Projeto Semiá - Cartilha Final

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Diaconia - Recife, 2015


SUMÁRIO Apresentação

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Áreas de Atuação do Projeto

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Linhas de Atuação

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Geração de Trabalho e Renda

10

Gênero

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Juventude

14

Soberania e Segurança Alimentar, Nutricional e Hídrica

16

Trabalho com redes e grupos de mulheres engajadas

18

Fortalecimento de organizações parceiras

20

Atividades Estratégicas Desenvolvidas e Resultados

22

Produção agroecológica

24

Beneficiamento e Valorização da Produção

26

Empoderamento das mulheres e conquista de espaços públicos

28

Comercialização e acesso aos mercados

30

Parcerias Comunitárias e Institucionais

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Estudo de Caso Mulher

34

Estudo de Caso Jovem

36

Estudo de Caso Associação Parceira

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Metas e alcance do projeto em números

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APRESENTAÇÃO O Projeto Semiá: “Geração de trabalho e renda para mulheres e jovens: uma abordagem urbano-rural no Nordeste brasileiro” teve dois desafios principais: (a) envolver mulheres e jovens rurais em processos de produção e comercialização inserindo-as no mercado de produtos da agricultura familiar agroecológica; (b) facilitar processos de interlocução entre grupos de mulheres, organizações da sociedade civil e gestores públicos em defesa das políticas públicas para mulheres na agricultura familiar. Foram oito municípios do Semiárido brasileiro contemplados com as ações do Projeto nos territórios do Sertão do Pajeú, em Pernambuco, e no Alto Oeste e Apodi, no Rio Grande do Norte. O Projeto proporcionou às mulheres e jovens beneficiárias um “impulso irreversível” para a transformação de suas vidas, de suas famílias e das comunidades em que vivem, melhorando as condições de geração de renda; as relações de gênero; a sustentabilidade dos sistemas de produção; a segurança alimentar; e a visão de mundo e da natureza. Ao longo dos três anos do Projeto, assistimos a inúmeros depoimentos positivos, tanto das mulheres beneficiárias, como de parceiros e gestores públicos locais, alguns dos quais registramos oportunamente. Esperamos, portanto, que os resultados publicados neste documento sejam instrumentos de aprendizagem para outros grupos de mulheres bem como para outros projetos futuros. Boa leitura!

Marcelino de S. Lima

Serguem Jessui Silva

Coordenador Político-pedagógico

Oficial de Programas

Diaconia

Tearfund 7


LINHAS DE ATUAÇÃO As ações do Projeto Semiá estão inseridas em diversas temáticas de gestão e de missão desenvolvidas pela Diaconia: RN

Geração de Trabalho e Renda Relações de Gênero PE

Direitos das Juventudes Soberania e Segurança Alimentar, Nutricional e Hídrica Trabalho com redes e grupos engajados na intervenção em campos sociais e de políticas públicas

ÁREAS DE ATUAÇÃO DO PROJETO

Fortalecimento de organizações parceiras, promovendo e apoiando sua formação e autonomia

Pernambuco: Afogados da Ingazeira, Carnaíba, São José do Egito e Tabira Rio Grande do Norte: Antônio Martins, Apodi, Caraúbas, Doutor Severiano, Rafael Godeiro, São Miguel e Umarizal 8

9


Numa região de Indicadores de Desenvolvimento Humano (IDH) abaixo da média nacional nas áreas de saúde, educação e renda, o fortalecimento dos grupos de mulheres agricultoras familiares contribui para a autonomia na geração de renda, mobilizando as comunidades rurais na consolidação de direitos.

Agricultora Damiana da Silva comercializando na Feira Agroecológica de Caraúbas (RN)

Geração de Trabalho e Renda 10

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na região Nordeste do país quase metade da população (composta por mulheres) não possui renda, ou tem como única fonte de rendimento os benefícios governamentais. Fatores como o êxodo rural e a distribuição desigual de terra e água dificultam a promoção social e econômica de assentamentos e famílias agricultoras, que mesmo assim resistem e demonstram alto potencial de adaptação e sobrevivência na região semiárida. Com as capacitações Semiá, os grupos produtores de mulheres e jovens conseguiram iniciar os seus próprios empreendimentos, sendo estimuladas e estimulados na aquisição e compartilhamento de conhecimento e na formação de grupos sociais. O fortalecimento da produção trouxe maior resiliência dos sistemas produtivos, mesmo durante os períodos de seca.

