios inchados e sedentos por sentir um pouco mais do seu sabor e, parecendo irritado, cruza os braços diante do seu peito, tomando um tempo apenas para me fitar. – Você quer muito essa entrevista, não é mesmo, Kimberly? Ofegante, tento encontrar ar para proferir uma frase inteira. – Por que fez isso? Eu sou comprometida, sabia? Eu sou noiva e não tenho o costume de sair agarrando jogadores de futebol por aí. Respeito meu relacionamento. O filho da puta sorriu. Deus, e que sorriso. Eu pensei que o sorriso de Rafa era o mais bonito que eu já tinha visto. Infelizmente meu noivo acaba de ser superado. Apollo pode derreter uma calcinha apenas ao sorrir. Ele é estonteante. – Bem, pelo que me consta, quem te agarrou fui eu. Culpado, eu confesso. – levanta as mãos em sinal de rendição. – Mas eu não sou o único aqui. Seus olhos são tão expressivos, Kimberly. Eles são verdadeiros denunciadores. Não precisou de muito para perceber o quanto você estava me desejando. Droga! Como posso negar a atração imediata que senti por ele? – Está enganado, Apollo. Você pensa que sabe tudo sobre mim, não é? Na verdade você não sabe nada. Vamos acabar logo com isso. O que eu preciso para fazer essa maldita entrevista? – Ah, Kimberly, Kimberly... se soubesse o quanto sei sobre você e sua família... eu topo dar a entrevista. O quê? Eu estou ouvindo direito? Ele acabou de aceitar me dar a entrevista assim sem mais nem menos? – Eu topo, mas tem uma condição. Ah, sabia que aí vinha bomba. Ele não ia ceder assim tão fácil. – O que você quer, Apollo? Fale de uma vez. – Quero que saia comigo esta noite. Vamos jantar juntos ou vamos para um bar, tanto faz, mas eu quero vê-la esta noite. – Sair com você? Por que eu faria isso? Preciso repetir que sou uma mulher comprometida? Provavelmente está me confundindo com uma das Marias Chuteiras que andam atrás de jogadores famosos como você. Eu não sou uma delas.


– Sei disso e não estaria te convidando se fosse. Não se preocupe que não tenho a menor intenção de acabar com seu relacionamento perfeito. Estou apenas pedindo para que saia comigo e podemos conversar sobre a entrevista. – ele cruza os dedos na boca. – Juro que estou muito bem intencionado. Teria que ser muito idiota para acreditar nessa conversa. É claro que não estou engolindo essa história, mas decido que vou entrar no seu jogo. – Certo. Eu o encontrarei esta noite. Você conhece o restaurante La Famiglia ´s? É um italiano que fica nessas proximidades daqui do estádio. – Não. Quem vai decidir o lugar sou eu. Até o fim da tarde, você será informada. Agora vá. Eu preciso me concentrar para o jogo. Mais um homem mandão em meu caminho. Já não basta meu pai e meu irmão, eu tenho que conhecer mais um? Dá vontade de mandá-lo para o inferno com suas ordens, mas junto minha paciência e não faço. Melhor deixar esse momento para depois da entrevista. Sua atenção agora já não está mais voltada para mim, então resolvo fazer o que ele me pediu. Desta vez eu saio, pois pelo menos consegui arrancar dele a promessa de uma entrevista. Eu já disse que nunca aceito não como resposta? Saio de seu vestiário e no corredor me encontro com o roupeiro levando a arara de uniformes vazia. Oh, oh, estou em maus lençóis. – Ah, aqui está você. Então, é a garota que roubou os uniformes para invadir o vestiário. Eu estava te procurando. Vou te entregar aos seguranças imediatamente. – Não, por favor. Não fiz por mal. Sou apenas uma jornalista, não sou uma fã neurótica. Posso te garantir que minha invasão não terá consequências para você. Só queria falar com Apollo Assunção e já consegui. – Mais um motivo para eu te denunciar. Porra, eu tenho que usar armas das quais não gosto, mas fazer o quê, não é? – Qual o seu time, senhor? Tem vontade de assistir a um jogo no melhor local do estádio? Eu posso conseguir isso para você. Basta me dizer que dia e hora e você estará lá. Aha! Eu sabia que ia conseguir. Falar de futebol com um homem, brasileiro e que ainda trabalha com isso é como dar a isca diretamente na boca do peixe.


– Você realmente pode conseguir isso? – Ah, mas é claro. Eu trabalho para a RNC, querido. Posso e vou conseguir te dar esse presentinho em troca do seu silêncio. Ele parece um pouco pensativo, mas como eu esperava, não pensa muito antes de morder a isca direitinho. – Certo. Então anote meu número de telefone. Tem um jogo que quero assistir na próxima semana e coincide com o meu dia de folga. Você consegue nesse curto espaço de tempo? O quê? Você está me achando uma péssima pessoa apenas porque estou comprando esse cara? Ah, como você acha que uma jornalista investigativa como eu consegue ter acesso às informações? Muitas vezes preciso usar de meios escusos mesmo. Eu não lembro de ter dito que sou uma santa. – Consigo, sim. Pode se programar que na próxima semana você estará tão perto quanto possível do seu time. Ele parece animado. Empurro a arara de roupas junto com ele para disfarçar. Os seguranças questionam, mas o cara desconversa. Esse é dos meus. Caminho para encontrar com Nelson e fico pensando em tudo o que aconteceu. Me envergonho ao perceber que estou excitada apenas com a lembrança de Apollo nu tocando aquele pau grosso e suculento. Seu beijo molhado e faminto, a forma como me jogou contra a parede e me tomou sem pedir permissão, seu jeito bruto e possessivo. Ah, eu estou tão fodida. Rafa. Meu lindo noivo Rafa. Por que quase não consegui lembrar dele nas últimas horas? Avisto Nelson sentado, conversando com um homem que não reconheço. Me aproximo e ele se levanta, vindo em minha direção. – Kim, esperei sua ligação e nada. Eu já estava preocupado. – Não vamos fazer essa entrevista hoje, Nelson, mas pelo menos consegui dele a promessa de nos dar as informações que precisamos em breve. – Jura, garota? Você realmente conseguiu que Apollo Assunção aceitasse te dar uma exclusiva? Ah, mais um a cair nos encantos daquele homem. Os olhos de Nelson estão brilhando de emoção, por saber que pode estar tão próximo de seu ídolo. O que acontece com homens e futebol? – Sim, Nelson, logo faremos a entrevista.


Dou um sorriso largo para ele e recebo um maior ainda de volta. Começamos a caminhar para sair do estádio que estava prestes a cair pelo agito da torcida. Acho que os times estão começando a entrar em campo, pois os gritos estão cada vez mais altos. Estou quase alcançando a saída do estádio quando o que eu mais temia, meu maior fantasma, a personificação do meu ódio surge atrás de mim. A voz que eu pensava nunca mais ter que ouvir em toda a minha vida está aqui agora, ecoando em meu ouvido. – Kimberly! Paro e fecho os olhos. Não! Só pode ser fruto da minha imaginação. Não pode ser verdade. – Kim, querida, venha aqui falar comigo. De repente, eu sou uma garotinha de dez anos de idade, medrosa e indefesa. Eu preciso correr daquele lugar. Eu preciso correr para longe dele. E é o que eu faço. Não olho para trás, não enxergo que está diante de mim, me recuso a ouvir mais uma vez essa voz. Tapo meus ouvidos e saio correndo o mais depressa possível daquele estádio onde nunca mais pretendo colocar os pés. É demais para mim. É mais do que eu. Está acima das minhas forças. Só consigo lembrar de Nelson quando estou abrindo a porta do meu carro e ele me assusta tocando o meu braço. – Kim, o que aconteceu? Por que saiu correndo daquele jeito? Eu não consigo responder. Apenas desabo sobre o volante e sou tomada pelas lágrimas que começam a jorrar como uma torneira aberta. Nelson me puxa do carro e me abraça sem fazer mais nenhuma pergunta. Me sinto reconfortada pelo abraço, pois ele sempre foi como uma espécie de tio para mim e nunca me faltou com o respeito. – Estou mais calma, Nelson. Não se preocupe. – Você não está em condições de dirigir, Kim. Vamos no carro da emissora. Depois eu venho buscar o seu. – Não, de jeito nenhum. Eu estou bem, confie em mim. Só te peço que não comente sobre esse rompante com ninguém da emissora. – O que é isso, querida, assim você me ofende. Todos nós temos medos, anseios e um passado. Posso te confessar uma coisa? Eu morro de medo de


aranhas. E não estou falando de aranhas grandes. Estou falando daquelas pequenininhas domésticas mesmo. Eu não aguento e caio no riso. Só Nelson para arrancar um sorriso de mim numa hora dessas. – Eu confio em você. Obrigada. Entro no carro e, em vez de ir para emissora e dar a notícia que Olavo tanto espera, vou direto para a minha casa. Ele que espere para o outro dia. Estou cansada demais pela carga emocional que tive que suportar. Eu preciso da minha cama, sentir o cheiro de lar, me aconchegar em minhas cobertas e esquecer do mundo lá fora. Não há outro lugar no universo onde eu queira mais estar do que na minha casa. ****************** – Kim, o que você está fazendo em casa a essa hora? Abro meus olhos bem devagar para reconhecer quem é a dona daquela voz. Um par de olhos castanhos presos em um rosto rechonchudo está olhando assustado em minha direção. É Nina, minha prima. Minha cabeça está explodindo, mas não consigo sair das cobertas para tomar um remédio. Nina é a única pessoa no mundo em quem confio e conhece todos os meus segredos. Ela é muito carinhosa comigo e nunca faria nada que me magoasse. – Ah, prima, você não tem ideia do tanto de coisas que aconteceram comigo hoje. Ela é apenas um ano mais nova que eu, da idade de Eros. Sua mãe se mandou no mundo com um homem e ela não tem notícias há anos. Restou apenas seu pai que vive mais bêbado do que sóbrio. Ela mora comigo desde os vinte. – Imagino. Para você não estar na emissora uma hora dessas, deve ter acontecido algo muito importante. Você vai ter que me contar tudo outra hora. – Outra hora? Por que não agora? – Adivinha quem está aí? Você está pensando na mesma pessoa que eu? Como ele pode ter achado a minha casa assim tão rápido?


Minha mente foi em direção a um par de olhos azuis me fitando com luxúria. Lembro de cada gesto, cada movimento seu e me pego desejando vê-lo novamente. De repente estou de pé, pronta para caminhar até a porta e me encontrar com o senhor dos meus pensamentos. – Ei, nunca te vi tão animada assim para receber uma visita. Você tem certeza de que entendeu quem está aqui? Dona Helena Andrade. É sua mãe quem está te esperando, Kimberly. Traaac, traaaac. Dessa vez estralo os dedos das mãos e dos pés. Desabo na cama novamente. Eu não posso estar mais decepcionada com a visita. Que diabos essa mulher quer aqui? Hoje é Halloween ou algo do tipo? Merda, parece que todos os meus fantasmas resolveram me assombrar hoje. – Você não disse a ela que eu não estava? Como ela sabe que estou em casa? Tem alguma bola de cristal? – Apesar de achar que ela está mais para bruxa do que para vidente, deve ter sido apenas sorte de te achar em casa. Não sabia se estava. Você sabe o quanto minha tia pode ser insistente. Eu disse apenas que ia verificar. – Sorte dela e azar meu. Peça para que espere. Vou descer daqui a pouco. Helena aqui a uma hora dessas sem um aviso ou um telefonema não é um bom sinal. Não é preciso muito para saber o que ela quer: dinheiro. Ela sempre quer dinheiro, mas confesso que estou curiosa para saber qual será a desculpa desta vez. Por um instante eu pensei que era Apollo e não sei o que aconteceu comigo, mas o fato é que fui tomada por uma emoção, pelo desejo de estar próxima a ele, de ouvir sua voz mais uma vez. Eu não sou dessas. Eu nunca fui. Nunca tive a reação adolescente de sair correndo para encontrar o namoradinho na porta ou criar expectativas em cima de um homem. Sempre estive no controle das minhas emoções. Sempre. De pijama como eu estava, desço as escadas para encontrá-la na sala com um cigarro aceso na mão enquanto enche um copo com uísque. – Helena, o que está fazendo aqui? Ela se vira tão assustada quanto um ladrão pego em flagrante e abre um sorriso cheio de botox para mim. Minha mãe é o protótipo da futilidade. Ela já deve


ter caído em uma faca de cirurgia mais vezes que um boi inteiro sendo cortado para um churrasco. Tudo nela é artificial, desde seus dentes à sua bunda. Ela vive em uma luta eterna contra a velhice e se gaba quando é paquerada por um cara mais novo. Aliás, ela só se envolve com homens mais velhos até o momento que consegue arrancar o máximo de dinheiro. Quando a fonte seca, ela gasta o que ganhou com homens mais novos. Tenho nojo de seu estilo de vida e minha meia irmã, Verônica, está indo pelo mesmo caminho. – Minha filhinha, há quanto tempo. Eu estava morrendo de saudades. Resolvi te fazer uma visita já que você não se dá ao trabalho de ir até a casa de sua mãe. Ai, ela muda esse repertório. É sempre a mesma coisa. A quem ela acha que consegue enganar? – Helena, você sabe que não tenho o mesmo tempo que você para andar fazendo visitas. – Não tem porque não quer. Não sei pra que uma garota rica como você fica se acabando de trabalhar para uma emissora que nem pertence à sua família. Você precisa zelar pelo seu patrimônio, senão aquele seu irmão vai ficar com tudo e você vai acabar com uma mão na frente e outra atrás. Ah, que saco! Nessa altura da minha vida eu preciso ficar ouvindo essa ladainha de uma mãe frustrada porque não conseguiu me criar à sua imagem e semelhança. – Diga logo o que veio fazer aqui. Minha cabeça está estourando e quero descansar um pouco. – Querida, você precisa de alguém para cuidar de você. Olha como está acabada. Que olheiras são essas sob seus olhos? Quem te vir ao meu lado, vai achar que você é a mãe e eu sou a filha. – Chega, Helena. Se não tem nada de importante para falar, vou para o meu quarto. Faço menção de dar as costas quando ela segura meu braço. – Calma, querida, vamos conversar um pouco. Sente-se ao meu lado. Desculpe a sua mãezinha. Você sabe que só quero o seu bem.


