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Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores. As opiniões emitidas não refletem, o pensamento da coordenação dessa publicação, do PDT, nem da Câmara dos Deputados. É permitida a reprodução total e ou parcial, desde que citado a fonte e autores. O uso comercial dos textos sem a devida autorização expressa de seus autores, constituem violação ao direito autoral estarão sujeitos as penalidades os infratores. Esse caderno temático não poderá ser comercializado. Os textos constantes desse caderno temático, foram produzidos especialmente para o Seminário Internacional de Segurança Pública realizado na Câmara dos Deputados no Auditório Nereu Ramos no dia 26 de maio de 2015.
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EDiTORial A violência e a criminalidade no Brasil nos impõem o desafio de termos lucidez e juízo na construção de soluções racionais. Na nossa convicção, é importante a atualização da legislação penal, processual e de execução penal que, diga-se de passagem, a Câmara dos Deputados tem se empenhado nesse início de legislatura. Contudo, é imprescindível ser feito um novo arranjo na arquitetura institucional. Não faltam propostas, muitas delas já expressas em Propostas de Emendas Constitucionais (PEC’s) que tramitam na Câmara e no Senado. Ao mesmo tempo sobra corporativismo, reserva de mercado e busca insana pelo poder. As corporacões têm se mostrado incapazes de se pacificar internamente. A extratificação em carreiras de oficiais; praças; delegados e agentes, aprofunda as divisões alimentadas por uma lógica irracional de que é necessário ter dominadores e dominados, estrategistas inteligentes e executores irracionais. “Se as corporações permitem alimentar divisão interna, o que dizer então da relação entre as corporações onde se alimenta a lógica de funções mais e menos nobre? Mais e menos imprescindível à justiça? Mais e menos eficazes no combate à criminalidade? Mais e menos defensora dos direitos humanos?” As ações corporativas se orientam pela lógica do instinto de sobrevivência, que tem alimentado as ações políticas em busca de mais poder, de mais dominação de uma instituição sobre a outra ou sobre as outras. Mas, foi exatamente esse cenário que nos orientou e nos impôs enfrentar o desafio de propor a Universidade Aberta Leonel Brizola, da Fundação Leonel Brizola e Alberto Pasqualine, o desafio de aprofundar o estudo sobre a violência e criminalidade no Brasil, suas causas e soluções. Nesta construção, esbarramos com o modelo de atuação das polícias no Brasil, caracterizada por uma atuação sectarizada, atuando cada uma em parte de um mesmo processo: verdadeiras “meias polícias” que não se completam. E, a menor comparação, verificamos que os países que organizaram suas polícias com a competência de realizar o chamado Ciclo Completo de Polícia e apresentam índices de resolutividade na investigação criminal e apuração e elucidação de crimes em uma média acima de 80% para um índice abaixo de 8% no Brasil. Daí a realização desse Seminário Internacional de Segurança Pública. Uma proposta de conhecer e divulgar experiências exitosas de outros países que, organizaram suas polícias, com a competência de realizar todas as atividades e praticar todos os atos necessários à prevenção, repressão e investigação policial criminal, modelo amplamente debatido na Primeira Conferência Nacional de Segurança Pública, realizada em agosto de 2009. Devo dizer que fiquei muito entusiasmado com a proposta da Fundação Leonel Brizola e Alberto Pasquaine de realizar esse seminário, proposta absorvida também pela Câmara dos Deputados. Hoje é a Câmara dos Deputados que realiza o seminário, inserindo em sua agenda institucional também o debate de uma nova arquitetura para a Segurança Pública no Brasil. Apesar de não ser de domínio público a atuação das polícias no Ciclo Completo, o tema é bastante consolidado nas academias e nas entidades e movimentos sociais que se dedicam a estudar o fenômeno da violência e da criminalidade no Brasil. Por isso, colhemos e organizamos nesta revista a opinião de vários estudiosos e representantes de segmentos de trabalhadores como forma de instrumentalizar o debate e possibilitar maior compreensão sobre este importante tema. Como parlamentar, e a partir de uma grande convergência construída com vários segmetos de gestores, trabalhadores e sociedade civil, apresentei a PEC 431/2014, que deverá ser mais uma proposta a ser avaliada pelo Congresso Nacional, na qual amplia as competências de todas as políciais, permitindo-as atuar no Ciclo Completo. É a nossa contribuição e espero ser uma boa referência para se aplicar no Brasil.
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Manoel Dias Ministro de Estado do Ministério do Trabalho e Emprego
PDT
SEguRaNÇa Pública Em um plano de Estado Democrático de Direito é fundamental a salvaguarda dos Direitos Humanos, em especial, dos grupamentos mais vulnerabilizados da nossa sociedade. Logo, a visão de segurança pública, a partir da perspectiva preventiva e do respeito aos trabalhadores e setores marginalizados, sempre capitalizou as ações trabalhistas, tanto nos seus governos como na atuação dos seus parlamentares. Por isso, destacamos a importância de um debate amplo e comprometido em todas as esferas de poder público - executiva legislativa e judiciária do nosso país. Nós, trabalhistas, elencamos uma série de compromissos capazes de salvaguardar a idoneidade e integridade dos trabalhadores. A segurança pública deve ser olhada a partir da ótica solidária em prol do povo, na consecução dos princípios mais caros que nós carregamos - um Estado Democrático, a serviço dos interesses do povo, incompatível com qualquer prática que remontam aos tempos do autoritarismo. Assim, são necessárias reflexões e ações firmes com relação às discussões sobre a violência no Brasil, promovidas muitas vezes de forma equivocada pelas mídias tradicionais, causando espetacularização frente ao fenômeno da violência. Prova da promoção equivocada da mídia é a redução da maioridade penal. Recorrentes debates são pautados pela questão da violência cometida pelos adolescentes
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em nossa sociedade. Como não poderia deixar de ser, essa questão acaba tendo um profundo impacto na vida social. Para analisar tal problema, devemos ir a fundo e discutir o paradigma em que se encontram as nossas crianças e adolescentes. A nossa pauta para esta questão deve se colocar em uma das bandeiras que é mais importante: a Educação. O PDT demonstrou ao longo da sua história que a defesa pela educação integral seria uma luta que efetivamente transformaria e emanciparia o nosso povo. É fundamental que, em matéria de Segurança Pública, direcionemos o nosso olhar não somente para as consequências, mas para as causas do processo. Outro desafio frente ao tema segurança pública é a sua relação com a economia e com a relação do trabalho. Entendemos que há uma correlação entre os indivíduos empobrecidos pelo sistema capitalista e a violência, consequência do próprio sistema excludente que marginaliza uma imensa massa de brasileiros. Precisamos posicionar o nosso olhar na direção de uma construção que faça com que os indivíduos empobrecidos sejam respeitados nas suas individualidades e que tenham condições de melhorar as suas condições de bem viver, dentro de parâmetros dignos e respeitosos da economia e do trabalho. Diante de tantas perspectivas, uma importantíssima reflexão é a questão da formação dos agentes públicos de segurança. Essa questão tem sido enfren-
tada por diversos Estados, mas é preciso que pensemos estrategicamente nesta formação sob os aspectos do tempo de duração da formação, currículo nacional integrado que atenda aos aspectos locais e regionais e, em especial, requalificação profissional adequada. A pauta de uma política criminal que quer transformar o debate da Segurança Pública deve ser diversa da que está posta, pois numa sociedade desigual como a brasileira, em que as oportunidades não são distribuídas de forma igualitária e onde o Estado acaba se omitindo em diversos aspectos, a responsabilidade dos agentes públicos e da sociedade organizada, frente às discussões, devem gerar ações e propostas coerentes, respeitosas democraticamente, e comprometidas com a preservação da nossa soberania e autonomia política, econômica e social.
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aPRESENTAÇÃO
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Por Carlos Lupi Presidente Nacional do PDT
Primeiramente quero fazer um agradecimento público a todos que estão colaborando na organização e pela grande riqueza que teremos neste Seminário Internacional de Segurança Pública, sob a visão e ótica trabalhista. Também quero cumprimentar o nosso Deputado Federal Subtenente Gonzaga que é o principal coordenador desse projeto e cumprimentar toda a sua equipe e aos demais colaboradores. Eu quero levantar uma polêmica sobre o tema segurança pública. Primeiro, nós trabalhistas, temos que deixar claro que a nossa visão frente ao tema é humanista. Nessa visão humanista, nós não abriremos mão que a segurança pública seja tratada como uma prevenção ao crime e não como uma ação repressora ao crime. A visão estratégica tratada na história do trabalhismo nos permite chegar a uma conclusão: temos que usar a inteligência, sendo necessário usar a tecnologia para evitar os crimes, associando a tudo isso a educação das nossas crianças, para que amanhã elas não sejam mais algumas crianças abandonadas pelas ruas, para aprender aquilo que elas deveriam aprender na escola. Nossa visão é proporcionar com este Seminário os debates necessários para que tenhamos um espaço e o objetivo de discutir toda a política de segurança pública, na ótica da utilização de inteligência, da tecnologia para evitar os crimes, para ter mais eficiência na apuração desses crimes, para se utilizar os resultados das relações entre as polícias investigativas e as polícias ostensivas e repressoras. Nós queremos muito debater com a sociedade o papel da segurança pública e temos que discutir com profundidade a discussão do desarmamento. Eu, por exemplo, em caráter pessoal, sou contra a existência de fábricas de armas. Se nós queremos discutir com profundidade a questão da segurança pública, nós temos que começar a discutir a utilização das armas. A arma de fogo sendo fabricada no Brasil, sendo vendida e comercializada normalmente, mesmo para as pessoas que tenham autorização de porte, já dá uma demonstração clara, no meu modo de ver, do incentivo e na promoção de um modelo de política de segurança pública que promove e gera mais insegurança e mais violência, que é o porte de arma. Eu penso que este é um dos temas que discutiremos com profundidade. Não quero ser o dono da verdade e nem tenho a pretensão de ser, mas quero ter o direito de levantar este tema para todos que possam e queiram debater com profundidade, com transparência e com seriedade. Penso que a segurança pública tem que partir, na sociedade moderna, para outro patamar, o patamar de usar a inteligência e a tecnologia de ponta para que se façam investigações e apurações mais rápidas e que se dê eficiência à polícia preventiva, com melhores equipamentos e treinamento. Esta é a discussão: tecnologia de ponta, fortalecimento da polícia investigativa e fortalecimento da inteligência como instrumento capaz de combater o crime, mas não poderíamos deixar de voltar ao nosso tema principal, a educação das nossas crianças, porque a escola de hoje evita o criminoso de amanhã.
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EXPEDIENTE
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SUMÁRIO ABC , APCF | O Ciclo Completo e a Perícia ..................................................................... 06 Bruno Telles, André Luiz da Costa Morisson
Deputado Subtenente gonzaga Anexo IV - Gabinete 750, Câmara Federal, Brasília - DF coordenação geral
Subtenente PMMG Heder Martins de Oliveira Chefe de Gabinete gabinete brasília/DF Dgeison Serrão Peixoto - Diagramação Idelma Abadia Gonçalves Ivete Lund Viegas Sarah Pinheiro Cândido Sérgio Fernando Pedroso Aboud gabinete belo Horizonte/mg Israel Antonio Sanches Ventura - Chefe de Gabinete Ana Paula Soares Severino Antônio Vaz da Silva Anésia Bahia Silva Cláudio Cassimiro Dias Dikota D’Janganga D’Numzambe Idalma Fátima Barros de Souza Lucas Gordiano Rodrigues José Antônio Morais José Carlos Dutra Jovanildo Edson Rodrigues Maurício Rodrigues de Barros Walney do Carmo Batista William Alberto de Souza
Fundação leonel brizola
Conselho Curador Carlos Lupi - Presidente
Direção Manoel Dias - Presidente André Figueiredo - Vice-presidente Antônio H. de Albuquerque - Tesoureiro Gráfica Executiva Tiragem: 600 unidades
ANASPRA , ASPRA | O Anacronismo da Segurança Pública e o Ciclo Completo de Polícia ............................ 08 Heder Martins de Oliveira
ANERMB | Ciclo Completo na visão da ANERMB ........................................................... 16 Leonel Lucas
ANPR | Polícia de Ciclo Completo no Mundo ................................................................ 18 Dr. Alexandre Camanho de Assis
CNCG | O Ciclo Completo de Polícia como Instrumento de Cidadania ........................... 21 Cel PMGO Silvio Benedito Alves
FENAPEF | A Polícia Federal Brasileira e o Ciclo Completo de Polícia ............................ 23 Luis Antônio Boudens, Jones Borges Leal
FENAPPI | Ciclo Completo ............................................................................................ 38 Antonio Maciel Aguiar Filho
FENEME | O Ciclo Completo de Polícia no Brasil ............................................................ 39 Cel PMSC Marlon Jorge Teza
NESP/FJP | Polícia de Ciclo Completo ........................................................................... 41 Dr. Eduardo Cerqueira Batitucci
INSTITUTO SOU DA PAZ | O Que Queremos Para a Reforma do Modelo Policial Brasileiro? ........................................................................ 43 Dra. Carolina Ricardo
MNDH | Ciclo Completo de Polícia no Brasil: é Alternativa?........................................... 45 Rildo Marques de Oliveira
FENAPRF | O Ciclo Completo de Polícia e sua Importância para a Polícia Rodoviária Federal ................................................................................................................................ 49 Márcia Rabelo, Tiago Arruda
Segurança Pública, Ciclo Completo e Coragem Política ................................................ 58 Dr. Renato Sérgio de Lima
NEV/USP | Polícias de Ciclo Completo ........................................................................... 61 Dr. André Zanetic
VIVA RIO | A Polícia de Ciclo Completo .......................................................................... 64 Sandro Costa Santos, Jonas Pereira Araujo
iNFORmaÇÕES gabinete brasília: Câmara dos Deputados, Anexo IV, Gabinete 750 Brasília-DF, CEP: 70160-900 Contatos: (61) 3215-5750
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gabinete belo Horizonte: Avenida Brasil, nº 272, 4º Andar Santa Efigênia, Belo Horizonte-MG, CEP: 70.140-001 Contatos: (31) 3515-5201 dep.subtenentegonzaga@camara.leg.br
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O ciclO cOmPlETO E a PERícia
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Atualmente, muito se fala em alterações na persecução penal brasileira. O modelo de investigação baseado no inquérito policial, cópia do modelo português, já foi abandonado em Portugal. No Brasil, continua sendo usado. Os índices de criminalidade aumentam a cada ano e a imagem mais presente na mente do brasileiro é a da IMPUNIDADE. Será que vamos perder uma geração inteira para o crime, ensinando que o crime compensa no Brasil? No atual modelo, a maioria dos chamados crimes de rua, tais como furtos e roubos, que chegam a gerar condenação, são o resultado de flagrantes realizados pelas polícias militares dos Estados, cuja presença entre as comunidades é sobremaneira expressiva. Os seus autores, quando detidos, são conduzidos, por força da lei, para uma unidade da polícia judiciária (Civil ou Federal). Nesta repartição, tanto o conduzido quanto os policiais militares aguardam por horas a realização de oitivas. Em muitos municípios do interior do país, a ausência de delegacias de polícia judiciária ou a inexistência de plantonistas nos finais de semana ainda acarretam a viagem da pessoa detida em viatura da polícia militar para a localidade onde possam ser ouvidos os conduzidos
e os condutores e lavrado o flagrante, período durante o qual a unidade de segurança pública da cidade de origem permanece desfalcada ou completamente fechada. A polícia militar, hoje presente em todos os municípios do Brasil, e a polícia rodoviária federal, ditas de policiamento ostensivo, desenvolvem relativa proximidade com as populações em virtude da sua presença constante e não velada nas ruas e em razão desta circunstância, conhecem pessoas e recebem informações úteis para a prevenção e a repressão aos crimes, mas não as podem investigar por completo, pelo impedimento legal de apurar os delitos e lavrar os flagrantes por ela mesma realizados. Do outro lado, as polícias judiciárias, de caráter investigativo, acumulam, dia a dia, número elevadíssimo de denúncias que sequer serão investigadas por força das limitações de pessoal e de material, voltando as suas prioridades aos crimes mais graves e àqueles praticados por organizações criminosas. São aqueles tipos de crimes, ditos “de rua”, os menos investigados atualmente. Estudo apresentado na obra “O Inquérito Policial no Brasil”, coordenado pelo professor Dr. Michel Misse, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apontou que a solução de casos de roubos e fur-
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Bruno Telles Perito Criminal Presidente da Associação Brasileira de Criminalística – ABC André Luiz da Costa Morrison Perito Criminal Federal Presidente da Associação Nacional de Peritos Criminais Federais – APCF
tos em alguns Estados não passa de 0,49% do total, no ano de 2007. Os delitos contra o patrimônio são considerados a grande entrada para o mundo do crime – ninguém se torna grande criminoso da noite para o dia, sempre começam empreendendo pequenos furtos, até migrarem para crimes mais ofensivos. Deixar os autores destes crimes sem punição é deixar livre o caminho para os grandes crimes. É ensinar aos jovens de hoje, pela experiência da impunidade, que o crime é lucrativo! Dentre as propostas de alterações neste modelo de investigação está o que se convencionou chamar de Ciclo Completo, que abre caminho para que não somente as polícias civis, mas as polícias militares e a polícia rodoviária federal façam o registro dos termos circunstanciados de ocorrência de crimes, permitindo-lhes ainda investigar e solucionar os chamados “delitos de rua” e os de menor potencial ofensivo, com os quais têm contato diuturnamente por força da sua presença constante nas ruas. Ao se implementar o Ciclo Completo, teremos um grande
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efetivo de profissionais de segurança pública para reforçar a apuração dos crimes que pouco são investigados atualmente. Nos Estados onde já existe algum tipo de procedimento neste sentido, a perícia criminal também tem sido acionada com mais rapidez. Prevê-se uma economia média de cerca de duas horas para os policiais que aguardam no local de crime até a chegada dos peritos, além do ganho na qualidade e na preservação das provas materiais recolhidas pela perícia. Isso melhora a efetividade da investigação e do policiamento ostensivo. A implantação de um modelo moderno de ciclo completo prevê, portanto, a potencialização da investigação por diferentes órgãos, com a participação da perícia criminal atendendo a demandas provenientes de todos eles, o que otimiza o custeio dos laboratórios dos órgãos de perícia e viabiliza a uniformização de procedimentos científicos, independentemente do órgão policial atendido. Outro ponto importante é a possibilidade de implantação de uma Polícia Comunitária com capacidade para gerar dados estatísticos estratégicos à condução de ações preventivas e repressivas pela Segurança Pública. Se contabilizarmos os efetivos da Polícia Rodoviária Federal e das Polícia Militares do Brasil, teremos um aumento superior ao dobro do existente, na força de investigação do pais. Isso reforçará diretamente a quantidade e a qualidade
das provas apresentadas para condenação, inclusive aquelas advindas das polícias judiciárias, como efeito da redução de sobrecarrega, e implicará numa melhor execução do Código de Processo Penal e de coleta de provas materiais pelas perícias estaduais e federal.
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O aNacRONiSmO Da SEguRaNÇa Pública E O ciclO cOmPlETO DE POlícia A fim de compreender a “evolução” da segurança pública no Brasil, é necessário voltar no tempo, ainda no século XVIII, ou seja, quando identificamos que naquele momento ainda não existia qualquer interesse do Estado na proteção do cidadão, haja vista inexistir o espaço público, palco de debates, criação de agendas e pautas políticas, uma vez que este espaço público era representado pelo espólio do soberano português. Neste período o Estado (Rei) não legisla sobre estes espaços, deixando aos homens a administração da justiça cotidiana e as negociações do “contrato social”, e o que realmente faz valer suas vontades, neste período, é quem detém a força. Segundo Batitucci (2010) do ponto de vista histórico, contudo, um dos pontos fundamentais na definição do Sistema de Justiça Criminal Brasileiro pode ser apontado a partir do contexto do século XVII, que marca a expansão e consolidação da atividade de mineração do ouro e a consequente mudança do foco da Coroa portuguesa na, então, colônia brasileira: da produção do açúcar do nordeste brasileiro, administrado a partir da cidade de Salvador, para o ouro das Minas balizado pela mudança da capital e da burocracia para a cidade do Rio de Janeiro. Em 1709, ainda que se constituíssem em forças regulares, profissionais ou dedicadas, foram instituídas, pelos soberanos portugueses, as Companhias de Ordenanças, que eram formadas por homens comuns, que precisavam trabalhar e que eram arregimentados mediante votação livre para os seus postos inferiores e nomeados pelo rei, e cuja missão precípua era a obrigação de defender a Coroa e a ordem na comunidade local. Em 1719, a Coroa portuguesa cedendo às pressões de seus delegados na Capitania das Minas do Ouro, cria as Companhias de Dragões, soldados portugueses profissionais, “uma força militar organizada dentro dos regulamentos do Exército permanente”. (LIMA JÚNIOR, 1960:34). Em 1775, em razão de sua ineficiência na solução das questões administrativas, aliados à violência crescente, o que denotava ineficácia em sua atuação, são extintas as Companhias de Dragões que dão lugar aos Regimentos Regulares de Cavalaria (RCC), sendo estes Regimentos compostos por profissionais armados, escolhidos e organizados a partir das influências e dos conhecimentos de oficiais do Exército prussiano que aqui aportaram com esta missão, ou seja, de reorganizar as forças militares. Nota-se que, com a extinção das Companhias de Ordenanças, transformando-as em exércitos pagos (Regimento Regulares de Cavalaria), com pessoal treinado, fardado e armado, a manutenção da ordem interna e externa será em atendimento às necessidades da coroa portuguesa, que privilegiará a defesa da colônia, de suas riquezas, tanto dos inimigos internos, quanto externos. [...] A transição do predomínio das Ordenanças para o predomínio das Milícias e a introdução de tropas regulares metropolitanas corresponde as alterações ligadas ao próprio processo de exploração colonial posterior à luta contra os holandeses. [...] A organização militar, que repousava na ordem privada, na confusão desta com a ordem pública, no provimento dos postos pela classe dominante colonial, passa inteiramente ao controle da metrópole e assume o aspecto repressivo que tão bem a caracteriza na época do ouro. É uma força
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Heder Martins de Oliveira Subtenente da Polícia Militar de Minas Gerais 1 º Vice-Presidente da Associação Nacional de Praças - ANASPRA Diretor Jurídico da Associação de Praças da Polícia Militar e Bombeiro Militar de Minas Gerais - ASPRA/PMBM Conselheiro Nacional de Segurança Pública / CONASP- 2010-2012 Bacharel em Direito Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais pela Departamento de Ciência Política da UFMG - 2012 Especialista em Segurança Pública e Justiça Criminal pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro / EG/FJP- 2014
destinada a fiscalizar o povo, a vigiar as suas ações, a reprimir qualquer manifestação de rebeldia – é uma força contra o povo [...]. (SODRÉ, 1965:50) A história da polícia no Brasil remonta ao século XIX, com a chegada ao Brasil da Família Real Portuguesa, em 1808, em razão de estarem os mesmos, fugindo e temendo a invasão de Portugal por Napoleão. Naquele período, quando aqui aportou, D. João VI trouxe consigo a Guarda Real de Polícia. Portanto, novas questões estavam postas, haja vista a necessidade de estabelecer novos paradigmas no cotidiano das pessoas, mais notadamente nas vidas dos mais poderosos, que eram formados por uma população branca, europeia e livre, ainda que fossem minoritários e residentes nas áreas urbanas na Cidade do Rio de Janeiro e Vila Rica (Ouro Preto). Para Laurentino Gomes (2007), os treze anos em que a Corte portuguesa esteve no Brasil, a população do Rio de Janeiro dobrou, passando de 60.000 para 120.000 habitantes, perdendo em termos de crescimento em curto espaço de tempo apenas para São Paulo, que, no começo do século XX se transformou na fase de industrialização, na metrópole da América Latina. Naquela época, a população do Rio de Janeiro era composta em sua metade de escravos, e sua infraestrutura era insuficiente para acolher o crescimento gerado pelos moradores que vinham de Lisboa. gomes (2007) reproduz: A criminalidade atingiu índices altíssimos. Roubos e assassinatos aconteciam a todo momento. No porto, navios eram alvos de pirataria. Gangues de arruaceiros percorriam as ruas atacando as pessoas a golpes de faca e estilete. Oficialmente proibidos, a prostituição e o jogo eram praticados à luz do dia: “nesta cidade e seus subúrbios, temos sido muito insultados pelos ladrões”, relata o arquivista real Luiz Joaquim dos Santos Marrocos numa das cartas enviadas ao pai, que ficara em Lisboa. “Em cinco dias, contou-se em pequeno circuito 22 assassinatos, e numa noite defronte à minha porta fez um ladrão duas mortes e feriu um terceiro gravemente”. Marrocos reclamava que havia negros e pobres em demasia nas ruas do Rio de Janeiro e que a maioria se vestia de forma indecorosa. (GOMES, 2007:228). Em 10 de maio de 1808, o Desembargador e Ouvidor da Corte, nascido no Rio de Janeiro e formado pela Universidade de Coimbra, o advogado Paulo Fernandes Viana, foi nomeado Intendente Geral da Polícia, a fim de colocar ordem na vida dos habitantes da Cidade do Rio de Janeiro. Paulo Fernandes Viana ocupou este cargo até 1821, ano em que o mesmo faleceu. No ano de 1822, ano da declaração da independência do Brasil, a “segurança pública”, passou a se confundir com a segurança do país, ou segurança nacional. É fato que no ano citado os conceitos para os quais definimos hoje segurança nacional e segurança pública não eram bem claros, até mesmo porque a própria legislação não era clara, e era um tanto quanto omissa neste sentido, como se pode aperceber na Constituição do Império de 1824 que em nada mencionava a este respeito. Em 1831, durante a regência do Padre Diogo Antônio Feijó, todos os governos extinguem seus corpos policiais então existentes, e criam, a fim de substituí-los, um corpo de guardas municipais voluntários, e por províncias. Estes são, em sua essência, os embriões das polícias militares, haja vista que o então regente Padre Feijó determina que esta “nova” polícia brasileira deveria ser hierarquizada, disciplinada, composta por voluntários, com dedicação exclusiva. Ao longo da história brasileira, encontraremos várias referências difusas ao termo segurança pública, como se verifica, ainda
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no ano de 1831, através de registros datados de 04 de maio. Durante um debate na Assembleia, o então Padre e Deputado José Bento Leite Ferreira de Mello, do estado de Minas Gerais (MG), propõe, em caráter de urgência a instalação de uma comissão para estudar a criação do que hoje poderíamos chamar de “marco regulatório” das forças públicas de segurança pública, e que naquela época era proposta serem chamada de “guardas nacionais” , pelo autor: 4 de maio de 1831. Plenário. O Deputado Padre José Bento Leite Ferreira de Mello (MG) apresenta indicação “com o fim de estabelecer-se uma commissão que apresente dentro de quatro dias, as bases do plano para a creação das guardas nacionaes” e requer a sua urgência. Justifica sua proposta “ponderando que o estado actual exige que se empreguem sem demora todos os meios para a conservação da segurança publica, não obstante observar-se que o bom senso e o amor da ordem não menos que o da liberdade, residem em todos os brazileiros”. A proposta é colocada em votação e aprovada. Na sessão do dia 9 de maio, a comissão integrada pelos Deputados Raimundo José da Cunha Mattos (GO), José Joaquim Vieira Souto (RJ) e Evaristo Ferreira da Veiga (MG) apresenta o Projeto de Lei “criando guardas nacionaes em todas as milícias do _ilícia”, que é lido em Plenário. O projeto é discutido nos dias 9 e 20 e neste último é aprovado, sendo então enviado ao Senado. Retorna do Senado, com emendas, no dia 18 de julho. Entra em votação no dia 22 e é aprovado com as emendas. Transforma-se na Lei de 18 de agosto de 1831 que “crêa as guardas nacionaes e extingue os corpos de milícias, guardas municipaes e ordenanças”. Começa timidamente a adoção de medidas descentralizadoras. (SILVA NETO, 2003, p. 175). (destaque do autor). Ao longo dos anos que se seguiram, até chegarmos no século XXI, muita coisa aconteceu no campo da segurança pública, e como forma de sintetizar e apenas para registro da “evolução” dos instrumentos normativos que tratam do assunto segurança pública, apresento o seguinte quadro sinóptico de matérias correlatas à segurança pública no Brasil, senão vejamos: Quadro 1 – Registro sintético dos instrumentos normativos que tratam da Segurança Pública (continua) ano
Norma Jurídica
Ementa
1834
Lei Imperial nº 16 (Acto Addicional)
Delega às Assembleias Legislativas Provinciais a competência para legislar sobre a polícia e a economia municipal.
1840
Lei Imperial nº 105
Definiu o termo polícia, descrito no § 4º do Artigo 10º do Acto Addcional de 1834.
1841
Lei nº 261
Criação da Polícia Judiciária em cada província
1889
Decreto nº 1
Proclamação da República O governo Federal, através do artigo 5º, XIX, exercerá o controle das Forças Policiais.
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1934
1946
Constituição Federal de 1934
Art. 167: As forças públicas são consideradas reservas do exército.