DEPOIMENTO

“Aprendi a fazer a horta, a não usar veneno, a fazer o composto orgânico, aprendi a fazer o biofertilizante, bolos, doces, rosquinha e salgados, também fazemos cocada e licor de caju. Tivemos o importante acompanhamento dos técnicos. O sombrite, a encanação para irrigar as hortas e o biodigestor também contribui muito na economia da casa, e com a comercialização dos produtos ganhamos nosso sustento.” Luzia Felício, 56 anos, da comunidade Pedra II, Caraúbas (RN) 11


Nos afazeres diários da casa e no seu arredor, as mulheres são as principais gestoras dos cultivos e criações, e por isso estão sempre criando estratégias e alternativas para aperfeiçoarem a produção, se tornando multiplicadoras de experiências.

Reunião do Grupo de Mulheres Mãos Sábias, Assentamento Ursulina, Caraúbas (RN)

Gênero 12

Os momentos de formação têm um caráter técnico e também político, contribuindo de forma pedagógica para o empoderamento das mulheres, o conhecimento da comunidade, as práticas agroecológicas e as relações de gênero. Os resultados se refletem também na autoestima delas, que estão sempre na busca pelo aprendizado e troca de conhecimento. Elas se tornam protagonistas de sua história, conquistando espaços onde antes só havia a participação de homens, quebrando vários paradigmas e trazendo melhorias para si e para suas famílias. Contudo, apesar da superação de algumas barreiras, esse é um processo ainda não superado por muitos grupos de mulheres, que ainda lidam com o enfrentamento à violência e ao machismo vigente nas regiões de atuação, convivendo com dificuldades na participação em espaços públicos.

DEPOIMENTO

Eu não sou contra ela sair. Quando ela sai pra algum dos intercâmbios, ela já vem com um modo diferente de plantação das hortaliças. Como ela aprendeu lá, ela já passou pra mim, e eu aprendo também.

Lázaro Ramos, agricultor do Assentamento 1º de Maio, em Caraúbas (RN), e esposo de Damiana da Silva

13


A juventude das zonas rurais do Semiárido

DEPOIMENTO

brasileiro enfrenta dilemas entre a permanência no campo e a migração para outras regiões e os centros urbanos, para o acesso à renda ou aos bens culturais. Principalmente diante das incertezas do clima e da distância em relação à cidade, muitos e muitas adolescentes e jovens acabam não visualizando em suas comunidades espaços de produção de culturas alternativas de geração de renda e tecnologia. O Projeto incentivou momentos de discussão sobre alternativas de renda, como a produção agroecológica, a panificação e a produção de biojoias a partir de sementes da Caatinga, incentivando

Grupo de Jovens em capacitação com biojoias, Sítio Riacho Fundo, Carnaíba (PE)

o empreendedorismo nas próprias comunidades. Em negociação e parceria com associações comunitárias e prefeituras, os grupos de jovens equiparam sua

Juventude 14

A construção e inauguração dessa padaria foi um momento de conquista para nós e também para nossa comunidade. Está se iniciando uma forma de trabalho que vai gerar renda e nos manter na zona rural, evitando o êxodo. Esse é um motivo de agradecer a parceria das instituições, mas esse também é o resultado do empenho e

produção e viabilizaram a construção de

coragem dos jovens

empreendimentos através de mutirão para

Verônica Braz, do grupo de Jovens do Sítio Santa Rita, em São José do Egito (PE)

a mão de obra e contribuição com recursos arrecadados pelos grupos, proporcionando novas perspectivas de permanência na região.

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DEPOIMENTO O Projeto promoveu capacitações em produção agroecológica, a fim de garantir acesso regular e permanente dos grupos e suas famílias a alimentos e água de qualidade e em quantidade suficiente. Com os conhecimentos adquiridos nas formações, as mulheres aprenderam a manejar adequadamente sua produção animal e vegetal, trabalhando conforme a lei brasileira de orgânicos (Lei 10.831), e ganhando a confiança de consumidores e consumidoras. Durante as reuniões, mulheres e jovens compartilham também suas dificuldades no enfrentamento à situação de escassez de água, tanto para produção de

Agricultora Márcia Maria Martins, Sítio Inveja, Tabira (PE)

alimentos como para consumo humano, fortalecendo o direito à consciência política, conhecimento das informações e voz nos espaços de debate e aprovação de políticas públicas, como os Conselhos de Alimentação Escolar e de Segurança

Soberania e Segurança Alimentar, Nutricional e Hídrica 16

Alimentar, trazendo transformações para suas comunidades.