Desabo no sofá e fico à espera do que ela tem a me dizer. Levo um tempo a observando e chego à conclusão de que deve ter feito alguma cirurgia recente, pois seu rosto está mais esticado do que da última vez. – Gostou da orientalização que fiz no canto dos olhos? Ficou bonita, não? Foi nada mais nada menos que o melhor cirurgião deste país quem fez. Sabe aquelas lagartixas que tudo o que fazem é balançar a cabeça? Sou eu neste momento, tentando juntar todo o resto de paciência para aguentar tanta conversa fiada. Seus olhos estão realmente mais esticados, porém não vejo nada de bonito naquilo. Seus cabelos loiros tingidos estão perfeitamente escovados em mechas que caem sobre seus olhos verdes como os meus. Ela está muito bem para sua idade, reconheço, mas depois de centenas de lipoaspirações e cirurgias plásticas, quem não estaria? – Ah, Kimberly, que pena que não é nem um pouco parecida comigo. Poderia aproveitar tanto a sua beleza. Vou te dizer o que vim fazer aqui. Sabe o quanto seu pai foi injusto comigo. Quando nos separamos, ele me deixou sem nada e até hoje vivo às duras penas, dependendo da bondade de amigos. Quer saber a tradução do que ela acabou de dizer? Viver às duras penas: dar golpes em homens ricos. Depender da bondade de amigos: fazer sexo com homens endinheirados para que eles mantenham seu estilo de vida. Eu ouço essa mesma conversa toda vez que ela me procura. Eu a ajudo até mais do que merece, eu juro, mas nunca é o suficiente. Ela não quer trabalhar. Quer dinheiro fácil e quer muito. – Você sabe muito bem porque meu pai te largou sem nada. Nenhum homem ficaria feliz em encontrar sua esposa transando com um garoto em sua própria cama. – O que eu posso fazer se os garotos me perseguem? Aliás, agradeça a mim por ser tão bonita. Tem sorte de ter herdado minha beleza. – Quanto, Helena? De quanto você precisa? – Ah, meu amor, sempre tão compreensiva com sua mãe. O dinheiro nem é para mim. É para ajudar a sua irmã. Você sabe que ela está se tornando modelo, não é? Está cada vez mais reconhecida e precisamos investir nela, queridinha. Verônica tem um grande futuro, Kim. Você devia ser mais unida à sua irmã.


Você provavelmente está se perguntando por que ainda dou dinheiro a ela. Vou responder. Primeiro, essa é a única forma de tê-la fora do meu pé e segundo, apesar de todos os defeitos, ela é minha mãe, oras. Não consigo simplesmente deixa-la passar necessidades. Merda! Eu sei que pareço mais durona do que realmente sou. Eu e esse maldito coração de manteiga. – Helena, vou depositar um bom dinheiro em sua conta amanhã que deve ser mais que suficiente para cobrir suas despesas por um bom tempo. Se não tem outro assunto para tratar... Neste momento meu celular toca anunciando que chegou uma mensagem. Corro para a mesa e pego abrindo a caixa de entrada com ansiedade. Helena me observa, avaliando minha reação. Não dou importância, apenas começo a ler para descobrir que é uma mensagem de Rafa. Puta que pariu! Por que estou sentindo decepção ao ler que a mensagem é do meu noivo? Por que estou tão triste? Eu não deveria estar dando pulos de felicidade? – Ainda com aquele mesmo namorado, Kim? – Claro, Helena, que motivo eu tenho para trocar de namorado quando eu tenho o melhor homem do mundo ao meu lado? – Aquele fotógrafo? Ele tem sorte que você não gosta de homens ricos como eu. Eu não lhe daria um segundo olhar se eu estivesse em sua pele, mas vai entender os gostos de cada um... – Sou obrigada a concordar. Vai entender... Para o seu governo, Rafael está com uma carreira muito bem consolidada em fotografia esportiva e está sendo apontado como um dos melhores no que faz. – Mas não teria dinheiro suficiente para manter uma mulher como eu. E não tem para manter uma mulher como você. O que fiz de errado? Onde errei em sua criação? Você deveria estar agora casada com um jogador rico e não correndo atrás de um fotógrafo qualquer. – Chega, Helena! Ela levanta e para ao meu lado. – A única alegria que tenho é saber que nunca vai casar com ele. Sabe por que, filha? Você não gosta desse rapaz. Foi ele quem mandou mensagem agora, não foi? – ela solta um riso irônico. – Não precisa responder. Eu vi sua cara quando


leu. Você gostaria que fosse de outra pessoa, mas não era. Era dele. Tem outra pessoa em sua vida, Kim? Eu sempre tive o poder de filtrar tudo o que essa mulher fala para mim, mas por que suas palavras estão me incomodando tanto desta vez? – Eu amo Rafael, entendeu? Amor. Será que você conhece o significado desta palavra? – Amor é para as mulheres idiotas. Não te criei para ser uma delas. Se quer continuar se enganando, tudo bem, mas amor não é o sentimento certo para você denominar o que sente por esse rapaz. – Me deixe em paz, Helena, se puder fazer o favor de esquecer meu endereço, eu te agradeço muito. – Falo enquanto corro escada acima para entrar em meu quarto e deixar aquele ar pesado que ela carrega consigo para onde vai. As mães das minhas amigas sempre foram sinônimos de amor e carinho. Eu morria de inveja delas. Quando alguma das crianças ia para a minha casa e o pai de alguma delas ia buscar, minha mãe sempre se insinuava. Eu acabava perdendo mais uma amiga, isso quando as coisas não ficavam piores. Às vezes, eles correspondiam e mais um casamento se acabava por conta da traição dos dois. Helena nunca teve escrúpulos. Ela não tem limites quando quer alguma coisa. – Eu vou, mas eu volto. Uma mãe nunca pode abandonar uma filha, ainda mais uma rica e tão bondosa quanto você. Até qualquer dia, querida. – Ela grita e eu consigo ouvir seu eco enquanto fecho a porta do meu quarto. Arquejando atrás da porta, leio novamente a mensagem de Rafa: “Amor, vamos sair esta noite? Estou morrendo de saudades <3. Sempre seu, Rafa” Penso em responder confirmando, mas depois lembro do convite de Apollo para hoje à noite. Eu preciso conversar com Rafael sobre isso ou ele pode ficar sabendo pela imprensa e entender tudo errado. Outra mensagem chega. Meu coração acelera e suas batidas disparam. Eu não dei meu número de telefone a Apollo, mas eu sei o quanto é fácil conseguir essas coisas hoje em dia. Abro a caixa de entrada e confirmo. A mensagem é dele. “Me encontre no Books and Coffee às 20:00.”


E nada mais. Nem uma assinatura, nem a atitude cavalheira de vir me pegar na porta. Nada. Claro que não, Kimberly. Você NÃO está indo a um encontro, é apenas uma conversa para acertar o dia da entrevista, pelo amor de Deus. Hora de me tornar Cinderela. Preciso estar o mais convincente possível e não custa investir um pouco na aparência para ajudar, certo? Tomo uma aspirina para acabar de vez com a dor de cabeça que só fez aumentar com a chegada de minha mãe e corro para o banho. Às sete, já estou pronta para encontrar Apollo. Quer dizer, aparentemente estou pronta porque minha cabeça está uma bagunça. Me sinto uma garota de quinze anos indo encontrar seu primeiro namorado. Isso não chega a ser ridículo? – Uau, para onde você vai desse jeito? Pensei que depois daquela conversa com minha tia você ia afundar na cama e só sair no outro dia. Descobri que eu estava completamente enganada. – Estou saindo a trabalho, Nina. Preciso fechar uma entrevista importante. – Hum... Por um momento tive a impressão de que estava indo a um encontro. Vestida para matar desse jeito, acho que pode acabar desconcentrando o entrevistado. É algum político ou informante? Optei por um vestido preto, bastante justo no meu corpo, mas sem parecer vulgar, já que alcança até a altura do joelho. Estou usando uma botina preta de cano baixo e uma maquiagem em tom lilás, ressaltando os lábios com um tom mais forte. Meus cabelos castanhos caem em cachos grandes e naturais na altura dos ombros e quando me olho no espelho, gosto muito do que vejo. Minha aparência está perfeita para ir a um lugar mais informal. – Não. Estou fazendo um favor para Olavo. Ele me pediu para entrevistar Apollo Assunção, acredita? – MENTIRA! – Nina quase me deixa surda. – Você aceitou fazer uma entrevista esportiva? Por que está fazendo isso, Kim? Por que simplesmente não mandou seu chefe ir para o inferno e recusou? – A emissora está ameaçando fechar as portas, Nina. Eu precisava ajudar a manter o emprego de tantas pessoas. – E quanto a você? Lembrou de si mesma em algum momento? Sabe o quanto esse contato pode te afetar. Você não tem que estar perto dessa gente, prima. Desmarque esse encontro. É muito para você aguentar.


Nina me conhece como ninguém. Ela inclusive sabe o quanto sou determinada quando me disponho a fazer alguma coisa. – Não pretendo voltar atrás. Eu farei isso só desta vez e pronto. Nunca mais me bato com qualquer jogador de futebol novamente. A não ser com Eros, claro. – Cuidado para não se machucar. Você está linda, Kim. Nenhum homem vai conseguir resistir ao seu charme esta noite. Eu torço tanto por você, mesmo achando que está fazendo besteira. Abraço minha prima lhe dando um sorriso carinhoso. Ela é a irmã que eu não tenho. Quer dizer, ela é o que minha irmã não é: amiga, companheira e amorosa. Eu a amo muito. – Obrigada. Não me espere acordada, ok? – Certo. – estou saindo do quarto quando ela me chama novamente. – Ei, boa sorte com aquele homem lindo de morrer. Ai, Apollo Assunção é o sonho de todas as mulheres vivas deste planeta. Que homem! Balanço a cabeça e saio com um sorriso estampado no rosto. Acho que ela tem razão. Apollo é o sonho de qualquer garota e confesso que estou amedrontada, pois passei a tarde inteira sonhando acordada com ele. Chego ao local marcado e estaciono facilmente. Estou entrando em uma espécie de café que vende e disponibiliza livros para quem quiser ler. Procuro por Apollo e o encontro em um canto mais escuro e reservado. Se eu não soubesse que está aqui, não o reconheceria. Está usando um boné de uma grife famosa e está vestido com uma camisa da cor de seus olhos. Ainda está sentado, mas dá para perceber como sua calça jeans marca seu corpo, parecendo bem ajustada. Ele percebe minha chegada, mas não levanta para me receber ou qualquer coisa assim. Apenas fixa seus olhos em meu corpo, passeando de cima a baixo, falando com os olhos mais do que palavras poderiam dizer. Puxo uma cadeira e sento, inspirando todo o ar possível para encher meus pulmões. O perfume dele enche minhas narinas no percurso e quase fecho os olhos para sentir o aroma. Quase. – Kimberly Nóbrega, você está simplesmente... linda. – Obrigada, Apollo. Você também não está de se jogar fora. – Então... você veio. Foi difícil encontrar o lugar?


– Não. Sou jornalista investigativa esqueceu? Nada que o Google ou um GPS não consiga informar. – Verdade. Tinha esquecido desse detalhe por um minuto. Me sinto hipnotizada por suas duas esferas azuis. Seus olhos são quase viciantes e prendem os meus com uma força extraordinária. – Por que estou aqui, Apollo? O que tem para me dizer que não podia ser dito no vestiário? – Você gosta que as coisas aconteçam rápido, não, Kimberly? Eu as prefiro devagar... muito devagar. Para quê tanta pressa? Respiro fundo e quase não consigo soltar o ar preso. A presença deste homem me domina, me aprisiona e suas palavras de duplo sentido já estão me deixando completamente... molhada. – O dia hoje foi cansativo e quase não consegui descansar quando cheguei em casa. Quando podemos fazer a entrevista? Você ainda pretende cumprir com sua palavra, não é? Marque a data e eu estarei lá. – O que exatamente você quer saber sobre mim? Eu já disse que sei muito sobre você e já até conheço o gosto doce dos seus lábios. Me resta apenas saber se é tão doce aí embaixo quanto sua boca é. Puta que pariu! Que feitiço esse homem tem para fazer meu corpo responder tão rapidamente à meia dúzia de palavras? Ondas de calor invadem meu corpo. Minha reação instantânea é tomar um copo de água que está sobre a mesa. Eu sei que não estou conseguindo disfarçar. Sei principalmente pelo jeito divertido com que ele está me olhando. Ele Conhece o poder que exerce sobre as mulheres. É o que está fazendo comigo neste exato momento. Junto toda a coragem que me resta e inclino minha cabeça para frente. Tenho que impor respeito e passar segurança. – Quanto a saber se o gosto da minha boceta é bom ou não, apenas o meu noivo pode te dizer, já que você nunca vai provar. Quanto à informação, eu vou direto ao assunto: o que eu preciso fazer para que me dê exclusividade na sua negociação para fechar contrato com um clube da Europa? – Durma comigo. – O quê?


Por um momento, acho que não entendi. Mas ele repete sem deixar sombras de dúvidas da proposta indecorosa que está me ofertando agora. – Passe uma noite comigo e te dou a informação que tanto busca. Apenas uma noite e você poderá salvar seu emprego e o de outras pessoas. Uma noite é tudo o que te peço. O que me diz, Kimberly?

Capítulo 4 Juro que tentei O que eu digo? Ele tem que fazer um exame antidoping, pois certamente usou algum tipo de droga. Só pode ser isso. – Você está louco? Eu não vou dormir com você nem com ninguém para conseguir meus objetivos. Nunca me vendi e não vou começar agora. Ele abre um sorriso arrasador, mas tenho vontade de arrancá-lo à força do seu rosto. – Realmente você não estava se vendendo há algumas horas. Poderia jurar que estava me oferecendo de graça mesmo. Não finja que não me desejou tanto quanto eu a desejei esta tarde. Claro que vou fingir. Finjo até a morte. Não posso e não quero me deixar levar pelo desejo. Maldito filho da puta!