Constituição Federal de 1946
Art. 5º, XV, “f”: Mantém a competência da União para legislar sobre a organização, instrução, justiça e garantias das forças públicas. Art. 183: Coloca as Polícias Militares como força auxiliar e reservas do Exército.
Fonte: Elaborado pelo autor
Após a proclamação da República, os anos que seguiram foram marcados por profundas transformações em face da mudança radical, política e social pelas quais passou o país naquele período. Os objetivos constitucionais das forças públicas durante a República Velha variou entre a segurança pública em tempos de paz, e defesa nacional interna, durante os períodos de conflito. As forças públicas estaduais eram como exércitos estaduais.
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as Polícias no Período da redemocratização Passadas a revolução constitucionalista de 1932, com o fim da segunda guerra mundial em 1945 que culminou com a derrocada do Nacionalismo e fascismo na Europa e o fim do Estado Novo no Brasil, o País entra numa nova era, é o período da redemocratização. No entanto na década de sessenta, mais notadamente no ano de 1964, o país volta a viver um período de exceção, com as mais diversas restrições das liberdades políticas, sociais, individuais, e mais uma vez como denota nossa história, o “Estado” faz valer o uso da força por meio de suas forças policiais, quando centraliza - em suas mãos - todo o controle da segurança pública. Em razão de toda opressão política e social, em 31 de maio de 1964, ocorre o conhecido golpe de 64. Por certo, neste período ocorre a transformação mais prejudicial à segurança pública e cujo debate ainda é intenso, forte, acerca da missão constitucional das polícias militares. Naquele ano, 1964, ocorre uma mudança substantiva na missão das polícias militares: a mesma deixa de preocupar-se tão somente com a segurança pública e passa, também, a preocupar-se com a segurança interna dos Estados, o inimigo agora é também interno, razão pela qual até os dias atuais os defensores da desmilitarização enxergam nesta mudança substantiva as razões para tal propositura. A Constituição de 1967, em seu artigo 13, parágrafo 4º, reforça estes argumentos de que as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares também são forças auxiliares e reservas do Exército e, que naquele período estas mesmas polícias militares seriam comandadas por Oficiais do Exército, o que, indubitavelmente ensejou que os valores repassados aos policiais militares seriam os mesmos aplicados no Exército Brasileiro. O que levou a sociedade da época à conclusão que as polícias eram a parte visível do período da ditadura. No ano de 1968, ano em que os estudantes foram às ruas, nas chamadas revoltas estudantis, acabou resultando no endurecimento pelo Estado por meio da edição dos diversos atos institucionais e na Emenda Constitucional nº 1 de 17 de outubro de 1969, o que, para muitos, era uma nova Constituição. Por fim, no ano de 1985 é o fim do regime de exceção, o país entra numa nova fase com a redemocratização e a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, por meio de uma Assembleia Nacional Constituinte. No ano de 1989 ocorrem as eleições livres, diretas para escolha do Presidente da República. No contexto histórico do Brasil, este é o período mais longevo da democracia, que apesar de seus 26 anos completados neste ano de 2014, é ainda muito recente. alguns pontos merecem nossa reflexão: a) nada, ou quase nada de caráter substantivo mudou, seja na arquitetura institucional desta dicotomia de duas1 meias polícias (polícia militar e polícia judiciária/civil) em que uma trabalha para a outra e nenhuma adota o chamado ciclo completo de polícia, seja na forma de emprego das Instituições, quando são privilegiadas a burocracia, a centralização das decisões, a repressão ao invés da prevenção; b) existe uma polícia meramente cartorária (Polícia Civil), que ainda produz Inquérito2 Policial que sequer admite o contraditório e ampla defesa, preceitos constitucionais estabelecidos em nossos direitos individuais e que se não for, em juízo, judicializada sequer 1 A polícia judiciária no Brasil remonta ao início do século XVII, quando os alcaides exercendo as suas funções nas vilas da Colônia realizavam diligências para a prisão de malfeitores, sempre acompanhados de um escrivão que do ocorrido lavrava um termo ou auto, para posterior apresentação ao magistrado. Mais tarde surgiu a figura do ministro criminal que nos seus bairros mesclava as atribuições de juiz e policial, mantendo a paz, procedendo devassas e determinando a prisão de criminosos. A partir de 1808, com a criação da Intendência Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, sob a direção do intendente Paulo Fernandes Viana e a instituição no mesmo ano da Secretaria de Polícia, o embrião da atual Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, seguida da criação do cargo de Comissário de Polícia em 1810, fixou-se na nova estrutura policial o exercício da polícia judiciária brasileira. 2 Nas Ordenações Filipinas não falavam em Inquérito Policial, o mesmo teve sua origem em Roma, com passagens pela idade média e referências na legislação portuguesa e com aplicação no Brasil. Em 1832, quando surgiu o Código de Processo, eram apenas traçadas normas sobre as funções dos Inspetores de Quarteirões, mas estes não exerciam atividade de Polícia Judiciária, não se tratava de Inquérito Policial, havia apenas dispositivos que informavam sobre o procedimento informativo. No entanto, com a Lei nº 2.033, de 20/09/1871, regulamentada pelo Decreto nº 14.824, de 28/11/1871 (art. 4º, § 9º), surgiu, entre nós o Inquérito Policial com essa denominação, sendo que o artigo 42 da referida lei chegava inclusive a defini-lo.
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constará do processo, e ainda que seja judicializada, o Juiz procederá novamente a inquirição de todos, solicitará novas produções de provas, enfim, um verdadeiro retrabalho.
aS POlíciaS NO bRaSil DEmOcRÁTicO
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Como se vê, o termo “Segurança Pública” remonta ainda ao Brasil Império e até os dias atuais é por certo um tema denso, espinhoso e que independentemente de governos democráticos ou não, pouca coisa de fato se modificou desde a primeira iniciativa nacional de formatação desta política. Até a Constituição de 1988, não havia capítulo próprio, nem previsão constitucional mais detalhada, como agora verificamos, que fosse voltada à segurança pública. Na Constituição de 19693, encontramos no capítulo dos Estados e Municípios referência às Polícias Militares. O quadro começa a mudar, ainda que timidamente, com a Assembleia Nacional Constituinte4 (ANC) de 1987, que elaborou a Constituição Federal de 1988 e reservou à Segurança Pública um capítulo em especial, o caPíTulO iii Da SEguRaNÇa Pública, definindo-a, no Art. 144 como “dever do Estado”, “direito e responsabilidade de todos”, devendo ser exercida para a “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. Neste mesmo capítulo, a Constituição estabelece ainda os órgãos responsáveis pela segurança pública: a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal, as polícias civis estaduais, as polícias militares e os corpos de bombeiros. É neste momento em que há a “constitucionalização”5 das Polícias, no caso da segurança pública. Após a promulgação da Constituição de 1988, verificamos que ela foi um grande avanço no que tange aos direitos individuais, coletivos, sociais e isto pode ser comprovado no dia a dia, tanto é que a mesma foi apelidada, pela sociedade e hoje faz parte do cotidiano de todos, sejam juristas, políticos, cidadãos, de “Constituição Cidadã”. Em que pese à constitucionalização das polícias, verificamos naquilo que se refere à Segurança Pública que as questões macros e estruturantes não avançaram. Os modelos de polícia, uma militarizada, de caráter administrativo e ostensivo, e a outra de caráter investigativo e reconhecida como “judiciária”. Em relação aos policiais militares mantiveram-se as Justiças Militares Estaduais. E em alguns estados da Federação (Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul) os Tribunais Militares de Segunda Instância, e nos demais e também Distrito Federal, a Segunda Instância é de competência da Justiça Comum. Estes parâmetros de definição pela criação ou não dos Tribunais Militares de Segunda Instância nos Estados é diretamente ligado ao contingente de militares6. Percebe-se que apesar de todo esforço da ANC, outras questões contidas na Constituição Federal de 1988 ficaram “desfocadas”, como no caso da vinculação das Polícias Militares ao Exército Brasileiro, ao considerá-las como forças auxiliares e de reserva, quando o Exército não “trata” da matéria Segurança Pública. Isso força uma conclusão de que este status quo foi mantido pura e simplesmente por possuir a expressão “militar” em suas definições constitucionais, ainda que seus campos de atuação devam ser completamente distintos. 3 Capítulo III, Dos Estados e Municípios, no Art. 13, § 4º “As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem pública nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de bombeiros militares são considerados fôrças auxiliares, reserva do Exército, não podendo seus postos ou graduações ter remuneração superior à fixada para os postos e graduações correspondentes no Exército”. 4 No processo de redemocratização da vida política nacional, o Presidente José Sarney encaminhou mensagem ao Congresso Nacional, em 28 de junho de 1985, com a proposta de convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Aprovada, dela resultou a Emenda Constitucional n.° 26, de 27 de novembro de 1985. Assim, os parlamentares eleitos no pleito de 15 de novembro de 1986 – 487 Deputados Federais e 49 Senadores – e mais 23 dos 25 Senadores eleitos em 1982, num total de 559, deram início ao trabalho constituinte, na modalidade congressional, em 1° de fevereiro de 1987, data da instalação da ANC, tendo-o concluído em 5 de outubro de 1988, quando o Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em sessão solene, promulgou a Constituição Federal. O Deputado Federal Ulysses Guimarães, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) de São Paulo, foi eleito seu Presidente, na 2ª sessão da ANC, em 2 de fevereiro de 1987, por 425 contra 69 votos dados a Lysâneas Maciel, do Partido Democrático Trabalhista do Rio de Janeiro (PDT-RJ). Contabilizam-se 28 votos em branco. 5 Entende-se por constitucionalização da segurança pública a inserção, na CF/88 de um capítulo destinado à Segurança Pública, estabelecendo competências institucionais, conforme depreende-se do Art. 144, Caput e seus Incisos. 6 Em relação aos militares estaduais e federal (Exército, Marinha, Aeronáutica), em que pese o Código Penal Militar e o Código Processual Penal Militar se aplicar a ambos – militares estaduais e das Forças Armadas – “apenas” os militares das Forças Armadas são levados a julgamento no Superior Tribunal Militar (STM), ao passo que os militares estaduais, naqueles Estados onde não existe o Tribunal de Justiça Militar são julgados pela Justiça Comum, e todos, sem exceção, em grau de recurso, quando esgotadas as primeiras e segundas instâncias devem recorrer, dependendo da matéria ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF).
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No que se refere à segurança pública, na Constituição de 1988 há poucos avanços, exceto a constitucionalização da mesma, e neste sentido há críticas justamente à esta constitucionalização, fazendo parte, inclusive dos desafios constantes no Plano Nacional de Segurança Pública a desconstitucionalização das Polícias. Segundo cláudio Pereira de Souza Neto (2007), [...] a constitucionalização traz importantes consequências para a legitimação da atuação estatal na formulação e na execução de políticas de segurança. As leis sobre segurança, nos três planos federativos de governo, devem estar em conformidade com a Constituição Federal, assim como as respectivas estruturas administrativas e as próprias ações concretas das autoridades policiais. O fundamento último de uma diligência investigatória ou de uma ação de policiamento ostensivo é o que dispõe a Constituição. E o é não apenas no tocante ao art. 144, que concerne especificamente à segurança pública, mas também no que se refere ao todo do sistema constitucional. Devem ser especialmente observados os princípios constitucionais fundamentais – a república, a democracia, o estado de direito, a cidadania, a dignidade da pessoa humana –, bem como os direitos fundamentais – a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança. O art. 144 deve ser interpretado de acordo com o núcleo axiológico do sistema constitucional, em que se situam esses princípios fundamentais – o que tem grande importância, como se observará, para a formulação de um conceito constitucionalmente adequado de segurança pública. (SOUZA NETO, 2007). Lado outro, e contrapondo à constitucionalização das Polícias, um dos pontos observados pelo ex-Secretário Nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares (2007), é a necessidade da desconstitucionalização das polícias, não única e exclusivamente como solução para a Segurança Pública, mas dentro de toda uma nova concepção, quebrando paradigmas, e assim aduz: Paralelamente à aludida institucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), o Plano Nacional de Segurança Pública do primeiro mandato do presidente Lula propunha a desconstitucionalização das polícias, o que significa a transferência aos Estados do poder para definirem, em suas respectivas constituições, o modelo de polícia que desejam, precisam e/ou podem ter. Sendo assim, cada estado estaria autorizado a mudar ou manter o status quo, conforme julgasse apropriado. Isto é, poderia manter o quadro atual, caso avaliasse que a ruptura do ciclo do trabalho policial, representada na organização dicotômica, Polícia Militar - Polícia Civil estivesse funcionando bem. Caso contrário, se a avaliação fosse negativa – caso se constatasse desmotivação dos profissionais e falta de confiança por parte da população, ineficiência, corrupção e brutalidade –, mudanças poderiam ser feitas e novos modelos seriam experimentados. Por exemplo, a unificação das atuais polícias estaduais; ou a criação de polícias metropolitanas e municipais (pelo menos nos municípios maiores) de ciclo completo; ou a divisão do trabalho entre polícias municipais, estaduais e federais, de acordo com a complexidade dos crimes a serem enfrentados, sabendo-se, entretanto, que todas atuariam em regime de ciclo completo, ou seja, investigando e cumprindo o patrulhamento uniformizado. O Brasil é uma república federativa; é uma nação continental, marcada por profundas diferenças regionais. Soluções uniformes não são necessariamente as melhores. Além disso, soluções uniformes acabam se defrontando com a política de veto, praticada por estados que não têm condições políticas de promover mudanças em suas polícias ou
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por aqueles que consideram contraproducente fazê-lo. Esse contexto conduz à paralisia e torna os estados que precisam de transformações urgentes e profundas reféns dos que optam pela manutenção do status quo. (SOARES, 2007). No final dos anos 1990, o Governo Federal rompe com a inércia e cria a Secretaria Nacional de Segurança Pública7 (1997), o Conselho Nacional de Segurança Pública (1997), e a partir deste momento, como veremos mais adiante, são lançados dois Planos Nacionais de Segurança Pública, nos anos de 2000 e 2007, quando é criado o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI)8. Como vimos, até a Constituição de 1988, sequer existia na Carta Magna qualquer capítulo reservado a Segurança Pública. Após a promulgação da CF/88, até o ano de 2000, no Brasil não existia planejamento, programa que fosse estruturante para a Segurança Pública, o que não era diferente de se esperar, haja vista o período da ditadura vivido até a redemocratização. Antes da ANC, o governo preocupava-se com a Segurança Nacional. Os cidadãos comuns, artistas, intelectuais, eram vistos como subversivos, e, portanto “inimigos da nação”. A própria Constituição de 1988, pode ter sido redigida no calor e trauma do período militar e ditatorial, das torturas, perseguições políticas, arbitrariedades. Ainda sim, elaboraram um texto que nos permite, como dito, conhecê-la como Constituição Cidadã. O Brasil, por cultura ou falta de planejamento estratégico nas definições das políticas públicas que são e serão implementadas, por não reconhecer que esta deve constituir-se num Programa de Estado, não de Governo, muitas e reiteradas vezes age na tentativa de criar soluções casuísticas, reativas, geralmente buscando soluções para problemas que emergem na cena pública a partir de episódios “trágicos” (SOARES, 2007). Segundo Luiz Eduardo Soares (2007), sucessivos ministros da Justiça do segundo governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), com a colaboração de secretários nacionais de segurança, gestavam, lentamente, um plano nacional de segurança pública, quando um jovem sobrevivente da chacina da Candelária, Sandro, sequestrou, no coração da Zona Sul carioca, o ônibus 174, ante a perplexidade de todo o país, que a mídia transformou em testemunha inerte da tragédia, em tempo real: Ato contínuo, o presidente da República determinou que seus auxiliares tirassem da gaveta o papelório, e decidissem, finalmente, qual seria a agenda nacional para a segurança, pelo menos do ponto de vista dos compromissos da União. Em uma semana, a nação conheceria o primeiro plano de segurança pública de sua história democrática recente, o qual, em função do parto precoce, precipitado a fórceps, vinha a público sob a forma canhestra de listagem assistemática de intenções heterogêneas. (SOARES, 2007: 83). (grifo nosso). Na definição das Políticas Públicas que eventualmente serão implementadas, não bastam apenas a vontade política que não raras vezes são tomadas como medidas “populistas”. É necessário que diagnósticos sejam realizados por meios e instrumentos capazes de aferir, monitorar, indicar caminhos que sejam de fato vistos como solução para os problemas que serão enfrentados.
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Soares (2007) ao analisar o plano nacional de segurança pública do primeiro mandato do presidente Lula, menciona que [...] faltava àquele documento a vertebração de uma política”, o que exigiria a identificação 7 A Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), criada pelo Decreto nº 2.315, de 4 de setembro de 1997, foi decorrente de transformação da antiga Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública (SEPLANSEG). A SEPLANSEG foi criada no governo Fernando Henrique Cardoso através da Medida Provisória (MP) 813, de 1º de janeiro de 1995 - mais tarde Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998. Dos departamentos que a compunham inicialmente, o Departamento de Entorpecentes migrou para a Secretaria Nacional Antidrogas, com o advento da Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998, transformando-se em Subsecretaria de Prevenção e Recuperação; o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN) passou à subordinação do Secretário Executivo do Ministério da Justiça, a partir de 17 de outubro de 1997, de acordo com o Decreto nº 2.351, e o Departamento de Polícia Rodoviária Federal também passou a ser subordinado à Secretaria Executiva do Ministério da Justiça, pelo Decreto nº 2.802, de 13 de outubro de 1998. 8 Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), pela Medida Provisória 384, que se transformou na Lei nº 11.530, de 24 de outubro de 2007.
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de prioridades, uma escala de relevâncias, a identificação de um conjunto de pontos nevrálgicos condicionantes dos processos mais significativos, de tal maneira que mudanças incrementais e articuladas ou simultâneas e abruptas pudessem alterar os aspectos-chave, promovendo condições adequadas às transformações estratégicas, orientadas para metas claramente descritas. Isso, entretanto, não se alcança sem uma concepção sistêmica dos problemas, em suas múltiplas dimensões, sociais e institucionais; tampouco se obtém sem um diagnóstico, na ausência do qual também não se viabiliza o estabelecimento de metas e de critérios, métodos e mecanismos de avaliação e monitoramento. O documento apresentado à Nação como um plano, não atendia aos requisitos mínimos que o tornassem digno daquela designação. Entre as boas ideias daquele “plano”, destacava-se o reconhecimento da importância da prevenção da violência, tanto que derivou daí o Plano de Integração e Acompanhamento dos Programas Sociais de Prevenção da Violência (PIAPS) cuja missão era promover a interação local e, portanto, o mútuo fortalecimento dos programas sociais implementados pelos governos federal, estadual e municipal, que, direta ou indiretamente, pudessem contribuir para a redução dos fatores, potencialmente, criminógenos. A ambição era formidável, assim como os obstáculos à sua execução. Dada a estrutura do estado, no Brasil, caracterizada pela segmentação corporativa, reflexo tardio da segunda Revolução Industrial, nada é mais difícil do que integrar programas setoriais, gerando, pela coordenação, uma política intersetorial. Sobretudo quando a pretensão ultrapassa o domínio de uma única esfera de governo e se estende aos três níveis federativos (SOARES, 2007: 83). Sem muito esforço, denota-se quão denso é o tema Segurança Pública, e que as verdades de hoje, tomadas por decisões meramente políticas e sem caráter estruturante, não sobrevivem, pois não são políticas públicas de Estado, ou seja, aquelas que estejam contempladas dentro de ações programáticas que ultrapassem gestões – partidárias – e que não sofram soluções de continuidade com o fim de mandato. Polícia de ciclo completo ou ciclo completo de polícia consiste na atribuição à mesma corporação policial das atividades repressivas de polícia judiciária ou investigação criminal e da prevenção aos delitos e manutenção da ordem pública realizadas pela presença ostensiva uniformizada dos policiais nas ruas. Essas atribuições conjuntas são executadas de forma descentralizada por repartições policiais, em geral, as delegacias de polícia (ou órgãos equivalentes dos diversos países), que se constituem nas responsáveis pelo controle da incidência criminal de determinadas áreas geográficas. É a modalidade adotada em quase todos os países, constituindo, entretanto, exceções Brasil, Cabo Verde e Guiné-Bissau. No Brasil é a Constituição Federal, que nos parágrafos 4º e 5° do inciso IV, do artigo 144, dispõe sobre duas corporações policiais estaduais de ciclo incompleto, prevendo o exercício da polícia judiciária pelas polícias civis e a função de polícia ostensiva e preservação da ordem pública para as polícias militares. Nessas condições, ambas atuam de forma isolada tendo como único contato o momento da apresentação, pelos policiais militares, dos presos em flagrante nas delegacias da Polícia Civil para as providências de polícia judiciária cabíveis. Alguns países como Portugal, Chile e México, Uruguai, Colômbia, contam com instituições policiais de ciclo completo, infelizmente o Brasil, grande potência em termos de América do Sul, e País que fora colonizado por Portugal (que mudou seu modelo de Polícia) ainda permanece com este anacronismo, estas duas meias polícias, e convivendo com índices absurdos de homicídios sem resolutividade. Até quando?
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ciclO cOmPlETO Na ViSÃO Da aNERmb
A Associação Nacional das Entidades Representativas de Policiais Militares e Bombeiros Militares vem à preclara presença de Vossa Excelência, inicialmente para agradecê-lo pelo convite estendido à ANERMB para participar do SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE SEGURANÇÃO PÚBLICA, que se realizará na data de 26 de maio de 2015, na Câmara dos Deputados. Antevejo relevância mencionar que a ANERBM tem como escopo a luta incansável pela manutenção das garantias dos direitos dos Policiais Militares, Bombeiros Militares e Pensionistas, para tanto que nos colocamos à inteira disposição de
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Vossa Excelência para juntos com as demais Entidades Representativas subsidiarmos o nobre e mui bem competente parlamentar na elaboração de projetos de leis que contemple as categoria e que acima de tudo possa proporcionar à sociedade brasileira a contraprestação do serviço de Segurança Pública eficaz. Cuida-se de analisar que “Polícia de Ciclo Completo” em que consiste na atribuição à mesma corporação policial das atividades repressivas de polícia judiciária ou investigação criminal e da prevenção aos delitos e manutenção da ordem pública realizadas pela presença ostensiva uniformi-
zada dos policiais nas ruas, é a modalidade adotada em quase todos os países, tendo como poucas exceções o BRASIL. Comungamos com a tipificação da Secretaria Nacional de Segurança Pública ao denominar o tema de “Programa de Pleno Atendimento ao Cidadão”, pois bem sabemos que na atualidade o atendimento ao cidadão está incompleto, exemplo claro são as mais diversas ocorrências atendidas pelas Policias Militares dos Estados nos crimes de menor potencial ofensivo ou contravenções penais, onde no território não existe Delegacia de Polícia e os cidadãos são conduzidos por dezenas de quilômetros
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Leonel Lucas Presidente ANERMB
para lavrar um simples Termo Circunstanciado de Ocorrência, causando com isso oneração ao erário público, dispêndio de recursos humanos e dissabores para a sociedade, demonstrando a burocracia estatal traduzida na sensação de impunidade, antipatia da sociedade aos organismos policiais, sensação de incompetência e desmotivação dos Policiais Militares causadas por sensação de inoperância na resolução do litígio no primeiro atendimento. Assim, percebe-se que a edição da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais
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Cíveis e Criminais veio proporcionar um acesso à justiça mais ágil, desburocratizada, e de igualdade a todos, com uma nova Justiça marcada pela oralidade, simplicidade, informalidade, celeridade e economia processual para conciliar. Porém não constatamos igual mudança nos organismos policiais, ou seja, uma NOVA POLÍCIA, tendo em vista que estão ligadas umbilicalmente à NOVA JUSTIÇA, o que temos são duas policias incompletas, onde a bipartição do ciclo impede a prestação jurisdicional de qualidade. Ora, face as considerações aduzidas,
a Associação Nacional das Entidades Representativas de Policiais Militares e Bombeiros Militares - ANERMB, manifesta apoio à Vossa Excelência e aos demais nobres Deputados Federais que representam as Policias Militares e Corpos de Bombeiros Militares do Brasil com referência ao projeto de lei que institui o modelo de Polícia de Ciclo Completo, oportunidade em que sugerimos que as atribuições aos organismos policiais ora existentes sejam baseadas na divisão por competência penal onde cada polícia ficaria responsável por parte dos vários tipos de crimes e contravenções existentes.
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POlícia DE ciclO cOmPlETO NO muNDO O Ciclo completo de polícia teve sua gênese na França em 1667 para policiar Paris, a maior cidade da Europa àquele tempo. Surgia o primeiro corpo de polícia civil, que ainda exercia a administração da cidade e a polícia política. Atualmente, na França, subsistem duas corporações policiais herdeiras do sistema napoleônico: a Gerdarmerie Nationale (Gendarmaria Nacional), militar; e a Polícia Nacional, civil, definida como uma força instituída para garantir a República, a preservação da ordem e o cumprimento das leis. Ambas executam o ciclo completo de polícia no âmbito das respectivas jurisdições. Esse modelo de polícia francesa propagou-se por todo o mundo no final do século XVIII, servindo de inspiração para as mais modernas gendermarias, dentre as quais podem-se citar a Arma dei Carabinieri di Italia, Guardia Civil da Espanha, a Guarda Nacional Republicana de Portugal, os Carabineiros de Chile e a Gendarmeria Nacional Argentina. Singularizam-se os gendarmes por seu caráter polivalente, pois eles podem ser levados a fazer tanto um trabalho de policiamento ostensivo quanto de polícia judiciária, cumprindo, de mesmo modo que a Polícia Nacional, o ciclo completo de polícia, em sua área de competência legal. A adoção do ciclo completo de polícia é uma tendência mundial, que adaptadas às peculiaridades do Brasil, apresenta-se como solução viável ao modelo policial, pois o atual formato do sistema de segurança brasileiro provoca um estado de permanente dissenso entre seus órgãos.
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SEguRaNÇa Pública NO bRaSil
Em 1808, o Brasil passa por mudanças estruturais e administrativas, como a criação da intendência geral da Polícia da corte e do Estado do brasil, sendo designado como seu intendente-Geral de Polícia da Corte o Desembargador e Ouvidor da Corte, Paulo Fernandes Viana. Em 1809 surge a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia, organização regular, uniformizada, estruturada com base na hierarquia e disciplina, dando origem à Polícia Militar dos Estados. A Constituição Federal do Brasil, criada em 1824, não faz qualquer menção à Segurança Pública, mas outorga ao Imperador a incumbência de prover tudo que for concernente à segurança interna e externa do Estado. Desta forma, concentravam-se nas mãos do Imperador os poderes militar e policial. Nesta mesma época criou-se o Código Criminal do Império, sendo os crimes divididos em três tipificações: crimes públicos, crimes particulares e crimes policiais. Já a primeira Constituição Republicana remete para os Estados a responsabilidade pela manutenção da ordem e da segurança públicas, defesa e garantia da liberdade e dos direitos dos cidadãos, o que estimulou a Constituição de 1934 a declarar as forças públicas estaduais como “forças auxiliares e forças de reserva do Exército”. Neste período adveio o Conselho Superior de Segurança Nacional, que transferiu para a União a competência privativa de legislar sobre a organização, instrução, justiça e garantias das forças policiais dos Estados e às Polícias Militares assumiram o estatuto de
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Alexandre Camanho de Assis Presidente da ANPR Procurador da República (1993-2003) e Procurador Regional da República lotado na PRR – 1ª Região (2003-) Membro do GT de recursos hídricos Juiz do Tribunal Latino-Americano da Água e doWater Tribunal Doutorando pela Universidade de Buenos Aires Especialista em Direito Internacional Público e Privado pela Academia de Direito Internacional Da Haia e em Direito Internacional Público e Relações Internacionais pelo Instituto de Tessalônica (Grécia).
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força reserva do Exército, em caso de serem mobilizadas ou estiverem a serviço da União. A Constituição outorgada em 1937 manteve a competência do Governo Federal para intervir nos Estados para restabelecer a ordem. Pela primeira vez especifica-se a divisão das organizações policiais, e determina-se que todos os Decretos que dispusessem sobre o bem estar, a ordem, a tranquilidade e a segurança pública, bem como a fixação do efetivo, armamento, despesa e organização da força policial, corpo de bombeiro, guarda civil e corporações de natureza semelhante devam ser aprovados pelo Presidente da República. A Constituição Federal de 1946 traz avanços quanto à proteção da liberdade e das garantias individuais e abandonou a nomenclatura “Forças Policiais”, referindo-se às Polícias Militares. Uma nova Constituição é outorgada em 1967 e a preocupação é com a solução dos problemas com a segurança pública, como manter o controle das Polícias Militares. Criou-se a Inspetoria Geral das Polícias Militares, integrante do Exército, com o objetivo de assegurar que aquelas organizações seguissem a doutrina estabelecida pela Força Federal. As Polícias Militares seguiam rigorosamente o modelo militar do exército, doutrina, emprego, ensino e instrução. Finalmente, a Constituição de 1988 mudou radicalmente a segurança pública no Brasil, dividindo entre os governos Federal, Estaduais e do Distrito Federal a responsabilidade pela segurança pública. O artigo 144 da CF define que a segurança pública seja feita mediante os seguintes órgãos: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpo de bombeiros militares. Embora haja um grupo de órgãos voltado para um fim específico, a segurança pública por si só não forma um sistema completo de segurança pública, pois o constituinte não lançou na Constituição Federal o subsistema judiciário e o subsistema penitenciário. O Governo Federal instituiu o Conselho Nacional de Segurança Pública (CONASP), tendo por finalidade formular e propor diretrizes para as políticas voltadas à promoção da segurança pública e à criminalidade e atuar na sua articulação e controle democrático. Em 1998 surgiu a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) com a finalidade de assessorar o Ministério da Justiça na definição e implementação da Política Nacional de Segurança Pública e acompanhar as atividades dos órgãos responsáveis pela segurança pública. A SENASP é responsável por promover a qualificação, padronização e integração das ações executadas pelas instituições policiais de todo país, em um contexto caracterizado pela autonomia destas organizações. Em 2008, ocorreu em Brasília a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública,
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onde se definiu um conjunto de 10 princípios e 40 diretrizes. Dentre as diretrizes definidas, estava: “estruturar os órgãos policiais federais e estaduais para que atuem em ciclo completo de polícia, delimitando competências para cada instituição de acordo com a gravidade do delito sem prejuízo de suas atribuições específicas.”