No início, era muito difícil, porque não tínhamos condições nem de ter uma alimentação mais ou menos digna, e hoje acordo bem cedo pra cuidar dos animais e da minha roça, e não tem coisa mais prazerosa do que trazer aquele balaio de fartura. Mulher não é sexo frágil, a prova tá aí: todos os dias eu supero um desafio, uma luta. Joselita Ramos (Fia), Comunidade Barreiros, Carnaíba (PE)

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DEPOIMENTO A formação de grupos fortalece as comunidades na intervenção em campos sociais e de políticas públicas. As capacitações do Semiá serviram para construir conhecimento e também empoderamento e valorização das pessoas e dos grupos, visando à superação de dificuldades conjuntas. Os grupos conseguiram montar e organizar a área de produção, gerar renda e aprimorar as técnicas de sustentabilidade iniciadas pelo Projeto. As mulheres tiveram a capacidade de multiplicar esse conhecimento em outras comunidades.

Grupo de Mulheres Unidas para Vencer, Assentamento 1º de Maio, Caraúbas (RN)

Grupos de mulheres também se inseriram em plenárias e promoveram incidência no orçamento dos municípios, garantindo projetos de lei de repasse de recursos para as associações comunitárias, e mobilização junto às prefeituras para a conquista de

Trabalho com redes e grupos de mulheres engajadas 18

espaços de produção e comercialização.

A partir do momento que eu comecei a fazer parte do grupo, eu mudei meu jeito de viver. Porque antes de eu fazer parte de grupo, se desse para mim, estava tudo bem, o resto que se virasse. Foi a partir do momento que eu comecei a me integrar em grupo, que aí começou a socializar uns com os outros da comunidade, aprendi a ter mais paciência, tolerância. Zilmar Barros da Silva, Grupo de Mulheres A Flor do Sertão, Comunidade Carapuça, Afogados da Ingazeira (PE)

19


DEPOIMENTO

O Projeto Semiá também trabalhou no fortalecimento de organizações parceiras (associações comunitárias, cooperativas, sindicatos e outras), promovendo e apoiando sua formação e autonomia. As organizações formadas por grupos de mulheres e jovens apoiados pelo projeto regularizaram suas situações jurídicas e, hoje, têm condições de acessar Chamadas Púbicas e créditos de fomento voltados à agricultura familiar para comercializar a produção. Com participação em organismos como redes de mulheres, fóruns e conselhos

Comissão de Mulheres do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Caraúbas (RN)

municipais, coordenadorias e diretorias da mulher nos municípios, os grupos são empoderados não só para acessarem programas de investimento, mas também se inserirem em políticas de garantia de

Fortalecimento de organizações parceiras 20

direitos e enfrentamento à violência.

Essas reuniões, como a do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), são de muita importância para a comunidade, pois esclarecem muito e mostram que de fato temos, sim, direitos, é só saber procurar. Aqui as pessoas são muito desacreditadas em muitas coisas; foi depois de a Diaconia vir para a comunidade que muita coisa melhorou, e mesmo assim ainda temos muito a lutar. Maria Pinheiro, presidente da Associação Comunitária do Sítio Merejo de Cima, em Doutor Severiano (RN) 21


Atividades Estratégicas Desenvolvidas 249 Reuniões Comunitárias 125 Reuniões Políticas 7.228 Visitas de Acompanhamento Técnico 24 Treinamentos sobre acesso ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), apoiando 16 Organizações da agricultura familiar. 34 Treinamentos sobre gestão financeira de empreendimentos 38 Treinamentos em planejamento da produção e comercialização 14 Intercâmbios de experiências entre as comunidades 36 Unidades de Processamento da Produção implantadas, incluindo financiamento de estrutura e maquinários de apoio a padarias, cozinhas, aviários e unidades de processamento de frutas, doces e mel 225 Unidades de Produção Agroecológica implantadas 60 Grupos de Mulheres fortalecidos com os treinamentos Articulação com organizações parceiras: associações comunitárias, sindicatos, cooperativas, igrejas, Conselhos de Segurança Alimentar, prefeituras etc Contrapartidas 45 Cisternas Calçadão para famílias de mulheres apoiadas no Sertão do Pajeú – Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) / Ministério do Desenvolvimento Social 150 Unidades de Produção Agroecológica (Caráter Produtivo) no Sertão do Pajeú e Oeste Potiguar – Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) / Segurança Alimentar e prefeituras, entre outras. 22