– Você, Apollo Assunção, é a pessoa mais arrogante e repugnante que conheço. Juro que desde o momento que o encontrei tenho tentado manter minha boca fechada por conta desta maldita entrevista, mas basta. Eu não sei o que acontece com você e todos os jogadores de futebol. Batalham, conseguem construir um nome e se tornam bastardos presunçosos achando que podem ter tudo o que querem. – Está incluindo seu irmão nesse ‘todos’? – Não. Ele é a única exceção. Que ideia você tem sobre mim e minha família? Você sabe que eu não preciso me vender. Por que está cobrando esse preço tão alto? – Pessoas como você e seu pai, Kimberly, acham que tudo pode ser resolvido com um punhado de dinheiro. Estou apenas te cobrando um preço que o dinheiro sujo de Eduardo Nóbrega não pode comprar. Cristo, estou começando a desconfiar que Apollo tem algum problema pessoal com meu pai. A maneira como se refere a ele não é normal. Tem ódio pesando suas palavras. – Já aconteceu alguma coisa entre você e meu pai? Sua voz é tão carregada de rancor quando fala dele. – Por que você mesma não lhe faz esta pergunta? Está aí uma informação que você não precisa obter de mim. Eu odeio essa corja esnobe e egoísta que nunca soube na vida o que é passar qualquer privação, não tem sentimentos e não pensa em ninguém além de si mesma. – E você não é assim? Neste exato momento estou te pedindo uma entrevista em nome de um monte de pessoas e não está me negando? O que diferencia você dele? – Eu quero ajudar a sua emissora. De verdade. Mas se temos que fazer o trabalho, por que não juntarmos obrigação com prazer? Estou pedindo a você muito mais do que já pedi a qualquer mulher. Na verdade, são elas que me pedem para lhes satisfazer. Ponho a mão no lado esquerdo do peito como se estivesse comovida com suas palavras. Eu deveria me sentir lisonjeada com sua oferta? – Puxa, deve ser mesmo um privilégio se propor a ir para a cama em troca de uma entrevista. Sabe, fiquei curiosa. Você fode muitas jornalistas com esse tipo de proposta?


Seu olhar fixo em mim não expressa qualquer emoção. Sua resposta é seca, com um requinte de frieza. Algo nele me faz acreditar que de fato não está acostumado a negociar sexo com mulheres. Claro, com tanta beleza e talento, deve tê-las caindo aos cachos a seus pés. – Nenhuma. Nunca precisei fazer isso. Você é a primeira. Por que eu, então? – Olha, Apollo, eu realmente pensei que poderia tentar essa entrevista. Eu garanti a meu chefe que daria o máximo de mim para conseguir, mas reconheço que fracassei. Infelizmente fracassei. Vou ter que encontrar outro jeito de ajudar a emissora. Eu quero que você, sua proposta indecente e tudo o mais vá para o inferno. Pelo menos sei que posso tirar algo bom disso tudo. Não vou precisar olhar novamente em sua cara. Levanto com o corpo queimando de raiva. Quem ele pensa que eu sou para me oferecer sexo em troca de informação? Talvez seja melhor assim. Passei a tarde inteira como uma fã alucinada pensando nele. Agora tenho certeza de que todo o encanto se acabou. Hora de voltar pra casa, Cinderela. Pego minha bolsa pendurada na cadeira e dou as costas para sair sem me despedir. Tento dar o primeiro passo, mas Apollo segura minha mão com força. Mesmo tomada pela raiva, sinto cada fio de cabelo sobre minha pele arrepiar com seu contato. Controlo meu corpo traidor e viro para ver o que ele quer desta vez. – Você ainda vai ser minha, Kimberly, e não será em troca de informação ou por qualquer outro motivo além de vontade própria. Logo, logo eu a terei em meus braços e, quando estiver aqui, não a deixarei ir tão facilmente e te garanto que você não vai querer sair. Nos vemos em breve, minha linda. Ele folga sua mão e puxo a minha o mais rápido possível como se estivesse pegando fogo. Não lhe dou qualquer resposta, apenas balanço minha cabeça em negação às suas palavras. Eu sou noiva e estou bastante satisfeita com minha relação. Rafael é o melhor homem do mundo, me ama e não morre de amores por futebol. Que mulher não sonha em encontrar um homem assim? – Vá-se-foder, Apollo Assunção. Até nunca mais.


Falo seu nome um pouco alto e percebo que algumas cabeças se viram para conferir se ele realmente está ali. Dou passos determinados em direção a saída, mas arrisco dar uma olhada para trás. Em questão de segundos, ele está afogado em meio a dezenas de pessoas carregando um celular, tentando tirar uma selfie. Abro um sorriso por saber que pelo menos o deixei em maus lençóis por um breve momento. Isso não é nada perto da raiva que me fez passar. Entro em meu carro e, enquanto dirijo pelas ruas de São Paulo, fico pensando em tudo o que aconteceu neste dia. Tinha tudo para ser apenas mais um dia movimentado de trabalho. Tinha tudo para ser um dia normal. Mas as surpresas acontecem quando menos esperamos. Se não fossem assim, não seriam surpresas. E posso afirmar que hoje foi um dia surpreendente. Mais do que eu gostaria que fosse. Às vezes passamos tanto por um mesmo caminho que nos acostumamos a deixar de olhar em volta. Às vezes, a pressa nos impede de sequer admirar o que pode haver de bonito tão perto de nós. Como eu não tinha observado isso antes? A imagem do bastardo está espalhada em cada canto desta cidade. Em outdoors, cartazes, supermercados. Todos querem ter aquele belo rosto representando sua marca. Merda! A visão desse cara vai sempre me perseguir? Por que, depois de toda a indecência que me propôs, eu ainda não deixei de pensar nele por um segundo sequer? Estaciono o carro na garagem de minha casa e entro na segurança do meu lar. Sinto raiva novamente ao lembrar que saí há pouco tempo com tantas expectativas e agora volto com as mãos vazias. Não haverá a entrevista com Apollo Assunção. Fim de papo. – Ei, que cara é essa? Já está de volta? Não achei que sua conversa fosse durar tão pouco tempo. Pela forma que está vestida, pensei que poderiam dar uma esticadinha. Minha prima está sentada no sofá comendo uma enorme fatia de torta de chocolate e assistindo televisão. Desabo ao lado dela, afundando minha cabeça entre as almofadas. – Tem uma fatia dessas pra mim? Talvez comer chocolate seja a única coisa boa que vai acontecer nesse dia.


– Nossa, estou vendo que a noite não rendeu. Eu te disse que não devia encontrá-lo. Você não precisa se envolver na área esportiva da emissora, Kimberly. Eu sei o quanto é teimosa e o quanto tentou, mas agora chega. Me prometa que vai conversar com seu chefe e ficar longe disso tudo. Ela levanta e vai até a cozinha. Volta com um prato transbordando de calda de chocolate. Eu juro que não sou dessas que comem besteiras o tempo inteiro, mas hoje eu estou a fim de chutar o pau da barraca. Vou comer chocolate até dizer chega. – Obrigada, Nina. – ela me entrega o prato e levo um pedaço à minha boca. – Hum... isso aqui está muito bom. Minha priminha está salvando o meu dia. – Você sabe que sempre pode contar com uma torta de chocolate ou um pote de sorvete quando está meio depressiva. Essas coisas têm o poder de levantar o astral até de um morto, embora eu confesse que não como só quando estou pra baixo. Ela é a coisa mais fofa que existe. É linda, mesmo um pouco acima do peso. Na verdade, tem apenas um pouco mais de carne. E estão nas partes certas. Ela diz que não, mas percebo o olhar dos caras quando caminha com seu rebolado natural. Tem os olhos verdes como os meus, mas sua pele é bem mais clara que a minha. Ela dá luzes nos cabelos, o que combina muito com sua cor e olhos. De vez em quando faz alguns trabalhos como modelo Plus Size. Acredite, ela é formada em Educação Física e é proprietária de uma pequena academia no bairro que nós moramos. Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Administra seu negócio e, às vezes até instrui alguns alunos, mas malhar que é bom, nada. A única coisa que faz é caminhada na esteira todas as manhãs. Disso não abre mão, mas repõe tudo com uma enorme fatia de bolo ou uma barra de chocolate todos os dias. – Eu tentei, Nina. Juro que tentei... você não tem ideia da proposta que Apollo me fez para conceder a entrevista. Tem razão. Preciso conversar com Olavo e lhe pedir para esquecer qualquer coisa que envolva esse jogador. Vou ajudá-lo a encontrar uma saída. Uma emissora daquele porte não pode depender apenas de uma pessoa.


Acho que ela deixou de ouvir o que eu dizia a partir do momento que eu falei a palavra ‘proposta’. Se eu consegui afastar sua atenção da torta de chocolate é porque vou ter que dizer tudo o que aconteceu. Em mííííínimos detalhes. – Proposta? Que proposta? Está me matando de curiosidade, Kim. – Vou te contar tudo. Você acredita que aquele filho da puta teve a cara de pau de me pedir uma noite de sexo em troca da informação que eu preciso? – Uau! Está falando sério? Aquele homem lindo te ofereceu uma noite de sexo quente, ardente em troca de uma entrevista? Deus, por que essas coisas não acontecem comigo? E você recusou? – Ainda me pergunta? Eu sou noiva, Nina. Noiva! Além de tudo, sou profissional e nunca negociaria uma informação desse jeito. – Claro, claro... desculpe. É que pensar em Apollo Assunção nu à minha espera em cima de uma cama deve ter bagunçado alguns neurônios em meu cérebro. É lógico que você não cederia a essa proposta. Apollo nu. Por que não consigo deixar de visualizar aquele homem sem roupa em toda sua glória se tocando no vestiário? Pelo amor de Deus, não é o primeiro cara despido que vejo em minha frente. Droga! Por culpa de Nina acabei de formar a imagem mental dele me chamando para deitar ao seu lado em uma cama. – Planeta Terra chamando Kimberly. – Oi? O que estava dizendo mesmo? – Eu acabei de te dizer que Rafael, seu noivo, ligou pra cá mais cedo. Eu disse que você tinha um jantar de trabalho e ele pediu para que retornasse a ligação quando voltasse. Ele tentou no celular, mas você não atendia. Merda! Esqueci completamente de ligar para Rafa. – Vou para o meu quarto, Nina. Obrigada pela torta e por sempre me ouvir. Preciso ligar para ele. Deve estar fervendo de raiva. – Certo. Ele é tão fofo. Não o deixe esperar. Vou ficar por aqui mesmo. Essa novela está pegando fogo. Subo os degraus das escadas de dois em dois para chegar o mais rápido possível ao meu quarto. Não sei por que, mas minha consciência está pesada. Eu não lembro de ter feito nada de errado hoje. Fiz? Tiro os meus sapatos e me jogo na cama com o celular na mão. Disco o número de Rafa e espero chamar até que ele atende.


– Baby, está tudo bem? Faz tempo que tento falar com você e não consigo. Estava muito ocupada? Nem respondeu minha mensagem. Porra, a mensagem. Esqueci completamente de responder. – O dia foi tão agitado que não tive tempo sequer para respirar. Desculpe por não ter respondido a mensagem. – Não tem problema. Eu estava pensando... mas acho que talvez não seja uma boa ideia... estou com tantas saudades e pensei em dormir aí ou trazê-la para dormir comigo. O que acha? Ah, diga se meu namorado não é o melhor homem do mundo. Às vezes penso que toda sua vida gira em torno de mim. Não sou egoísta nem nada, mas qual é a mulher que não quer se sentir o centro da atenção de um homem? Ainda mais um lindo como Rafa. – Amor, o dia hoje foi realmente puxado e tudo o que eu quero é tomar um banho e dormir. Você ficaria muito chateado se deixássemos para amanhã? Eu também estou louca de saudades. Quero muito me perder em seus braços. Estou sendo sincera quando digo essas palavras. Eu amo Rafael e me sinto confortável e segura quando estou em seus braços. Está certo que não sinto aquela coisa de coração palpitando e fogos de artifícios explodindo. Mas essa coisa toda intensa não é apenas sinal de paixão? Paixão é passageira. Amor é estável e deixa o coração em segurança. Acho que o que eu sinto por meu noivo é amor. Acho, não. Tenho certeza. Sim, é amor. – Não há nada que eu queira mais nesse mundo, Kim. Eu a quero em meus braços. Me conte como foi seu dia. A reunião desta noite foi proveitosa? Com quem foi, eu conheço? Traaac, traaaac. – Foi uma conversa chata com um possível parceiro da emissora. Nada de muito importante. Não foi como eu esperava porque o cara é um metido arrogante que acha que pode fazer o que quiser. Eu não quero falar mais sobre ele. Quero que se exploda. – Ei, calma. Se soubesse que ficaria estressada assim não teria tocado no assunto. Estou vendo que realmente precisa descansar. De fato, parece que seu dia não foi nada fácil. – Desculpe mais uma vez. É que o cara me tirou do sério. Eu te amo tanto, Rafa. Não vejo a hora de te encontrar amanhã.