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O ciclO cOmPlETO DE POlícia
Polícia de ciclo completo consiste na atribuição a todas as corporações policiais, das atividades ostensivas e repressivas, de polícia judiciária ou investigação criminal – incluindo as atividades de inteligência – e da prevenção aos delitos e manutenção da ordem pública, ou seja, cada polícia atuará inclusive no desvendamento e investigação dos crimes que estão sob sua alçada, relatando os resultados e endereçando-os ao Ministério Público. No Brasil, há previsão constitucional (Art. 144 – I - §§4º e 5º) de duas corporações policiais estaduais de ciclo incompleto, que determina o exercício da polícia judiciária pelas polícias civis e a função de polícia ostensiva e preservação da ordem pública para as polícias militares. Desta forma, ambas atuam de forma isolada, tendo como único contato na ocasião da apresentação, pelos policiais militares, dos presos em flagrante nas delegacias da Polícia Civil, para as providências de polícia judiciária cabíveis. Alguns países como Portugal, Chile e México, além de contarem com as instituições policiais de ciclo completo, possuem corporações de polícia independente, com competência restrita e especializada, para a investigação de infrações penais mais graves. Assim, cada instituição policial desempenha tanto funções administrativas quanto persecutórias, que podem ser preventivas ou repressivas, com ênfase no poder de polícia, na força de polícia. Essa dinâmica ecoa as palavras de Pascal: "A Justiça sem a força é impotente, a força sem a Justiça é tirânica”. A defesa da sociedade é promovida pelo Estado; portanto, mediante mecanismos de defesa, operacionalizados pelas inúmeras polícias, pelo uso do poder ou da força, desempenhando função administrativa ou persecutória. Atuando na defesa social há quatro ramos de polícia, cuja ação está respaldada primeiramente no poder e, secundariamente, na força: polícia civil, polícia militar, polícia rodoviária federal e corpo de bombeiros. Um quinto ramo – polícia federal –, além de representar a força de polícia do Estado, também pratica ações típicas de poder de polícia. Todos desempenham função administrativa, atuam na prevenção e/ou na repressão, sendo que cada um cumpre atividades peculiares dentro de áreas específicas. Deve ser estimulada a autonomia dos órgãos previstos no artigo 144 da Constituição Federal para que realizem o ciclo completo de polícia, nos termos propostos pela Proposta de Emenda à constituição nº 431, de 2014: “Art. 1º O art. 144 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo: Art. 144. (...) §11. Além de suas competências específicas, os órgãos previstos nos incisos do caput deste artigo, realizarão o ciclo completo de polícia na persecução penal, consistente no exercício da polícia ostensiva e preventiva, investigativa, judiciária e de inteligência policial, sendo a atividade investigativa, independente da sua forma de instrumentalização, realizada em coordenação com o Ministério Público, e a ele encaminhada.” É fundamental que todas valham-se do ciclo completo de polícia. Esta é a base para que se possa ter polícias eficazes e para que as políticas de segurança sejam fundadas no resultado, na eficácia, na otimização dos quadros das corporações e em evidências científicas, e não na cultura institucional do atraso, do preconceito e do corporativismo. A implementação do ciclo completo de polícia precisa ter como finalidade o interesse público, onde os benefícios e os eventuais prejuízos sobrevindos de tal modelo policial devem ser ponderados sob a perspectiva da coletividade e da cidadania, sem quaisquer influências corporativas e individualistas. A profissionalização e especialização das polícias, no desempenho do ciclo completo de polícia, ocasionarão inevitavelmente um substancial avanço do sistema de segurança pública, em benefício de toda sociedade.
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Coronel PM Silvio Benedito Alves Comandante Geral da Polícia Militar de Goiás Presidente do Conselho Nacional dos Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares
O ciclO cOmPlETO DE POlícia cOmO iNSTRumENTO DE ciDaDaNia A sociedade mundial vive um momento ímpar de sua evolução, estando em curso nos últimos anos um processo contínuo de avanços e conquistas nos campos social, político, econômico e cultural. Tendo como foco principal, a melhoria da qualidade de vida do cidadão. Tal processo tem produzido pelo mundo um novo patamar de participação dos indivíduos nos destinos das nações, criando um modelo de sociedade onde o principal vetor é o ser humano. Os governantes devem ultimar esforços para melhorar a qualidade do serviço e atender as demandas cada vez mais crescentes dos indivíduos. Assim, o Estado deve adotar medidas que objetivam de forma clara e transparente o aperfeiçoamento de processos internos, revendo métodos e conceitos, tendo sempre como foco a melhoraria da qualidade do serviço. Neste prisma, há uma luta constante contra a corrupção, incompetência, burocracia e a ineficiência dos serviços públicos. O cidadão exige cada vez mais um serviço de qualidade oferecido tempestivamente, com economia de recursos e que produza resultado efetivo. No campo da gestão, o Brasil deve seguir essa onda mundial e despertar para necessidade de rever e melhorar a qualidade dos serviços prestados pelo Estado ao cidadão. Desta forma, tanto na órbita federal, estadual e municipal, deve haver um processo permanente de discussões e avaliações dos modelos, buscando aperfeiçoar o resultado do serviço efetivamente
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entregue à população. Os gestores devem concentrar seus esforços para produzir, criar e implantar novas iniciativas. Para tanto, já é hora de utilizar a capacidade intelectual da nação e prospectar um olhar cosmopolita, buscando experiências exitosas em outros países que possibilitem mudanças da realidade nacional. Essa posição deve ser percebida com clareza no campo da segurança pública e da justiça criminal. O País possui um modelo de organização das Polícias que não consegue mais produzir os resultados esperados pela população. Dentre os vários fatores que merecem atenção está o excesso de burocracia na primeira fase da persecução penal que, muitas vezes, é mais formal até que a própria fase judicial, ocorrendo confusões institucional e funcional na organização de tarefas e atribuições entre as Polícias, que prejudica o cidadão e dificulta-lhe o direito de acesso à justiça. Na primeira fase da persecução penal, a fase policial, a burocracia e o excesso de formalismo no registro dos fatos e nos procedimentos persecutórios atrasam a chegada do fato ao juiz e dificultam a devida prestação jurisdicional. O cidadão é atendido por uma polícia (PM), sendo orientado ou conduzido para a Polícia Civil, sendo encaminhado, posteriormente, à justiça. No Brasil, qualquer fato que, em tese, configure crime, o cidadão mesmo já tendo sido lesado pela ação do meliante, será penalizado novamente pela
burocracia e pelo formalismo do simples registro do fato. Isso contraria qualquer conceito de gestão moderna que indica a otimização dos meios, objetividade e o combate à falta de eficiência e morosidade da máquina pública. No sistema pátrio de distribuição de atribuições, cada Polícia é responsável por acompanhar parte do fato. Assim, para realizar a prestação de serviço policial o caso é subdividido entre instituições diferentes, cada qual com metade de atribuições. Sendo que as instituições não possuem o pleno exercício das atividades policiais, não conseguindo dar a solução esperada pelo cidadão de forma plena. Cada Polícia faz parte do trabalho, passando o serviço para a outra, que repete todos os atos novamente. Esse processo condiciona às partes a um formalismo, muitas vezes, superior à fase judicial do processamento dos crimes de pequeno potencial ofensivo, por exemplo, desacreditando todo o sistema de justiça criminal. O estabelecimento do ciclo completo para todas Polícias do Brasil, constitui-se em mecanismo de otimização de gestão e principalmente, de cidadania. Com este instituto as partes devem receber serviço de qualidade e agilidade necessária, sem formalismo e burocracia. Garantindo de forma plena o conjunto probatório necessário à propositura da devida ação penal e a perfeita análise do fato pelo juízo. Como, aliás, ocorre em todas as partes do mundo. Há de se esclarecer
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que as Polícias ao longo do mundo tem o ciclo completo. Na comunidade policial mundial não se concebe uma instituição denominada Polícia que não seja de ciclo completo. Inclusive, os profissionais de outros países tem dificuldade de compreender o sistema policial brasileiro porque não entendem como uma instituição é Polícia sem ter o ciclo completo. Ressalta-se, ainda, que a sociedade brasileira merece ser esclarecida sobre o ciclo completo. E, principalmente, sobre
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os sérios danos causados ao cidadão pela falta deste no sistema policial brasileiro. A organização policial, conceitualmente, é a responsável pela prevenção e pela coerção. Em outras palavras, ela evita o crime, reúne e registra os indícios da existência do fato criminoso e das pessoas envolvidas (autor, vítima e testemunhas), apreende os objetos e armas referentes ao delito. Por fim, encaminha o conjunto probante ao juízo competente. Destarte, todo o ciclo de Polícia é realizado por uma
mesma instituição policial. A implantação do ciclo completo de Polícia constitui-se importante ferramenta que produzirá padrão de eficiência no serviço público, otimizando os resultados e contribuindo para a garantia da cidadania no Brasil. Assim, todos os segmentos da sociedade brasileira e trabalhadores devem se unir na busca das melhores propostas, apresentá-las ao Brasil e lutar pela sua implantação e implementação.
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Luis Antônio Boudens Jones Borges Leal
a POlícia FEDERal bRaSilEiRa E O ciclO cOmPlETO DE POlícia O presente trabalho é uma compilação dos estudos feitos pelos Grupos de Trabalho criados no âmbito das representações dos policiais federais, que desenvolveram ao longo de mais de 15 anos de estudos os conceitos de Carreira Única e Ciclo Completo de Polícia. O Ciclo Completo de Polícia já faz parte do trabalho da Polícia Federal brasileira, até mesmo antes da Constituição Federal de 1988. A conjunção ou sequenciamento de atividades de controle e fiscalização ou atividades de Polícia de Soberania (controle imigratório e fiscalização aduaneira, por exemplo) fazem da PF uma verdadeira policia completa. As análises e conclusões deste estudo servirão como contribuição para o fechamento das discussões em torno das mudanças a serem promovidas na estrutura de segurança pública brasileira pelo
Congresso Nacional brasileiro, que tem comprovadamente em seu falido modelo uma das maiores justificativas da insuficiência no trabalho preventivo e da ineficiência nos trabalhos de polícia judiciária, que se traduzem na insegurança da sociedade e na sensação de impunidade em relação aos crimes cometidos em território nacional. Após longos anos de estudos, debates e oficinas de trabalho junto ao Governo Federal, não resta dúvidas, como veremos, de que a implementação do Ciclo Completo de Polícia e (PEC 431/2014) da Carreira Única na estrutura das Policias Federal (PEC 361/2013) e Civil (PEC 51/2013-Senado) significam o resgate em definitivo da força institucional das policias e da valorização do componente humano como premissa maior no combate contra a crescente criminalidade no Brasil.
Esquema I – Conjunto de atividades das policias Esquema II – O Ciclo Completo de Polícia
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Esquema II – O Ciclo Completo de Polícia
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POlícia FEDERal
A Polícia Federal é o órgão de segurança pública permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, com autonomia orçamentária, administrativa e financeira, diretamente subordinado ao Ministério da Justiça, tem por finalidade exercer, em todo o território nacional, as atribuições previstas na Constituição Federal e leis posteriores. 1.1 Competências Constitucionais A Constituição Federal de 1988 dispõe sobre a Polícia Federal no Capítulo da Segurança Pública, estando suas atribuições previstas no art. 144, inciso I, §1º, in fine: CAPÍTULO III DA SEGURANÇA PÚBLICA art. 144. a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: i - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. § 1º a polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela união e estruturado em carreira, destina-se a: i - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da união ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; ii - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; iii - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; iV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da união. [...] § 7º - a lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades. A Lei 5010/66, que organiza a Justiça Federal de primeira instância, em seu art. 65, determina que a polícia judiciária federal será exercida pelo Departamento de Polícia Federal, observando-se o Código de Processo Penal. Inserida na estrutura organizacional do Ministério da Justiça como Departamento de Polícia Federal, as competências da Polícia Federal estão regulamentas no seu Regimento Interno, instituído pela Portaria nº 2.877, de 30/12/2011: Art. 1º O Departamento de Polícia Federal - DPF, órgão permanente, específico singular, organizado e mantido pela União, e estruturado em carreira, com autonomia orçamentária, administrativa e financeira, diretamente subordinado ao Ministro de Estado da Justiça, tem por finalidade exercer, em todo o território nacional, as atribuições previstas no § 1º do art. 144 da Constituição Federal , no § 7º do art. 27 da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003 e, especificamente: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, bem assim outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
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II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho de bens e valores, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União; V - coibir a turbação e o esbulho possessório dos bens e dos prédios da União e das entidades integrantes da administração pública federal, sem prejuízo da manutenção da ordem pública pelas Polícias Militares dos Estados; VI - acompanhar e instaurar inquéritos relacionados aos conflitos agrários ou fundiários e os deles decorrentes, quando se tratar de crime de competência federal, bem assim prevenir e reprimir esses crimes. Em virtude de estar incumbida, com exclusividade, da função de polícia judiciária da União, compete a Polícia Federal a investigação dos crimes e o auxílio ao Poder Judiciário União (Justiça Federal, Eleitoral e do Trabalho) no cumprimento de suas competências, conforme Constituição Federal, art.109: Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: V - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômicofinanceira; X - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar; X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o “exequatur”, e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização; XI - a disputa sobre direitos indígenas.
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Além das competências constitucionais atribuídas à Polícia Federal que encerram, indubitavelmente, funções policiais típicas, podemos assinalar que à Polícia Federal foram conferidas, por força de legislação infraconstitucional, várias atividades policiais atípicas. Assim, podemos dizer que a Polícia Federal exerce funções de polícia típicas e atípicas, conforme são distribuídas as atribuições constitucionais e infraconstitucionais. Assim, são funções de polícia típicas as atribuições de polícia judiciária, de polícia administrativa e de polícia de soberania, atribuídas pela Constituição Federal à Polícia Federal, sendo funções atípicas, as decorrentes do exercício do poder de polícia (controle de armas, controle de segurança privada, controle de precursores químicos e controle de identificação criminal e civil e da Estatística criminal) definidas em legislações espaças. 1.2 Competências Infraconstitucionais Além das competências constitucionais atribuídas à Polícia Federal, podemos assinalar que à Polícia Federal foram conferidas, por força de legislação infraconstitucional, várias outras atividades policiais. Assim, são funções de polícia típicas as atribuições de polícia judiciária, de polícia administrativa e de polícia de soberania, atribuídas pela Constituição Federal à Polícia Federal, sendo funções atípicas, as decorrentes do exercício do poder de polícia (controle de armas, controle de segurança privada, controle de precursores químicos e controle de identificação criminal e civil e da Estatística criminal) definidas em legislações espaças. Como ponto de partida, é primordial que se proceda a uma atenta leitura do artigo 144 e seu §1º. Dela, advém toda a base de
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entendimento acerca das atribuições constitucionais da Policia Federal e da expressa diferenciação de outras policias. Não bastasse este valioso rol constitucional de atribuições, várias leis federais expandiram as atribuições da Policia Federal, como por exemplo: INVESTIGAR crimes financeiros (incluindo a propagada Lavagem de Dinheiro), de organizações criminosas, cibernéticos, previdenciários, crimes contra o meio-ambiente, contra indígenas, contra o patrimônio, crimes eleitorais; CONTROLAR a entrada, a permanência e a saída de estrangeiros do País; FORMALIZAR com fé pública todas as atividades cartoriais da polícia federal; REALIZAR PERÍCIA PAPILOSCÓPICA documental, material e em local de crime; REALIZAR representação facial humana; GERENCIAR o sistema AFIS – Sistema Automatizado de Impressões Digitais, e o sistema SINIC – Sistema Nacional de Informações Criminais, ambos da Polícia Federal; EMITIR documentos como passaportes, certificados, carteiras de estrangeiros, laudos, registros de armas, portes de armas, etc.; FISCALIZAR fronteiras marítimas, terrestres e aeroportos; FISCALIZAR a fabricação, o comércio e os depósitos de produtos químicos, controlando todos os substratos e insumos utilizados para fabricação de entorpecentes; REALIZAR A SEGURANÇA DE DIGNITÁRIOS, como o corpo diplomático no exterior, os Ministros e, com exclusividade, os candidatos à Presidência da República. As investigações na área de inteligência, que alçaram a Policial Federal ao órgão de maior conceito, confiança e respeitabilidade no Brasil, são resultado do trabalho quase que exclusivo de AEP’s (hoje estima-se em 90%: coleta de dados, interceptações, análises e elaboração de autos circunstanciados, planejamento e execução das buscas e prisões). Primeiro, por contribuir com indícios precisos nas questões internas, permitindo ao órgão “cortar a própria carne” e demitir policiais envolvidos em crimes. Segundo, porque foi com base nesse tipo de trabalho, planejado e executado por Agentes de Polícia Federal e, não incomum, por Escrivães e Papiloscopistas, que as famosas “Operações da Policia Federal”, com seus nomes de efeito e pessoas investigadas (muitas delas tidas como “inatingíveis”), ganharam o bom conceito e a ótima imagem perante o povo brasileiro. 1.3 Competências por funções de polícia As competências legais da Polícia Federal foram conferidas pela legislação infraconstitucional, e podem podem ser divididas a partir das funções de políciais (ou tipologias de polícia) que compõem: 1.3.1 Função de Polícia Judiciária (ou investigativa ou repressiva) – Investigar os crimes praticados, buscando o esclarecimento da verdade e responsabilização do autor do fato delituoso. (Atualmente essa investigação é consubstanciada em um procedimento formal (inquérito policial), visando compor o processo penal). a) apurar infrações penais em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas b) apurar os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; c) apurar os casos de grave violação aos direitos humanos, assegurando o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte. d) apurar os crimes contra a organização do trabalho e) apurar os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar; f) apurar os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o “exequatur”, e de
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sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização; g) apurar a disputa sobre direitos indígenas (a apuração dos crimes contra a vida ou contra comunidades silvícolas, no país, em colaboração com o Serviço de Proteção aos Índios (consta da Lei 4483/64 ainda em vigor nesta parte ou tem nova legislação sobre os indígenas?) h) apurar infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme. 1.3.2 Função de Soberania ou de Ordem – defesa da ordem interna do País (atua em cooperação com outros países - Interpol) -– vigilância de fronteiras (terrestre, aérea e marítima), de imigração e de estrangeiros no país, de policiamento de proteção dos poderes constituídos e instituições democráticas e o policiamento de inteligência, visando evitar quaisquer atentados à ordem político-social do país. a) prevenir e apurar as infrações penais contra a ordem política e social b) prevenir e apurar os crimes políticos c) prevenir e apurar os crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira; d) Exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras e) Policiamento de Estrangeiros f) Policiamento de Imigração g) Realizar atividades de inteligência policial para evitar qualquer atentado a ordem político-social do país h) Apurar crime de ingresso ou permanência irregular de estrangeiros no país
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1.3.3 Função de Polícia Administrativa (ou de segurança ou preventiva) – Evitar a turbação da ordem pública, o perigo ou o dano, evitando a ocorrência de crimes. Decorre também do exercício do poder de polícia nas atividades afetas à Polícia Federal - atividades destinadas ao controle, à vigilância e ao patrulhamento ostensivo a) prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins b) prevenir e reprimir o contrabando e o descaminho c) assegurar a incolumidade física do Presidente da República, de Diplomatas e visitantes oficiais estrangeiros e dos demais representantes dos Poderes da República, quando em missão oficial (Segurança de Dignitários - Lei nº 4.483/1964) d) coibir a turbação e o esbulho possessório dos bens e dos prédios da União e das entidades integrantes da administração pública federal (Lei nº 10.683/2003, art. 27, §7º) e) prevenir e reprimir os crimes de competência federal decorrentes de conflitos agrários ou fundiários f) Realizar o registro, controle e fiscalização do registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição (Lei 10826/2003) g) Realizar o registro, controle e fiscalização do sistema de segurança de estabelecimentos financeiros e empresas de vigilância e transporte de valores (Segurança Privada - Leis 7.102/1983 e 9017/1995) h) Autorizar, controlar e fiscalizar as atividades relativas a produtos químicos (Lei 10.357/2001) i) identificação civil, criminal e estatística criminal (Lei 4483/1964) i) coordenação e a interligação dos serviços de identificação datiloscópica, civil e criminal do país. j) cooperar com os serviços policiais relacionados com a criminalidade internacional ou interestadual
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ATIVIDADE
NORMA
DESCRIÇÃO
Controle de Armas
Lei nº 10.826/2003
Gerencia o Sistema Nacional de Armas – SINARM, executando atividades relacionadas ao registro, posse e comercialização de armas de fogo e munições no país. Controle de Armas e Munições em portos, aeroportos e fronteiras Importante setor da atividade econômica, com reflexos no direito de propriedade dos cidadãos brasileiros.
Controle de segurança privada
Leis nº 7.102/1983 e Controla e autoriza o funcionamento de estabelecimentos financeiros; nº 9.017/1995 Elaboração de laudo de avaliação de carros-fortes e de depósitos de armas e munições em empresas de segurança privada. A segurança privada é um importante seguimento da atividade econômica, tratando-se de tarefa complementar à segurança pública, pelo uso de força de proteção pessoal e patrimonial de terceiros (bancos, comércio, pessoas, bens e cargas valiosas, etc.). Atualmente há um verdadeiro exército paralelo no Brasil, com quase 2 milhões de vigilantes sob controle da Polícia Federal.
Controle de produtos químicos
Lei nº 10.357/2001 e Controle e fiscalização sobre produtos químicos que direta ou indiretamente possam ser destinados à Decreto n°4.262/02 elaboração ilícita de substâncias entorpecentes, psicotrópicas ou que determinem dependência física ou psíquica; Elaboração de laudos de avaliação de depósitos de produtos químicos; Emissão de Autorização para transporte, estoque e uso de produtos químicos controlados pela Polícia Federal. Atividade que gerencia outra importante atividade econômica e social, tendo em vista o reflexo no uso de precursores químicos que possam ser utilizados para o preparo de substâncias entorpecentes e tráfico de drogas.
Controle de Identificação Criminal e Civil e da Estatística Criminal:
Lei nº 4.483/1964
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Elaboração de laudos oficiais de perícia papiloscópica; Controle do local de crime, para coleta de vestígios; Gerenciamento de sistemas de identificação criminal e cruzamento de informações criminais; Implantar e manter o RIC - Registro de Identidade Civil - a futura carteira de identidade nacional; Implantar e manter o banco de dados de perfis genéticos de criminosos; A Polícia Federal, por meio do Instituto Nacional de Identificação, compete a supervisão técnica e a coordenação no país dos serviços de identificação datiloscópica, civil e criminal, bem como da estatística judiciária criminal, que tem por base os prontuários de identificação que são parte integrante dos processos criminais.
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1.4 Ciclo completo de polícia Polícia de ciclo completo ou ciclo completo de polícia é o conceito ou classificação da corporação policial quando realiza tanto as atividades repressivas de polícia judiciária ou investigação criminal, quanto atividades de polícia administrativa ou de prevenção aos delitos e manutenção da ordem pública realizadas pela presença ostensiva uniformizada dos policiais nas ruas. O professor constitucionalista Pedro Lenza[1] adota o esquema abaixo para demonstrar as funções constitucionais de cada órgão na segurança pública do Brasil:
Como vimos, a Constituição Federal, dispõe sobre a função da polícia judiciária pela polícia civil (nos Estados) e pela Polícia Federal, no âmbito federal, e a função de polícia administrativa ou de segurança, para as polícias militares (nos Estados) e Polícias Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal no âmbito da União. Para os Estados Membros, estabeleceu a Constituição Federal que as polícias civis exercessem (apenas) as funções de “polícia judiciária” (§ 4º, art. 144, CF), e para as funções de “polícia administrativa”, preventiva ou ostensiva, determinou que fossem exercidas pelas polícias militares. Nessas condições, ambas atuam de forma isolada tendo como único contato o momento da apresentação, pelos policiais militares, dos presos em flagrante nas delegacias da Polícia Civil para as providências de polícia judiciária cabíveis, condição que prejudica a investigação de crimes, tendo em vista que o agente de investigação não participou da apuração dos atos iniciais da conduta delitiva. No âmbito da União, o legislador constituinte estabeleceu que a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal, todas de natureza civil, exercessem funções de polícia administrativa da União em suas áreas de competência. Assim, para a polícia rodoviária federal e ferroviária federal, estabeleceu o legislador constituinte, o patrulhamento ostensivo de rodovias e ferrovias federais, respectivamente. Já para a Polícia Federal, como vimos, incumbiu funções que se enquadram tanto em polícia administrativa, quanto polícia judiciária, e ainda polícia de soberania e outras funções atípicas, decorrentes do exercício do poder de polícia, atividades atípicas, dentre as quais: 1) controle de armas; 2) controle de segurança privada; 3) controle de produtos químicos; e a 4) identificação civil, criminal e a estatística criminal. Assim, a Polícia Federal, é o único órgão policial brasileiro que possui ciclo completo de polícia, pois ela tem funções tanto de polícia administrativa ou de segurança, quanto de polícia judiciária, de repressão ao crime já praticado, ou seja, uma só estrutura policial realizando todas as fases do trabalho policial que antecedem ao trabalho a ser desempenhado pelo Ministério Público. 1 .
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[] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Pág. 657. 2009.
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A formação do quadro policial da Polícia Federal congrega o conhecimento de todas as normas constitucionais e infraconstitucionais sobre as competências do órgão, além de treinamento cientifico e operacional da ciência policial, necessários ao desenvolvimento de suas atribuições. A área de atuação da Polícia Federal e seus servidores policiais engloba o policiamento preventivo e repressivo, em todo o território nacional, que é composto de uma área total de 8.547.403 quilômetros quadrados e compreende todo o espaço terrestre, fluvial, marítimo e aéreo do país.
2. POlícia FEDERal E a PREViSÃO lEgal DO ciclO cOmPlETO
A Polícia Federal é uma entidade instituída de forma diferenciada pela Constituição Federal de 1988, com a definição de suas atribuições insculpidas no próprio texto constitucional e ainda em leis inferiores. Esse rol de atribuições da Polícia Federal, em sua classificação tripartite (polícia administrativa, polícia judiciária e polícia de soberania), congrega várias atividades complexas e multidisciplinares que a distingue e distancia das outras instituições de segurança pública policiais do país pelo âmbito de sua atuação, dando-lhe uma dimensão superior, conforme quadro a seguir: INSTITUIÇÃO POLICIAL
ÂMBITO DE ATUAÇÃO
FUNÇÃO ADMINISTRATIVA ou PREVENTIVA
FUNÇÃO INVESTIGATIVA OU JUDICIÁRIA
FUNÇÃO DE SOBERANIA
ATUAÇÃO DE RISCO
POLÍCIA FEDERAL
Federal
SIM
SIM
SIM
SIM
POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL
Federal
SIM
NÃO
NÃO
SIM
POLÍCIA CIVIL DF
Distrital
SIM
SIM
NÃO
SIM
POLÍCIA CIVIL ESTADOS
Estadual
SIM
SIM
NÃO
SIM
POLÍCIA MILITAR
Estadual
SIM
NÃO
NÃO
SIM
GUARDAS MUNICIPAIS
Municipal
SIM
NÃO
NÃO
SIM
ABIN (*)
Federal
NÃO
NÃO
SIM
NÃO
(*) A Agência Brasileira de Inteligência é o órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) e tem entre suas atribuições a execução da Política Nacional de Inteligência e a integração dos trabalhos dos órgãos setoriais de Inteligência do país, assessoramento à Presidência da República e assegurando-lhe o conhecimento de fatos e situações relacionados ao bem-estar da sociedade e ao desenvolvimento e segurança do país.