RESULTADOS Fortalecimento da Produção Agroecológica Beneficiamento e Valorização da Produção Comercialização nas comunidades e feiras Acesso à comercialização institucional Criação e Mobilização de Grupos de Mulheres e Jovens Empoderamento das mulheres e participação em capacitações, intercâmbios e eventos Fortalecimento de parcerias com associações, org. governamentais e ONGs

DEPOIMENTO

Hoje, as mulheres, com esta renda ajudam seus esposos e seus filhos. Só vendo e convivendo com esse Projeto pra a gente ter a ideia da força dele. Que venham novos projetos para fortalecer as mulheres, empoderar as mulheres. Porque é isso que agente quer: um mundo melhor, uma sociedade mais justa, mais digna pra todas as trabalhadoras rurais, para toda a família.

Ilma Maria, da Comissão de Mulheres do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Caraúbas (RN) 23


Durante as visitas e capacitações, os grupos

sendo superado de transição para a prática

foram trabalhados com a consciência

agroecológica.

agroecológica, no sentido de que sua produção

Pode ser destacada também a inclusão social de

seja reconhecida pela qualidade, de forma rentável e sem prejudicar os recursos naturais com agrotóxicos.

pessoas que se encontravam com pouca ou quase nenhuma participação nos grupos e organizações da comunidade e que, a partir da intervenção

As visitas e capacitações contribuíram para o

do Projeto, passaram a integrar os grupos

melhor uso da água, melhorando sua projeção

existentes e iniciaram novos grupos de produção

sobre os recursos naturais disponíveis a partir

e comercialização nas feiras agroecológicas, nos

da visão integral de irrigação e criação de

programas governamentais e em cooperativas

animais adaptados às condições da região

que garantem a comercialização e geram renda

(aves, caprinos e suínos), um processo ainda

mesmo no período de seca.

Família da agricultora Antônia Cosmo da Silva (à esquerda), da comunidade Sítio Mendes, no

Cultivo e criação de plantas e animais mais adaptáveis ao meio ambiente Visão integrada da propriedade e seu entorno: atmosfera, água, solo, plantas e animais

Cultivo e criação de plantas e animais mais adaptáveis ao clima e ao solo

Aproveitamento dos recursos disponíveis para compostagem, alimentação da família e dos animais, e comercialização

Valorização do saber tradicional: cada família conhecendo sua terra, sua história e sua identidade

município de Doutor Severiano (RN) - A família toda é envolvida no trato com a agroecologia e cultiva frutas (banana, maracujá, acerola, mexerica), verduras, legumes (pepino, pimenta de

A essência do trabalho é o núcleo familiar

Manejo responsável de água e alimentos

Controle de pragas e doenças com defensivos naturais

Fonte: Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) - www.agroecologia.org.br (adaptado)

PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA

cheiro ou pimentel, chuchu) e grãos (gergelim). 24

25


BENEFICIAMENTO E VALORIZAÇÃO DA PRODUÇÃO

Alimentos Beneficiados são processados a partir das frutas, legumes e outros recursos naturais dos quintais ou plantios. Exemplos: polpas, doces, bolos, pães, farinha de mandioca, de milho, gergelim entre outros.

1

Grupo de mulheres da comunidade Barreiros, em Carnaíba (PE), manejando a máquina despolpadeira de frutas - A comunidade, que não aproveitava o umbu (fruta típica da caatinga), hoje armazena e comercializa a polpa do fruta.