– Então vá dormir, minha linda. Vá dormir para que a noite passe mais rápido. Vou contar as horas e minutos amanhã para sentir o seu cheiro, o gosto da sua boca, me perder em seu corpo. Agora seja uma boa menina e já para a cama. – Já estou nela, amor. Boa noite. – Boa noite, Kim. Eu também te amo muito. Nunca duvide disso. Tomo um banho e afundo na cama perdida em pensamentos. O rosto que se materializa em minha mente deveria ser o do meu noivo. Mas não é. Quem insiste em invadir a minha alma é aquele cretino bastardo. É com a imagem de Apollo Assunção inundando meus pensamentos que pego no sono e tenho um dos sonhos mais quentes dos últimos tempos. Aquele filho da puta não está me dando sossego nem durante o sono. Algo me diz que os acontecimentos desse dia mexeram com minha cabeça. E desconfio que não vão me deixar em paz por um bom tempo. ************** – Bom dia! Nossa, parece que acordou mais disposta hoje. Nada melhor que um dia após o outro, hein? Venha tomar café. Fiz ovos mexidos e um suco de laranja, mas tem café, pão, queijo, presunto, bolo, sucrilhos, iogurte, frutas... Deus, será que Nina só pensa em comida? Pela manhã é o horário que sinto menos fome e ela está ditando todo o cardápio como se eu fosse uma histérica faminta. – Obrigada pelo banquete, mas vou tomar apenas uma xícara de café e comer um pedaço de bolo. Não estou com tanta fome. – Ah, como é chato sentar à mesa com uma pessoa que não sabe apreciar uma boa comida. Eu não sei como você consegue se manter de pé. – Eu me alimento bem durante o dia. Só não sou de comer muito pela manhã. Você sabe disso. Aliás, não deve ser nada saudável comer esse tanto de comida na primeira refeição do dia. – Você quer dar aula a mim agora? Sou eu a formada em Educação Física aqui. A primeira refeição do dia tem que ser a mais completa. – Se você diz... – Agora chega. Eu não quero mais falar sobre o que eu como ou deixo de comer. Quero saber sobre você. Sua vida anda mais agitada do que a minha. Especialmente de ontem pra cá.


– O que você quer saber, criatura? – Ainda pergunta? O que eu ia querer saber além do seu encontro com Apollo? Você comentou sobre um monte de coisas que aconteceram com você ontem à tarde. Tem a ver com ele? – Tem, sim. Eu tive que ir até o estádio onde o clube dele iria jogar contra o clube do meu pai. – Você foi até um estádio? Deus, deve ter sido tão difícil para você. – Foi muito difícil. Na verdade, pensei até que não ia conseguir. Aquele lugar me fez tão mal, mas eu tinha um objetivo e decidi ir até o fim. Deixe-me contar o que aconteceu. Você vai gostar dessa parte. Na tentativa de conseguir a entrevista, eu invadi o vestiário dele antes do jogo. E adivinha como ele estava? Eu o peguei nu, Nina, você acredita? Flagrei o homem nu. Minha prima levanta da mesa e tapa a boca com as duas mãos. Seus olhos estão arregalados de surpresa. Pra quê fui abrir minha boca? Agora é que eu não vou mais ter sossego mesmo. – Uau! Você está me dizendo que encontrou aquele homem maravilhoso do jeito que veio ao mundo? É isso mesmo que estou ouvindo? Seu rosto está muito cômico. Seus grandes olhos verdes estão ansiosos por mais novidades enquanto uma sobrancelha está mais arqueada que a outra. Ela não deixa de piscar os olhos em expectativa. Vou ter que derramar tudo. Você não conhece minha prima. – É exatamente o que estou dizendo. Claro que não foi de propósito. Busquei um jeito de falar com ele e só achei essa maneira. O pior é que o cretino sequer ficou abalado com minha invasão. Na verdade quem ficou em saia justa fui eu. – Porra, você vai ter que me contar tim tim por tim tim. Não omita nenhum detalhe. Quero saber tudo o que você viu. Acho que eu morreria se estivesse em seu lugar. Ah, Apollo... – Apollo? Vocês estão falando de Apollo Assunção? O que estão conversando sobre ele? Meu irmão acaba de chegar e espero que não tenha ouvido muita coisa. Na verdade tenho certeza de que não ouviu, pois não teria entrado em meu apartamento de um jeito tão calmo. Ele parece um leão quando acha que precisa me proteger. Seu ciúme de irmão chega a ser excessivo.


– Não é nada. A emissora está tentando uma exclusiva com ele e ainda não conseguimos. Apenas isso. – Ah, certo. Acho que pode ser um pouco difícil, mas você vai conseguir. Sempre consegue. O cara está no momento de ouro que todo jogador almeja estar. Está sendo até indicado para melhor jogador do mundo e todas as apostas são para ele. Eu mesmo tenho que tirar o meu chapéu. Ele joga muito. Não! Eu não preciso de mais uma pessoa elogiando aquele idiota. Se Eros soubesse a proposta que ele me fez, certamente não estaria o aplaudindo desse modo. – Ele é um imbecil arrogante como a maioria dos jogadores de futebol. – É? Como você sabe, maninha? Já o conheceu? Oh, oh. Acho que acabei falando demais. – Não. Você mesmo disse que é difícil chegar perto dele. Todos os jogadores se deixam levar pelo estrelismo. Sempre acham que estão acima de todos os mortais. Você é a única exceção que eu conheço. – Não é bem assim. Quando estamos do lado de cá vemos o quanto é difícil ter um pouco de privacidade. Às vezes é tudo o que queremos e a mídia não deixa. Acabamos por passar uma imagem deturpada. Você não tem ideia de quantos jogadores fazem trabalhos sociais e não saem divulgando por aí. – Eu sei, eu sei. Você mesmo é um deles. Acho tão doce sua atitude. – Alguém tem que fazer alguma coisa, não? Apollo também ajuda. – Sério? – Sim. Até o encontrei ontem. O Avantes jogou contra o Gladiadores e ganhou por pouco. Ele ainda fez dois gols. Aquele cara segura o time inteiro. Não sei como o clube vai ficar se ele de fato for para a Europa. O mundo esportivo está girando em torno dessa possibilidade. Todos querem obter a tal confirmação sobre sua partida para a Europa. A mídia está enlouquecida, o suspense continua no ar e as apostas são altas para conseguir essa informação em primeira mão. Não serei eu. Falhei? Sim. Tentei? Todos são testemunhas do quanto me esforcei. Quando o preço é em moeda corrente, tudo se torna mais fácil. Desta vez o preço cobrado foi alto demais. Está fora do meu sistema.


Preciso mudar de assunto. Não quero que hoje seja mais um dia que Apollo Assunção esteja sob minha pele. Tenho que superar as surpresas de ontem. Eu vou superar. – E aquela garota que você me apresentou semana passada, Eros? Ainda está com ela? – Qual foi a que te apresentei? A loira ou a morena? Sorrio. Não tem jeito. Eros continua o mesmo mulherengo de sempre. – A morena, seu maluco. Será que ainda lembra o nome dela? Ele pega um copo e enche de suco de laranja. Tira uma enorme fatia de bolo e morde, enchendo sua boca com a metade do alimento de uma só vez. Enquanto mastiga, começa a passar manteiga em um pão. Acho que a pessoa perfeita para acompanhar Nina no café da manhã acabou de chegar. – Você me conhece como ninguém, hein, Kim? De fato, eu não lembro o nome dela. Era algo parecido com Samanta, Bianca... sei lá. – Eu quero viver pra ver o dia que uma mulher vai marcar um pênalti em você. Sua queda na paixão será alta, Eros. Já estou te visualizando como um cachorrinho abanando o rabo atrás de uma mulher. – Vira essa boca pra lá. Sou um cara jovem com uma carreira pela frente, tenho muita coisa pra viver antes de me amarrar. Se é que eu vou algum dia. – Ah, vai. Pode ter certeza que vai. – E o Sr. Eduardo Nóbrega? Tem falado com ele? – Vi papai ontem rapidamente. Estou pensando em dar um pulo no centro de treinamento para falar com ele. Tem um assunto que está consumindo meus pensamentos e preciso passar a limpo. Sabe me dizer se ele está lá. – Está com certeza, mas que assunto é esse? O que você está me escondendo? Nina me salvou desta vez. – Nada, Eros. É coisa de pai e filha. É besteira de Kim. Ela só tem que bater um papo com o Sr. Eduardo e estará tudo resolvido, não é, prima? – Vocês duas estão cheias de segredinhos. Você sabe que pode contar comigo, minha irmã. Se tiver algo a ver com as sanguessugas da sua mãe e irmã, deixe que eu resolvo. Você tem o coração muito mole.


– Sei que você está aqui, Eros, mas pode deixar que eu lute as minhas batalhas. Sempre foi assim e não será agora que vai ser diferente. Preciso ir. Tenho muito o que fazer na emissora. Hoje é mais um daqueles dias. Ele me dá um beijo na testa, pego minha bolsa e corro para o trabalho. O dia anterior não foi agitado? Então agora tenho problemas em dobro para resolver. Depois de pegar um engarrafamento infernal muito típico da cidade de São Paulo e de xingar todas as gerações dos políticos que nada fazem para resolver esse inconveniente, chego na emissora e vou direto para a minha mesa. Ufa! Me sinto aliviada quando percebo que não tem recados de Olavo hoje. Parece que vou conseguir trabalhar em paz antes que más notícias comecem a chegar. É claro que faço a minha rotina habitual. Eu não sei começar a trabalhar sem ouvir música. Desta vez, a seleção é encabeçada por nada mais, nada menos que Don´t worry, be happy interpretada por Bob Marley. É isso. Chega de preocupações, afinal hoje é sexta. Este não é o dia oficial de jogar os problemas pra cima? Assim que ligo meu computador, recebo um lembrete que deixei programado. Eu tenho que entrar em contato com o homem que vai me dar as informações que preciso para explodir um caso de corrupção. Casimiro Castro é o nome do deputado envolvido em um esquema de desvio de verba. Ele não perde por esperar. Daqui a pouco faço essa ligação. – resolvo procrastinar. Acesso a internet na intenção de verificar meus e-mails, mas a coceira insistente em meus dedos não deixa. É, acho que não há mal algum em fazer uma busca no Google sobre Apollo Assunção. Há? Clico em pesquisar e uma infinidade de sites, imagens se abrem diante de mim. Dou uma olhada em alguns sites de fofocas, blogs e imagens. Além das fotos em campo, tem outras dele abraçado a diversas mulheres, uma ao lado de uma senhora, provavelmente sua mãe, mas uma específica me chamou atenção. Ele está com uma garota loira, muito bonita e esta mesma imagem se repete várias vezes em locais diferentes. Seria uma ex-namorada? É lógico que as notícias em torno dele são no sentido de descobrir se vai ou não para a Europa. As especulações são grandes, porém todos apostam que tem um fundo de verdade. Ele pode estar deixando o país. Sinto, repentinamente, um aperto no coração. Por que a ideia dele ir embora poderia me incomodar?


Deixo de pensar no assunto a partir do momento que clico em uma foto e várias outras do mesmo estilo se abrem. É simplesmente a visão do paraíso. Deus, que calor! O homem está de cueca na maioria delas. Ele é garoto propaganda de uma marca de boxers e está fazendo poses sensuais com modelos diferentes da peça. Gente, o que é isso? Minha mente se enche de palavras que poderiam ser usadas para qualificar cada imagem, mas a palavra DELICIOSO é a que está piscando em luz neon na minha cabeça. Delicioso! Não consigo desviar meus olhos do que está dentro da boxer. Mesmo vestido, a peça não consegue esconder o quão grande seu pau é. Eu já vi pessoalmente e posso garantir que é tudo isso e muito mais. Trrriiiiimmm... trrriiiiimmmm... A chamada do telefone me traz de volta para o mundo real. Fecho o site que eu estava olhando como se alguém pudesse me flagrar através do telefone. Atendo. – Kimberly Nóbrega falando. – Bom dia, Kimberly. Aqui é Jane da administração. Como Tânia está de férias, estou trabalhando em seu lugar por esses dias. – Ah, sim. Jane, como vai? – Muito bem, obrigada. Olavo pediu para que assim que tiver um tempo, dar uma passada em sua sala. Ele tem um assunto sério para tratar com você. Ah, mas é claro que Olavo não me deixará em paz até que eu lhe dê a resposta que quer ouvir. Droga! – Obrigada, querida. Passo aí daqui a pouco. Finalmente visto a máscara de jornalista profissional e vou examinar minha caixa de e-mail. Lá, não encontro nada. Apenas propagandas que mando direto para o spam, jornais digitais que possuo assinatura e circulares internas. Nada que vá me ajudar na atual investigação. Fecho o correio eletrônico e decido enfrentar a fera logo. Preciso riscar da minha lista esse confronto com Olavo. Se tem que ser, então que seja agora. Levanto da minha mesa quando o telefone toca outra vez. – Oi, Jane, já estou indo falar com ele. – Olha aqui, sua vagabunda, você não sabe com quem está se metendo. Se tiver amor à sua vida, se dedique menos ao seu trabalho ou não respondo pelo que pode acontecer com você.


Isso é tudo o que a pessoa do outro lado do telefone fala, usando voz distorcida. Não precisa dizer mais nada. Eu acabei de sofrer uma ameaça. Esta não é a primeira e provavelmente não será a última. Sei que estou mexendo com gente muito poderosa, mas se eu me intimidar, terei que mudar de profissão. Disco o número do nosso departamento de investigação. – Alô, Kimberly? – Sim, sou eu. Acabei de receber uma ameaça. Veja se consegue rastrear o número e o local de onde foi feita. Vou sair agora, mas quero as informações em cima de minha mesa assim que eu voltar, entendeu? – Claro, claro. Farei isso imediatamente. E eu que pensei que o dia hoje poderia ser mais fácil. Ledo engano. Vou até o escritório de Olavo com o coração palpitando forte. Eu sou humana, oras, é óbvio que tenho receios como qualquer um. Só não posso me deixar levar por eles. O que Olavo quer desta vez? Eu já vou entrar na sala dizendo que estou fora desse negócio. Não pretendo entrar em detalhes, mas tenho que deixar claro que não há conversa entre eu e Apollo. – Jane, posso entrar agora? Ela ergue seus óculos enormes totalmente desproporcionais ao seu rosto fino e aponta para a sala. – Sim, Kimberly, ele está te esperando. Empurro a porta que estava semiaberta e o flagro lendo atenciosamente uma espécie de fax. Seus olhos correm para o meu rosto e seu sorriso agora está aberto de orelha a orelha. – Você conseguiu, Kim. Eu sabia que podia contar com você. Que garota sensacional e excelente profissional você é. Parabéns. – O quê? Do que você está falando, Olavo? Eu vim aqui justamente para dizer que falhei, que tentei, mas não deu para fazer a tal entrevista. Por que está me dizendo essas coisas? – Porque você é a melhor, menina. Como pode dizer que falhou depois que eu leio a informação que está em minhas mãos? – O que está escrito aí? – Leia você mesma. – ele me entrega o papel. – Não apenas conseguiu a entrevista. Você conseguiu muito mais.