Podemos ver que os trabalhos desenvolvidos pela Polícia Federal mesclam, no âmbito federal, funções de polícia administrativa (ou preventiva) e de polícia judiciária (ou repressiva), de Polícia de Soberania (ou de ordem), sendo a única instituição de polícia nacional que realiza com primazia o “ciclo completo constitucional de polícia”. (conceito ou classificação da corporação policial quando realiza tanto as atividades repressivas de polícia judiciária ou investigação criminal, quanto atividades de polícia administrativa ou de prevenção aos delitos e manutenção da ordem pública). Tal característica consolida em um só órgão de polícia um conhecimento técnico de complexidade abrangente, de várias leis e métodos de investigação, exigindo uma grande estrutura e organização interna, bem como uma multiplicidade de conhecimentos, habilidades e experiências de seu efetivo policial. A aplicação do ciclo completo de polícia dentro da Polícia Federal obriga a formatação diferenciada das várias atividades policiais envolvidas dentro de estrutura organizacional, que divide-se em unidades centrais e descentralizadas, conforme disciplinada no seu Regimento Interno (Portaria nº 2.877, de 30/12/2011): Art. 2º O Departamento de Polícia Federal tem a seguinte estrutura, composta por unidades centrais e descentralizadas: I - CONSELHO SUPERIOR DE POLÍCIA - CSP; II - ASSISTÊNCIA ADMINISTRATIVA - AAD; III - ASSISTÊNCIA PARLAMENTAR - ASPAR; IV - GABINETE - GAB:
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V - COORDENAÇÃO DO CENTRO INTEGRADO DE GESTÃO ESTRATÉGICA - CIGE; VI - COORDENAÇÃO-GERAL DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL - CGCI: VII - COORDENAÇÃO-GERAL DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO - CGTI: VIII - DIRETORIA-EXECUTIVA - DIREX: IX - DIRETORIA DE INVESTIGAÇÃO E COMBATE AO CRIME ORGANIZADO - DICOR X - CORREGEDORIA-GERAL DE POLÍCIA FEDERAL - COGER: XI - DIRETORIA DE INTELIGÊNCIA POLICIAL - DIP: XII - DIRETORIA TÉCNICO-CIENTÍFICA - DITEC: XIII - DIRETORIA DE GESTÃO DE PESSOAL - DGP: XIV - DIRETORIA DE ADMINISTRAÇÃO E LOGÍSTICA POLICIAL - DLOG: XV - SUPERINTENDÊNCIAS REGIONAIS - SR; XVI - CONSELHOS REGIONAIS DE POLÍCIA - CRP; XVII - DELEGACIAS DE POLÍCIA FEDERAL - DPF. Parágrafo único. São unidades centrais as constantes nos incisos I a XIV deste artigo, e descentralizadas, as constantes nos incisos XV a XVII. Para exercer o ciclo completo de polícia com exatidão e similar tratamento entre os componentes da carreira policial começa pela exigência de terem eles a mesma natureza. Os cargos Policiais Federais estão incluídos dentre aqueles que desempenham “atividade típica de Estado”, previstas no art. 247 da CF/88:
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Art. 247. As leis previstas no inciso III do § 1º do art. 41 e no § 7º do art. 169 estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado. Parágrafo único. Na hipótese de insuficiência de desempenho, a perda do cargo somente ocorrerá mediante processo administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa. As atividades exclusivas de Estado estão relacionadas com a formulação, controle e avaliação de políticas públicas e com a realização de atividades que pressupõem o poder de Estado. Assim, o legislador constituinte, sabedor de que o avanço das instituições públicas está relacionado à salvaguarda de algumas carreiras de Estado, instituiu tratamento diferenciado para determinadas carreiras, das quais se inclui a carreira policial federal, cuja atuação eficiente, eficaz e efetiva produz estabilidade e segurança jurídica ao funcionamento das instituições públicas e à ordem social. Com a criação de novos serviços especializados, com vistas a atender à nova demanda de serviços de alta complexidade e responsabilidade, houve a junção da evolução trazida pela Lei N° 9.266/96, que projetou os cargos da Carreira Policial ao NIVEL SUPERIOR, sem distinção, e a reformulação da estrutura interna para absorver os novos serviços e a nova leva capacitada de policiais.
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POlícia cOmPlETa - aTiViDaDES PREVENTiVaS Da POlícia FEDERal SEguRaNÇa PRiVaDa, baNcOS E TRaNSPORTE ValORES Lei N° 7.102/83: Dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá outras providências
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O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei: Art. 1º É vedado o funcionamento de qualquer estabelecimento financeiro onde haja guarda de valores ou movimentação de numerário, que não possua sistema de segurança com parecer favorável à sua aprovação, elaborado pelo Ministério da Justiça, na forma desta lei. (...) Art. 6º Além das atribuições previstas no art. 20, compete ao Ministério da Justiça: (Redação dada pela Lei 9.017, de 1995) (Vide art. 16 da Lei 9.017, de 1995) I - fiscalizar os estabelecimentos financeiros quanto ao cumprimento desta lei; II - encaminhar parecer conclusivo quanto ao prévio cumprimento desta lei, pelo estabelecimento financeiro, à autoridade que autoriza o seu funcionamento; Lei N° 9.019/95: Art. 16. As competências estabelecidas nos arts. 1º, 6º e 7º, da Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983, ao Ministério da Justiça, serão exercidas pelo Departamento de Polícia Federal. A segurança privada formou um verdadeiro exército paralelo no Brasil, com quase 2 milhões de vigilantes. Tudo ao argumento da deficiência que acometeu os órgãos de segurança pública e o sistema penal brasileiro. Em números, este serviço da Policia Federal apresenta-se da seguinte forma:
Fonte: Revista Prisma. Ed.Jan/Fev/Mar -2011
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cONTROlE DE PRODuTOS QuímicOS Lei N°10.357/01 Art. 3o Compete ao Departamento de Polícia Federal o controle e a fiscalização dos produtos químicos a que se refere o art. 1o desta Lei e a aplicação das sanções administrativas decorrentes. Decreto N°4.262/02 Regulamenta a Lei no 10.357, de 27 de dezembro de 2001, que estabelece normas de controle e fiscalização sobre produtos químicos que direta ou indiretamente possam ser destinados à elaboração ilícita de substâncias entorpecentes, psicotrópicas ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, DECRETA: Art. 1o O Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, por meio de seu Órgão Central de Controle de Produtos Químicos, coordenará e executará as ações de controle e fiscalização dos produtos químicos e substâncias a que se refere o art. 1o da Lei no 10.357, de 27 de dezembro de 2001. (...) Art. 4o É facultado ao Departamento de Polícia Federal realizar inspeção prévia e fiscalização em instalações e locais utilizados ou que venham a ser utilizados para o exercício de atividades desenvolvidas com produtos químicos controlados. Parágrafo único. As ações de fiscalização a que se refere este artigo serão executadas, quando necessário, em conjunto com os órgãos competentes de controle ambiental, de segurança, de saúde pública e fiscal. Art. 5o A fiscalização será realizada por Comissão criada no âmbito do DPF, sem prejuízo do disposto no art. 7o deste Decreto. § 1o A fiscalização realizada será consubstanciada em auto próprio, lavrado em três vias, que deverão ser assinadas pelos integrantes da Comissão e pelo representante legal ou funcionário da pessoa jurídica fiscalizada que tenha presenciado o ato. § 2o Igualmente deverão ser formalizados, mediante lavratura de auto próprio, os procedimentos relacionados à apreensão e estituição de produtos químicos, coleta de amostra para exame pericial, nomeação de depósito, apreensão de documentos suspeitos e outros que se fizerem necessários para a elucidação dos fatos. (grifo nosso)
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cONTROlE DE aRmaS - SiNaRm
Outra importante atribuição de grande RESPONSABILIDADE e COMPLEXIDADE foi trazida para a Polícia Federal e foi incorporada ao trabalho dos AEP’s : o controle de armas através do SINARM – Sistema Nacional de Armas. A mudança na legislação sobre concessão de registros e portes de armas com a Lei N° 10.826/2003 – o Estatuto do Desarmamento culminou na nacionalmente divulgada Campanha do Desarmamento. Essa campanha foi liderada pelo Departamento de Policia Federal e propiciou um ganho de extrema complexidade e importância ao trabalho desenvolvido pelos AEP’s. As atividades incorporadas estão listadas no texto legal, in verbis:
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DO SiSTEma NaciONal DE aRmaS
Art. 1o O Sistema Nacional de Armas – Sinarm, instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, tem circunscrição em todo o território nacional. Art. 2o Ao Sinarm compete: I – identificar as características e a propriedade de armas de fogo, mediante cadastro; II – cadastrar as armas de fogo produzidas, importadas e vendidas no País; III – cadastrar as autorizações de porte de arma de fogo e as renovações expedidas pela Polícia Federal; IV – cadastrar as transferências de propriedade, extravio, furto, roubo e outras ocorrências suscetíveis de alterar os dados cadastrais, inclusive as decorrentes de fechamento de empresas de segurança privada e de transporte de valores; V – identificar as modificações que alterem as características ou o funcionamento de arma de fogo; VI – integrar no cadastro os acervos policiais já existentes; VII – cadastrar as apreensões de armas de fogo, inclusive as vinculadas a procedimentos policiais e judiciais; VIII – cadastrar os armeiros em atividade no País, bem como conceder licença para exercer a atividade; IX – cadastrar mediante registro os produtores, atacadistas, varejistas, exportadores e importadores autorizados de armas de fogo, acessórios e munições; X – cadastrar a identificação do cano da arma, as características das impressões de raiamento e de microestriamento de projétil disparado, conforme marcação e testes obrigatoriamente realizados pelo fabricante; XI – informar às Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal os registros e autorizações de porte de armas de fogo nos respectivos territórios, bem como manter o cadastro atualizado para consulta.
Partindo da ideia contida no item anterior, após a criação de vários serviços e setores novos, como os já citados, as atribuições dos policiais federais ampliaram-se ainda mais, com mais responsabilidade e complexidade. Uma lista dessas atividades muito dificilmente se esgotaria nesse documento. O mais indicado, até pelo respaldo oficial que carrega, seria a disponibilização para o MPOG do Perfil Profissiográfico elaborado pelo Departamento de Policia Federal, em 2008, como forma de ampliar a visualização acerca das atuais atribuições da Carreira Policial Federal. Parte desse estudo foi citado pelo antigo Chefe do Setor de Recursos Humanos da Polícia Federal (DGP: Diretoria de Gestão de Pessoal) em sua palestra sobre Gestão por Competência, realizada em 2010 (Doc. 06. Dentre os pontos abordados e colocados como essenciais para o futuro da Policia Federal estão a lei Orgânica, a Reestruturação da carreira Policial, a Reestruturação da carreira administrativa e Reestruturação Organizacional.
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O tema central foi acertadamente exposto e não escondeu os problemas internos vividos pela PF hoje:
Fonte: Palestra “Gestão por Competências na Polícia Federal”, DPF Joaquim Mesquita, 17.06.2010.
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Para chegar a essas conclusões e estabelecer um esboço do que seria a mudança de paradigma na estrutura da PF, foram utilizados os dados processados desde 2008, no Relatório Técnico chamado mapeamento de competências das funções técnicas, operacionais e de suporte do Departamento de Polícia Federal, 2010 -cESPE/unb.
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Fonte: Palestra “Gestão por Competências na Polícia Federal”, DPF Joaquim Mesquita, 17.06.2010.
Serviço de controle de Produtos Químicos, com vistoria e emissão de laudo de inspeção.
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criação cgSSP - Serviço de controle de Segurança Privada criação da iNTERPOl, com representações regionais em todos os estados criação da DmaPH – Divisão de crimes ambientais e contra o Patrimônio criação da DaRm – Divisão de controle de armas criação da DFiN – Divisão de crimes Financeiros
cONcluSÕES
A utilização da Polícia Federal como exemplo de aplicação do Ciclo Completo de Polícia demonstra que é possível e viável unir as atividades preventivo-ostensivo-administrativas às atividades de policia judiciaria ou investigativa também nos estados, como forma de buscar o aprimoramento e a eficiência do trabalho policial no Brasil. No texto constitucional que há quatro destinações da Polícia Federal e apenas uma delas representa o fechamento do ciclo completo de polícia: a de Policia Judiciária. As demais representam em sua completude as atividades que permeiam o Ciclo Completo de Polícia já existente na Polícia Federal e que convivem de forma harmoniosa em meio às complexidades e responsabilidades das atividades. Por sua vez, as policias militares executam unicamente os trabalhos de policia preventiva ou ostensiva, não aplicando quaisquer dos conhecimentos técnicos utilizados nas investigações policiais, na formação da prova, etc. Da mesma forma, agora na esfera federal, age a Polícia Rodoviária Federal. Não é concebível que apenas no Brasil exista um formato onde uma polícia literalmente tem que “bater à porta” de outra para esta receba o resultado do seu trabalho e, pior, só dê sequência após uma eleição de prioridades feita única e exclusivamente hoje pela figura do delegado de polícia. Assim, a maior entidade representativa dos policiais federais posiciona-se FaVORaVElmENTE ao Ciclo Completo de Polícia, contemplado na PEC 431/2014. Também considera essencial que haja a implementação concomitante da Carreira Única na Polícia Federal, como quis o constituinte originário e como já funciona de forma exemplar na Polícia Rodoviária Federal. O ambiente policial permite que se busque continuamente o crescimento profissional por experiência, formação, capacitação e meritocracia sejam parte do processo crescimento profissional e de humanização das estruturas policiais brasileiras.
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Antonio Maciel Aguiar Filho
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ciclO cOmPlETO Segundo o jurista Fernando Capez,“O termo perícia é originário do latim peritia (habilidade especial), e perícia oficial é aquela elaborada por um técnico ou profissional integrante dos quadros funcionais do Estado. Em contraposição à perícia oficial, tem-se a perícia não-oficial, que é aquela realizada por particulares, toda vez que inexistirem no local peritos oficiais”. A expressão “perito criminal” foi introduzida no art. 6º, incisos I e II da Norma Adjetiva pela Lei nº 8.862/94. Isto quer dizer que o perito criminal é classe da espécie perito oficial, do gênero perito, ou daquele que elabora perícia. Não obstante isso, a expressão “perito criminal” alberga todos os peritos oficiais cujo desiderato imbrica na incumbência estatal de elucidar os crimes, haja vista que o Estado chamou apenas para si a tarefa de prestar jurisdição. Entretanto, a norma a que se refere o art. 6º, I e II, do CPP foi revogada pela norma do art. 169 do próprio Código, não havendo mais que se discutir o termo “perito criminal”, haja vista ter o Código alargado sua interpretação de forma expressa para o termo “peritos”, literis: “Art. 169 - Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.” Neste contexto, não dar para separar atividades periciais, seja da área da medicina legal, criminalística ou identificação, todas produzem exames que são destinados ou usados com meio de prova judicial, constituídos a partir de conhecimentos técnicos específicos. Consideramos salutar, de suma importância este debate sobre um novo modelo de policia, lembrando que a pericia brasileira também sofre de uma series de dificuldades, e por isso mesmo também necessita passar por urgentes modificações, dentre as quais podemos citar: estrutura inadequada dos órgãos oficiais(IC, IML e II); formação deficiente do corpo técnico;
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preservação inexistente ou inadequada do local; ausência de padronização e certificação de laboratórios; cadeia de custodia deficiente; estrutura fragmentada; disputa corporativista, alem do baixo quantitativo de profissionais em todas as áreas e em todas as unidades Federativas.Portanto, quando se discute a tese do ciclo completo de policia é inevitável que se inclua nessa discussão, como construir uma perícia mais eficiente,uma vez que com mais policiais investigando mais a perícia será requisitada para a comprovação material e técnica do delito –“A prova científica -ferramenta primordial no Estado Democrático de Direito”.E por onde começar o enfrentamento dos problemas para se obter essa Perícia mais eficaz.?Atacando o ponto nevrálgico da Perícia brasileira : “ O reconhecimento dos órgãos e profissionais da perícia”....Essa omissão dos gestores em enfrentar tal problema tem provocado um prejuízo incalculável a justiça e a sociedade . Os institutos de Identificação e seus técnicos –Peritos em papiloscipia -instituição mais antiga da pericia brasileira tem sido negligenciada e sofrido um sistemático processo de destruição....E com isso um importantíssimo banco de dados ,o único de identificação de massa, capaz de elevar os índices de resolução de autoria de crimes além de identificar pessoas desaparecidas e/ou mortas ignoradas.
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Marlon Jorge Teza Coronel PM SC Presidente da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares do Brasil - FENEME
ciclO cOmPlETO DE POlícia NO bRaSil Atualmente ganha corpo no Brasil a discussão acerca da expansão da adoção do Ciclo Completo de Polícia na persecução criminal, isto por que hoje é de fácil constatação que o atual modelo de “meias polícias” prejudica ainda mais a já combalida investigação criminal e impõe ao cidadão que se socorre dos serviços policiais uma revitimização, em razão das limitações e formalismos que hoje cercam o atendimento policial burocratizando esse atendimento ao cidadão. O modelo de “meias polícias” tornou-se uma armadilha e impediu a modernização policial frente a modernização das práticas criminosas, bem como o atendimento célere ao cidadão,principalmente nas grandes cidades. As polícias de função judiciária (de apuração das infrações penais) passaram a necessitar mais recursos humanos e materiais para fazer mais do mesmo, com maior concentração do esforço nas tarefas burocráticas em detrimento da verdadeira apuração dessas infrações penais. Enquanto a média mundial é de 13% de policiais destinados a investigação em relação aos policiais uniformizados, no Brasil esse número chega a 30% de pessoal nas Polícias Civis em relação às Polícias Militares, com taxas absurdamente baixas de elucidação de infrações penais (crimes), principalmente nos de roubo e furto (não passam de 5% em média). Esse modelo também produz uma alta taxa de cifra oculta (casos que não chegam ao conhecimento da polícia), pois em sua maioria exige que a vítima procure a Polícia Civil ou Federal para o devido registro burocratizando o atendimento de sua demanda. Pequenas infrações e pedidos de auxílio chegam a consumir até 80% do tempo da polícia, mesmo em locais de alta incidência criminal1 . Em Belo Horizonte pesquisa realizada identificou que 90% das ocorrências atendidas pela Polícia Militar não constituíam delitos graves2 . Em todo o mundo a regra existente de atuação policial nos crimes é a de que se todos os elementos para sua caracterização já se reúnem no local do fato, principalmente naqueles mais simples, o próprio policial uniformizado toma as providências no local para encaminhamento ao Poder Judiciário, mesmo naqueles países que possuem uma polícia de natureza militar e outra Civil, como França, Itália, Holanda, Espanha, Portugal e Argentina, ou mesmo os Estados Unidos da América com suas mais de 18 mil agências policiais, dentre outros. Hoje ocorre tal medida parcialmente nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e em outras cidades pelo Brasil em iniciativas isoladas. Nas polícias modernas consideradas eficientes, quer seja na América ou na Europa, as funções de policiamento uniformizado e investigação devem boa parte de seus êxitos ao trabalho contínuo da investigação, sem uma ruptura, sem que uma polícia simplesmente repasse para outra o conhecimento do crime. Na verdade o cidadão deseja, quando necessita da polícia, um policial que lhe atenda universalmente, ou seja, que encaminhe sua demanda sem “atravessadores” e necessidade de reencaminhá-lo à outro órgão policial para que prossiga um atendimento que o primeiro iniciou. A extensão do Ciclo Completo de Polícia na persecução criminal enseja inúmeros benefícios aos cidadãos na maioria dos casos, dentre eles: (a) Atendimento ao cidadão no local da infração, não havendo a necessidade deste deslocar-se até uma delegacia, muitas vezes situada em outra cidade; 1 DIAS NETO, Theodomiro. Policiamento comunitário: nova polícia ou mera maquiagem in Policiamento comunitário: experiências no Brasil. São Paulo: Página Viva, 2002, p. 63 2 BEATO, Cláudio C.. Reinventando a polícia: a implementação de um programa de policiamento comunitário in Policiamento comunitário: experiências no Brasil. São Paulo: Página Viva, 2002, p. 137.
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(b) Celeridade no desfecho dos atendimentos policiais; (c) Redução da sensação de impunidade, pois no local dos fatos todos terão conhecimento dos desdobramentos e implicações decorrentes, inclusive com o agendamento da audiência judicial nos casos de infração penal de menor potencial ofensivo; (d) Redução do tempo de envolvimento dos policiais nas ocorrências, possibilitando a ampliação de ações de caráter preventivo e não somente de resposta a solicitações; (e) Manutenção do aparato policial em sua área de atuação; e, (f) Economia e racionalização de meios logísticos. O Distrito Federal tem sido um bom exemplo de como é inútil investir no atual modelo. Destacando-se no Brasil com a
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melhor proporção de policiais por habitantes e tendo um dos melhores salários dos policiais (civis e militares) em todos os níveis, vem amargando altas taxas de violência, uma das maiores do País. Uma indicação dos reflexos desse cenário precário do atendimento policial ao cidadão brasileiro foi manifestada na 1ª CONSEG - Conferência Nacional de Segurança Pública, quando os gestores e trabalhadores da segurança pública juntamente com a sociedade civil foi chamada a discutir as questões ligadas a segurança pública do país elegeu como uma das diretrizes mais votadas a adoção do Ciclo Completo de Polícia. Parece-nos que o modelo de “meias polícias” se esgotou há muito tempo, e a 1ª CONSEG se manifestou nesse sentido, e o Congresso Nacional é o melhor palco para que essa importante questão seja enfren-
tada em seus aspectos mais fundamentais orientados para o modelo que melhor atende ao cidadão brasileiro, aprovando propostas legislativas que dêem agilidade ao atendimento policial refutando propostas que procuram acentuar o modelo centralizado e burocratizado reinante no Brasil, as quais seguem na contramão das reais necessidades da sociedade brasileira em se tratando da sua segurança. A adoção do ciclo completo de polícia na persecução criminal através da alteração do sistema legal (Constituição Federal e demais legislação), é encaminhar concretamente a solução dos problemas de segurança pública no território brasileiro, modernizando o sistema elevando, como consequência, a qualidade de vida à toda a sociedade.
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Eduardo Cerqueira Batitucci – Doutor em Sociologia NESP/FJP – Núcleo de Estudos em Segurança Pública da Fundação João Pinheiro
POlícia DE ciclO cOmPlETO E AS REFORMAS NO APARATO POLICIAL E NA SEGURANÇA PÚBLICA BRASILEIRA
O assim chamado “Sistema de Justiça Criminal” (SJC) brasileiro, composto das organizações policiais (polícias militares e civis), do Ministério Público, das Defensorias Públicas, do Judiciário e do Sistema Prisional, não funciona, em seu cotidiano, como um sistema de fato. Na sua operação as articulações entre instituições e ações são fracas, os objetivos institucionais são muitas vezes concorrentes, e vivencia conflitos organizacionais intermináveis, especialmente entre as organizações policiais e entre estas e os outros atores do “sistema”. Além disso, as ações e políticas de cunho tradicional desenvolvidas por este sistema vêm provando-se ineficazes, incapazes de reduzir a violência endêmica brasileira, especialmente aquela de natureza letal. Deste ponto de vista, o Brasil é um dos países mais violentos do mundo, com mais de 50.000 homicídios registrados anualmente que vitimam, em sua maioria, jovens negros e pobres das favelas e periferias das grandes cidades brasileiras. As polícias brasileiras estão entre as mais violentas do planeta, com índices de letalidade policial injustificáveis; nossa capacidade de investigar de forma apropriada os crimes cometidos e, através da investigação, promover a persecução criminal é limitadíssima; parte substantiva dos cidadãos atualmente presos no país não tem sentença transitada em julgado e, mesmo privados de liberdade, veem os seus processos judiciais se arrastarem por anos a fio; as alternativas às penas restritivas de
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liberdade não se consolidaram culturalmente no judiciário como alternativa viável e adequada para os conflitos do cotidiano e, hoje, já contamos com a quarta maior população prisional do mundo, próxima de atingir 600.000 indivíduos, a maioria dos quais vivendo em situação de completo abandono e desrespeito à própria legislação nacional, situação que vêm provocando a organização e consolidação de facções criminais que se transformam, rapidamente, em problema substantivo para o Estado de Direito. Políticas de prevenção social à criminalidade, mediação de conflitos, e de recuperação e acompanhamento de egressos do sistema prisional se viabilizaram apenas pontualmente em alguns estados da federação e, mesmo assim, com fragilidades institucionais fragrantes. O atual modelo de provimento de Segurança Pública e de Justiça na sociedade Brasileira, portanto, é um modelo falido, de desenho tradicional, com inspiração cartorial e inquisitorial, e que não acompanhou a modernização e as necessidades da sociedade brasileira, especialmente aquelas advindas da redemocratização do país e das transformações nos marcos regulatórios dos Direitos Civis e Sociais após a Constituição de 1988. Especialmente, é um modelo que se presta com muitas dificuldades à constituição deste campo de atividade estatal a partir do marco das políticas públicas, onde há publicidade, controle e participação social sobre a consolidação de agendas de ação pública, além
de monitoramento da implementação e avaliação dos resultados. O ciclo policial evidencia, de forma clara, as limitações do SJC no Brasil. A despeito de termos avançado bastante, especialmente nas últimas duas décadas, em aspectos institucionais e culturais importantes (especialmente na definição inicial de um perfil profissiográfico; no desenho formal de procedimentos padrão de uso da força e de abordagem policial; na capacitação profissional; na questão salarial e na organização dos trabalhadores), as questões substantivas permanecem. Tal como no caso das outras organizações do SJC, as polícias brasileiras estão focadas operacionalmente e se constituem simbolicamente a partir da dimensão do crime, e não a partir da idéia de direitos. Neste sentido, têm se consolidado operacionalmente, essencialmente a partir das dimensões burocráticas e processuais associadas à manutenção da ordem (registro de ocorrências) e/ou à persecução criminal (inquérito policial), conhecendo e agindo muito pouco sobre a natureza substantiva dos conflitos sociais, suas dinâmicas e as vulnerabilidades que evidenciam. São polícias que, pela sua visão de mundo, portanto, se afastam simbolicamente da população e estranham a complexidade associada às dimensões da cidadania. Além disso, em virtude da sua vinculação histórica à defesa do Estado, ao alto nível de complexidade e de conflito associado à natureza da atividade no Brasil, e à baixa
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capacidade de interlocução cultural e institucional, se insularam progressivamente dos outros atores do SJC o que, associado a primeira dimensão, oferece problemas substantivos de legitimidade para a ação policial. Ato contínuo, a atividade policial brasileira padece de um estrangulamento cognitivo, marcado pela prevalência das disciplinas do Direito em sua formação e pelo militarismo em sua ideologia e operacionalidade. Como componentes culturais, e diante da nossa trajetória histórica onde estes dois conjuntos de disciplinas se cruzam em uma concepção positivista e bacharelesca da realidade, a soma entre estas duas dimensões desvaloriza simbolicamente a atividade operacional e o policial de ponta, superficializando o seu conhecimento e experiência, que são mais das vezes considerados simbolicamente inúteis para o conjunto do conhecimento organizacional. A soma de todos estes elementos, portanto, tende a ritualizar o reconhecimento social e institucional da discricionariedade do policial de ponta, desvalorizando e desautorizando sua capacidade de agir e o seu julgamento, prendendo-o a uma dimensão de sub-profissionalização, onde ele é reconhecido apenas pela autoridade pública que o seu cargo incorpora (com déficit de legitimidade, como já colocado), mas não pelo seu conhecimento, experiência ou pela competência para ação. Não há panacéia para resolver
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estes problemas, dado que sua raiz é de natureza cultural e, portanto, supõe investimento contínuo no amadurecimento da concepção da nossa sociedade sobre este campo da ação pública. Alguns elementos, entretanto, se colocam como pressupostos para a efetividade das transformações que precisamos constituir: 1. Em primeiro lugar não há qualquer justificativa, de qualquer natureza, para o chamado ciclo partido de ação policial. A divisão das ações de polícia no nosso país em duas organizações estanques e concorrentes é irracional e improdutiva. O ciclo completo de ação policial é, portanto, uma mudança difícil e custosa, mas indispensável no horizonte da resolução dos problemas institucionais do SJC brasileiro. 2. Em segundo lugar, como em qualquer campo de ação profissionalizado, todos os policiais deveriam começar sua carreira pela base, na ponta da linha, no desempenho de patrulhamento “na rua”. A entrada única é a melhor forma de valorizar e empoderar cognitiva e simbolicamente a atividade fim, transformando-a no núcleo principal da atividade de polícia. O seguimento entre carreiras em uma mesma organização (aqui se supõe polícias de ciclo completo), da rua para a investigação, e desta para a gestão, pode ser uma opção do indivíduo diante de suas preferências, atendidas as prerrogativas cognitivas necessárias, mas jamais deve significar diferença substantiva de status, mas apenas de responsabilidade. É ab-
solutamente fundamental que o policial vivencie na atividade fim, seja no patrulhamento, seja na investigação, todo o escopo do desenvolvimento profissional disponível na organização (tanto no que se refere ao seu desenvolvimento na carreira, bem como no seu reconhecimento como profissional). Não há nada mais perverso para atividade profissional da polícia que a aristocratização dos postos hierárquicos associados à gestão, típica das nossas corporações hoje em dia. 3. Por fim, a única forma de valorizar a discricionariedade do policial de linha e é a desmilitarização, entendida aqui como a abolição de uma concepção militarizada de desenho e cultura organizacional e institucional, incluindo-se neste aspecto, obviamente, as instituições de controle e correição. Isso não se confunde com a estética militar associada a instrumentos de coordenação e controle operacional, que em organizações policiais, é utilizada de forma universal e é entendida como um meio eficaz de coordenar as complexidades associadas ao seu funcionamento. A desmilitarização é a condição cultural para o reconhecimento da discricionariedade do policial de ponta e para o resgate da legitimidade da autoridade profissional da polícia. Estas três dimensões projetam impactos substantivos nos problemas institucionais, mas também nos problemas culturais que hoje vivenciamos na atividade policial, e de forma mais ampla, no SJC brasileiro.