26

O olhar sobre a produção agroecológica como um

atividades, desde o resgate de receitas de

todo despertou a atenção das comunidades para o

alimentos processados (bolos, doces, etc.) até a

aproveitamento dos recursos que antes se perdiam

abordagem sobre o conhecimento tradicional,

nas propriedades, como o caso das frutas típicas

relacionado com a conservação de biodiversidade,

da região em períodos de safra. O armazenamento,

comercialização de produtos agrícolas, pecuários,

para comercialização e consumo de polpas e sucos

artesanais, resultantes do trabalho com

ao longo do ano, agrega valor e incrementa a

produtos associados da agricultura familiar, e o

geração de renda.

aproveitamento de habilidades e conhecimentos

Durante as visitas, foram realizadas diferentes

das mulheres e jovens envolvidos.

2

Foto 1: Pão de macaxeira produzido pelo grupo do Assentamento Ursulina, Caraúbas (RN); Foto 2: Biscoitos de Gergelim do Assentamento 1º de Maio, Caraúbas (RN); Foto 3: Pães Caseiros da Lúcia - Ipoeira, São José do Egito (PE)

3

27


EMPODERAMENTO DAS MULHERES E CONQUISTA DE ESPAÇOS PÚBLICOS

Reunião política de construção do Plano Plurianual, São José do Egito (PE)

DEPOIMENTO

28

O fato de as mulheres contribuírem com a renda

comercialização, além dos eventos de capacitação

familiar trouxe uma nova compreensão sobre a

promovidos pelo Projeto.

presença feminina nas famílias e comunidades.

A geração de fontes de renda a partir dos talentos

Como fruto de um trabalho que vem sendo

descobertos nas capacitações também contribuiu

realizado por diversos atores sociais (associações

para a autonomia e o engajamento maior das

comunitárias, sindicatos e organizações parceiras),

mulheres, que foram apoiadas na produção de

os grupos se fortaleceram e aumentaram sua

artesanato e alimentos beneficiados, na construção

participação política.

de espaços comunitários para beneficiamento e

Em algumas localidades, os maridos passaram

comercialização da produção ou na participação em

a encorajar as companheiras e filhas mulheres

reuniões que despertam para seu papel de agentes

Eniezia Karisma, do Grupo de Mulheres da comunidade do Córrego, Apodi (RN), participante

a participarem dos processos de produção e

políticas transformadoras.

de seminário em Campina Grande (PB)

Chegando na comunidade, vou dizer ao grupo o sucesso que os produtos fizeram, e como foi bom conhecer novas pessoas e outros projetos. Me sinto renovada em ter participado.

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COMERCIALIZAÇÃO E ACESSO AOS MERCADOS (FEIRAS, COMUNIDADES, PAA E PNAE) A conquista de espaços para comercialização

Fruto das lutas da sociedade civil e dos

de produtos agroecológicos superou a distância

movimentos populares das comunidades rurais,

geográfica entre a família e o mercado, e também

diversos programas e políticas governamentais

trouxe justiça e poder de decisão na aplicação dos

de aquisição de alimentos da agricultura familiar,

preços. Através de programas governamentais

como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos)

deaquisição de alimentos (PAA) e de alimentação

e o PNAE (Programa Nacional da Alimentação

escolar (PNAE), um espaço de escoamento da

Escolar) movimentam a economia local com a

produção foi criado, trazendo maior qualidade de

compra direta da agricultura familiar. A produção

vida ao público consumidor.

é destinada a estudantes de escolas públicas municipais e estaduais, hospitais e associações comunitárias, gerando um fluxo de geração de

PAA Destinado à população em

renda, comércio justo e solidário e maior qualidade de vida aos consumidores.

maior vulnerabilidade social (associações de comunidades carentes da zona rural e urbana, Pastoral da Criança, hospitais e entidades filantrópicas)

PNAE Destinado à alimentação de estudantes da educação básica municipal e estadual

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Agricultoras familiares comercializando na Feira Agroecológica de Afogados da Ingazeira (PE)

DEPOIMENTO

Antes a gente só comia verduras uma vez por mês, quando tinha dinheiro para comprar; agora produzo hortaliças sem veneno, de boa qualidade que eu mesmo cultivo e sei de onde vem, posso me alimentar e alimentar minha família. Também vendo polpas de frutas para a merenda escolar na Secretaria de Educação.

Rosinalda Santana de Souza, Rosa, Sítio Cachoeira Grande, Tabira (PE) 31


PARCERIAS COMUNITÁRIAS E INSTITUCIONAIS A importância das parcerias também pode ser observada em diversas ações de incidência política nos dois estados:

e que valoriza saberes locais, fortalece a economia, empodera e garante sua dignidade.