Gente, do que esse homem está falando? Preciso conferir o conteúdo do fax antes que eu surte. Abro o papel e me surpreendo com o que leio. “Prezado Sr. Olavo Gusmão, Depois de ter sido procurado por uma excelente profissional no dia anterior, venho informar que o esportista Apollo Assunção tem interesse em uma reportagem exclusiva para esta emissora. Ele estará viajando para a Europa dentro de duas semanas e deseja que um representante o acompanhe nas possíveis negociações com um clube de futebol estrangeiro. A emissora terá as informações em primeira mão, mas ele faz apenas uma exigência. A representante deverá ser a jornalista Kimberly Nóbrega. Sem mais, aguardo contato. Assessoria pessoal de Apollo Assunção” Não sei se Olavo está olhando para o meu rosto antes de fazer essa pergunta, mas o fato é que ele faz. – Então, Kimberly, não é uma excelente notícia?

Capítulo 5 Entre a cruz e a espada


Excelente notícia... excelente notícia... esta pergunta está buzinando em meu ouvido como um disco arranhado. Deus, aquele homem não entendeu uma palavra do que eu disse? Como alguém faz uma proposta daquelas e no outro dia me convida para uma viagem? Das duas uma. Ou Apollo Assunção é um canalha de carteirinha e está tentando provar o seu ponto ou ele está enlouquecendo de vez. Estou mais propensa a acreditar na primeira hipótese. – Olavo, você sabe que estou prestes a estourar um esquema de corrupção fortíssimo no Executivo que pode dar tanta visibilidade à emissora quanto essa informação que você tanto persegue. Eu não tenho tempo para ficar correndo atrás de jogador de futebol. Tente convencê-lo a levar outra pessoa. Meu chefe começa a andar de um lado para o outro sério, raiva espumando por sua boca, como se eu tivesse dito o que ele mais temia ouvir. Seu olhar está perdido talvez procurando uma forma rápida de me convencer do contrário. – Mas... estava tão disposta a ajudar, Kimberly. Você sempre foi uma mulher de palavra. O que mudou de ontem para cá? – O que aconteceu é o que sempre acontece com esse tipo de gente. Ele recusou-se a dar a informação, foi prepotente e arrogante. Prefiro lidar com pessoas que têm um preço. Apollo Assunção não está nesse grupo. Você acha que eu deveria contar o que de fato aconteceu? Não mesmo. Do jeito que esse homem está desesperado pela entrevista, é capaz de me pedir para aceitar aquela proposta indecente. – Não. Ele quer você, Kimberly. Isso está muito claro no fax. É a única exigência que ele faz. Eu sei que tem outras ocupações nas quais você é brilhante e sei também que está envolvida no caso do deputado, mas eu não tenho escolha. Ele quer você, Kimberly. Lembro do nosso encontro ontem à noite quando teve a ousadia de dizer: você ainda vai ser minha, Kimberly, logo, logo eu a terei em meus braços e, quando estiver aqui, não a deixarei ir tão facilmente e te garanto que você não vai querer sair. Canalha! Até que ponto ele é capaz de chegar? – Tem, sim. Tente conversar com a assessoria dele. De repente você consegue resolver o problema mais fácil do que imagina. – Não quero e não posso arriscar. As investigações podem ser feitas por outras pessoas, mas essa informação preciosa só você pode conseguir. Já


imaginou o destaque que nós teremos por ter exclusividade na cobertura das negociações de Apollo? – Sei disso, mas... – Kimberly, pelo amor de Deus, não há o que considerar. Esse cara é a nossa galinha dos ovos de ouro. Pode ser a única chance de darmos a volta por cima. Pense no seu emprego, pense no quanto Tânia depende do seu trabalho, pense nas pessoas que contam com a emissora para se manter. Droga! Ele está apelando mesmo. Está jogando pesado com a minha consciência, investindo todas as fichas em meu coração de manteiga. Mas eu não posso. Eu simplesmente não posso. Além do motivo número um da minha lista de proibições, tenho outro muito forte para recusar esse convite. Apollo me quer em sua cama. Esta é a única razão pela qual está me convidando. Sou apenas mais um pedaço de carne, um desafio a ser conquistado. Nina está certa. Eu não preciso disso e tenho que pensar em mim agora. Se for necessário, eu ajudo Tânia. Ela terá tudo o que for importante para que Gustavo tenha o melhor tratamento possível. Os demais terão que se virar. É isso. Não, Kimberly, não é isso coisa nenhuma. Essa não é você. E se eu aceitar fazer essa viagem impondo a condição de que o nosso contato seja restrito às negociações? E se eu conseguir que Rafa tire alguns dias de férias e me acompanhe para a Europa? – Não me pressione, Olavo. Eu não funciono sob pressão. O máximo que posso te prometer é que vou pensar. Quando ele disse que vai mesmo? – Daqui a duas semanas. – Pronto. É tempo mais que suficiente para que eu te dê uma resposta. Preciso conversar com meu noivo e pesar a decisão. Não é algo que possa resolver de uma hora para outra. Enxergo uma banquinha com uma cafeteira e decido encher uma xícara. Café é um dos meus vícios. Muita gente diz que ele deixa mais nervoso. Para mim, é um excelente calmante. Tomo um gole e sinto o líquido quente descer pela minha garganta. Hum... forte e amargo do jeito que eu gosto. – Ouvindo você falar desse jeito, parece até que Apollo está te pedindo para dormir com ele em troca de informação. É apenas uma entrevista. Não precisa pedir permissão à ONU para acompanhá-lo.


Não consigo segurar. A xícara cai da minha mão com a velocidade de um foguete. Quebra em dezenas de pedacinhos, espalhando café para todos os lados. Olavo está me olhando desconfiado. Eu conheço esse olhar. Preciso disfarçar ou não será tão difícil ele concluir que acertou no alvo. – Vou limpar toda a bagunça. Está vendo? Essa história de acompanhá-lo está me deixando nervosa. Eu preciso esfriar a cabeça antes de dar uma resposta definitiva. – Pode deixar com o pessoal da limpeza. Você venceu. Percebo que não adianta tentar te convencer agora. Essa conversa não vai chegar a lugar nenhum hoje. Não demore a me responder, Kimberly. Preciso dar um feedback a eles antes que considerem dar a oportunidade a outra emissora. Além do mais, tenho que deixar alguém em seu lugar e tudo isso leva tempo. – Não se preocupe. Eu só necessito de um tempo e logo entro em contato. Até logo, Olavo. Estou saindo da sala, mas ele me chama novamente. – Kimberly! – Sim? – Eu confio em você e não consigo ver outra pessoa tão competente para fazer essa cobertura. Pense com carinho. – Ok. Prometo que farei isso. Saio de sua sala e caminho lentamente para a minha mesa. Pensamentos invadem minha mente e quem os protagoniza é sempre a mesma pessoa. Apollo Assunção. Eu deixei de ter o controle sobre a minha cabeça a partir do momento que meus olhos pousaram naquele homem. Ele tentaria me seduzir nesta viagem? E se eu ficasse em um hotel bastante longe do dele? O pior é a pergunta que não quer calar. Eu resistiria caso ele tentasse me seduzir? Tenho que ligar para Rafa. Se ele confirmar que pode ir comigo, eu aceito fazer essa cobertura. Caso não... Meu celular vibra no bolso. Pode ser ele. Deixe-me conferir. – Kimberly Nóbrega falando. – Kim, oi, querida. Aqui é Tânia. Que bom que consegui falar com você. Achei que poderia estar muito ocupada.


– Oi, Tânia. De fato tenho muito o que fazer, mas a gente sempre encontra um tempo para os amigos. Como está Gustavo? – Guga está bem. Ele tem novos exames marcados para a próxima semana e está feliz da vida porque estou de férias. Até marquei um passeio com ele no próximo fim de semana. Gostaria de vir com a gente? – Infelizmente não vai dar, Tânia. Sabe, estou atolada de trabalho e preciso tomar algumas decisões importantes, mas se estiver em casa neste domingo, gostaria de passar em sua casa e fazer uma visita. – Claro. Estaremos sim. Pode vir. Ele vai adorar. – Está marcado, então. Passarei em sua casa pela tarde. – Obrigada, Kim. Você não sabe o quanto eu estava precisando deste momento com meu filho. Não sei o que seria de mim sem você. Tenho uma dívida eterna contigo. – O que é isso? Tânia, se precisar de alguma coisa, mas qualquer coisa mesmo, não hesite em me ligar. Eu gosto muito do seu filho e quero ver Guga saudável e feliz. O telefone fica em silêncio por um tempo e começo a me preocupar. Ouço um fungar leve e percebo que ela está chorando. Aconteceu algo? – Ei, o que foi? Você está chorando? – De emoção, Kimberly. Não precisa se preocupar. Minhas lágrimas são de alegria por ter cruzado com uma pessoa tão boa em meu caminho. É raro encontrar alguém como você. Obrigada pelo carinho com Gustavo. – Vocês merecem. Até domingo, então. – Até logo. Termino a ligação com um sorriso estampado no rosto. Eu confesso que não sou uma pessoa naturalmente solidária, que ajuda o próximo, instituições e essas coisas. Eu deveria, mas não sou. Quem tem o coração mais solidário em minha família é Eros, não eu. Mas Guga... o pequeno Guga me conquistou desde a primeira vez que o vi. É uma criança muito especial. Sento em minha mesa e percebo que alguns papéis estão sobre ela. Devem ser as informações que pedi ao serviço de investigação. Leio o documento e não encontro nada que me dê uma pista. NOME E CPF REGISTRADO: não identificado


NÚMERO DO TELEFONE: restrito LOCAL DA LIGAÇÃO: não identificado TEMPO DA LIGAÇÃO: não identificado Merda! A pessoa que me fez a ameaça pensou em tudo. Eu não tenho como provar que fui ameaçada nem de onde ela veio. Ele teve cuidado para não deixar nenhuma pista. Vou deixar esse caso de lado por enquanto. Deixa a poeira baixar, quando eles menos imaginarem, eu retomo. Ouço o toque do Whatsapp e prontamente pego o celular para conferir quem está tentando falar comigo. É Rafa trazendo um punhado de ar frasco para esse dia que já começou pesado. R: Minha bonequinha, que tal sairmos hoje à noite? Ele não é um amor? K: Claro. Para onde vamos? R: Podemos sair para dançar, o que acha? Vou pesquisar um lugar legal que ainda não fomos. K: Estou dentro. Me pega lá em casa às nove? R: Fechado. Depois nós vamos para o meu apartamento. Não vejo a hora de te encontrar, amor. K: Eu também. Bjs R: Eu te amo. Decido deixar para tocar no assunto da viagem com Rafa mais tarde. Acho que ele vai acabar topando. Faz um tempo que não viajamos juntos. Estou com saudades de quando tínhamos menos compromissos. Passo a manhã e a tarde toda trabalhando. Só consegui parar para almoçar rapidamente e voltar correndo para o trabalho. Ligo para o informante e marco um encontro com ele para a próxima semana. Sei que eu decidi deixar a poeira baixar, mas preciso das informações até para saber mais a fundo com que tipo de pessoa estou lidando. Depois eu vejo o que fazer com elas. Lembro que eu fiquei de conversar com meu pai. Apollo me deixou com a pulga atrás da orelha quando perguntei o motivo de tanto rancor. Eu não gosto de histórias sem desfecho e essa está consumindo minha cabeça. Que eles se conheciam eu já sei. Mas o que levaria Apollo a pesquisar sobre eu e meu irmão? Por que sua voz parece tão carregada de mágoa quando toca no


nome do meu pai? Ah, isso eu tenho que descobrir, mas não será hoje. Na próxima semana o procuro. Chega, está na hora de dar o dia por encerrado. Sexta-feira, sua linda, você chegou. Vou aproveitar para curtir com meu noivo e jogar pra cima todo o estresse que passei essa semana. Para isso, preciso ficar linda. É o que vou fazer agora. Pego as chaves do meu Kia Sportage branco e vou para o estacionamento da emissora. O sol está brilhando e pintando o céu de uma cor alaranjada tentando anunciar o fim de mais um dia. Deixo seus reflexos iluminarem o meu rosto como uma despedida da semana que está findando. Entro em meu Pingo de Leite – foi como apelidei o meu carro – e acelero, chegando em casa quase na velocidade da luz. Incrivelmente, o trânsito estava tranquilo para uma sexta-feira. Abro a porta e percebo que está tudo silencioso. Nina não está em casa. Deve estar na academia. Subo para o meu quarto e realizo todo o processo que uma mulher precisa para ficar bonita. Escovo os cabelos, levo minutos e mais minutos me maquiando e escolho uma roupa sexy para usar esta noite, decido por short preto, uma blusa prateada e jaqueta de couro, combinando com um lindo sapato Carmen Steffens do tipo que tem que ser um pouco equilibrista para usar. Vi em uma vitrine semana passada e não resisti mesmo sabendo que tenho outras dezenas de sapatos no mesmo estilo. Mulheres! Estou pronta e é exatamente neste momento que a sirene toca. Olho as horas e percebo o quanto ele foi pontual. São nove em ponto. Corro para a porta e abro. Os olhos de Rafa se arregalam quando os passeia sobre mim de cima a baixo. Ele não precisa dizer sequer uma palavra. Tenho certeza de que a minha escolha do look desta noite está mais que aprovada. Sem falar que meus decotes podem facilitar muito as coisas para nós. – Bonequinha, você está incrível. Ele também está lindo. Na verdade, ele é lindo. De jeans e camiseta, consegue ainda parecer tão charmoso quanto na época que o conheci. Depois de cinco anos ainda me sinto muito atraída por Rafa.