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Carolina Ricardo Advogada e Cientista Social. Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo. Assessora Sênior do Instituto Sou da Paz
O QuE QuEREmOS PaRa a REFORma DO mODElO POlicial bRaSilEiRO? O que queremos para a reforma do modelo policial brasileiro? Essa é uma pergunta complexa e ainda é preciso avançar muito no debate, investigação e pesquisa para propor um modelo concreto, alternativo ao modelo policial atual no Brasil. De toda forma, é um tema urgente. Além de tudo que pode, e que muitas vezes, já vem sendo feito em termos de melhorias incrementais nas polícias brasileiras, é importante avançar na discussão sobre mudanças estruturais. Quais são as tranformaçòes estruturais pelas quais as polícias brasileiras precisam passar para aumentarem sua eficiência e legitimidade? Para contribuir com essa discussão, buscaremos o referencial elaborado por um conjunto de especialistas de diversas partes do Brasil, que em 2014, impulsionados pelo Instituto Sou da Paz, se reuniram para construir uma Agenda Prioritária de Propostas para a Segurança Pública1 , com o objetivo de pautar o debate eleitoral e oferecer propostas concretas sobre o tema para a gestão federal. Um dos capítulos apresentado na Agenda trata justamente da reforma do modelo policial brasileiro e será aqui reproduzido. O marco legal atual estabelece, além da existência das polícias federal, rodoviária e ferroviária federal, a existência de polícias civis e militares em cada uma das unidades da federação. No que tange às polícias dos estados, a polícia militar, força reserva do exército, tem a incumbência de realizar o policiamento ostensivo e preventivo nas ruas por meio do patrulhamento e a polícia civil de investigar os crimes, a partir dos boletins de ocorrência (BOs) que registra nas delegacias. O que, na prática, significa que cada polícia faz metade do trabalho policial sem que haja integração entre ambas. Além disso, a Constituição Federal estabelece a possibilidade de que municípios criem guardas municipais com competência para cuidar do patrimônio e próprios municipais. A sociedade também confia muito pouco nas instituições policiais atuais, o Índice de Confiança na Justiça da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo2 apontou no primeiro trimestre de 2013 que 70% das pessoas não confiam no trabalho policial e em 2014, pesquisa da Anistia Internacional3 identificou que 80% dos brasileiros temem ser torturados caso sejam presos. Sem a confiança da população, a capacidade de atuação das polícias fica muito reduzida. Tal diagnóstico aponta para a necessidade de rever o atual modelo policial. A Agenda Prioritária aponta quatro eixos complementares que devem compor uma proposta de reforma para as polícias brasileiras. O fortalecimento do controle externo sobre as polícias é um deles e conta com as seguintes propostas: a constitucionalização da obrigatoriedade de que a União e cada estado criem ouvidorias de polícia autônomas com capacidade investigativa e participação da sociedade civil e a regulamentação do artigo 129 da Constituição Federal, detalhando as atividades que compõem o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público com destaque para uso da força, tortura, violência policial e corrupção. Outro eixo proposto é alteração de aspectos da natureza militar das polícias militares. Essa é uma das discussões mais polêmicas e complexas, uma vez que o debate sobre desmilitarização está posto na sociedade brasileira desde junho de 2013, mas pouco se avançou na definição do que concretamente seria essa desmilitarização. As propostas apresentadas na Agenda buscam concretizar que aspectos do militarismo deveriam ser inicialmente alterados, sem que isso signifique acabar com as polícias militares. São eles a extinção da justiça militar especializada para as polícias militares; a retirada da subordinação das polícias militar em relação ao Exército, extinguindo a Inspetoria Geral das Polícias Militares (ICPM) e retirando a obrigatoriedade de que sejam forças auxiliares e reserva do exército (prevista no parágrafo 6º do artigo 144 da CF); a revisão e modernização dos regimentos, 1 A Agenda pode ser acessada na íntegra em: http://www.soudapaz.org/upload/pdf/resumo_agenda_priorit_ria_2014.pdf 2 Cunha, Luciana Gross. Relatório “Índice de Confiança na Justiça Brasil – 2º semestre/2013”. Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas. São Paulo, 2013. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/11575/Relat%C3%B3rio%20ICJBrasil%20-%202%C2%BA%20Semestre%20-%202013.pdf?sequence=1, acessado em junho, 2014. 3 Anistia Internacional. “Stop Torture Global Survey – Attitudes to Torture”. Reino Unido, 2014. Disponível em: http://www.amnesty.org/en/library/asset/ ACT40/005/2014/en/571ddea2-66dd-4f77-81e3-053339d3a096/act400052014en.pdf, acessado em junho, 2014.
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códigos disciplinares e normas que regulamentem as polícias (civis, militares, federal), adequando-os efetivamente à ordem democrática e à Constituição Federal de 1988 ;e a regulamentação do direito à sindicalização e de greve dos policiais militares. A reforma das carreiras das diferentes polícias garantindo a entrada única e a possibilidade de progressão até o nível mais alto da hierarquia é outro eixo apresentado na Agenda. E em relação à ele não há propostas concretas, posto que a definição de caminhos para a constituição da entrada única nas diferentes polícias é uma engenharia extremamente complexa, sendo necessário compatibilizar a necessidade de diferentes especializações, mérito e outros componentes de uma estrutura de carreira complexa como é a das polícias. De toda forma, a Agenda deixa claro que diante dos diversos formatos de carreiras policiais, é importante propor uma reforma das carreiras que estabeleça que independentemente da entrada, esta possibilite que um profissional que ingresse no nível mais baixo da hierarquia tenha condições de ascender até o nível mais alto. No modelo atual, um profissional altamente qualificado e com experiência acumulada pode se sentir desmotivado pela limitação, além de ser comum haver abandono de cargos porque profissionais têm de prestar outro concurso para conseguir uma progressão na carreira. Por outro lado, a perspectiva de ascensão na carreira baseada em critérios mais objetivos, que articulem meritocracia com tempo de serviço, a possibilidade de ascender até o nível máximo da corporação e a confiança na pos-
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sibilidade de assumir postos de maior responsabilidade são importantes fatores de motivação nas corporações policiais. Por fim, o último eixo tratado na agenda é a implementação de polícias integradas de ciclo completo e, assim como o eixo sobre reforma das carreiras, também não há propostas concretas sobre como essa implementação poderia se dar na realidade brasileira. A separação atual do ciclo da atividade de polícia (a polícia militar faz o patrulhamento das ruas e a polícia civil investiga os crimes que chegam ao seu conhecimento quando um boletim de ocorrência é registrado) entre duas instituições distintas dificulta enormemente o trabalho integrado, além de estimular concorrência e baixa cooperação entre as instituições, acarretando um impacto negativo para a segurança pública. A implantação do ciclo completo é recorrentemente confundido com unificação das polícias. Mas são coisas bastantes distintas. O ciclo completo estabelece que uma mesma instituição policial é responsável pelo policiamento ostensivo-preventivo e o investigativo (como são, por exemplo, as polícias americanas) e para a sua implantação há diferentes caminhos, dos quais a unificação pode ser um deles. Embora não saibamos afirmar se o mais viável ou adequado. Por exemplo, a PEC 51/13 estabelece que os estados terão autonomia para definir como serão suas polícias, se estaduais, metropolitanas, municipais (o estado autoriza e os municípios as criam e gerem) e oferece a alternativa de as polícias serem definidas em função de critérios de territorialidade ou de infrações penais. O que sinaliza outro caminho para a implantação do ciclo completo permitindo maior flexibilidade e espaço para experimentações, além da unificação. Já a PEC 102/11 estabelece que os estados poderão implantar polícias únicas, via unificação, equiparando a nova polícia ao modelo da polícia civil. Como é possível perceber há conversas iniciais sobre o tema, no entanto, é fundamental sinalizar que o modelo atual que fragmenta o ciclo da segurança pública está esgotado e precisa ser reformado e impulsionar reformas na direção da implantação de polícias de ciclo completo no Brasil.
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Rildo Marques de Oliveira Coordenador Geral do Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH Presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo – CONDEPE Especialista em Política Pública de Segurança Pública pela PUC-SP Conselheiro do Conselho Nacional de Direitos Humanos - CNDH
ciclO cOmPlETO DE POlicia NO bRaSil: É alTERNaTiVa? O texto visa contribuir sobre o debate acerca da segurança pública no Brasil, e sobre a ótica dos Movimentos Sociais, ou pela menos parte deles, e dar algumas pistas do que consideramos importante, para uma análise breve sobre o tema do Ciclo Completo de polícia como sendo parte de uma solução para a segurança pública atualmente e no futuro, e assim fazemos algumas provocações. Inicialmente, trazemos antes de tudo várias preocupações com relação a segurança pública e sua organização estatal que ao nosso ver é desorganizada e desalinhada com a conjuntura dos princípios constitucionais. Vale lembrar que a Constituição Brasileira de 1988 não é fruto de meia dúzia de juristas iluminados que criaram um conjunto de normas para serem aplicadas, mas a constituição brasileira atual é fruto do amplo debate que ocorreu na sociedade de 1986 até 1988 e trouxe em seu conteúdo as expressões políticas filosóficas e principiológicas que impactaram numa interpretação jurídica baseada no tempo e espaço, calcada no conhecimento e pensamentos predominantes com relação a concepções do estado democrático, do senso de justiça, dos pilares da liberdade e igualdade social em direitos e a prevalência do pluralismo político cultural regados pelos respeito à dignidade da pessoa humana. A Constituição não é uma invenção, mas resultado do debate e disputas de todos os interesses privados e públicos,
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redundou talvez em um manto, cheio de retalhos é verdade, mas que dá diretriz à vida social e política no Brasil, como resposta de anos de repressão política e a um modelo arcaico imperial em que o estado praticava terror em nome de interesses minoritários internacionais coligados com sócios nacionais. Neste sentido a Constituição, por ser um manto retalhado, pela cultura política brasileira de não criar grandes rupturas em suas mudanças históricas políticas, e ocorreram pactos na constituinte para fechar a carta magna. Neste acordo, fez remanescer um sistema de segurança pública de tempos anteriores, e o artigo 144 foi ponto de honra dos setores conservadores que não abriram mão de uma visão repressiva para a segurança e mantiveram o tema da segurança no controle absoluto das instituições policiais. Nossa crítica é que não houve uma nova pactuação e um outro olhar para segurança como por exemplo a prevenção à violência e a gestão compartilhada como meio de conceber a Segurança Pública como uma política pública e um bem comum. A gestão ficou ao cargo das instituições policiais, o artigo mencionado, não deu nortes principiológicos que se coadunasse com os demais princípios da democracia e da participação social por exemplo. Para as organizações dos Movimentos sociais este é ponto crucial do paradoxo constitucional, pois se de um lado a Consti-
tuição traz inovações de garantia de direitos como o direito de greve, a erradicação da pobreza e das desigualdades sociais e a repulsa ao racismo como diretriz política social, no outro lado com o artigo 144 preservou o conceito de ordem pública inerente aos estados liberais que ditam regras morais e culturais sobre a“tal ordem pública”segundo seus interesses, em detrimento do princípio e conceito da ordem social como fruto de regras previamente pactuadas socialmente. Aliás um dos fundamentos do estado moderno e da democracia atual é que as regras sejam pactuadas socialmente, em contrariedade ao outro modelo de estado em que apenas um único poder dita as regras para o bem comum. E mais, outro paradoxo é que o poder econômico ficou sem total controle social e constitucional eficaz, sendo que para frear os interesses e os abusos do capital que comprometem a democracia e o bem comum, sobrecarregam de ações e esforços os setores sociais vulneráveis e excluídos de bens e recursos, que para garantir os mínimos direitos fundamentais e humanos expressos no manto retalhado, se expõe em lutas e conflitos cujos resultados são de toda sorte os mais variáveis possíveis. Na prática os direitos sociais são deixados sob a batuta da insegurança. Porém, apesar dos paradoxos constitucionais que permitem uma disputa política e social em torno dos recursos comuns da sociedade brasileira, o que nos é comum é o alicerce do Estado democrático
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e de direito, sendo gravado na Lei maior que a nenhum interesse econômico e ou político é dado o poder do desrespeito, e neste pilar que se travam as disputas ideológicas e políticas na conquista de um estado que cumpra sua missão precípua o de dar guarida a todos os cidadãos e para os cidadãos realizar sua missão de cuidado. É neste contexto que usamos a expressão critica da segurança pública no Brasil como desorganizada e desalinhada com os princípios constitucionais. Ressaltamos que o sistema constitucional se ergue sobre o estado democrático e de direito, mas as concepções e atribuições da segurança pública calçada apenas nas instituições policiais e no ideal de ordem pública, revela um desnivelamento conceitual com a conjuntura dos pensamentos e princípios norteadores para a garantia dos direitos humanos e direitos fundamentais. Elucidando ainda mais sobre este ponto, comparativamente, os capítulos da Constituição que tratam da educação, cultura, saúde, família, meio ambiente, solo urbano e rural que são dotadas de bases para políticas universalizadas, a segurança pública como um direito não se estrutura como um bem comum universal para acesso a todos, mas se isola numa ação estatal de repressão social, e dá as instituições policiais o papel isoladamente para a manutenção da ordem pública. Apesar da lei magna submeter as instituições policiais ao sistema jurídico inclusive no papel de polícia judiciária e
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ostensiva, fatos são que, as instituições policiais estão isoladas de todo o sistema constitucional, e aparecem quase como poder único sem qualquer controle externo ou social, deixando de fazer parte de um sistema integral. Na verdade, trata-se de um microssistema que se resolve em si mesmo, e é isto que verificamos na prática do dia a dia, a polícia dissociada das demais politicas púbicas, e sempre resistente com ideologia própria frente quando chamada para debater com o conjunto de ideias e participar de debates mais amplos. Por estas razões que assistimos as críticas cotidianamente quando há debates, quase sempre emotivos sobre a segurança pública, expressões de que o “problema da segurança é da polícia, e ora o problema da segurança é do estado”. Os governantes dizem que o problema é da polícia, e os policiais dizem que o problema é do estado, mesmo quando ambos na gestão das coisas públicas erram, e erram e erram injustificadamente, por que a justificativa se encontra exatamente nesta estrutura política dada pelo artigo 144 da CF, ou estrutura com ausência de uma política universalizada. Este isolamento no sistema constitucional, não se trata de um mero descuido dos deputados constituinte, mas do pacto político contraído entre as forças que disputavam e disputam até hoje a constituição e suas diretrizes. Mas o resultado é que o sistema de segurança pública brasileira como está, não é visto como parte do sistema de
democracia, e a ausência de universalização da segurança como um bem público é a causa de toda desordem e desalinhamento proposital para a sociedade. Um exemplo muito claro é quando temos uma epidemia de dengue, de outras doenças contagiosas, o sistema de saúde mesmo precário dá conta de responder com soluções compartilhadas entre os poderes Municipais estaduais e federal. Se promovem ações conjuminadas que visam atacar os focos das doenças, inclusive efetivando-se medidas preventivas. As vezes há sucesso de erradicar as doenças, as vezes se reduzem, mas sempre há uma resposta inclusive com apoio da população. Já as análises sobre os problemas de segurança pública na sociedade, há muita dificuldade de conceber que a violência seja uma endemia, e as instituições policiais fechadas em si com um grande peso social sobre os ombros, não se responsabilizam pelas respostas preventivas e analíticas e nem podem, e os governos se escusam de toda maneira em enfrentar a questão da violência como um problema político, isolando os acontecimentos de críticas e reflexões cientificas, fazendo promessas para incremento dos aparelhos policiais repressivos. Outro exemplo disto é a questão da prática da tortura endêmica nas instituições policiais e no sistema de segurança prisional, cujas resposta de erradicação não existem pelos órgãos policiais, seja porque a cultura centenária assim estimula
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sua prática, seja porque os praticantes têm absoluta certeza de sua impunidade exatamente pelo poder concedido no artigo 144 da CF, mesmo sendo a tortura um crime de lesa humanidade. Poderíamos dar outros exemplos de violências endêmicas como racismo, exploração sexual infantil, agressões as mulheres, aos gays à população de rua, e letalidade das policias, e verificaríamos que o enfrentamento a isto, com as promoções de garantias dos direitos, é inócuo. Falar sobre garantia de direitos no Brasil, não há respostas as garantias dos direitos. Se falarmos então da corrupção que afeta a todo setor público, e também se apresenta como uma endemia cultural no Brasil, quando nos referimos a corrupção policial é muito mais preocupante, pois são as próprias instituições policiais que investigam a corrupção de suas próprias instituições. Neste sentido é que a segurança pública no Brasil não repousa num sistema constitucional para ser eficiente, mas sim num sistema próprio que lhe garante a ineficiência. Por outro lado, os casos de Carajás, Carandiru, Vigário Geral, Pinheirinho entre tantos outros similares, as forças policiais ainda mantém o estigma de ser eficaz como um aparelho político repressivo. Mas sua eficácia social de preservar vidas, elucidar assassinatos, e outros crimes que comprometem a boa convivência social, é altamente questionada, sendo alvo de críticas diárias, e nem mesmo assim se
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faz esforços para que se compreenda este universo e se trabalhe para que o tema da segurança pública deixe de ser exclusivo das instituições policiais e sejam elas instituições públicas de controle social frente a importância que possuem, integrando ao sistema democrático. Estas razões iniciais, que trazemos para o debate do Ciclo Completo nas policias, que pode ser uma alternativa técnica e organizacional que permita haver melhores níveis de elucidação de crimes e punição a criminosos que se aproveitam das falhas do sistema de segurança. Mas as questões por nós trazidas acima, não serão enfrentadas pelo ciclo completo, e mesmo que ele venha a ser introduzido no sistema, as garantias de direitos não terão garantias, não haverá a consciência de que a segurança púbica seja uma política universalizada e logo sua ineficiência continuará. Talvez o Ciclo completo seja uma alternativa que permita elucidações de crimes contra o patrimônio, contra a vida e contra a pessoa, mas não vai garantir que as violações de direitos sejam investigadas a contento, inclusive porque a maioria das violações são praticadas por agentes policiais, como a tortura, execuções sumárias, desaparecimentos forçados, prisões arbitrárias etc. Afirmamos nosso compromisso integral coma garantia dos direitos humanos, e desejamos que as instituições policiais sejam atores radicais na defesa integral destes direitos, porque assim realizamos a democracia constitucional.
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Porém, sob a ótica dos movimentos sociais que vivem em franco conflito com os interesses do capital, nos é mais interessante as separações das policiais do que sua unificação, pois se a polícia militar aparentemente é controlada pela polícia judiciária, a civil, e esta de certa forma pode ser controlada pela Policia Militar, e se ambas forem controladas pela Municipal seria melhor ainda. Ou seja, as policiais separadas poderiam haver um ganho para a população e para os movimentos sociais pois enseja processos mais democrático. Se as policiais forem unificadas, o perigo ao estado democrático e de direito e social é intenso, pois se transformará num bloco unificado e coorporativo. Suas instruções e capacitações serão as mesmas, assim como as mesmas ordens sob a batuta do mesmo mandatário. Portanto, a padronização seria um mal maior. As separações das policiais nos parece mais democrático pois deixa de concentrar forças num único bloco de um único comando. Neste sentido, se preservar as policiais separadas eles devem concorrer entre si, e neste caso a o Ciclo completo se faz necessário. No entanto, deve ser garantido que haja processo de controle social e que este controle seja exercido compartilhadamente com a sociedade civil, instituições de pesquisas e etc que os comandos das policiais em seus âmbitos deem importância para a participação social e suas aspirações, pois assim pode ser que se inicie uma política universalizada de segurança pública.
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O ciclO cOmPlETO DE POlícia E Sua imPORTÂNcia PaRa a POlícia RODOViÁRia FEDERal Márcia Rabelo1 Tiago Arruda2
O modelo adotado para a segurança pública no Brasil está enfrentando sérios problemas, e é preciso pensar em soluções para melhoria nas políticas de segurança pública, uma delas é buscar identificar os pontos negativos das estruturas policiais das quais fazem parte, daí a necessidade de analisar os efeitos do sistema bipartido das instituições policiais brasileiras. No Brasil, quando da descrição do modelo de gestão policial pela Constituição Federal no ano de 1988, em seu artigo 144, a realidade vivenciada pela sociedade se encontrava diferente, o crescimento populacional e a criminalidade existente nos dias atuais, demonstra que esse modelo não mais atende a sociedade. Pensar com imparcialidade e questionar esses modelos instituídos para a segurança pública no Brasil é responsabilidade de todos, e a atual forma existente de sistema bipartido desempenhado pelas policias ostensivas e judiciárias no Brasil, representadas respectivamente3, pelas Polícias Militares nos Estados e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), e de outro lado, as Polícias Civis do Estados e a Polícia Federal, que atuam de forma fragmentada, deve ser analisada sem interesses corporativistas, e sim sobre o prisma dos reflexos desse modelo e de sua efetividade junto à sociedade brasileira. No Brasil, constata-se a dificuldade dos Estados de conterem os altos índices de criminalidade e violência, fazendo com que os órgãos dos poderes Executivo Federal e Estadual busquem medidas para diminuir esses índices no país; Alguns defensores do ciclo completo das polícias argumentam que a existência de duas polícias, uma pelo policiamento ostensivo e manutenção da ordem pública e outra responsável pela investigação criminal seria um motivo para ineficiência do serviço e manutenção da insegurança, limitando o trabalho dos policiais, e não condiz com a realidade da grande maioria dos países da Europa e da América Latina, que utilizam o ciclo completo de polícia.
SiSTEma biPaRTiDO E ciclO cOmPlETO DE POlícia
O surgimento das instituições policiais como uma forma de polícia pública e especializada que deixou de atender o poder político e de determinadas elites, para atender e zelar pela ordem pública e bem-estar geral da população, surgiu principalmente com dois modelos distintos, um francês por volta do século XVII, com status militar, e posteriormente o anglo-saxão ou civil surgido na Inglaterra por volta de 1829, pelo Primeiro Ministro Inglês Sir Robert Peel, que criou a Real Polícia Metropolitana de Londres, tida por vários autores como a primeira organização policial moderna, estabelecendo nove princípios para regê-la, todos em sintonia com a filosofia de Polícia Comunitária. O modelo de polícia anglo-saxão inglês é o primeiro exemplo de polícia profissional com as atuais características que surge em Londres em 1829, idealizado por Sir Robert Peel; então Ministro do Interior, ele rompe com a tradição de polícia francesa, muito influente na época. Os ingleses rechaçavam o modelo francês que, na prática, defendia interesses políticos e tolhia liberdades individuais dos cidadãos (ROLIM, 2009, p. 25). 1 MÁRCIA RABELO é Policial Rodoviário Federal, Chefe do Núcleo de Apoio Técnico da Superintendência Regional da PRF em Goiás, Bacharela em Direito e Especialista em Negociação, Mediação, Conciliação e Arbitragem pelo Centro Universitário Goiás – UNI-ANHANGUERA e Mestranda em Segurança Pública pelo Instituto Universitário da Polícia Federal em Argentina – IUPFA. 2 TIAGO ARRUDA é Policial Rodoviário Federal, Diretor Jurídico Suplente da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais, Diretor Jurídico do Sindicato dos Policiais Rodoviários Federais no Estado de Pernambuco, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco. 3
Está exemplificado, visto a existências de outras polícias ostensivas no Brasil.
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As polícias que ressurgem apresentam modelos e características estruturais diversas, citam-se como exemplos a Maréchaussée francesa, estruturada de forma semelhante ao Exército, e o sherif inglês, um representante da coroa nos distritos (uma espécie de prefeito) com atribuições policiais. Esses incipientes modelos influenciam na formação da polícia moderna e hodierna. (MARTINS, 2009, p. 20) De outro lado, a polícia francesa contrasta em relação à inglesa por ser caracterizada pelo controle maior pelo Estado, voltada para a defesa do próprio Estado, era uma força auxiliar do Exército, a polícia inglesa, por sua vez, possui um vínculo maior com a comunidade, em defesa dos cidadãos. Não obstante, a Marechaussé Francesa foi criada como retaguarda do Exército; o modelo Francês, latino ou militar é o copiado pelos países latinos, como Portugal, nação a qual instituiu no Brasil o referido modelo de polícia, tendo em vista sermos na época sua colônia (GIULIAN, 2002, p. 21). Inclusive foram os membros da Revolução Francesa os pioneiros na divisão dicotômica entre Polícia Militar (polícia preventiva e ostensiva) e Polícia Civil (polícia de investigação e judiciária), modelo que dominou a Europa nos séculos XVII e XVIII e que hodiernamente é adotado pelo Brasil (GIULIAN, 2002, p. 27). O modelo inglês foi migrado para suas colônias como EUA, Austrália, Irlanda, Nova Zelândia e demais comunidades britânicas, já o Brasil, colônia de Portugal trouxe o modelo francês. Cabe ressaltar que nem a França e nem Portugal trabalham mais com essa dicotomia. Esse sistema bipartido que envolve a Segurança Pública no Brasil inicia-se com a prevenção, ou seja, os esforços das polícias ostensivas Estaduais e Federais responsáveis pela prevenção do crime, na prisão de criminosos e na entrega do preso à polícia judiciária (Polícia Civil ou Polícia Federal), que dará prosseguimento ao ciclo com trabalhos cartoriais e investigação de autoria e materialidade de delitos, atuando como auxiliar do Poder Judiciário na produção de provas e esclarecimentos de crimes. “Esta estrutura de policiamento em cujo centro há uma “bi-partição” produziu a realidade peculiar da existência de duas polícias nos estados que devem fazer, cada uma, a metade do “ciclo de policiamento”. Dito de outra forma, cada polícia estadual é, conceituadamente, uma polícia pela metade porque ou investiga ou realiza tarefas de policiamento ostensivo” (Rolim, 2007, p.12). Muito embora a previsão constitucional disponha sobre as competências bipartida das polícias, a Polícia judiciária também realiza missões com caráter de ostensividade representada através de agentes fardados, viaturas caracterizadas, o que denota uma atividade tipicamente preventiva, e que contribuem para a manutenção da ordem pública, divergindo de seus atos investigatórios próprios. “As maiorias das delegacias de Polícia Civil do Brasil utilizam de viaturas do tipo camburão com giroflex e os integrantes (detetives) usam trajes ostensivos com inscrições, além de fazerem blitz e outras atividades típicas de polícia ostensiva” (Giulian, 2002: 71). Em relação a repressão também é exercida pela Polícias ostensivas, que muitas vezes utilizando agentes sem fardamento com trajes civis e utilizando viaturas descaracterizadas, ou seja, sem identificação ostensiva, com o propósito de atuar na investigação, seja interna através do controle das condutas de seus policiais (Corregedoria), ou externa, a exemplo do mapeamento de exploração sexual de crianças e adolescentes nas margens da rodovias, realizadas pelos policiais da Inteligência da PRF, ou seja, atuam em investigação de forma limitada, em relação a fatos que atingem a segurança pública, no intuito de promover a prevenção. Logo, na prática cada uma delas já executa alguns procedimentos ora ostensivo ora investigativo, dependendo da necessidade. O ideal é a legalizar esse procedimento para ambas as policias. O Ciclo de polícia abrange todos os aspectos de atuação policial, desde a fase onde se desenvolvem os atos de polícia ostensiva e de caráter eminentemente preventivo, em que se objetiva inibir o cometimento de delitos, passando pela repressão criminal imediata, com ações de controle e restabelecimento da ordem, chegando-se finalmente à etapa repressiva propriamente dita, em que a ação policial se concentra no trabalho investigativo e apuratório dos ilícitos penais. (SILVA, et al (2012 – p.531/532) No que pertine às polícias ostensivas, é próprio da sua atuação o enfrentamento às situações de flagrante delito, que não são preventivas, pois o delito está ocorrendo, tampouco são repressivas, pelo mesmo motivo, são enfim ações de enfrentamento nas quais a polícia ostensiva reúne todos os elementos fáticos, circunstanciais referentes à autoria e materialidade e que, devido ao sistema de polícias de meio-ciclo adotado no país, são impedidas de levar diretamente ao conhecimento do Ministério Público ou do Poder Judiciário, o que cria um gargalo no sistema da segurança pública, pois a polícia repressiva concentra o recebimento, preparação das informações trazidas por todas as polícias ostensivas, algo que não tem se mostrado eficiente, frente às taxas de resolução obtidas em relação aos inquéritos.