Em Pernambuco, a contaminação da água distribuída para a população através dos carros pipa durante o período de estiagem ocasionou a realização de quatro audiências públicas nos municípios de Afogados da Ingazeira, São José do Egito e Iguaracy nos anos de 2013 e 2014. As reivindicações foram transformadas em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entregue aos gestores públicos, que, dentre outras medidas, se comprometeram em ações como tratamento da água, fiscalização dos caminhões pipa e a instalação do primeiro laboratório de análise de água na região. No Rio Grande do Norte, especialmente no município de Caraúbas, as reuniões comunitárias ocasionaram uma mobilização da população contra as cisternas de polietileno (PVC) distribuídas através do programa Água para Todos do Ministério da Integração Nacional. A resistência a este modelo de cisterna se dá porque desarticula todo o processo de mobilização social e de formação construído junto às famílias para convivência com o Semiárido, 32

Outro ponto, constatado nas reuniões comunitárias e políticas, foi a necessidade de participação popular na construção dos orçamentos e planos plurianuais dos municípios. Através do Projeto Semiá, foi incentivada a mobilização de parcerias com outras instituições e a incidência política de mulheres e jovens nos conselhos e fóruns municipais, reivindicando políticas públicas e monitorando as ações dos governos.

DEPOIMENTO

Principais Resultados da Audiência Pública no Sertão do Pajeú

Através do Projeto Semiá, incentivamos a mobilização de parcerias com outras instituições e a incidência política de mulheres e jovens nos conselhos e fóruns

O DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) elaborou um cronograma semanal das

municipais, reivindicando políticas públicas e monitorando as ações dos governos.

nas emissoras de rádio locais sobre o uso racional da água;

Adilson Alves Viana, coordenador da Diaconia no Sertão do Pajeú

atividades de conclusão da adutora do Pajeú; A Secretaria de Saúde realiza análises periódicas da qualidade da água distribuída nas zonas urbana e rural pelos carros-pipa; O Ministério Público Estadual mobilizou a população através de uma campanha de conscientização Em Iguaracy, a população protestou contra a retirada diária de água do reservatório local para o abastecimento de uma fábrica de abate de frangos, de acordo com a Lei 9.433/97, da Política Nacional de Recursos Hídricos, que dá prioridade ao consumo humano em situações de escassez. Ao todo, 10 caminhões pipa deixaram de retirar quase 600 mil litros todos os dias. 33


ESTUDO DE CASO MULHER

Maria Dilvânia Fernandes

Projeto de Assentamento Ursulina, Caraúbas (RN)

O Projeto apoiou com todo o maquinário

trabalho tem um retorno que faz diferença em

necessário e os uniformes, ficando com elas os

casa toda semana: “Muitos ajudam a gente a

custos com a mão de obra. “Trabalhamos pra juntar

carregar as vasilhas e a transportar os produtos.

esse dinheiro e pagar os pedreiros e equipamentos

Numa situação difícil, quem sabe eles não viram

pra completar essa cozinha. Os maridos também

nossos funcionários? Isso é o que eu chamo de

ajudaram: quando a gente perguntou quem iria

desenvolvimento.”

ajudar, quase todos levantaram a mão”, comemora. “A gente pensa não só em produzir pra fora, mas aqui na própria comunidade, vender durante os eventos da igreja e da escola, e atender bem

Maria Dilvânia Fernandes, mais conhecida

Com as reuniões e capacitações do Projeto, o grupo

como Vânia, é beneficiária do Projeto Semiá

se fortaleceu e começou a produzir bolos e pães

no Assentamento Ursulina e integrante do

para comercialização, aproveitando a tarde do

Grupo Mãos Sábias, formado por cerca de 15

sábado, quando chegam da feira agroecológica

agricultoras. Vânia hoje alcança grandes vitórias

em Caraúbas e terminam as tarefas domésticas e

na motivação das outras companheiras da

do entorno de casa, como a agricultura e a criação

equipe, mas já enfrentou grandes desafios, tanto

de animais. Elas utilizam nas receitas a matéria-

de autoconfiança entre as próprias integrantes

prima da própria localidade (mandioca, erva-doce,

quanto nas relações de gênero: “No início, foi muito

gergelim), além de reaproveitar os ingredientes

difícil, porque existia muito machismo. Os maridos

que sobram. Vânia também sempre busca parcerias

não queriam que as mulheres participassem

com o grupo para trazer cursos à comunidade.