Ele dá dois passos para dentro, estreitando nossa distância e me abraça apertado. Sinto o amargo sabor da saudade se esvaindo. Suas duas mãos estão em meu rosto agora e seu olhar está preso à minha boca. Rafa me beija com fervor, movimentando seus dedos suavemente por meu corpo já ansioso e segura minha bunda com as duas mãos, esfregando sua ereção ainda dentro da calça. Inclina-se em meu ouvido e diz: – não vejo a hora de tirar sua roupa e tê-la só para mim. Pronto. Acabou minha vontade de sair. Eu só quero ficar em casa agora e me perder em êxtase com o meu noivo. – Então, tire. Vamos fazer isso agora. Ele me dá um sorriso cafajeste que tanto adoro e aponta seu dedo indicador para mim, negando o meu pedido. – Eu quero aproveitar a noite com você, amor. Quero construir lembranças de bons momentos que levaremos por toda a vida. Te quero tanto, Kim, contudo podemos esperar um pouco mais. Confesso que estou um pouco decepcionada. Sei lá, já faz um tempo que eu e Rafa não fazemos sexo selvagem, do tipo que se deixa levar pelo desejo. No começo da relação era assim. Ele já chegava tentando encontrar minha calcinha e rasgá-la. Eu nunca precisei visitar tanto a loja de lingeries quanto naquele tempo. Agora, geralmente transamos com dia e hora marcada e nossos encontros estão cada vez mais limitados ao fim de semana. É como se estivesse anotado em sua agenda. Sexta, sábado e domingo: sexo com minha noiva. Droga! Se já é assim no namoro, imagine depois de casados. – Tudo bem. Me deixe retocar o batom e nós podemos sair. Fomos para o Good Night Club, uma casa noturna da Zona Sul. Pago minha entrada e Rafael a dele. Sim, somos um casal moderno e meu noivo não é rico nem nada. Está conquistando agora um nome como fotógrafo esportivo. Nós dividimos todas as despesas quando estamos juntos. Não é o justo? Entramos e vamos direto para o bar. Ele pede uma cerveja e prefiro uma nevada, que é uma espécie de vodka misturada com limão, leite condensado e bastante gelo. Eu adoro essa bebida. O atendente nos entrega e tomo logo um gole sentindo o sabor doce misturado ao azedo do limão.


Há muita gente dançando, alguns casais se beijando e outros apenas no flerte. O ambiente é muito moderno com telas de LED transmitindo a imagem dos DJs que se reversam para fazer o som. O estilo musical que prevalece é o pop, com músicas dançantes. – Como foi sua semana, amor? – Rafael pergunta enquanto esfrega seu polegar em minha mão de forma carinhosa. – Não foi das melhores. Na verdade, eu gostaria de esquecer que ela existiu. É tudo o que eu quero de fato. Saber que o pequeno Guga está doente, enfrentar um jogador de futebol esnobe e sofrer uma ameaçada com certeza não estão no topo da lista de ninguém. – É uma pena porque a minha foi ótima. Sabe que eu assinei um contrato importantíssimo esta semana? – Sério? Que bom, querido. Que tipo de contrato? – Eu vou cobrir os jogos dos Gladiadores por todo o campeonato. Eu serei o fotógrafo oficial do clube nesse período. Não é maravilhoso? Maravilhoso? Porra, só pode ser uma conspiração do universo contra mim. – Você está me dizendo que vai estar sempre em contato com Apollo Assunção? – Sim, é isso mesmo o que estou te dizendo. Você sabe que não gosto muito de futebol, mas que ser humano no mundo não admira esse jogador? Muita gente daria um braço para estar em meu lugar. Droga. Agora mais essa. Ter que ficar ouvindo meu próprio noivo discorrer sobre as qualidades de Apollo é fogo. Ah, Rafa, se você sonhasse... – Por falar nisso, eu preciso conversar com você. Eu sou da área investigativa, como sabe, mas Olavo me pediu um favor que estou meio receosa de aceitar. – Tenho certeza de que você pode dar conta. Se ele pediu, é porque sabe que é a melhor. – Deixe-me terminar de falar. A emissora ganhou o direito de cobrir as negociações de Apollo com um clube europeu. – Então ele realmente vai embora do Brasil? Pensei que eram só especulações. – É, parece que ele ainda não confirmou para a mídia, mas o fato é que ele nos ofereceu exclusividade e Olavo quer que eu faça essa cobertura.


Rafa escancara os olhos e abre um enorme sorriso, me abraçando com força. Me encara por algum tempo com um brilho de orgulho no olhar. – Deus, que ótimo, Kim. Já pensou na repercussão que terá para você? Pode se tornar um nome do jornalismo se aceitar. Estou tão feliz por você, querida. Cristo, meu noivo tem o coração tão bom que em momento nenhum chegou a pensar que pode estar me jogando na cova dos leões. Sua confiança é tão grande que é capaz de torcer pelo meu sucesso mesmo sabendo que posso estar a milhares de distância dele e perto de uma ardilosa raposa. – Eu ainda não aceitei. – Não aceitou? Por que alguém não aceitaria cobrir o acontecimento do ano? – Eu disse a Olavo que ia conversar com você antes. Quero que vá comigo, Rafa. Você poderia ser o meu fotógrafo na cobertura. O que acha? Seu rosto se entristece. Isso não é um bom sinal. Eu sei que ele vai me dizer não e vou continuar sem saber que decisão tomar, entre a cruz e a espada. – Não posso, meu amor. Seria um sonho estar na Europa ao seu lado, mas não tenho como revogar o contrato. O clube me chamou para cobrir os jogos e se Apollo Assunção estiver saindo de lá, é mais um motivo para que eu não seja liberado. É, Kimberly, você está por conta própria agora. A decisão é apenas sua. – Tudo bem. Eu gostaria muito de viajar com você, mas já que não dá... Vamos dançar, então? Afinal viemos aqui para nos divertir. A música é contagiante. Depois de alguns copos de nevada, estou dançando com leveza, sem preocupação, realmente me divertindo. Sair e esquecer os problemas é tudo o que eu preciso. Estou sentindo que vou ganhar uma vida a mais depois desta noite. Luzes rosas e azuis se misturam em um tipo de flashes iluminando nossos rostos. O ambiente é escuro, mas não o suficiente para que não possamos nos ver. Percebo que algumas mulheres estão olhando para Rafa. Ele é lindo, então é claro que chama a atenção das mulheres, mas está acompanhado, oras. Ninguém mais respeita? Meu noivo sequer percebeu. Ele só tem olhos para mim. Ainda bem. Alguns homens também me observam. Eu já conheço esse tipo de olhar. Nós, mulheres, somos avaliadas o tempo inteiro. Eles querem saber até que ponto sou fiel ao meu parceiro e incapaz de corresponder a um flerte.


Desvio meu olhar assim que percebo. Um burburinho me faz olhar para o lado e conferir o que está acontecendo. Uma pequena multidão está se aglutinando em torno de alguém. Pode ser alguma briga. Fico na ponta dos pés para tentar achar algum sinal que me faça entender. Sinto as batidas do meu coração ficarem mais fortes e aceleradas quando percebo quem está provocando todo esse movimento. Céus! É ele. Que diabos Apollo está fazendo neste lugar? – Olha, amor, que coincidência. Estávamos falando nele agora e quem diria que encontraríamos Apollo Assunção aqui. Quer tentar uma aproximação? – Não! – Acho que gritei mais alto do que deveria. Rafael me olhou com desconfiança pela primeira vez. Tive que arrumar uma desculpa rápida. – Estamos aqui para nos divertir, lembra? Vamos esquecer de qualquer um além de nós. Teremos outras oportunidades de cumprimentá-lo. Seus traços se aliviam. Ufa! – Claro, você está certa. Além do mais tem tanta gente querendo se aproximar. Bobagem querer falar com ele agora. Se ponha em meu lugar, eu deveria contar a verdade a meu noivo? Fala sério. Rafa está consolidando sua carreira. Tudo o que ele não precisa é arrumar briga com um jogador de futebol famoso. É muita presunção achar que ele está aqui por minha causa? Pelo amor de Deus, com tantas casas noturnas em São Paulo, não seria muita coincidência estarmos na mesma? Mesmo sabendo que é difícil, tento me concentrar no homem à minha frente. Aproveitamos para namorar. Estava com tantas saudades de ser beijada demoradamente, de ter suas mãos lançando arrepios pelo meu corpo, de dançar abraçadinha com meu namorado. Rafael vem para trás de mim e abraça a minha cintura, levando nossos corpos a se movimentar no ritmo da música. Estou de frente a Apollo e percebo que os seguranças conseguiram afastar as pessoas que tentavam se aproximar. Ele está olhando diretamente para mim. Seus braços estão em volta do pescoço de uma Barbie, mas seus olhos estão fixos em minha direção. Engulo em seco e passo a língua sobre os lábios. Seu olhar cai, acompanhando meu movimento.


Fecho os olhos e me encosto no peito de Rafa. Ele passa o polegar por meu rosto, puxando minha boca para um beijo doce. Abro minhas pálpebras apenas para ver Apollo depositando pequenos beijos no pescoço da loira, fazendo seu caminho para a orelha e queixo, dando pequenas mordidas. Ele está jogando comigo. Acha que pode me atingir. Que direito ele tem de pensar isso? Sem encontrar ar para respirar, viro de frente para Rafa e falo em seu ouvido: – Preciso ir ao banheiro. Estou com muito calor e quero passar uma água em meu rosto. – Vamos. Eu te acompanho. – Não precisa, amor. Aproveite para pegar outra bebida. Não demoro. – Tudo bem. Estarei aqui quando você voltar. Caminho em busca do banheiro. Muitos homens mexem em meu braço e outros até me param. Consigo me despistar de todos e alcanço o meu alvo. Algumas garotas estão lavando as mãos e outras apenas conversando. Lavo o meu rosto e me olho no espelho. Meus olhos verdes manchados pelo delineador denunciam o quanto a presença deste homem está me afetando. Por que, Kimberly, apenas responda a si mesma. Por quê? Não encontro resposta. Tiro a maquiagem de minha bolsa e retoco o lápis de olho e o batom. Saio do banheiro satisfeita com o que vejo no espelho. Acho que vou dar mais um tempo e chamar Rafael para irmos para casa logo. Não quero continuar respirando o mesmo ar que esse canalha. Caminho pelo corredor em meio a casais se agarrando, homens esperando suas namoradas e pessoas conversando e bebendo animadamente. Estou quase me juntando à multidão quando sinto um puxão repentino em meu braço. Em questão de segundos sou atirada a uma parede e encurralada por um corpo forte. – Ei, pensei que não se afastaria um minuto de seu namoradinho. Recebeu minha proposta? Sua respiração está a centímetros da minha enquanto seu viciante perfume masculino invade minhas narinas. Meu coração falha uma batida quando ele aproxima seu nariz do meu pescoço e passeia até se aproximar da minha boca. – Você é mais pretencioso do que eu imaginava. Deve ser louco de imaginar que aceitaria viajar com você depois da proposta repugnante que me fez ontem.


– Não consegui parar de pensar em você o dia todo hoje, sabia? Suas mãos agarram as minhas, levantando meus braços sobre a cabeça. Eu estou completamente imobilizada. – Me quer porque sabe que não terá. Sou um desafio para você. Me deixe voltar para o meu noivo, Apollo. Volte para sua Barbie. – Barbie, hein? Eu poderia entender isso como demonstração de ciúmes. – Você é louco. Pare de ser um idiota e me solte. – Adoro sua língua afiada. Vamos sair daqui juntos. Deixe seu noivo e fuja comigo. Será que algum dia vou ouvir uma proposta sensata sair da boca desse homem? Ele consegue me surpreender a cada encontro. Filho da puta. Ele não me leva a sério. Não mesmo. Apollo não me deixa responder. Aproveita o momento que abro a boca e, antes que eu perceba, está devorando meus lábios com vontade, forçando a entrada de sua língua. Eu luto por um momento, mas perco as forças me deixando levar pelo sabor do seu beijo. Estou entregue a um beijo quente, apaixonado e arrasador. Ele esmaga minha boca com tanta urgência como se precisasse do meu néctar para sobreviver. Eu respondo com a mesma intensidade e já nem lembro onde estou ou mesmo meu nome. Repentinamente, ele força seu corpo a se afastar, deixando um vazio entre nós. Nossas respirações estão disformes e eu estou claramente assustada. Que diabos acabou de acontecer? Apollo me olha sério, mas as feições de seu rosto logo mudam, voltando a vestir a máscara do homem canalha que ele é, estampando um sorriso sensual. – Eu só precisava ter certeza. Agora sei que não sou o único queimando de desejo aqui. Você será minha, Kimberly. Mais cedo ou mais tarde. Dou um tapa em sua cara e ele fecha os olhos. Volta a me olhar, esfregando o no rosto e me dá um sorriso. Um movimento me chama a atenção e quando viro para verificar, vejo Rafael parado correndo o olhar de mim para Apollo. – Kimberly, você pode me dizer o que está acontecendo aqui?


Capítulo 6 Um grande presente Trac... traaaaaac... Tenho certeza de que sou a própria reencarnação da garota do Exorcista agora. Sinto todo o sangue se esvair do meu corpo me deixando gelada da cabeça aos pés. Rafael continua me olhando à espera de uma resposta. O quanto será que ele viu? Esta é a pergunta que não quer calar. Olho para Apollo e percebo que ele não está fazendo a menor cerimônia. Você acredita que o cara de pau continua me encarando com seu olhar predador como se meu noivo não estivesse ali nos observando? Quase consigo ver uma ponta de diversão em seu olhar. Esse homem deve estar com um propósito fixo de me enlouquecer. Só pode. Sabendo que Apollo deixaria por minha conta e não moveria um osso para ajudar a me livrar da situação que ele mesmo provocou, abro a boca na tentativa de formar uma resposta coerente. As palavras estão quase ganhando vida quando sou surpreendida pelo meu noivo. – Apollo Assunção? É você mesmo quem está aqui? Eu vi quando chegou, mas não tivemos a oportunidade de nos aproximar. Cara, não posso deixá-lo sair sem declarar minha grande admiração por você e pelo seu trabalho. Prazer, sou Rafael Garcez e serei o fotógrafo do Atlético Gladiadores durante o campeonato. Me belisca. Eu só posso estar sonhando. Que magnetismo esse homem tem para atrair as pessoas desse modo? Homens e mulheres caem aos seus pés em um piscar de olhos. Mas esta é a prova que eu precisava. Que alívio! Rafa não viu nosso beijo. Toco meus lábios ainda molhados e inchados pela forma selvagem que fui beijada. Meu noivo é todo atenções para Apollo e este agora está conversando com ele como se tivesse acabado de conquistar um amigo. Ninguém merece! – Rafael, obrigado por sua admiração. Estava exatamente agora tentando convencer sua noiva a fazer a cobertura das minhas negociações com um clube da Europa.