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Esse gargalo torna-se crônico quando se considera a perspectiva das demandas reversas, ou seja, aquelas que têm origem no âmbito do Poder Judiciário e do Ministério Público, que pelo modelo atual são todas direcionadas somente à Polícia Judiciária, tornando o sistema ainda mais lento e ineficaz, o que seria no mínimo mitigado com o modelo de Ciclo Completo, pois nesse caso cada polícia responderia pelas diligências dos crimes que flagrasse, diminuindo assim o acúmulo e aumentando a celeridade e a eficiência. O ciclo completo de polícia baseia-se na ideia de que as funções de prevenção, enfrentamento e investigação dos crimes possam ser realizadas pela mesma instituição. Este modelo é trazido de diversas experiências de outros países como Canadá, França, Estados Unidos, Portugal, Argentina, etc., onde na mesma instituição, dividem-se funções de prevenção, enfrentamento e repressão. Segundo Gama Neto, no Brasil, adota-se uma organização das forças de segurança pública de dois organismos policiais com estruturas organizacionais e culturas completamente diferentes, atuando no mesmo espaço geográfico, cada uma em uma função específica: Polícia Civil (Judiciária) e Militar (policiamento ostensivo), (...) é, um retumbante fracasso. “Os esforços policiais, mesmo quando desenvolvidos em sua intensidade máxima, costumam redundar em “lugar nenhum”, e o cotidiano de uma intervenção que se faz presente apenas e tão somente quando o crime já ocorreu parece oferecer aos policiais uma sensação sempre renovada de imobilidade e impotência. “Corre-se”, assim, para se permanecer onde está, diante das mesmas perplexidades e temores. Para a visão que possuem a respeito de si mesmos e de seu trabalho, o ciclo permanente de chamadas a serem atendidas e a baixa produtividade das providências adotadas no que se refere à identificação e responsabilização dos infratores faz com que uma determinada sensação de inutilidade passe a definir o “espírito objetivo” do policiamento contemporâneo” (ROLIM 2009, p.37) Busca-se ações na melhoria na segurança pública, seja através das capacitações e/ou profissionalizações e humanização de seu RESUMO Este artigo1 tem como finalidade demonstrar a importância e viabilidade do ciclo completo de polícia em um país como Brasil, em particular para a Polícia Rodoviária Federal, pois promove as condições necessárias e suficientes para melhoria na Segurança Pública. O atual sistema bipartido de polícia há muito já não atende as necessidades da sociedade brasileira. Desta forma, não combate a impunidade e nem a corrupção do País. Especialistas e estudiosos em segurança pública, assim como o Poder Legislativo discutem este tema frente aos Projetos de Emendas Constitucionais que buscam alterar o artigo 144 da Constituição Federal Brasileira de 1988, que regulamenta a atuação dos órgãos de segurança pública. A segurança pública tem avançado na implementação de cursos de capacitação e humanização dos agentes de Segurança Pública, e também na aquisição de novos equipamentos e de melhores tecnologias, mas nada se fez para melhorar a estrutura arcaica que monopoliza o poder, obstaculizando a celeridade e eficiência das instituições policiais brasileiras, pois ao existir duplicidade de ações dos policias nos campos ostensivo e judiciário, não conseguem atender às necessidades da sociedade que sofre com o aumento dos índices de criminalidade, Destaca-se ainda que esta situação desmotiva os policiais, assim como também origina uma competição indesejável entre as instituições policiais, que em dentro de um ciclo completo atuariam colaborativamente. Palavras-chaves: Polícia de ciclo completo. Mudança no modelo de segurança pública existente na Constituição Federal Brasileira. Emendas Constitucionais. Melhoria na segurança pública. Polícia Rodoviária Federal. RESUMEN Este artículo tiene como objetivo demostrar la importância y viabilidad del ciclo completo de la policía en un país como Brasil, en particular, a la Policía Rodoviaria Federal, ya que promueve las condiciones necesarias y suficientes que permite la mejorar la seguridad pública. El actual sistema bipartito de policía, hace muchos años que no atiende las necesidades de la sociedad brasileña. De esta forma, no combate la impunidad ni la corrupción en el País. Especialistas e estudiosos de la seguridad pública, así como el Poder Legislativo, discuten este tema frente a los Proyectos de Enmienda Constitucional que intentan modificar el artículo144 de la Constitución Federal Brasileña de 1988, que reglamenta la actuación de los órganos de la seguridad pública nacional. La seguridad pública ha progresado al implementar cursos de capacitación y humanización de los agentes de seguridad y, también al abastecerse de nuevos equipamientos. Asimismo adquirió aparatos tecnológicos modernos, sin embargo, no se ha hecho nada por mejorar la estructura arcaica que monopoliza el poder, obstaculizando la celeridad y la eficiencia de las instituciones policiales brasileñas, pues, al existir duplicidad de acción policial en el campo ostensible y en el judicial, no logra cubrir las necesidades de la sociedad que sufre, debido al aumento del índices de criminalidad. Por otra parte, debemos destacar que esta situación desmotiva a los policiales, así como también da origen una competencia indeseable entre las instituciones policiales que, dentro de un ciclo completo, actuarían colaborando mutuamente. Palabras claves - Policía ciclo completo. Cambio en el modelo de seguridad pública existente en la Constitución Federal de Brasil. Enmiendas Constitucionales. Mejoría de la seguridad pública. Policía Rodoviaria Federal. 1 Artigo preparado para apresentação no Seminário Internacional sobre Ciclo Completo de Polícia no auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados em 26 de maio de 2015.
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efetivo, seja na aquisição de equipamentos e de melhores tecnologias, mas nada se fez para melhorar a situação da estrutura arcaica que monopoliza o poder retirando celeridade e eficiência das instituições policiais brasileiras , pois as dicotomias de atuação das policias nos campos ostensivo e judiciário, não conseguem atender às demandas da sociedade que sofre com o aumento dos índices de criminalidade, e traz ainda, desestímulo para seus integrantes e uma competição indesejável entre as instituições policiais, que em uma sistemática de atuação em ciclo completo agiriam colaborativamente. “A dicotomia policial brasileira, herdada do Brasil Colônia e o Inquérito Policial, são frutos do atraso, e talvez tenham se mantido por tanto tempo em razão do regime de força que imperou no Brasil no final do século XX. Países que possuem regimes de força, mantém a criminalidade sobre controle, e os índices criminais são maquiados e adulterados”. (SOUZA, 2007, p. 3) Dessa forma, o atual formato da polícia no Brasil embora todos os recursos financeiros empregados pouca contribuição tem na diminuição da criminalidade e da violência, Com o crescente índice de criminalidade que assola todo o país, mormente com a onda de ataques contra as instituições incumbidas da segurança pública, surge o clamor social por uma mudança na política de segurança pública que prime pela justiça e eficiência. O que temos hoje no Brasil, é que as instituições policiais buscam mesclar esses modelos, ou seja, é uma polícia com rasgos da polícia francesa do Século XIII (bipartida) que com o desenvolvimento e evolução da sociedade, bem como, a cobrança pela valorização dos direitos fundamentais e respeito no trato com o cidadão, começa a mudar sua vertente para buscar os princípios da polícia comunitária inglesa e ter mais independência em suas ações. Nossos legisladores tentam achar soluções, aumentando ainda mais a diversidade de projetos de Leis e de Emendas Constitucionais envolvendo a Segurança Pública, sem contudo chegar a um consenso, visto as grandes pressões corporativista, que devem ser superadas para atender as necessidades da sociedade que clama por mais segurança.
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SiTuaÇÃO Da SEguRaNÇa Pública NO bRaSil
A insegurança no Brasil assusta e provoca sofrimento, e ainda atrasa o progresso do país. O aumento da violência, principalmente o homicídio ao longo do território nacional, lugares que até poucos anos atrás eram considerados tranquilos, poucos violentos, hoje assistem a um grande aumento da violência, e são vários os fatores que concorrem para esses índices alarmantes, dentre ele a impunidade, como mostra o mapa da violência4 (2014, pg.136) , traz que o segundo fator de peso são os elevados níveis de impunidade vigentes no país, que funcionam como estímulo para a resolução de conflitos via extermínio do próximo. E também existem sérias evidências sobre o tema. Em meados de 2012, foi divulgado o Relatório Nacional da Execução da Meta 2 da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (ENASP), estabelecida pelo CNMP, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o MJ. A Meta 2, intitulada A Impunidade como Alvo, estabelecia a conclusão dos inquéritos policiais por homicídio doloso instaurados até 31/12/2007, isto é, inquéritos que tinham o mínimo de quatro anos de antiguidade e ainda não concluídos. Para atingir essa meta, foram criados grupos-tarefa integrados, em cada UF, por representantes dos Ministérios Públicos, da Polícia Civil e do Poder Judiciário. Uma primeira prospecção permitiu identificar 134.944 inquéritos por homicídios dolosos instaurados até 31/12/2007 e ainda não finalizados. Após um ano, foi possível oferecer denúncia à justiça de um total de 8.287 inquéritos, o que representa 6,1% do estoque inicial. Como conclui o mesmo documento: O índice de elucidação dos crimes de homicídio é baixíssimo no Brasil. Estima-se, em pesquisas realizadas, inclusive a realizada pela Associação Brasileira de Criminalística, 2011, que varie entre 5% e 8%. Esse percentual é de 65% nos Estados Unidos, de 90% no Reino Unido e de 80% na França. A eficiência é um princípio constitucional previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal. Referido artigo trata dos princípios que devem permear toda a Administração Pública, dando à sociedade uma resposta aos anseios de um serviço público de qualidade. O processo existente dentro de uma polícia de ciclo completo dá continuidade no processo de atuação operacional, como uma das soluções de serviços mais ágeis, dinâmicos e com melhor qualidade a ser prestado pelas forças policiais à sociedade. Assim, de acordo com o apresentado sobre o ciclo de polícia, vê-se que no combate à criminalidade as polícias ostensiva e judiciária 4
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realizam atividades similares, desde a prevenção até a repressão. Tais atividades interagem no ciclo de polícia, todavia devido estes atos serem realizados por instituições distintas, ocorre uma cisão no ciclo, afastando ações que inevitavelmente devem estar unidas. O ciclo completo de polícia é benéfico para a população que terá celeridade na elucidação dos crimes e na prestação jurisdicional criminal, evitando assim, o sentimento de impunidade, e desestimulando a prática do crime. A realidade brasileira consagra a falta de integração entre os órgãos públicos em geral e conflitos sérios entre as polícias. Os obstáculos à celeridade e eficiência próprios de um sistema de duas polícias de meio-ciclo e da sua comunicação à justiça criminal, visto a duplicidade de estrutura entre as polícias não atende as demandas sociais causando grande sensação de insegurança na sociedade, pois quando há flagrante, a Polícia ostensiva colhe todas as informações, declarações dos envolvidos, e encaminha toda a documentação juntamente com os envolvidos a polícia civil, está por sua vez, na presença do escrivão e do delegado, repete novamente o procedimento de colher as informações e declarações, para posteriormente encaminhar ao poder judiciário. E quando não há flagrante, ou apenas a noticia criminis, há a necessidade de inquérito policial, para descobrir a autoria, a demora nesse caso é ainda maior, visto a grande demanda que se amontoa nas polícias judiciárias, para que posteriormente possa encaminhar para a persecução penal, marcar audiência e ouvir todos os envolvidos novamente na presença do juiz, do Ministério Público e da defensoria, isso, se ainda estiverem vivos ou se recordarem do fato ocorrido, e se já não estiverem prescritos. Esse modelo de retrabalho toma tempo de duas polícias e faz com essas instituições fiquem dependentes uma da outra, causando sérios desconfortos e dissabores entre elas, que é extremamente prejudicial, ainda mais que esse procedimento afasta o agente que está mais próximo do cenário do crime daqueles que adotarão as medidas repressivas subsequentes, para que no final tudo seja realizado novamente em frente ao juiz e demais partes envolvidas, o que demonstra a necessidade de sairmos do modelo de duas polícias de meio ciclo, para um modelo onde as polícias, ainda que tenham sua função preponderante da prevenção ou repressão, possam diante do caso concreto não interromper a elucidação dos crimes que flagarem e a entregarem diretamente ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário as informações que reunir no exercício do Poder de Polícia. Segundo Fabrício Rosa5, “O modelo policial adotado pelo Brasil é extremamente peculiar e entender sua evolução é fundamental para enxergamos a essência da proposta e seus efeitos na vida de cada brasileiro”. A visão é de que com o ciclo completo das polícias poderia trazer o incremento de inteligência e capacidade investigativa, para ser utilizado como um processo de política preventiva, ou seja, tira o caráter de que a polícia judiciária seja apenas para reprimir o delito. Precisa-se de reformas na política criminal, não há espaço para duplicidade de ação e a falta de integração entre as policias. Os atos delitivos devem ser investigados e encaminhados à Justiça Criminal com maior agilidade e efetividade das ações policiais, a morosidade e a ineficiência das polícias em combater a criminalidade trazem a sensação de impunidade junto à sociedade. Essa influência da tradição brasileira na estrutura policial acaba por dificultar as mudanças, segundo Bayley (2002, p.78), “a persistência no tempo das características estruturais na maioria dos países indica que a tradição exerce um peso inercial que se torna tanto mais restrito quanto mais antigo for o sistema” Segundo Souza (2007, p.04), “para o exercício do policiamento comunitário o ciclo completo leva aos policiais uma responsabilidade e desperta uma responsabilidade pelos resultados. Quando o policial não prevenir o crime, terá que reprimi-lo. Acaba o jogo de empurra”. A prática do ciclo completo de polícia seria o complemento ideal para a execução do policiamento comunitário, porque provê de ferramentas o policial que atua próximo à comunidade, capacitando-o a estabelecer um contato com cidadão com resultados eficientes. Esse policial saberá que suas ações iniciais terão o devido prosseguimento e orientarão o cidadão nesse aspecto, pois a mesma corporação terá a incumbência pelo registro, encaminhamentos preliminares diversos, ações investigativas complementares e apresentação do procedimento ao Poder Judiciário. (SILVA, 2011, p.538) A possibilidade de melhoria na segurança pública através do ciclo completo de polícia, especificamente para a Polícia Rodoviária Federal traz enorme benefício para a sociedade como veremos a seguir. 5
http://www.conamp.org.br/pt/biblioteca/artigos/item/555-para-alem-da-pec-37.html
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ViabiliDaDE OPERaciONal DO ciclO cOmPlETO DENTRO Da POlícia RODOViÁRia FEDERal
São vários os pontos positivos para a sociedade, se a Polícia Rodoviária Federal pudesse atuar como uma polícia de ciclo completo, tendo em vista seu avanço profissional e seu local de atuação dentro da Segurança Pública. O transporte rodoviário é a principal via de passagem de mercadorias, riquezas, pessoas, mas também de ilícitos no Brasil, a PRF especializou-se em inúmeras atividades de repressão ao crime, muitas vezes de acordo com a peculiaridade da região. Assim, nas regiões de fronteira é dada ênfase no combate ao contrabando, descaminho e tráfico de drogas (com auxílio de cães farejadores) e a utilização de scanner; a Região Norte e nordeste muito tem contribuído para a repressão aos crimes ambientais, como extração e transporte de recursos naturais proibidos por lei. Desde do ano de 2008, é exigido para o ingresso no cargo de PRF, diploma em curso de nível superior reconhecido pelo Ministério da Educação e Cultura; A PRF tem investido na especialização/capacitação6 de seu efetivo no combate a criminalidade, fazendo com que o policial rodoviário federal, mesmo que não tenha o curso de direito, esteja preparado para atuar na segurança pública, adquirindo experiência policial necessária para realizar um bom trabalho . Realiza também periodicamente levantamento de pontos vulneráveis de exploração sexual de criança e adolescentes ao longo da Rodovia Federais7; Já conta com boa experiência de policiais8 trajados civilmente que atuam na inteligência e que podem dar suporte investigativo à polícia preventiva, através de coleta de informações que possibilitam a análise de alguns aspectos criminais da segurança pública. Possui diversos aparatos tecnológicos e busca expandir capacitações em perícias no intuito de especializar em seu campo de atuação; A possibilidade de lavratura dos termos circunstanciado de ocorrência (TCO) que já é realizado em boa parte dos Estados brasileiros pela Polícia Rodoviária Federal, trouxe a importância de capacitar e motivar o policial que atua ostensivamente demonstrando ser viável o ciclo completo de polícia.
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TERmO ciRcuNSTaNciaDO DE OcORRÊNcia (TcO) PERcuRSOR DO ciclO cOmPlETO Na POlícia RODOViÁRia FEDERal O ciclo completo de polícia consiste na execução de todas as atribuições de polícia administrativa e judiciária, de forma a garantir os objetivos da segurança pública e apresenta-se como uma alternativa viável para compor um projeto voltado a economicidade, à agilidade e melhoria na segurança pública. Cabe ressaltar que no caso da Polícia Rodoviária Federal há uma agravante, sua área de atuação: as rodovias federais, que na maioria das vezes se encontra distantes do centro das cidades, onde se encontra uma delegacia de polícia civil, e muitas vezes há espera é longa, visto que o delegado de polícia às vezes atua em duas cidades, e já se encontra sobrecarregado com os casos trazidos pela polícia militar nas rodovias estaduais e nas áreas urbanas. É de difícil compreensão que, em uma cidade com a criminalidade eclodindo, onde os índices de homicídio sobem progressivamente, como acontece em muitas cidades brasileiras, seja possível atender às demandas por qualidade de vida, se uma polícia fica dependendo de uma outra polícia para finalizar o trabalho. A elaboração do Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) para os crimes de menor potencial ofensivo (aqueles em que a pena máxima não ultrapasse dois anos), pela polícia ostensiva em alguns estados (polícia militar e polícia rodoviária federal), e encaminha direto aos Juizados Especiais Criminais, considerada uma breve experiência do ciclo completo, e que trouxe várias vantagens para a sociedade, 6 Vários cursos são oferecidos para os policiais para especializarem no combate à criminalidade, como enfrentamento a trafico de pessoa e exploração infantil, entorpecentes, crimes ambientais, identificação veicular, dentre outros. 7 Ver Mapeamento dos Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas Rodovias Federais Brasileiras no site: https://drive.google. com/file/d/0B-y39f8RLuVsSmpoUkQxMXdDaTQ/view 8 NUINT – Núcleo de Inteligência - existentes nas Superintendências em todos os Estados brasileiros.
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dentre elas; a) atendimento e adoção de providências no local da infração; b) a celeridade nos atendimentos policiais e a consequente redução de tempo de envolvimento dos policiais nas ocorrências; c) manutenção do aparato policial na área de atuação; d) A minimização da necessidade de condução coercitiva para a polícia judiciária e a redução da sensação de impunidade; e) liberação dos Policiais Civis para outras atividades, como a investigação dos demais crimes. Essas vantagens também podem se estender para a realização do ciclo completo de polícia pelos organismos de segurança pública, acrescentando também a valoração do policial e uma forma de evitar a corrupção, que infelizmente ocorre no Brasil e que afeta principalmente a credibilidade da instituição da polícia judiciária, trazendo serias dificuldades laborais para outros delegados que trabalham honestamente e que buscam conduzir seus trabalhos com respeito e dignidade. Em relação a Polícia Federal, que atua nos crimes federais, a Polícia Rodoviária Federal para encaminhar para essa Delegacia, e necessário que a equipe de plantão se desloque vários quilômetros, principalmente se o fato ocorrer nas pequenas cidades, visto que são poucas as Delegacias de Polícia Federal, que existem apenas nas cidades maiores, mais populosas. Prejudicando todo o trabalho da equipe de plantão da PRF. As vantagens do TC são várias. Entre elas eu destacaria as seguintes: os policiais militares não precisam abandonar seus postos para conduzir os envolvidos a uma delegacia, onde, em média passam quatro horas; os cidadãos envolvidos em algum conflito não precisam perder tanto tempo; e as delegacias não ficam sobrecarregadas com tantas ocorrências para registrar; Sabemos que cerca de 65% dos casos registrados nas delegacias dizem respeito a casos capitulados na Lei 9,099. O TC só é polêmico porque não ainda vivemos essa triste realidade corporativista. Tudo vira rivalidade e disputa mesquinha. É uma vergonha. Ao invés de pensarem nos resultados das medidas para a segurança pública, as polícias pensam em seu poder. Não conseguem dar conta do recado, mas não admitem perder poder. (...) A insegurança está esse caos e as polícias ficam brigando entre si. (Soares, 2006, pg.70/71)
ObSTÁculOS a SEREm VENciDOS PaRa imPlEmENTaÇÃO DO ciclO cOmPlETO
A Primeira Conferência Nacional de Segurança Pública, realizada em 2009, revela de forma muito clara algumas dificuldades a serem enfrentadas para adoção do ciclo completo de polícia no Brasil. Dentre as diretrizes aprovadas pela sociedade civil, gestores e profissionais de segurança pública, duas se destacam nesse tema. A diretriz de número quatro, que teve 868 votos traz que: “2.6 A - Ciclo completo de polícia - Estruturar os órgãos policiais federais e estaduais para que atuem em ciclo completo de polícia, delimitando competências para cada instituição de acordo com a gravidade do delito sem prejuízo de suas atribuições específicas.” enquanto a de número quinze, que teve 44 votos traz que: “2.6. C - Negação do ciclo completo de polícia - Rechaço absoluto à proposta de criação do Ciclo Completo de Polícia.”, ou seja duas diretrizes totalmente antagônicas, sendo que a primeira teve quase o dobro de votos dos integrantes da Conferência o que transparece a convicção da ampla maioria que o modelo vigente de polícias de meio-ciclo não mais atende às demandas que se apresentam à segurança pública. Caberá ao parlamento posicionar-se em favor não do interesse de setores isolados do sistema de segurança, mas em favor do sistema e, por conseguinte em prol da sociedade brasileira. No desempenho das atividades da polícia repressiva e ostensiva já se contempla como de alto nível de formação e especialização que grande parte de seu efetivo possuem, além da tradicional formação na área jurídica, existem outros cursos de formação de policiais. Não se pretende aqui, resolver o problema da criminalidade, até porque ela é muito mais complexa do que isso, porém, é que, sob essas circunstâncias atuais, a ação da polícia contra o crime não terá senão alcance limitado. O policial não precisa necessariamente ser formado em direito, mas deve ter grande expertise na área policial e criminal em sua área de atuação, até porque ele é apenas uma parte do sistema judiciário penal, todo o conhecimento jurídico devem ter os Juízes, Promotores, Defensores, Advogados e demais integrantes responsáveis pela administração da justiça. Todos os integrantes da segurança pública são responsáveis pelas suas ações e devem responder se utilizar de forma arbitrária, abusiva ou desumana, ou agir sem embasamentos legais que a sustente. Em síntese, o ciclo completo contribui com a eficácia e agilidade para que a ação penal chegue a Justiça Criminal, sem que o efetivo das polícias se desloque de sua área de atuação, permanecendo mais tempo nos patrulhamentos e não nas Delegacias de Polícia Judiciária,
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que irão refazer todo o trabalho já realizado pela Polícia Ostensiva. Por outro lado, “frustram-se os policiais, mais do que ninguém, ante a enorme lacuna que se abre entre o que se pretende que realizem e os métodos de que dispõem para isto.”9 Em uma pesquisa realizada em 200910, com apoio do Ministério da Justiça e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), onde foram consultados 64.130 profissionais da segurança, em todas as regiões brasileiras: 70% declararam-se contrário ao modelo policial brasileiro. Como cita Soares (2006, pg.138), “o maior obstáculo à corrupção é o orgulho profissional”. A exemplo do que acontece com a saúde pública, em que a prevenção representa um custo bem menor do que o tratamento em si, na segurança pública as ações de prevenção não são prerrogativas exclusivas das polícias ostensivas, ao reverso, passam pela área da educação, assistência social e demais serviços públicos, cuja efetividade contribui significativamente para um ambiente menos propício à delinquência. Nesse sentido o discurso de que uma polícia ostensiva eficiente na prevenção diminuiria a criminalidade e por conseguinte o volume de investigações é totalmente falacioso, pois a ostensividade da polícia apenas inibe a prática de crimes no local em que ela esteja presente, o que representa um percentual pequeno do território nacional, sendo por tanto a sua atuação predominantemente inibidora e de enfrentamento às situações de flagrante delito. O problema da criminalidade não é só problema de polícia, mas também de vários outros fatores, contudo, do jeito que se encontra nossas instituições policiais, além de não ajudar a combater a criminalidade, ainda contribui com ela, há uma necessidade de melhorar a segurança pública de forma que possam atender melhor às necessidades da sociedade, principalmente porque, na maioria, são os policiais os primeiros a se deparar com o delito, se o serviço policial, que faz parte do sistema judiciário penal for ágil e bem executado, aumentam-se as vantagens de termos ao final do processo uma justiça mais eficiente e célere.
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cONSiDERaÇÕES FiNaiS
O ciclo de polícia foi estudado sob o ângulo das atividades desempenhadas por suas polícias ostensiva e judiciária no Brasil, sem levar em considerações os fatores externos (contexto social, cultural, político e econômico), o objetivo foi de evidenciar os pontos falhos do ciclo bipartido e a necessidade de se ter um ciclo completo para um serviço policial mais eficiente para a sociedade e mais motivador para os policiais. Unir as duas funções, as de polícia ostensiva e as de judiciárias, para todas as forças de segurança pública é uma condição precípua para falarmos de melhoria em segurança pública, sem esse passo, fica difícil avançar nas demais ações de políticas de segurança pública. O desafio é criar mecanismo que consiga reduzir a violência, gerar um ambiente mais saudável, pacífico e respeitoso tanto para atuação entre os policiais como para lidar com a sociedade que espera um serviço de qualidade por parte das instituições policiais. Segundo Junior, et al (2011, p.5), a dimensão do ciclo completo de polícia viria a atender ao interesse público de modo mais flexível e eficaz, possibilitando às polícias o desenvolvimento do papel de verdadeiros guardiões da sociedade. A Constituição Federal de 1988 delimita a questão de segurança pública de modo segmentado, fracionado, e para que o artigo 144 da Constituição Federal proporcione não uma alteração nas suas missões, mas redimensione as atividades das Polícias, proporcionandolhes a possibilidade de terminar o que começaram, ou de concluir aquilo que se iniciou, ou seja, permitir que as polícias ostensivas possam terminar o que começaram e que as polícias judiciárias possam desafogar e finalizar as investigações com êxito, é necessário que seja aprovada Emenda Constitucional para que as estruturas organizacionais das polícias possam ser ajustadas para atuar de forma plena e eficaz em favor da sociedade. Conforme cita Soares (2006, pg.18) “se as instituições deixam de funcionar, isto é, deixam de resolver problemas e se tornam parte dos problemas, ou se o tipo de solução que oferecem não interessa a todos – ou seja, não é justa-, temos de mudá-las, de substituí-las por 9 Office. 10
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Task Force Report: The Police. The President’s Commission on Law Enforcement and Administration of Justice. Washington, 1967. US Government Printing Soares, Luiz Eduardo; Rolim, Marcos; Ramos, Silvia. “O que pensam os profissionais da segurança pública no Brasil” (MJ/PNUD, 2009)
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outras”, traz ainda o autor que “a PEC não impõe mudanças, apenas as autoriza e nos liberta da camisa-de-força constitucional. O Brasil é grande demais, diverso demais para caber num modelo uniforme. (2006, pg.63) O sistema bipartido nas instituições policiais no Brasil é totalmente inoperante, e justificar sua existência com base na Constituição Federal serve apenas para mostrar nossa incapacidade para realizar as mudanças necessárias à segurança pública, visto que para mudar a Constituição é preciso além de vontade política, harmonia com a voz do povo.
bibliOgRaFia
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Segurança Pública, Ciclo Completo e Coragem Política1
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Renato Sérgio de Lima2
2015 está sendo marcado por um forte processo de enfraquecimento de diversas instituições e, sobretudo, pela perda de protagonismo do Executivo Federal na definição da agenda política e da pauta de questões tratadas pelo Congresso Nacional. Diante disso, não há como negar que o Brasil vive um momento de crise de representação política e que muita coisa precisa ser enfrentada, incluída a sempre tão acalentada modernização da segurança pública. Infelizmente, mais uma vez, a segurança pública continua no centro das atenções legislativas, mas, a meu ver, via uma agenda conservadora e fundada em prognósticos equivocados e receituários de remédios comprovadamente ineficientes ao longo dos últimos quase 80 anos (dos nossos Códigos Penal e de Processo Penal para cá, no mínimo). O Congresso teima em avançar numa agenda carente de evidências empíricas que demonstrem ou não o sucesso das propostas em curso e, na conjuntura atual, vemos uma legislatura marcadamente ideologizada, com honrosas e importantes exceções. Ao mesmo tempo, os dados publicados anualmente pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que o país convive faz anos com taxas de violência criminal absurdas, que naturalizam quase 60 mil homicídios por ano (a maioria cometida com armas de fogo e vitimando jovens, negros e residentes no Nordeste brasileiro), mais de 50 mil estupros registrados e padrões operacionais inaceitáveis de letalidade e vitimização policial. Nos acostumamos com cenas de uma tragédia anunciada que ceifa nosso futuro e nos custa cerca de R$ 260 bilhões de reais por ano, que poderiam estar sendo aplicados em saúde, educação e assistência social. Isso para não falar nas constantes ameaças do crime organizado; no crescimento dos roubos; e nos reiterados incêndios de ônibus nas periferias paulistanas; nos esquartejamentos em presídios do Maranhão; nas comparações dos policiais responsáveis por mortes na Bahia a artilheiros na frente do gol; no aumento dos “sequestros-relâmpago” no Distrito Federal; nos novos justiceiros cariocas, que acorrentam acusados de crimes em postes; no enfraquecimento de inovações como as UPP, no Rio de Janeiro; ou na ideia recorrente de que temos que combater o criminoso e não o crime, gerando impactos profundos nas práticas institucionais e na cultura organizacional das corporações policiais, sem, entanto, gerar paz e tranquilidade para a população. E, nesse contexto, o nosso sistema de justiça e segurança é muito ineficiente em enfrentar tal realidade e funciona a partir de um paradoxo que mais induz a antagonismos do que favorece a indução de cooperação e troca de experiências. Paradoxo esse que, por um lado, nos faz lidar cotidianamente com elevadas taxas de impunidade, erodindo a confiança nas leis e nas instituições, como têm demonstrado os vários índices do Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas da FGV Direito SP. Por outro lado, as instituições de segurança pública e justiça criminal, premidas pelas cobranças da mídia e da opinião pública, são regidas pela ideia de que algo precisa ser feito a qualquer custo para conter os “criminosos”, abrindo margens para medidas de extremo rigor penal e, mesmo, para reforçar políticas criminais anacrônicas. Na falta de parâmetros mais modernos sobre como lidar com crime, violência, manifestações e quaisquer ameaças à ordem social, recorre-se ao discurso de que o país tem leis lenientes e que é necessário endurecer o tratamento penal. Todavia, ao fazer isso, as instituições erram no diagnóstico e erram no remédio. Não à toa, propostas espetaculosas e com finalidade mais de impacto eleitoral do que de solução dos problemas ressurgem para reduzir a maioridade penal, revogar o estatuto do desarmamento ou agravar penas, sem se preocuparem com a forma como o sistema de justiça criminal e de segurança pública aplicam tais legislações. As eternas disputas entre as instituições não são enfrentadas e o jogo vai sendo jogado rumo ao empate, na ideia de que a vitória está em não perder poder e protagonismo. 1 Este artigo reproduz e atualiza argumentos e trechos de vários outros artigos de opinião publicados ao longo de 2014. 2 Sociólogo. Vice Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Professor e Pesquisador da EAESP/FGV e da FGV Direito SP. Coorganizador do Livro “Crime, Polícia e Justiça no Brasil”. Editora Contexto.