– Ela comentou sobre o assunto. Eu já falei que pode ser uma grande oportunidade. Não se preocupe. Kim vai pensar melhor e vai acabar aceitando. Oi? Será que alguém percebeu que ainda estou aqui? – Com certeza será uma grande oportunidade. Mostre o quanto pode ser vantajoso estar ao meu lado nesta viagem. Acho que ela ainda não se deu conta do quanto. Quem ainda não se deu conta de que está entregando as galinhas para a raposa vigiar é Rafa. Seus olhos estão brilhando de emoção e seu sorriso largo mostra como está contente em conhecer o grande Apollo Assunção. Que sina essa minha! – Amor, estou com um pouco de dor de cabeça e gostaria de ir para casa. Podemos ir agora? – Claro. Só me dê mais um minutinho. Não é todo dia que me esbarro com alguém que admiro. Apollo está me encarando com diversão no olhar. Ele sabe o quanto a sua reação me afetou e que estou tentando fugir dele. Não tenho vergonha de admitir que é exatamente o que estou fazendo. Quanto mais longe dele, mais segura estarei. Lembre-se de sua lista, Kim. Lembre que foi você mesma quem a criou e que tem motivos para cumprir cada item. Nada de jogadores de futebol. É o primeiro ponto. – Parece que teremos a chance de nos conhecermos melhor já que será o fotógrafo do Gladiadores. Quem sabe podemos nos tornar grandes amigos, Rafael. – É sério o que está dizendo? Apollo Assunção querendo ser meu amigo? Nada me deixaria mais honrado. Reviro os olhos e puxo meu noivo pela mão. Ele se despede, tecendo um milhão de elogios e resolve me acompanhar. Olho para trás antes de sair do clube e percebo que Apollo não se moveu do lugar. Ele continua parado, avaliando cada movimento meu. Nossos olhos se cruzam e adivinhe o que o safado faz? Solta um beijo no ar, em seguida abre seu melhor sorriso arrasador, explodindo minha mente com uma última imagem antes de eu deixar aquele lugar. Droga! Agora não vou conseguir tirar essa visão da minha cabeça e ainda terei meu noivo falando sobre esse encontro infinitamente. Estou realmente perdida.


Enquanto chegamos ao estacionamento e entramos no carro, Rafa não fala sobre outro assunto. É Apollo pra cá, Apollo pra lá. Não faz ideia de quem está falando e eu não posso simplesmente abrir a boca e jogar o barro na parede. Não por conta daquele jogador psicopata, mas por ele. Sim, minha consciência continua doendo como nunca. Eu sei, acabei cedendo às investidas de Apollo, mas o que eu poderia fazer? Foi mais forte do que eu. Quando dei por mim, estava envolvida em seus braços, me dando inteira, entregue e sem a menor vontade de sair dali. Merda! Rafa não merece isso. Eu não mereço. Apollo não merece um minuto dos meus pensamentos. Chegamos ao apartamento do meu noivo, situado no décimo terceiro andar de um prédio de classe média. Nada suntuoso, mas tem uma boa estrutura. Eu gosto. Poderia morar ali tranquilamente. – Você viu quando ele disse que poderíamos ser amigos, Kim? Se eu tirasse só fotos dele e já me tornaria um profissional reconhecido porque... – Chega, amor. Você não acha que esse cara já atrapalhou demais a nossa noite? Pensei que pudéssemos nos divertir, conversar sobre nós, mas você não fala em outro assunto. Ele me abraça apertado e beija a minha testa, se afastando apenas o suficiente para me olhar. – Desculpe, querida, eu não sabia que estava incomodando tanto. Acho que acabei me empolgando demais. – Tudo bem, Rafa. É normal ficar vislumbrado quando se encontra uma pessoa muito famosa. – Por falar nisso, como você o encontrou? Quando cheguei, vocês pareciam em um clima tenso. Ele falou algo que você não gostou? No alvo! Ele falou, não. Ele fez. Mas isso eu não posso dizer ao meu noivo. De jeito nenhum. – Eu estava voltando do banheiro e ele provavelmente estava indo e acabamos nos esbarrando. Como ele sabia que a emissora tinha me chamado para fazer a cobertura, começou a me pressionar para dar uma resposta. A cena que viu foi essa. Você sabe que não gosto de me sentir encurralada. – Ah, está bem. Você vai aceitar, não vai? Parece que ele a quer realmente ao seu lado nesta viagem.


Mais do que você imagina, penso. – Vamos mudar de assunto? Depois eu decido o que devo fazer. Parece que o senhor está me devendo alguma coisa, Rafael. Chegou em minha casa, me deixou queimando de desejo e me fez esperar para fazermos amor. Agora acho que já não temos nenhum impedimento. – Não, mesmo. Eu vou te dar o que você tanto quer. Eu também quero mais do que tudo. Dentro de você é o lugar onde mais desejo estar. Kimberly, eu... Não deixo que fale mais nada. Chega de tanta conversa. Puxo seu pescoço e devoro seus lábios em um beijo apaixonado, cheio de fome e luxúria. O beijo começa rápido e forte, mas depois vai se abrandando, se tornando terno, duradouro e carregado de sentimentos. Arranco sua camisa, expondo seus músculos e abro o cós da calça. Eu tenho pressa. Preciso senti-lo dentro de mim. Levanto os braços para que ele tire minha blusa e ele aceita o convite mais que agradecido. Meu short vai ao chão também. Estou apenas de lingerie e ele de calça. – Acho que estou em desvantagem aqui, amor. Estou quase nua e você ainda vestido. – Eu sou todo seu. Me deixe sem roupas. Não me fiz de rogada. Baixei a calça de Rafa, parando apenas para depositar um beijo rápido sobre a minha parte favorita do seu corpo ainda dentro da boxer. Percebo como seu pau responde ao meu gesto, endurecendo ainda mais. – Você está me matando, Kim. Não me provoque. Sou capaz de explodir antes mesmo de você me tocar. – Provocação faz parte do jogo. Eu gosto de te provocar. – Sua pequena atrevida... Eu já estou de joelhos quando tiro sua calça e não pretendo perder a viagem. Em apenas um puxão, retiro sua boxer também, liberando um pau relativamente grande e teso. Olho para o rosto bronzeado de Rafa, antes de perguntar. – Ele é só meu, amor? – Claro, querida. De quem mais seria? É apenas seu. – Posso prová-lo? Meu noivo joga sua cabeça para trás quando percebe que não espero sua resposta. Em um segundo, minha boca está completamente preenchida por seu pau


pulsante, lambendo, chupando, mordiscando. Seu gosto é muito bom e ali me perco por um tempo que não consigo determinar. Percebo que Rafa já está quase lá, então paro senão a diversão pode acabar naquele instante. Eu quero mais dele. Estou com muito tesão. Me deito na cama e espero que ele me dê o mesmo prazer que lhe proporcionei agora há pouco. Adoro sexo oral. Fico enlouquecida. Sou tomada pela decepção quando percebo que coloca um preservativo e se posiciona sobre mim. Ele não entendeu meu convite silencioso. Pelo amor de Deus, será que eu precisava pedir? Seu pau me penetra centímetro a centímetro, fazendo minha boceta pulsar de desejo. Ele me preenche e arqueio o corpo para receber o máximo possível dentro de mim. Profundo e forte. É como gosto de ser fodida. – Gostosa demais. Estar dentro de você é como estar no paraíso. Amo o quanto é quente e molhada. – Ah, Rafa. É tão bom. Sem dó, sinto meu noivo se enterrar dentro de mim em estocadas cada mais fundas e dolorosas, enquanto suas mãos exploram todo o meu corpo e o calor de seus lábios estão sobre os meus seios. É delicioso. Minha pele está suada e já sinto que posso explodir em êxtase a qualquer momento. – Mais forte, amor. Não me poupe, eu quero mais. Ele não me poupa. Levado pelo desejo, seu pau invade as profundezas do meu ser, me levando cada vez mais à borda. Eu não vou me segurar. Preciso sentir minha liberação mais do que preciso de ar para respirar. É agora, estou quase lá, eu... – Ooooh.... Eu estou aaaah... que delíciaaaaa... Kimberly. – Não, amor, espera um pouco mais. Já estou chegando... Falei quase em desespero, mas Rafa continua gemendo até que a última gota seja derramada. Você acredita nisso? Frustração me define. Ele não me esperou. Merda! Que diabos eu faço com meu corpo pegando fogo agora? Aos poucos sai de dentro de mim, parecendo triste. A noite que tanto esperamos para acontecer, acabou se tornando uma catástrofe. E quem terminou nessa história chupando os dedos fui eu, não?


– Kim, me desculpe. Eu não consegui me conter. Já faz algum tempo e... porra, você é muito gostosa. Não queria chegar ao clímax antes de você. Me perdoe, amor, prometo que da próxima vez será tudo sobre você. Da próxima vez... da próxima vez... e agora, faço o quê? Me jogo em um chuveiro gelado? Eu não respondo. Apenas lhe dou um sorriso fraco. Rafael joga o preservativo no chão e me puxa para deitar ao seu lado na cama. Seus braços estão em volta de mim e seu rosto está enterrado em meu pescoço. Não preciso contar. Em menos de cinco minutos, sinto sua respiração regular e sei que está dormindo. Devagar, tiro seu braço de cima de mim e vou para o banheiro onde um banho é tudo o que me resta. Sei que é não é culpa dele, muitos homens não conseguem segurar e tal, mas ele poderia ter feito um pouco de preliminares antes. Com certeza eu teria chegado mais rápido. Entro no chuveiro, mas não mudo a temperatura. A água está quente. Vejo o chuveirinho pendurado e começo a ter ideias, afinal quem não tem cão caça com gato, não é verdade? Não é muito difícil imaginar o que fiz em seguida. Encosto-me à parede e arqueio o corpo para dar melhor acesso ao jato de água. Passo a formar imagens mentais de um homem me pegando com força, brutalidade e desejo. Tento conduzir minha mente a visualizar meu noivo nesse papel, mas ela tem domínio próprio e insiste em escolher outro. Desisto de lutar. Quem enche meus pensamentos agora é aquele infame jogador de futebol lindo e delicioso. Em vez do chuveirinho, sinto como se suas mãos corressem pelo meu corpo, parando no centro do meu prazer. Ele se abaixa e substitui suas mãos por sua boca devagar e provocativamente. Seus lindos olhos cristalinos não saem dos meus. Ele gosta de medir todas as minhas reações. Gosta de ouvir os meus gemidos e me observar totalmente entregue ao prazer. Jogo a cabeça para trás. Sua mãos acariciam meus seios ao mesmo tempo que sua língua faz mágicas em meu clitóris. Estou muito perto. Apollo fecha os olhos rapidamente mostrando o quanto está desfrutando do meu prazer. Eu não resisto. Sou tomada por um vulcão em erupção quando dois dedos invadem a minha boceta sem pedir permissão. Meu mundo explode.


Me desmancho em um gozo extraordinário e profundo gritando loucamente o nome de Apollo sob o seu olhar carregado de desejo. Completamente molhada, em todos os sentidos, arfo em busca de ar suficiente para me manter de pé. Porra, estou tão fodida. Definitivamente fodida. Preciso reconhecer que minha cabeça está ferrada desde que conheci esse homem. Como posso ter um dos maiores gozos da minha vida apenas por imaginá-lo fazendo preliminares? – Ah, Apollo Assunção, o que você está fazendo comigo? Balanço a cabeça em sinal de negação. Não encontro resposta. Não sei onde encontrá-la. Nunca fui o tipo da pessoa que se deixa levar pelo desejo, pela atração física. Nunca! E não pretendo começar agora. Acredite, estou falando sério. Deito ao lado de meu noivo e passo parte da noite olhando para o teto. Estou com dois homens na cama. Um ao meu lado e outro que continua invadindo meus pensamentos.

Lutando

contra

a

consciência,

acabo

pegando

no

sono

profundamente. ********************* “Faça o que ele pede, minha menina. Ele não vai te fazer mal.” “Eu não quero, mamãe. Me leve para casa.” “Se eu te levar, titio não vai poder ajudar sua mãe, querida. Vá com o titio. Mamãe está aqui te esperando.” “Me ouça, mãe. Por favor, não me obrigue, eu não quero.” Ele me carrega e me leva à força para um quarto com uma enorme cama de casal. Na cabeceira, tem uma foto dele e de sua esposa sorrindo um para o outro. Parecem felizes. Por que então ele está fazendo isso comigo? “Tio, me deixe ir.” “Eu vou cuidar de você, minha garotinha. Basta deitar-se aqui nesta cama e te garanto que vai gostar. Serei muito carinhoso.” Luto com todas as minhas forças, contudo ele é mais forte do que eu e me imobiliza. Sou jogada na cama e não posso mais lutar. Ele se aproxima do meu corpo e... – NÃO! Pare com isso! Saia de cima de mim, seu verme. – Kim, querida, sou eu, Rafa. Acorde, você está sonhando. – Me solte, eu não vou te deixar me tocar nunca mais.