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Na ausência de uma política de segurança pública pautada na articulação de energias e esforços para a garantia de direitos, no respeito e na não violência, deixamos de enfrentar o fato de que o nosso sistema de justiça e segurança necessita de reformas estruturais mais profundas. E não se trata de defendermos apenas mudanças legislativas tópicas ou, em sentido inverso, focarmos apenas na modernização gerencial das instituições encarregadas em prover segurança pública no Brasil. Nosso desafio é adensar politicamente a defesa de que, exatamente, essas são duas faces complementares de um mesmo processo e que nenhuma delas conseguirá êxito permanente sem que a outra seja simultaneamente assumida também como prioridade. Temos que modernizar a arquitetura institucional que organiza as respostas públicas frente ao crime, à violência e à garantia de direitos. Isso porque ao contrário do que pensa o senso comum, muitas energias são gastas na busca por soluções e há várias iniciativas que podem e devem ser mais bem estudadas e incentivadas. As melhores práticas na redução da violência e da criminalidade têm se concentrado sobre o tripé: aproximação com a população; uso intensivo de informações e aperfeiçoamento da inteligência e da investigação; e integração operacional das instituições policiais com vistas a otimizar o ciclo completo de policiamento. A questão é que tais práticas, sozinhas, não conseguem dar conta de um elemento central que é a carência de coordenação, de integração e de articulação, marcas registradas da segurança pública brasileira e da arquitetura jurídica que embasa as políticas públicas no país. Sem que ataquemos essa grande fragilidade, o país continuará refém do medo e da insegurança e pouco conseguiremos avançar na transformação de práticas institucionais reconhecidamente ineficazes. Mas, ao contrário do que alegarão alguns céticos de plantão, essa não é uma agenda utópica ou impossível de ser executada. O maior exemplo de que é possível pensar segurança pública de modo diferente e mais eficaz foi, exatamente, o esforço feito para garantir a segurança durante a Copa do Mundo e que esteve baseado na proposta de compartilhamento de responsabilidades entre diferentes organizações e esferas de Poder e Governo. Porém, sabendo que ações Ad Hoc são insustentáveis no plano da gestão, desprende-se dessa experiência a certeza de que resultados de longo prazo só poderão ser obtidos se, como reiteradamente destacado, enfrentarmos estruturalmente alguns temas sensíveis, tais como: a distribuição e a articulação de competências entre União, Estados e Municípios e a criação de mecanismos efetivos de cooperação entre eles e demais Poderes e Ministérios Públicos; a reforma do modelo policial e de investigação estabelecido pela Constituição; o financiamento da área; e o estabelecimento de requisitos mínimos nacionais para as instituições de segurança pública no que diz respeito à formação dos profissionais, carreiras, transparência e prestação de contas, uso da força e controle externo. E é em torno desta agenda que temos que analisar a proposta de adoção do ciclo completo de policiamento. Numa primeira leitura, não há como se colocar contra, na medida em que muitas das ineficiências do nosso sistema residem exatamente na baixa eficiência do atual modelo, como indicam inúmeros estudos. Todavia, se analisarmos a proposta a partir de um enfoque de pensamento estratégico, temos que o ciclo completo só é viável com um completo remodelamento do nosso sistema de segurança pública. É verdade que o nosso sistema é ineficiente e que muito dessa ineficiência é derivada do ciclo incompleto de policiamento, mas, se olharmos em perspectiva, a adoção pura e simples do modelo completo, sem a redefinição de mandatos e, sobretudo, sem reforçarmos mecanismos de controle internos e, especialmente, externos da atividade policial, a adoção do ciclo completo estará aumentando a autonomia de instituições culturalmente pouco afeitas à transparência, à prestação de contas e que, ao mesmo tempo, detém hoje um enorme poder de persuasão política. Trata-se quase que como uma “Escolha de Sofia”. Na mesma direção, a adoção do ciclo completo está condicionada à outra questão, que é àquela associada ao nosso pacto fede-
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rativo, que nos deixa como legado instituições estadualizadas e sem base territorial local. Imaginem, por exemplo, as polícias militares e civis que hoje já têm grandes efetivos com maior autonomia? Hoje, temos polícias muito grandes, com baixos níveis de controle externo, já com grande autonomia operacional e que são responsáveis por policiar não um território específico, mas a totalidade de cada Unidade da Federação. Mas isso não significa defender o modelo municipal de policiamento, à semelhança do modelo dos EUA. Ele também enfrenta sérios dilemas de coordenação e supervisão. O ciclo incompleto de policiamento é, sem dúvida, uma das maiores evidências do nosso fracasso e quadro de violência endêmica em que vivemos. Mas, para que possamos ter êxito em muda-lo, temos que avançar com propostas que estabeleçam o ciclo completo simultaneamente à adoção de vários outros ajustes, alguns dos quais já citados neste texto. Temos que ter a coragem política de adotar o ciclo completo, mesmo que ele implique em diminuir a autonomia institucional em nome de uma maior supervisão e proteção do trabalho do próprio policial, bem como signifique pensarmos que o Brasil precisa inovar nos arranjos federativos que vinculam a existência de 52 polícias estaduais e duas no Distrito Federal, num total de 54 polícias. Há de se pensar em tipos de crimes, limites de tamanho e foco territorial como critérios de organização das polícias do país. Em suma, não há como se negligenciar a importância do tema para o futuro do país. Trata-se de uma questão que não pode mais ser vista como um tabu. Falar hoje de segurança pública no Brasil significa ter coragem política e institucional para liderar e assumir um pacto pela modernização das polícias e de todas as demais instituições do sistema de justiça criminal (as polícias são a face mais visível de um sistema bem mais amplo e com problemas estruturais), na ideia de provermos uma vida digna e em paz para a população.
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André Zanetic Doutor em Ciência Política e Pesquisador do NEV/USP
POlíciaS DE ciclO cOmPlETO1 1 O objetivo deste texto é apresentar alguns aspectos relevantes sobre o ciclo completo de policiamento, deixando claro que nesta ênfase ao tema não se está minimizando ou desconsiderando as diversas outras pautas fundamentais para a discussão sobre a reforma das polícias – como, por exemplo, a questão da desmilitarização, a organização das carreiras policiais e a própria construção da legitimidade da atuação dos agentes policiais
No Brasil, o sistema de segurança pública, e especificamente o sistema policial, tem sido historicamente deixado à margem dos processos de reforma institucional que se tem discutido em diferentes áreas do setor público, em especial no período que se seguiu ao processo de redemocratização do país. Nesse contexto, o processo de construção das forças policiais acabou por formar um modelo que não encontra respaldo nos diferentes contextos internacionais, sendo marcado por disfunções que têm sido apontadas por especialistas e também por membros das polícias como diretamente responsáveis pela ineficiência e ineficácia nas funções desempenhadas por essas forças. Entre os principais aspectos que caracterizam o modelo policial deficiente está o sistema bipartido das polícias brasileiras, constitucionalmente organizadas em nível estadual: as polícias militares e as polícias civis1. Na prática, este sistema divide o trabalho policial – que em realidade compõe-se de apenas uma grande dimensão, ou seja, o enfrentamento das dinâmicas criminais existentes na sociedade, e da sensação de insegurança por elas gerado – em duas corporações que não se comunicam e, corriqueiramente, competem entre si em busca de poder e algumas regalias. Quais são os serviços policiais centrais e o que é o ciclo completo de policiamento? Em qualquer contexto, o trabalho policial constitui-se de uma série de atividades que tem como aspecto central os serviços de patrulhamento e prevenção e os serviços relacionados à investigação. O trabalho ostensivo (patrulhamento e prevenção) via de regra é realizado de forma uniformizada, ao contrário do trabalho investigativo, em que o trabalho é em geral realizado de forma não-uniformizada. Quando há ciclo completo de policiamento, situação de quase todos os países do mundo, os policiais que realizam esses diferentes serviços pertencem todos a um mesmo departamento policial, que é responsável pela efetivação do conjunto das atividades policiais. É comum que policiais que atuem em um modelo institucional de 1 Esta subdivisão das polícias brasileiras se trata de um arraigamento que data, a menos em caráter formal, de quase 200 anos de existência: em 1841, na reformulação do nosso primeiro Código de Processo Penal (de 1832), foram pela primeira vez legalmente separadas as áreas da polícia judiciária e da polícia administrativa, e desde então esta separação tem perpetuado, em diferentes formatos, até transformar-se em nosso binômio polícia investigativa e polícia preventiva, em um arranjo institucional que praticamente não encontra respaldo em outras partes do mundo.
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ciclo completo de policiamento, em diferentes momentos da carreira, realizem tanto serviços investigativos quanto ostensivos, o que irá inclusive incrementar sua formação e experiência, levando-o a compreender melhor o sentido e os objetivos de suas ações. A organização da polícia em ciclo completo incentiva, desta forma, o trabalho conjunto, em parceria, e o compartilhamento de informações entre as diferentes agências responsáveis pelo trabalho policial, uma vez que as motivações para as competições entre elas são aqui consideravelmente reduzidas. Características essenciais básicas do trabalho policial, como os padrões mínimos de investigação devem ser necessariamente conhecidos por todos, independentemente de que unidade sejam, o que facilitará, por exemplo, a compreensão e atuação frente as diferentes ocorrências, desde o atendimento inicial da cena do crime até a compreensão dos processos mais complexos de desvelamento das práticas criminais. A bipartição do modelo policial brasileiro traz, por outro lado, uma série de desconexões entre o trabalho investigativo realizado pela polícia civil e as práticas de trabalho preventivo realizado pelas polícias militares, entre as quais vale destacar: - Desarticulação para a compreensão dos fenômenos criminais e para o planejamento de ações adequadas para cada um deles, pautada também pela proliferação de rixas, desconfianças e competições entre policiais civis e militares; - Problemas de integração das bases de dados que permitiriam racionalização e afinidade estratégica e operacional; - Sobreposição de competências, como em casos da realização de patrulhamento preventivo por policiais civis ou de procedimentos de investigação por parte de policiais militares; - Barreira conceitual (e corporativa) à compreensão das interconexões entre as atividades de prevenção e investigação; - Falha (ou ausência) da realização de procedimentos básicos como a preservação do local do crime e a realização de investigações iniciais – constata-se, sobretudo, ser frequente entre as polícias a inexistência de treinamentos adequados para que as polícias preventivas possam realizar esta atividade de forma satisfatória; - Ausência de comunicação efetiva entre as policias civil e militar (para além de uma relação mais “formalizada” que ocorre, em algumas localidades, nos conselhos comunitários de segurança, não há uma rotina sistemática de troca de informações; sendo esse tipo de relação algo sempre “extra institucional”, uma vez que não há nenhuma regulação formal dessa relação)2. - Custo excessivo relativo à manutenção de duas estruturas corporativas distintas voltadas à execução do trabalho policial. Frente a esse quadro, restam poucas dúvidas quanto à necessidade de seguir o perfil dos modelos internacionais e reconstruir nossas forças policiais como uma polícia que opere em ciclo completo de policiamento. Isso exigirá também fazer algumas escolhas voltadas à construção de um formato institucional que melhor se enquadre ao caso brasileiro, com suas características culturais, regionais, institucionais e históricas, que se refletem inclusive em cenários consideravelmente variados com relação às dinâmicas criminais existentes. Sem querer definir neste momento o enquadramento institucional mais apropriado, pois acreditamos que esta definição deve ser o resultado de um amplo processo de discussão que respeite as diferenças existentes no cenário nacional, cabe apontar que soluções menos restritivas, como a possibilidade de existência de diferentes competências de policiamento, seja por tipos de crime, seja por delimitações territoriais, podem ser apropriadas devido tanto à diversidade de questões que emergem no campo das dinâmicas criminais, quanto à amplitude das dimensões do território nacional, com suas diferentes instâncias de governo. Estas características de reforma institucional das polícias seriam possibilitadas pela retirada da esfera federal da definição do modelo policial a ser seguido por todos os entes federativos. O modelo policial poderia ter a ganhar com a possibilidade de definição autônoma de cada estado, e mesmo de cada município, acerca da constituição de polícias de ciclo completo por instâncias de governo; de polícias de ciclo completo por tipos criminais, como ocorre em diversos países3; pela constituição de uma polícia estadual única de ciclo completo; e mesmo pela manutenção do modelo hoje existente de subdivisão das polícias, para os estados que assim optarem. A abertura, experimentação e avaliação será a única forma de atingirmos acertos na escolha de modelo(s) efetivo(s) para o setor.
2 Por outro lado, no plano informal há bastante diálogo entre policiais civis e militares sobre crimes ocorridos. Entrevistas com policiais mostram que informalmente PMs muitas vezes acabam auxiliando os investigadores com informações específicas sobre crimes, situações e indivíduos específicos. O que por sua vez possui o potencial de gerar devolutivas importantes para o desenvolvimento do próprio trabalho preventivo. 3 Neste caso pode-se, por exemplo, utilizar simultaneamente o critério territorial e o de tipificação criminal, em que caberia à polícia federal os crimes definidos como concernentes a esta instância (como por exemplo crimes interestaduais), aos estados os crimes de maior potencial ofensivo que não couberem à esfera federal e aos municípios os crimes de menor potencial ofensivo.
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Tendo feitas estas colocações, temos que destacar também que o gap entre nosso modelo institucional de policiamento e os encontrados no cenário internacional é ainda consideravelmente mais profundo do que aparenta, pois não se trata apenas de uma questão organizacional e/ou legislativa, mas também de uma constelação cultural profundamente arraigada no universo das duas corporações, sendo que parcelas consideráveis dessas corporações sistematicamente protegem e defendem com os recursos materiais e simbólicos existentes essa distinção existente entre as duas polícias. Nesse sentido é fundamental destacar, também, que a mudança normativa poderá significar um primeiro passo rumo a resolução desse descompasso histórico, passo que terá de se estender às futuras novas “sub-categorias” das polícias, assim como a questão específica da integração e consequentemente da eficácia da ação policial. As mudanças institucionais são essenciais, inclusive para que se ultrapasse os limites que acabam se impondo frente a qualquer tentativa duradoura de transformação do trabalho policial. Não faltam exemplos recentes - como já temos acompanhado em diferentes tentativas de integração entre as polícias que se tem tentado colocar em prática – de que a partir de um determinado ponto esse tipo de perspectiva de integração esbarra nas limitações do enquadramento institucional e começa a recuar novamente4. Desde já, é importante destacar que ao primeiro passo ligam-se os velhos e os novos desafios. Essa percepção do imbricamento entre as diferentes fases do trabalho policial como algo indissociável – que é problemática mesmo nos países com ciclo completo de policiamento, é, portanto, um dos maiores desafios para a construção de novos modelos de atuação das polícias, tendo em vista sobretudo que estas que estão aí não serão, ao menos de imediato, substituídas por novas. Serão elas, inclusive, com suas possibilidades, barreiras, falhas de formação, motivação e vícios, que constituirão as polícias do futuro que esperamos que tragam resultados mais satisfatórios do que os que temos até aqui observado no setor.
REFERÊNciaS bibliOgRÁFicaS:
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Veja-se, por exemplo, a experiência recente ocorrida no estado de Minas Gerais.
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a POlícia DE ciclO cOmPlETO O sistema de Segurança Pública do Brasil tem experimentado crises constantes que tem fomentado acalorados debates nos mais diferentes ambientes desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. A academia, profissionais encarregados da aplicação da lei das diversas instituições policiais, juristas, mídia e a população em geral, têm buscado encontrar soluções para os diversos problemas identificados como causadores ou consequências da violência e da criminalidade. Em universos tão diferentes, como origem, formação, influências político partidárias, corporativas e ideológicas, é prospero uma diversidade de propostas e soluções para a questão.
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O mais revelador é que essa imensa confusão acontece em todas as esferas, nos debates mais diversos, inclusive entre especialistas, em todas as regiões do país. É claro que a opinião pública participa e sofre em meio a essa babel. Em parte, acredito que essa seja uma das razões para a inconsistência dos discursos e das práticas de políticos, autoridades e gestores, para o zigue-zague das políticas de segurança, para as interrupções que impedem a consolidação das reformas e para a enorme confusão que caracteriza essa área, na qual todos se sentem conhecedores e para a qual todos têm propostas, sem que ninguém se entenda e sem que nada seja acumulado (Guindani, 2006: 04). Todavia, há uma confluência de opiniões entre os variados segmentos de que o sistema de segurança, no modelo atual, não atende às necessidades mínimas de nossa sociedade. Os desafios são inúmeros, já que o processo histórico de formação do nosso país produziu uma sociedade extremamente hierarquizada, caracterizada por desigualdades sociais ainda não superadas. Os avanços e conquistas sociais dos últimos vinte ou trinta anos Resumo: O presente artigo propõe ainda não foram suficientes para resgatar o enorme passivo social que permitiu a existência de milhares de brasileiros que viviam e ainda vivem a margem de condições apresentar uma reflexão sobre o momínimas de existência e do exercício pleno de sua cidadania. Seguramente a nossa delo brasileiro de Segurança Pública, trajetória histórica de formação de Estado e cidadania contribuem para o agravamento tal como posto no nosso texto constidos conflitos sociais e também se refletem no modo pelo qual as instituições estatais tucional, suas características e efetivirespondem a existência desses conflitos. dade para a sociedade, na perspectiva Fato é que a segurança pública decorre de um processo sistêmico e complexo da atuação das instituições policiais, em que todos os atores que integram a sociedade estão inseridos, ou deveriam estar, especialmente quanto ao desempenho na busca de um modelo mais racional e eficaz de prestação de serviço à população. E das polícias estaduais (Civil e Militar), para tanto, é fundamental que ocorra o aperfeiçoamento da atuação das instituições, para propor um novo paradigma do superando tradições e culturas institucionais que não são mais capazes de responder adequadamente as necessidades de nossa sociedade. Conforme leciona Balestreri sistema policial a partir da adoção do (1998, s.p.) acerca da dormência instalada na segurança pública: ciclo completo de polícia para essas Estamos há mais de uma década consinstituições. truindo uma nova democracia e essa Palavras chave: Sistema; Ciclo completo paralisia de paradigmas das “partes” de polícia. (uma vez que assim ainda são vistas
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Sandro Costa Santos Capitão Reformado da PMERJ, bacharel em direito pela Universidade Federal Fluminense, especializado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá. Foi comandante da Guarda Municipal e Subsecretário Municipal de Segurança Pública de São Gonçalo/RJ. Desde 2010 no Viva Rio na área de Segurança Humana. Jonas Pereira Araujo Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Foi bolsista do Laboratório de Análise da Violência (LAV-UERJ). Desde 2011 trabalha no Viva Rio como pesquisador.
e assim se consideram), representa um forte impedimento à parceria para a edificação de uma sociedade mais civilizada (Balestreri, 1998: s.p.). Em face de contexto tão complicado abordaremos de maneira bastante simplificada as principais características e problemas enfrentados pelas instituições policiais brasileiras, muitos deles, em nossa opinião, decorrentes do modelo fragmentado de atuação policial implementado no Brasil. Posteriormente apresentaremos as consequências e potenciais melhorias sistêmicas que poderiam ser obtidas através da adoção do ciclo completo de polícia no âmbito de nossas instituições policiais. Antes, no entanto, se faz mister abordarmos o conceito de ciclo completo de polícia, ainda que de maneira resumida. De modo, que, ciclo completo de polícia trata-se (em nossa visão) da adoção ou unificação das funções (policiais) judiciário-investigativa com a ostensivo -preventiva. Ou seja, um contexto no qual todas as instituições policiais brasileiras poderiam desempenhar as atividades de policiamento ostensivo-preventivo, fazer a autuação dos infratores da lei e dar prosseguimento a esses casos, com investigação dos seus desdobramentos, na busca da materialidade do delito, sua autoria, pelos meios de prova admitidos em direito.
1. a aTuaÇÃO POlicial NO SiSTEma DE SEguRaNÇa Pública bRaSilEiRO
A palavra polícia vem do latim politia, que procede do grego politeia, que se referia à organização política, sistema de governo e, mesmo, governo (De Plácido, 1997, p. 386). Em sentido estrito, o vocábulo quer designar: O conjunto de instituições fundadas pelo Estado, para que, segundo as prescrições legais e regulamentares estabelecidas, exerçam vigilância para que se mantenham a ordem pública, a moralidade, a saúde pública e se assegure bem-estar coletivo, garantindo-se a propriedade e outros direitos individuais (De Plácido, 1997, p.387). O legislador constituinte de 1988 optou por um modelo para a segurança pública brasileira caracterizado pela existência de diferentes instituições policiais, detentoras de atribuições específicas. Ocorre que o texto da Constituição Federal conferiu as corporações policiais o exercício de parte do ciclo de polícia, conforme podemos constatar ao analisar o art. 144 da Carta magna, inserido no Capítulo que trata da “Segurança Pública”: CAPÍTULO III DA SEGURANÇA PÚBLICA Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: i - polícia federal; ii - polícia rodoviária federal; iii - polícia ferroviária federal; iV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. § 1º a polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela união e estruturado em carreira, destina-se a:(Redação dada pela Emenda constitucional nº 19, de 1998)
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i - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da união ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; ii - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; iii - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda constitucional nº 19, de 1998) iV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da união. § 2º a polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela união e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.(Redação dada pela Emenda constitucional nº 19, de 1998) § 3º a polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela união e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. (Redação dada pela Emenda constitucional nº 19, de 1998) § 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da união, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. § 6º - as polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 7º - a lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades. § 8º - Os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. § 9º a remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39. (incluído pela Emenda constitucional nº 19, de 1998) Observamos que essa escolha resultou em um sistema de segurança pública sui generis, caracterizado pela existência de instituições policiais que não possuem o ciclo completo de polícia, fato que fica mais evidenciado na atuação das forças policias estaduais, onde a polícia administrativa e de preservação da ordem pública é desempenhada pelas Polícias Militares e, as funções de polícia judiciária são atribuídas às Polícias Civis, com a responsabilidade, portanto, de efetuar a apuração da prática de ilícitos penais, na busca do estabelecimento de materialidade e autoria. Todavia, essa divisão de atribuições em que cada instituição estadual acaba por realizar “metade do trabalho” conduz a desperdício de meios humanos e materiais e, principalmente ineficiência na atuação e uma baixa qualidade na prestação do serviço a população. As polícias estaduais acabam por ter as suas atuações prejudicadas como consequência da adoção desse modelo já que as Polícias Militares que têm o seu efetivo distribuído nas ruas, em contato mais direto com a população, acaba por não exercer na plenitude o seu potencial para a obtenção de informações sobre a prática de diversas modalidades delituosas já que não realiza ou acompanha as investigações sobre os crimes em flagrante com os quais os seus integrantes se deparam diuturnamente. Ainda quando as Polícias Militares se ocupam da realização de algumas apurações ou do desdobramento de fatos criminosos flagrados por seus integrantes, em regra, essas informações acabam por não ser compartilhadas com os órgãos de polícia judiciária. Essa falta de sinergia e cooperação entre os órgãos policiais ocorre por diversas razões, quer por disputas institucionais, falta de confiança mútua, ou vaidades profissionais, e etc. Ao mesmo tempo, também é verdade que diversos sistemas de segurança pública apresentam dificuldades de integração entre as instituições que os compõem e que estabelecer uma cooperação efetiva é um grande desafio. Todavia, no caso brasileiro, essa fragmentação e falta de cooperação acaba
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agravada pelo próprio formato adotado para a atuação das forças policiais. “É verdadeira a existência de atritos entre as polícias estaduais. Conhece-se, inclusive, a existência de atritos entre a Polícia Civil com o Ministério Público e com a Polícia Federal” (Lazzarini, 1994: 47). Esta é a grande crítica ao sistema atual: uma distância enorme entre o atendimento da ocorrência pelo policial militar e a sua comunicação à justiça criminal, passando por uma atividade eminentemente desnecessária, burocrática e cartorária, sujeita a um anacrônico e medieval (lembrando o período inquisitorial dos tribunais eclesiásticos) inquérito policial de valor discutível, elaborado sem a participação do Ministério Público [...] (Silva, 1995: 100). As Polícias Militares, responsáveis pela preservação da ordem pública e o policiamento ostensivo, que normalmente conduzem as prisões em flagrante delito, impõe-se o encaminhamento desses casos para a Polícia Judiciária, a quem restará a tarefa de dar prosseguimento a persecução criminal, efetuando a lavratura do auto de prisão em flagrante, e comunicação desta prisão ao Ministério Público e Judiciário. As Polícias Civis, que exercem as atribuições de polícia judiciária nos Estados, para a apuração das infrações penais, exceto as militares, acabam por ter uma atuação que replica as lógicas forenses, notadamente caracterizadas pela burocracia, morosidade e excesso de formalismo. [A] polícia militar e polícia civil tornaram-se organizações concorrentes, praticamente sem nenhuma interação. Diversos fatores contribuíram para que, no limiar do século XXI, a criminalidade se tornasse uma das grandes preocupações da sociedade brasileira, agravada pela ineficácia das duas corporações (Maximiano, 2002: 375). Nesse sistema, onde a fragmentação de atuação impera, não é incomum a ocorrência de conflitos institucionais, normalmente provocados pela suposta invasão da área de atribuição de uma instituição a outra. As polícias militares são apontadas, ora pelas polícias civis ora pelo ministério público, por realizarem investigações que seriam da atribuição das polícias civis. Estas recebem críticas das Polícias Militares pela prática de atividades típicas de policiamento preventivo e ostensivo. As maiorias das delegacias de Polícia Civil do Brasil utilizam de viaturas do tipo camburão com giroflex e os integrantes (detetives) usam trajes ostensivos com inscrições, além de fazerem blitz e outras atividades típicas de polícia ostensiva (Giulian, 2002: 71). O Ministério Público, por sua vez, é criticado pelas polícias civis e polícia federal por realizar investigações criminais, atribuição que seria reservada as polícias judiciárias. Alguns juízes, como têm ocorrido em casos recentes de grande repercussão nacional, são apontados como tendo uma atuação fora dos limites impostos pelas normas legais, agindo mais como promotores do que como magistrados. O órgão que possui a atribuição legal de exercer o controle externo da atividade policial e de iniciar as ações penais através da propositura da competente ação penal, dispõe de ampla autonomia de atuação, já que os seus integrantes possuem inúmeras prerrogativas funcionais, além de autonomia financeira e administrativa. Todavia, diferentemente do que ocorre em outros países, no Brasil o Ministério Público atua com grande distanciamento dos órgãos policiais, notadamente das polícias judiciárias. O acompanhamento das atividades e feitos produzidos pela polícia são realizados, em regra, através de controle meramente burocrático, feito pela análise dos autos dos inquéritos policias ou pelas explicações formais solicitadas, encaminhadas e respondidas através de ofícios protocolares. Raramente podemos constatar a presença de promotores de justiça em sedes das polícias judiciárias, numa busca de sinergia de ações e controle efetivo dessas atividades. O mesmo ocorre com o Poder Judiciário que, escudado em seu princípio da imparcialidade, mantém-se afastado dos demais atores do sistema de persecução criminal, limitando-se a avaliação dos autos dos processos na forma como são apresentados.
ii - a ViabiliDaDE E VaNTagENS Da aDOÇÃO DO ciclO cOmPlETO DE POlícia
Há problemas no sistema como um todo, entretanto, algumas medidas isoladas poderiam trazer melhorias para alguns segmentos.
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Embora em algum momento possa ter sido imaginado pelo legislador nacional que a dicotomia da atuação policial poderia conduzir as instituições policiais a um nível de especialização de suas atividades que pudesse gerar a excelência na prestação do serviço das atividades policiais, tal fato não se concretizou. Como já mencionado, a realidade demonstra uma falta de sinergia e ausência de uma visão sistêmica do contexto, conjuntura, problemas e perspectivas de atuação das forças policiais. A atuação das diversas instituições policiais somente terá condições mínimas de eficácia e eficiência, quando o modelo de sistema de segurança pública do país permita a realização completa das atividades do ciclo de polícia, de maneira que ocorra o domínio das informações necessárias a uma melhor avaliação, planejamento e acompanhamento de ações no campo da segurança pública. Fora desse contexto, continuaremos sem reunir as condições mínimas que permitam, por exemplo, realizar o acompanhamento em tempo razoável dos acontecimentos criminais de determinado território já que as instituições policiais não possuem o domínio completo das informações relativas àquela área de atuação. Temos como regra, que as Polícias Militares possuem os dados relativos às solicitações para intervenção policial, feitas através do telefone de emergência ou diretamente aos efetivos policiais distribuídos em determinado território. Por outro lado, as Polícias Civis não têm acesso aos indicadores gerados pelas chamadas policiais ou daquelas ocorrências atendidas pela polícia militar que foram encerradas no local de atendimento ou cujo solicitante preferiu não dar prosseguimento ao encaminhamento policial, como pode ocorrer nos crimes de ação penal privada ou pública condicionada à representação da vítima. Já as Polícias Militares, em regra, ficam sem as informações sobre os desdobramentos das ocorrências encaminhadas para as delegacias policias, com ou sem a caracterização de flagrante delito. Os policiais militares acabam por não ter acesso às informações sobre aquela ocorrência, nos seus desdobramentos, ou seja, se o pretenso autor do crime foi mantido preso, se houve indiciamento, se as investigações conduziram a outras prisões ou ao descobrimento de outros delitos, etc. Não há ainda, uma maior troca entre os efetivos policiais das informações pertinentes a cada etapa das suas atividades particulares. Assim, as Polícias Militares não compartilham dados relativos ao seu mister principal, por considerar que tais informações dizem respeito somente ao policiamento preventivo e o mesmo fazem as Polícias Civis no concernente as informações obtidas ao longo das apurações criminais. O trabalho é feito como em uma orquestra em que cada músico toca o seu instrumento sem se preocupar com os demais. No campo das instituições policiais, a prática tem demonstrado que as polícias já empreendem movimentos direcionados a complementação do chamado ciclo policial. Tal fato se impõe por diversas razões, mas principalmente, por uma imposição fática. As polícias na busca por complementar as suas atividades e melhorar a prestação dos seus serviços acabam por criar mecanismos para superar deficiências impostas pelo próprio modelo criado. Nesse processo, as instituições policiais acabam por ficar em uma encruzilhada que apresenta dois caminhos. Um primeiro que conduz a engendrar toda uma engenharia para construir soluções com uma roupagem mínima de legalidade, mas que sejam capazes de fornecer os resultados que desejam e, um segundo, que permite um verdadeiro “jogo de empurra” onde as instituições realizam acusações mútuas atribuindo umas as outras a responsabilidade por determinado delito ter ocorrido ou não ter sido evitado. Para o cidadão, a quem pouco importa saber qual a atribuição de cada instituição policial, o que realmente se apresenta como relevante é a presteza do serviço, a sua eficiência e eficácia. Evidentemente o cidadão não compreende as razões pelas quais ao se deparar com uma emergência e demandar a pronta intervenção policial e ao dirigir-se a uma unidade de polícia judiciária seja orientado a fazer contato com a Polícia Militar. E o mesmo ocorrendo quando ao solicitar a intervenção de um policial militar em casos onde não se configure flagrante delito a orientação seja para que o cidadão vá apresentar seu problema a uma unidade da Polícia Civil. Há alguns especialistas, como por exemplo, o Delegado Wagner Bordon Tavares, que defendem a manutenção do atual modelo sob o argumento de que os delegados de polícia exercem as funções de primeiro juízo sobre a legalidade das atividades policiais e como garantidores dos direitos fundamentais do indivíduo. Observam ainda, que a separação de campos de atuação entre a Polícia Militar e Civil garantiria uma imparcialidade no juízo de avaliação realizado pelo Delegado de Policia sobre os atos praticados pelos policiais militares:
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O delegado de polícia, no ordenamento jurídico pátrio, é o primeiro operador do direito a quem é comunicado um fato supostamente criminoso. É à presença do delegado de polícia que é conduzido um indivíduo suspeito de ter praticado alguma infração penal. Por conta disso, o delegado de polícia tem de ser o primeiro garantidor dos direitos
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fundamentais do indivíduo, não pode se autoritário e tampouco complacente com arbitrariedades. Não raramente pessoas inocentes são conduzidas para os distritos sob acusações infundadas, muitas vezes até "forjadas", e cabe ao delegado de polícia agir com bom senso e equidade para não referendar uma arbitrariedade. Desse modo, em que pese às vezes algum delegado de polícia não cumprir a contento esse papel, qual seja, de fiscalizar a atuação da Polícia Militar e tutelar os direitos fundamentais do indivíduo, por não ter consciência da importância de sua função, ainda assim é preferível manter-se o atual sistema bipartido como forma de resguardar a sociedade contra eventuais arbitrariedades (Tavares, 2011: 2). Entendemos que em muitas ocasiões os delegados de polícia realmente operam na forma supracitada, embora, em nossa avaliação tais atribuições pudessem ser desempenhadas com maior qualidade e isenção pelo Ministério Público, no exercício do controle externo das atividades policiais, e pelo Poder Judiciário, instância detentora de competência legal para exercer o controle da legalidade dos atos praticados por agentes públicos, notadamente, por exemplo, através das audiências de custódia1. Além disso, a suposta imparcialidade do delegado de polícia estabelecida pela divisão institucional de atividades somente restaria observada nas ações iniciadas por policiais militares, já que muitas prisões e operações policiais são realizadas por contingentes das polícias civis, conforme já mencionamos acima. Somente teríamos garantia de imparcialidade e da alegada isenção, caso as ações praticadas por integrantes de uma instituição policial fossem submetidos à apreciação da legalidade por profissionais de outra corporação. Ainda assim, como seriam encaminhadas as ações praticadas por policiais federais? Por tudo isso, entendemos que as melhores respostas a este quadro seriam: a atuação dos integrantes do Ministério Público mais próximos às atividades rotineiras das polícias; a adoção da audiência de custódia; um maior controle social das atividades policiais; o aprimoramento dos mecanismos correcionais internos das corporações policiais; e a adoção de meios tecnológicos que permitam registrar o desempenho dos profissionais de segurança, dando-lhes meios de prova para condenação dos infratores da lei e ao mesmo tempo contribuindo para a inibição de ações abusivas ou desviantes. Muitas vezes os debates sobre os problemas da segurança pública são conduzidos para conclusões que julgamos precipitadas. A nossa tradição cultural costuma buscar soluções fáceis e “mágicas”. Em alguns momentos, durante debates motivados pela ocorrência de algum ato criminoso de maior repercussão já pudemos observar que o número de polícias existentes no país foi apontado como uma das causas da ineficiência do sistema. Os defensores dessa posição sustentam que a existência de múltiplas instituições policiais conduz a uma dificuldade de atuação, coordenação e compartilhamento de informações, o que acaba por gerar a ineficiência do sistema. Discordamos, e acreditamos que o cerne da questão não está no quantitativo de polícias que existem, nem no modelo administrativo adotado, se civil ou militar, mas sim, no fato de que a atual legislação impõe a essas instituições uma fragmentação ilógica, ineficaz e anacrônica para as suas atuações. Salvo um ou dois pequenos países do mundo, não encontraremos modelos semelhantes ao nosso em vigor. Para que possamos minimizar os problemas apontados e melhorar a qualidade da prestação do serviço de segurança pública é fundamental que as instituições policiais sejam reformadas. Conforme assinalam Durante e Sandes (2009) uma atuação efetiva no campo da segurança pública requer reformas e ampliação de responsabilidades para além dos órgãos de segurança pública. Ou seja, necessita do envolvimento de todos setores da sociedade civil. Há diversas propostas para a alteração do sistema de segurança pública brasileiro. Muitas propõem modificações profundas nas instituições policiais, unificação, desmilitarização, etc. Acreditamos que algumas mudanças menos complexas já poderiam ser implementadas e gerariam menor resistência de diversos setores sociais e institucionais e teriam potencial para 1 “Audiência de custódia” se dá nos casos em que uma vez realizada uma prisão em flagrante, a pessoa detida é apresentada ao Juiz de Direito, em “audiência de custódia”, num prazo máximo de 24 horas, oportunidade em que a autoridade judicial decide, após ouvido o representante do Ministério Público sobre a legalidade da prisão, e converte a custódia por força do flagrante em prisão preventiva ou concede ao preso a liberdade provisória com ou sem imposição de medidas cautelares ou, ainda, determina a prisão domiciliar.
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empreender uma melhora significativa na forma de atuação das polícias2. Já podemos constatar que algumas polícias militares e mesmo guardas municipais, têm adotado procedimentos para realizar a lavratura dos chamados Termos Circunstanciados, que são breves relatos dos fatos criminosos que já apresentam autoria e materialidade (provas) elaborados nos chamados crimes de menor potencial ofensivo – aqueles punidos com penas de até dois anos. Importante ressaltar que a lei brasileira estabelece que nesses casos não há necessidade da lavratura do auto de prisão em flagrante, nem da instauração de inquérito policial, Lei 9099/95, art. 69, parágrafo único. Esses procedimentos têm apresentado resultados promissores uma vez que fornecem presteza e efetividade à prestação do serviço. Representam um ganho para o cidadão na medida em que: i. O cidadão tem seu caso rapidamente atendido e equacionado na forma prevista em lei; ii. Permite ao policial militar ser um gestor de pequenos conflitos no âmbito da sua área de atuação; iii. Maximiza o emprego do efetivo policial militar ou das guardas municipais, que não terão que efetuar deslocamentos, muitas vezes longos, às delegacias de policia para realizar a apresentação desses fatos; iv. Permite que os efetivos das polícias civis se dediquem a investigações dos fatos cuja autoria e provas ainda não foram bem estabelecidas, notadamente nos casos e modalidades que a lei brasileira considera como mais graves.
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Posto desta forma o ciclo completo de polícia apresenta-se como uma alternativa viável para compor um projeto voltado à economicidade, à geração de sinergias positivas e à dotação de maior amplitude de atuação para o atendimento de serviços mais adequados às demandas sociais. O ciclo completo também poderia ajudar a minimizar a falta de integração entre diferentes órgãos policiais. Tal como já apresentado o referido modelo de fazer policial compreende a adoção ou unificação das funções judiciário-investigativa com a ostensivo-preventiva. Não se tratando, como muitos imaginam e propagam, da concentração em uma só instituição de todas as funções de natureza investigativa e preventiva. Embora se possa encontrar em diversos países do mundo polícias únicas, de abrangência nacional, e que logram apresentar serviços de qualidade, reconhecidas como eficazes e fiéis observadoras dos direitos humanos no desempenho de suas atividades. Acreditamos que tais estruturas são mais compatíveis com Estados que possuem dimensões populacionais e territoriais menores. Para os Estados de dimensões territoriais continentais e que possuem população volumosa como Brasil, EUA, Alemanha, Espanha, etc, entendemos que o melhor modelo seria aquele que apresentasse múltiplas instituições policias. Sendo, todavia, fundamental que essas instituições fossem investidas do ciclo completo de polícia no âmbito de suas atribuições. Entendemos que a legislação atual já indica um caminho possível para o estabelecimento das atribuições de cada instituição policial. As Polícias Militares poderiam receber a atribuição legal para realizar o policiamento preventivo e as investigações de menor potencial ofensivo e de natureza patrimonial, restando às Polícias Civis a apuração do restante dos crimes, excetuando-se aqueles atribuídos a Polícia Federal. A Polícia Rodoviária Federal receberia a mesma responsabilidade das Polícias Militares, para os ilícitos praticados nas rodovias federais brasileiras. Cada instituição policial possuiria um campo de atuação especificado, quer pela natureza ou tipo da infração penal, sua gravidade, pena prevista, circunscrição, etc. Desse modo, a atuação preventiva, investigativa e repressiva seria distribuída aos diversos órgãos policiais já previstos no texto da carta magna, não permitindo que toda a atividade policial pudesse ficar restrita a uma única instituição. Fato, que, como já presenciamos, é capaz de acarretar concentração excessiva de poder, dificuldades no controle da atividade policial e convir de fomento a práticas abusivas e não republicanas. “Os policiais atendem a chamados e também realizam prisões, mas devem ultrapassar essas práticas e desenvolver e monitorar iniciativas mais abrangentes” (Barros, 2009: 171). 2 Gostaríamos de frisar que ao pontuar a questão do ciclo completo de polícia como cerne das questões de segurança pública no Brasil, e quiçá, o mais viável a ser debatido no momento, não estamos nos esquivando da importância de temas como a de desmilitarização das polícias. Tal discussão necessitaria de mais fôlego e pensamos que poderia ser desenvolvida em outro documento. Todavia, sobre esse aspecto antecipamos que consideramos inadequada a subordinação das Polícias Militares, em tempo de paz, ao Exército Brasileiro, através das Inspetorias Gerais das Polícias Militares – IGPM.
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Esse modelo, conhecido como “ciclo completo mitigado”, também foi defendido pelo ex Secretário Nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri, e estabeleceria a manutenção da apuração das infrações de maior gravidade como atribuição das Polícias Civis, restando os chamados “crimes ordinários”, como atribuição preventiva e de investigação para as Polícias Militares.
PaRa aS POlíciaS miliTaRES
h) Ciclo completo nos crimes ordinários (no sentido de os mais comuns no dia-a-dia como, por exemplo, os crimes contra o patrimônio, com assunção de cartório mínimo-básico próprio, desonerando a polícia civil);
PaRa aS POlíciaS ciViS
a) Superação do cartorialismo, livrando-se do foco registrador-escrivista e da patética consumição inquisitorial (veja-se as estatísticas sobre resultados de elucidações consequentes de crimes no Brasil); c) Para isso, libertação do inquérito policial, repetitivo, caro, sem o direito democrático ao contraditório, extemporâneo, inútil e reforçador da d) Deslocamento do foco da delegacia (cartorial-burocrático) para a comunidade (investigativo-presencial-de proximidade); h) Assunção dos crimes de maior complexidade, apenas com o cartório mínimo indispensável aos mesmos, desonerando-se da inútil enxurrada de registros da totalidade dos delitos; i) Ciclo completo em relação à sua própria demanda (Balestreri, 2013: 2).
Fundamental destacar que a adoção do ciclo completo de polícia para todas as corporações policiais, em nosso entendimento, representaria um passo importante para o aprimoramento do sistema de segurança público brasileiro. Todavia, outras alterações e ajustes seriam necessários e, igualmente importantes. O Brasil não conseguiu até os dias atuais planejar e implementar uma política de segurança pública nacional. A União reluta em exercer um papel de maior destaque e responsabilidade no planejamento, coordenação e fomento de uma política pública para o país (Soares, 2006), bem como tem reduzido, ao longo dos últimos anos, o financiamento de projetos e ações nesse segmento. Esse cenário impõe dificuldades aos estados e municípios já que a União é o ente federativo que concentra a maior fatia da repartição tributária nacional. O país também não avançou na discussão sobre o financiamento para a segurança pública e temos observado que os orçamentos para as atividades dessa área acabam sofrendo contingenciamento dos recursos orçamentários previstos, que não são empenhados e executados. O Sistema Único de Segurança Pública - SUSP, criado sob a inspiração do Sistema Único da Saúde – SUS, continua sem ser regulamentado, como também ocorre com o próprio capítulo da segurança pública previsto no texto constitucional. Também não há uma política nacional para o sistema penitenciário. As novas redações para as leis orgânicas da Magistratura, do Ministério Público, e bem como a elaboração das leis orgânicas para as Policias Civis e Militares, estão em discussão há muitos anos no parlamento e ainda não há previsão para que sejam sancionadas e promulgadas. Todavia, ainda mais grave do que o atraso, são as notícias de que os textos das novas legislações ampliam direitos e garantias para determinadas categorias profissionais que somente reforçam as desigualdades históricas de nossa nação, que sempre reservou privilégios a certos segmentos em detrimento dos demais. Não observamos avanços na reformulação da legislação penal e processual penal brasileira. O que constatamos é que, em momentos em que ocorre um agravamento no cenário da segurança pública motivado pelo cometimento de algum crime de grande repercussão há uma mobilização parlamentar para tentar dar “uma resposta” a opinião pública, “desengavetando” projetos ou apresentando novas propostas legislativas, muito mais preocupadas com a repercussão midiática que essas iniciativas poderão gerar do que em buscar propostas lastreadas no conhecimento científico que possam, efetivamente, gerar impactos positivos. O índice de elucidação dos crimes praticados no Brasil quer no âmbito da justiça federal quer no âmbito das justiças estaduais é baixíssimo, e contribui para disseminar em nossa sociedade um sentimento de impunidade generalizado. Isso não nos impede de reconhecer alguns avanços conquistados ao longo dos últimos anos. É sempre bom mencionar que iniciativas como a criação e implementação dos conselhos de segurança pública, nos níveis federal, estadual e municipal, contribui para ampliar e qualificar o debate na temática da segurança pública e fomentam a participação e controle social sobre a atuação dos gestores e instituições do sistema de segurança pública. O PRONASCI – Programa Nacional de Segurança com Cidadania foi um marco importante que apontou
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a necessidade de uma abordagem interdisciplinar sobre os problemas e causas da violência do nosso país, bem como buscou estabelecer e nivelar o conhecimento, linguagem e procedimentos das forças de segurança do Brasil, sugerindo currículos de formação profissional. A constatação de que os projetos e ações no campo da segurança pública devem resultar de avaliações qualitativas e quantitativas sobre indicadores de criminalidade, dentre outros, começa a criar uma cultura de planejamento e gestão lastreada em critérios científicos e não mais no mero “saber subjetivo” do gestor ou profissional encarregado da aplicação da lei. Por derradeiro, entendemos que não há como enfrentar os desafios que a segurança pública do Brasil apresenta sem que comecemos a resgatar a dívida histórica desse país com milhares de brasileiros e brasileiras que ainda vivem a margem do exercício da cidadania plena e, em condições sociais absolutamente inaceitáveis, resultantes de um processo histórico perverso que nos coloca como um dos países mais desiguais do planeta, onde a distância entre a população mais rica e a mais pobre excede todos os limites da razoabilidade. Somente assim, poderemos superar as injustiças sociais existentes, resultantes de uma sociedade extremamente hierarquizada e socialmente excludente.
cONcluSÕES
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Há o consenso nos mais variados segmentos de nossa sociedade que o modelo do sistema de segurança pública do Brasil não atende minimamente as necessidades da população do país e que são necessárias mudanças. O fracionamento do ciclo de polícia conduz as corporações policiais encarregadas de fazer cumprir a lei para um processo de constante busca por alternativas pelas quais possam melhor desempenhar suas atribuições institucionais frente aos limites constitucionalmente impostos. Invariavelmente, essas iniciativas acabam por gerar descrédito institucional, conflitos de atribuição legal, disputas corporativas, ineficiência, morosidade e desperdícios humanos e materiais. Conforme já exposto, não acreditamos que existam soluções fáceis ou isoladas que tenham a capacidade de dar respostas para todas as deficiências que o modelo atual apresenta. Todavia, entendemos que a implementação do ciclo completo de polícia, integral ou mitigado para as forças policiais brasileiras, obedecendo a critérios objetivos e claros que imponham a cada instituição uma área de atuação específica poderá contribuir para uma melhor prestação do serviço de segurança a população, maior racionalização e otimização do emprego dos recursos materiais, humanos e orçamentários, além de possibilitar maior celeridade e eficácia na resolução dos conflitos sociais. Desse modo as corporações policiais passariam a exercer todas as atividades do ciclo de polícia, no âmbito das atribuições que a legislação especificar, permitindo o aprimoramento das atividades de prevenção e investigação dos delitos, para obter maior celeridade e eficácia no atendimento a população em geral. A adoção do ciclo completo de polícia representaria uma saída da inércia e timidez num campo considerado tão importante em nossa sociedade que invariavelmente ocupa papel de destaque nos debates político/eleitorais para cada pleito eleitoral do país e estabeleceria um novo paradigma para a segurança pública do Brasil, principalmente se for implementado, acompanhado de medidas que melhorem a gestão das instituições policiais, privilegiando-se a meritocracia, o profissionalismo, o aprimoramento dos meios de correição e controle social das corporações e a capacitação constante dos profissionais encarregados da aplicação da lei, para que tenhamos instituições policiais cada vez mais comprometidas com a defesa dos direitos humanos e dos direitos e garantias individuais e coletivos de nossa população. Fundamental que as instituições policiais possam se enxergar como as primeiras instituições guardiãs da cidadania e das liberdades, e não mais como forças de defesa do Estado, num exercício mais adequado ao momento vivido no país – o Estado Democrático de Direito. E por último, que estejam em sintonia com exemplos de instituições policiais de outros países cujas atuações são amplamente apoiadas pela sociedade em que estão inseridas e possuem legitimidade de atuação. Esta última, peça fundamental para o exercício da atividade policial.
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Seminário Internacional de Segurança Pública - Maio de 2015
Inicialmente agradecemos à tod@s que se dispuseram a contribuir com a democracia, expressando suas opiniões sobre um tema denso, que por certo, é objeto de teses, as mais bem elaboradas, mas que ainda assim aceitaram o desafio de escrever, em apertada síntese, algo que não temos dúvida muito contribuirá para a realização do Seminário. Conjugar liberdade, responsabilidade e garantir a liberdade de expressão, foram estes os princípios basilares que nortearam a edição desta revista que versa acerca da Polícia de Ciclo Completo, e que está sendo distribuída por ocasião da realização do Seminário Internacional de Segurança Pública, nesta data, 26 de maio de 2015, na Câmara dos Deputados, no auditório Nereu Ramos. A intenção, pura e simples, foi de convidar os mais diversos atores que direta ou indiretamente atuam no campo de Segurança Pública para que escrevessem um “pequeno” texto sobre o tema: Polícia de Ciclo completo. Por uma questão de justiça, respeito, deixamos claro que inicialmente havíamos limitado os textos em número de caracteres, o que obviamente apresentou maiores dificuldades em sua produção haja vista, como dito, ser este um tema muito denso, de extrema relevância, de forte conteúdo acadêmico, doutrinário, que por certo deixaram de constar em seus textos (artigos) em razão de nossas orientações iniciais ao limitar o tamanho dos mesmos. Neste sentido pedimos desculpas à tod@s, principalmente àquel@s que cumpriram fielmente o número de caracteres inicialmente solicitado, mas justificamos que abrimos o precedente para quem escreveu um texto maior em razão da qualidade que certamente valoriza todo o trabalho e deixamos claro que serão impressas novas edições e que nos colocamos à disposição para incorporar novos textos, - daqueles que cumpriram nossas diretrizes – à nova edição da revista, caso assim desejem. Para fins de registros do legado deixado, foram convidadas por correspondências enviadas via Sedex (AR), e-mails, várias entidades, órgãos do Sistema de Segurança Pública para que se desejassem contribuir que nos fosse enviado os textos, nos quais publicamos na integra os textos recebidos do, Viva Rio, Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH, Núcleo de Estudos em Segurança Pública – NESP – Fundação João Pinheiro – MG; Instituto Sou da Paz/SP; Núcleo de Estudos da Violência – USP; Associação Nacional dos Praças Policiais e Bombeiros Militares (ANASPRA); Federação Nacional de Entidades de Militares Estaduais/Associação dos Militares do Brasil (FENEME/AMEBRASIL); Associação Nacional do Procuradores da República – ANPR/ CONAMP; Conselho Nacional dos Comandantes Gerais (CNCG); Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais – FENAPRF; Federação Nacional dos Policiais Federais – FENAPEF; Associação Nacional dos Peritos Federais/Associação Brasileira de Criminalística – APCF/ABC; Federação Nacional dos Profissionais em Papiloscopia e Identificação – FENAPPI. Infelizmente não recebemos os textos, bem como qualquer outra manifestação dos Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Justiça; Secretária Nacional de Segurança Pública - MJ; Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública – CRISP/UFMG; Associação dos Delegados de Polícia Federal – ADPF; Associação dos Delegados de Polícia Civil – ADEPOL; Colégio de Secretários de Segurança Pública (CONSESP); Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil – (CONCPC); Confederação Brasileira dos Policiais Civis – COBRAPOL; MOVPAZ – PB. Este seminário foi gestado pensando nas diversas PEC’s que se encontram no Congresso Nacional e que versa, direta ou indiretamente sobre o tema da necessidade da reforma da arquitetura institucional da Segurança Pública, e em especial a PEC 431/2014, pois esta propõe que sejam ampliadas as competências das instituições previstas no artigo 144 da Constituição Federal, sem que necessariamente se provoque mudanças orgânicas, estruturais nas carreiras de cada instituição, pontos não convergentes dentro das próprias instituições. Reforçamos mais uma vez a grandeza do gesto de cada um que contribuiu com seu texto. “Polícia de Ciclo Completo”, muito
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O Modelo da Polícia de Ciclo Completo face ao Modelo Brasileiro
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Marco Antônio Bahia Silva 3º Sgt PM da Polícia Militar de Minas Gerais Presidente da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares de Minas Gerais – ASPRA-PM/BM Diretor Jurídico da Associação Nacional das Entidades Representativas de Praças Policiais e Bombeiros Militares – ANASPRA Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica – PUC-MG Especialista em Processos pela UNIDERP
embora um conceito bastante obvio, não é ainda um tema de domínio público. No meio acadêmico e nas entidades que participam da formulação de políticas públicas de segurança pública, no entanto, está bem formulado e compreendido. No meio político, em especial no congresso Nacional, o debate sobre este tema está sendo introduzido, muito embora seus conceitos estejam presentes em praticamente todas as PECs que propõe a alteração do Artigo 144 da CF. Todavia esperamos que a partir deste seminário, mais especificamente desta revista, de fácil leitura, objetiva, que toda a sociedade que com este material tiver contato que as questões possam ser mais facilmente entendidas e os pontos convergente e/ou não sejam debatidos com mais profundidade e o mínimo de conhecimento. Por fim, infelizmente, e pode ser por coincidência, não recebemos “nenhum” texto contrário á adoção da Polícia de Ciclo Completo, com seus fundamentos, o que mais uma vez oportunizamos àquel@s que assim desejarem se pronunciar, que nos envie novo texto para segunda edição desta revista que será enviada para todas as prefeituras dos 5.565 municípios, às Assembleias Legislativas de todos os Estados e Câmara Legislativa no Distrito Federal, Câmara Municipais, tod@s Deputad@s Federais, Senador@s, Magistratura, Ministério Público, Movimentos Sociais e Sociedade Civil que atuam no campo da Segurança Pública e disponibilizada nos mais diversos meios de Comunicação disponíveis, em especial nas redes sociais. É nosso dever contribuir, ainda que minimamente para o debate democrático, republicano, nesse campo da formulação de uma Política Pública que atenda e sirva à sociedade brasileira. Boa leitura á tod@s.
PROPOSTa DE EmENDa À cONSTiTuiÇÃO Nº 431 , DE 2014 (DO SR. SubTENENTE gONZaga E OuTROS) Acrescenta ao art. 144 da Constituição Federal parágrafo para ampliar a competência dos órgãos de segurança pública que especifica, e dá outras providências. O Congresso Nacional decreta: As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º, do art. 60, da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional: Art. 1º O art. 144 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo: “Art. 144................................................................................................ §11. Além de suas competências específicas, os órgãos previstos nos incisos do caput deste artigo, realizarão o ciclo completo de polícia na persecução penal, consistente no exercício da polícia ostensiva e preventiva, investigativa, judiciária e de inteligência policial, sendo a atividade investigativa, independente da sua forma de instrumentalização, realizada em coordenação com o Ministério Público, e a ele encaminhada.” (NR) Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias contados da data de sua publicação, devendo os Estados, Territórios e Distrito Federal regulamentá-la e implementá-la em igual período.
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baNcaDa FEDERal DO PDT: DEFENDENDO a SEguRaNÇa Pública E SEuS TRabalHaDORES
DEPuTaDOS miliTaRES miliTaRES QuE DEFENDEm a POlícia DE ciclO cOmPlETO, E OS DEPuTaDOS EDSON mOREiRa E mORONi TORgaN
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