– Amor, foi só um pesadelo. Acorde, Kim. Abro as pálpebras vagarosamente e me flagro dando socos em meu noivo. Meu corpo está molhado de suor e meus olhos estão marejados de lágrimas. – Rafael? O que foi... o que aconteceu? – Você estava tendo aquele pesadelo novamente, amor. Mais uma vez você estava lutando contra alguém em seu sonho. – Oh, Rafa. Ele me abraça apertado e assim ficamos por um bom tempo. Minhas lágrimas agora jorram livremente. Foi tudo tão vivo, tão real. Parecia que estava vivendo tudo de novo agora. – Pronto... pronto. Você ainda não procurou ajuda, Kim? Mas como é teimosa! Precisa procurar um especialista para conversar, amor. Esse sonho repetitivo não é normal. – Eu sei, eu sei. Vou fazer isso assim que der. – Sempre a mesma conversa. Precisa lembrar um pouco de você. Trabalho não é tudo. Vou tomar um banho e já volto. Nunca disse a Rafael a causa desses pesadelos. No começo ele insistia para que eu contasse, mas não tinha confiança suficiente nele. Hoje tenho, mas o que me falta é coragem. Como um homem reagiria ao conhecer um passado tão obscuro da mulher que ama? Pode me chamar de covarde, mas prefiro não pagar pra ver. Só Nina sabe tudo sobre mim. Ela é a única em quem posso confiar incondicionalmente. Rafa volta do banho apenas enrolado em uma toalha da cintura para baixo. Seus músculos estão à mostra e já estou ficando com água na boca. Fito seus belos olhos amendoados e ele me dá um sorriso quando percebe minha reação. Meu noivo já sabe o que eu quero e ele me dá. Desta vez fazemos amor sem desespero, trocando intimidades, carinho e com tudo o que eu tenho direito. Me perco em seus braços, sendo lançada para um nirvana fenomenal acompanhada por sua própria liberação. Desta fez foi mágico. Foi maravilhoso. Nos jogamos na cama nus e cansados. – O que pensa em fazer hoje? Vamos à praia? – Por mim, ficaria trancada neste apartamento o dia todo.


– Fogosa. Eu também adoro ficar agarrado a você, mas o dia está tão lindo. Vamos à praia? Olho pela janela e contemplo a luminosidade do sol. De fato, o dia está convidativo e pede para que seja aproveitado. Rafa está certo. Teremos uma vida inteira para ficarmos isolados do mundo. Além do mais, o fim de semana está apenas começando. – Vamos, meu lindo. Deixe-me tomar um banho e vestir o biquíni. O fim de semana voou. É sempre assim quando estamos de folga, não é verdade? O sábado passou como um borrão e foi muito divertido. Hoje é domingo e estou indo para casa. Meu noivo vai ter que tirar umas fotos e não pode visitar Guga comigo. Vou ver se Nina pode. – Acho que só vamos nos ver novamente na sexta. A minha semana está cheia. – Ele diz. – Sem problemas. Vou morrer de saudades, mas se não tem remédio... – Tem remédio. Quando você voltar da Europa, nós podemos... sei lá. Eu estive pensando em morarmos juntos. Me jogo nos braços de Rafa. É como se ele tivesse acabado de me pedir em casamento. Quero muito dormir e acordar ao seu lado, sentir seu cheiro no travesseiro e não ter mais que passar a semana toda sem nos ver. É tudo o que eu quero. – Eu ainda não decidi se vou para a Europa. Talvez não seja boa ideia, mas em todo caso, vamos esperar que eu tome essa decisão antes de dar o próximo passo. – Você vai. Tenho certeza que sim. Estou tão orgulhoso. Preciso ir, amor. Tente achar um horário no psicólogo esta semana. Fiquei preocupado. Dou um beijo longo, carregado de sentimentos nele e nos despedimos. Chego em casa e Nina está preparando o almoço. Pelo cheiro, parece estar delicioso. – Qual é o menu do dia, Chef? – Hoje estou fazendo uma comidinha mais simples. Estrogonofe de camarão com arroz e batata palha. Domingo é dia de receitas mais fáceis, embora eu adore cozinhar. – Hum... o cheiro está muito bom. Vai fazer o quê esta tarde, Nina? – Pensei em assistir alguns filmes. Tem programa melhor?


– Gostaria de visitar Guga comigo? – Guga é aquele garoto, filho da secretária que você comentou? – Sim, ele mesmo. Vamos? – Claro. Por que não? Almoçamos enquanto eu conto tudo o que Apollo tinha aprontado na sextafeira. Os olhos dela brilham a cada revelação, mostrando o quanto está se divertindo com essa história toda. Acredita que parou sua refeição, a coisa mais sagrada para ela, para dar pulinhos de alegria? Pelo visto, eu sou a única que não está se divertindo aqui. No meio da tarde, chegamos à casa de Tânia. Fica em um bairro de classe média a aproximadamente uma hora da minha casa. Tem um muro baixo com um portão de madeira e atrás dele se estende um lindo jardim cheio de rosas. Simples e delicada. Aperto a sirene e aguardo. Um garoto de cabelos negros, enrolados, caindo nos olhos me recebe com um abraço tão cheio de vigor que quase me derruba. – Olha o que trouxe para você, Guga. Um enorme quebra-cabeça. Você gosta de montar peças? – Eu comprei agora há pouco em um shopping no caminho de sua casa. – Uau, que irado! Eu adoro quebra-cabeça. Esse é do Thor, meu super-herói favorito. Como você adivinhou? – Ah, um pássaro verde me visitou hoje e me contou que você gosta do Thor. – Pássaro verde? – ele gargalhou e me derreti com seu sorriso. – Você é tão legal, tia, mas não vai me enganar. Pássaro não fala. Está pensando que sou um bebê para acreditar nisso? Veja só. Um menino de cinco anos diz que não é mais um bebê. Pode uma coisa dessas? – Verdade, querido. Você já é um rapazinho. – volto minha atenção para Tânia que está rindo também. – Conhece minha prima Nina? Ela mora comigo. Tânia estende a mão. – Prazer, Nina. Já ouvi falar muito de você. – O prazer é todo meu. A tarde foi divertida. Tomamos sorvete, ajudei Guga a montar o quebracabeça e dei muita risada. Tânia me falou um pouco mais sobre seu estado de saúde e aceitei acompanhá-los em uma das consultas médicas.


Estava me preparando para ir embora quando ela, parecendo nervosa, perguntou: – Kimberly, eu vejo o carinho que tem por meu filho e sou eternamente grata a você por isso. Agora que somos só eu e ele, tenho pensado tanto na vida, sabe? Eu sempre achei besteira esse negócio de escolher uma madrinha, então Guga nunca teve uma, mas ele me pede. Todos os seus amigos têm e ele não. Pensei melhor e decidi fazer sua vontade. – Ah, que legal, Tânia. Qualquer pessoa que se aproxime de seu filho, se apaixona. É bom que ele tenha outras referências. – Pois é, mas na verdade o que quero dizer é que... eu não consigo imaginar outra pessoa fazendo esse papel, além de você. Arregalo os olhos sem acreditar no que estou ouvindo. – Está me perguntando se eu... teria a honra de ser... – Isso mesmo. Você quer ser madrinha de Guga? Enfim, uma novidade boa em meio a tantos acontecimentos. Madrinha de Gustavo. Não poderia haver presente maior. Foi instantâneo. Meu lado manteiga brota mais uma vez e as lágrimas ganham vida própria se derramando incessantemente sobre meu rosto. Desta vez, o choro é de felicidade. Abraço Tânia e percebo que se emociona também. Duas bobas choronas é o que nós somos. Gustavo junta-se a nós sem entender o que está acontecendo. – Tia, o que foi? Por que vocês duas estão chorando? Me abaixo e fico da altura dele. – Você gostaria que eu fosse sua madrinha, Guga? Duas esferas marrons se alargam acompanhadas de um sorriso. – Madrinha? Todos os meus amigos têm menos eu. É claro que eu a quero como madrinha. Você topa, tia Kimberly? Sorrio pela maneira que fala e pela inocência que vejo em seus olhos. – Eu topo, meu amor. A partir de hoje sou sua dinda, entendeu? É assim que deve me chamar a partir de agora. – Dinda... dinda... eu tenho uma dinda.... dinda Kimberly. Eu te amo, dinda. Não aguentei. Tomei esse pequeno príncipe em meus braços e acabei me desequilibrando. Caímos embolados, gargalhando no chão e senti um desejo de cuidar, de proteger essa criança como se fosse meu próprio filho.


– Eu também te amo, queridinho. Nos levantamos e Tânia me acompanhou até o carro, embora Guga não quisesse me deixar ir. – O que você quer ganhar da próxima vez que eu vier aqui? – Pergunto. – Kimberly... você não precisa. – Ei, a conversa agora é entre madrinha e afilhado. Não se meta. – ela sorri. – Eu quero uma bola de futebol, dinda. Tinha que ser. Meninos! – Muito bem. Para que time você torce? – Eu sou louco pelo Atlético Gladiadores. Quando eu crescer, vou jogar bola igual a Apollo Assunção. Para quê fui perguntar? Será que ninguém vai me deixar esquecer esse canalha? – Está bem, meu amorzinho. Da próxima vez te trago uma bola. Volto para casa feliz da vida. O final de semana foi melhor do que eu previ e ainda ganhei um filho do coração. Vou fazer valer o título de madrinha, mimar tanto esse garoto que a mãe vai se arrepender de ter me escolhido. – Gustavo é adorável, Kim. – Nina fala assim que estamos na sala. – Ele é. Sou muito sortuda pela oportunidade de ser sua madrinha. – Respondo. Depois de ficar em casa o fim do domingo, a semana se inicia e, com ela, a mesma rotina de sempre. Eu ainda não tenho uma resposta para dar a Olavo, mas ele não me pressiona. Às vezes passa por mim com um olhar pedinte, mas finjo que não percebo. Continuo indecisa. Depois de alguns dias, resolvo ter aquela conversa com meu pai. Tenho que saber o que aconteceu para Apollo ter tanta raiva dele. Além disso, tenho que pedir a para conseguir os ingressos que prometi ao homem dos uniformes. Sr. Eduardo fica muito feliz quando o convido para almoçar, mas diz que não pode sair do CT e marca para comermos por lá mesmo. Ir ao CT? Faz anos que não ponho meus pés naquele lugar. Não quero me encontrar com Alexandre. De jeito nenhum. Fico mais tranquila quando comenta que nenhum dos diretores está. Cristóvão e Alexandre estão na Argentina fechando uma nova contratação para o clube. Pronto, Era tudo o que eu queria saber. A barra está limpa.


Meu pai. Ele é tão doce comigo e tão arrogante com outras pessoas. Me trata com tanto amor e demonstra tanta frieza em seus relacionamentos. Ele está com cinquenta e cinco anos e namora uma garota mais jovem que eu. Ela parece um gatinho miando atrás de seu dono e ele a trata como um rato repugnante. Mas eles não deixam um ao outro. Quase todos no Avantes me conhecem e sabem que sou filha do presidente do clube. Apenas os novatos não me conhecem, mas meu pai logo fará a tarefa de me apresentar, pois faz questão que todos saibam quem será seu substituto no futuro. – Boa tarde, Srta. Nóbrega, seu pai mandou avisar que te aguarda em sua sala. – O porteiro me dá o recado. – Não quer guardar o carro dentro do clube? – Obrigada, Silvio, não vou demorar. Deixei ali na esquina. Chego até a sala do meu pai, que está aberta e já vou logo entrando. Ele levanta da cadeira e vem ao meu encontro me dando um abraço. – Meu coração quase sai pela boca quando você ligou dizendo que vinha aqui apenas para jogar conversa fora. – Bem, preciso confessar que não vim exatamente apenas para isso, embora sinta saudades dos bons tempos da infância. – Você continua sendo minha princesinha. – Menos pai, bem menos. Eu sou uma mulher de vinte e seis anos, pelo amor de Deus. Anda cuidando de sua saúde? E Andreza, ainda está com ela? – Ah, deixa dessa conversa de idoso. Eu tenho um médico vinte e quatro horas à minha disposição aqui no CT e tenho a saúde de um touro. Andreza pode confirmar o que estou dizendo. Sim, não é de muita serventia, mas ainda estou com ela. – Ah, pai, me poupe dos detalhes. Eu vim aqui principalmente porque tem algo perturbando a minha mente. Quando conversei com Apollo Assunção naquele dia, ele já me conhecia e já sabia muito sobre você. O tom de voz dele não me agradou. De onde se conhecem? – Aquele garoto idiota? Eu não quero que se aproxime muito dele, filha. Esse cara não tem nada de bom a oferecer além do futebol. – Ele teria motivos para sentir raiva? – Se todos os jogadores que forem recusados para entrar no Avantes tiverem motivos para sentir ódio de mim, então ele tem. Há alguns anos, fez um teste


conosco e até passou, porém tive a oportunidade de contratar outro jogador que estava no auge da carreira e o dispensei. Implorou, inventou um monte de história triste, mas tinha que ser um ou outro. Optei pelo mais experiente. – Então é isso? Você se arrependeu de não tê-lo contratado? – Quem não gostaria de estar com Apollo Assunção em seu clube neste momento? Como eu poderia prever que o cara se tornaria esse deus do futebol? Na época, achei que estava fazendo a melhor escolha. Fiz o que tinha que fazer. Então a mágoa dele é infundada. Será que é infantil a ponto de guardar rancor por ouvir um não? Falo com meu pai sobre os ingressos e ele fica de conseguir ainda hoje. Despeço-me com muito sacrifício e saio do clube. Hora de ir para casa e descansar depois de mais um dia daqueles. Estou andando pela calçada em direção ao meu Pingo de Leite quando uma sensação estranha me invade. Sinto que estou sendo seguida. Olho para um lado e para o outro, mas não vejo ninguém. Continuo caminhando. Repentinamente, sou surpreendida por uma mão forte tapando minha boca, me impedindo de gritar. Procuro o chão, mas não encontro. Alguém me levanta em apenas um puxão e consegue colocar minhas mãos para trás em questão se segundos. Luto com todas as minhas forças, mas nada me faz ganhar esta batalha. O que vai acontecer comigo? Quem está me sequestrando? Tenho medo de saber a resposta. Ouço o barulho de uma porta abrindo e ele logo me coloca sentada no banco de trás de um carro. Não é qualquer carro. É um de luxo. Não me trata com violência, apenas me encosta no banco e trava a porta. Minha boca está livre então começo a gritar quando sinto uma mão segurar meu braço. Olho para o lado e finalmente reconheço quem é. Apollo Assunção. Filho da puta! – Oi, Kimberly, se me conhecesse melhor, saberia que não sou um homem paciente. Que tal nós darmos uma voltinha? CONTINUE LENDO EM: https://www.wattpad.com/story/48602384-apolloquando-o-amor-est%C3%A1-em-jogo


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