das reuniões de grupos de mulheres nem das

A dificuldade ainda é o transporte para comprar

capacitações. Mas nós não desistimos, enquanto

parte do material, pelo custo alto com o frete das

tinham algumas que podiam sair e participar dos

mercadorias.

encontros, reivindicavam liberdade e igualdade

A maior realização foi a construção da cozinha

para as demais”. 34

comunitária, em um espaço próprio delas.

os clientes.” Os maridos hoje percebem que o

Com o grupo, Dilvânia participou até de eventos internacionais, como a Marcha Mundial das Mulheres (em São Paulo), Marcha das Margaridas (Brasília) e a Conferência Rio+20 (Rio de Janeiro). “É pra a gente lembrar a vida toda a participação nesses eventos. Conhecemos outras realidades e nos surpreendemos com tantas experiências de mulheres em situação mais difícil que a nossa. Além disso, tem a própria viagem e o acampamento, onde a gente cria amizades e vai se ajudando, mesmo em meio às dificuldades. Esses eventos enriqueceram muito a minha vida.” 35


ESTUDO DE CASO JOVEM

Luan ainda se lembra quando decidiu ir para São Paulo tentar uma vida diferente da que vivia no município de Doutor Severiano, no Alto Oeste Potiguar, cidade com cerca de 6.500 habitantes. No Sul, o trabalho era difícil e distante de casa,

Luan Antonio e Raquel Fernandes Sítio Merejo, Doutor Severiano (RN)

por isso tinha que sair muito cedo, e além disso, o custo de vida não compensava as despesas. Foi quando ele decidiu voltar de vez. Com sacrifício, pai e filho equiparam melhor sua produção, adquirindo no comércio da cidade vizinha de Pau dos Ferros um motor para bombear a lavoura, conseguindo pagar o

O casal de jovens agricultores formado por Luan Antonio, 24 anos, e Raquel Fernandes, 18, hoje

36

equipamento de forma parcelada. O apoio se completou com a aquisição de microaspersores e o acompanhamento técnico do Projeto Semiá.

cultiva um terreno junto com o pai

Com as economias, os jovens adquiriram

de Luan, José Lindomar de Castro

uma moto para se deslocar e comercializar os

(Zé de Doca) e a mãe, Fátima de

produtos. Agora a meta é adquirir um carro para

Castro. Após enfrentarem grandes

chegar a cidades maiores como São Miguel,

dificuldades com a seca e a perda

garantindo a freguesia certa da vizinhança e

de animais, Luan e sua família

a clientela nos mercados, já que o município

têm uma visão ampla mesmo

não possui feira agroecológica. Além de

na pequena área de produção,

participar das reuniões organizadas pelo Projeto

obtendo renda em hortaliças como

na comunidade, o casal também investe na

cheiro verde e alface. O capim

formação superior de Raquel, que estuda à noite

crescido também é vendido e

no curso de Pedagogia e se prepara para os

utilizado como pasto para o gado.

concursos públicos da região.

“Costumo dizer que ele é o cara. É ele quem vai seguindo em frente com a propriedade, já que eu estou um pouco mais cansado. Com fé em Deus, trabalhando, a gente consegue, mesmo tendo concorrência. A gente come os legumes, negocia e ainda sobra um valorzinho de renda pra guardar. Nascemos na agricultura, e é isso que a gente tem prazer de fazer” José Lindomar de Castro, Zé de Doca, agricultor, 56 anos

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ESTUDO DE CASO ASSOCIAÇÃO PARCEIRA

Associação dos Apicultores e Meliponicultores Orgânicos do Alto Pajeú - APOMEL Contando com cerca de 50 integrantes, a Associação dos Apicultores e Meliponicultores Orgânicos do Alto Pajeú, a APOMEL, se fortaleceu no acesso à comercialização de produtos da agroecologia junto ao governo municipal, com o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A Associação existe desde 2001, mas foi se organizando aos poucos, sendo a primeira organização pernambucana a adquirir a Declaração de Aptidão Jurídica (DAP) e, assim, ampliar as atividades de atuação para a produção agroecológica em geral (hortaliças, verduras e carnes), devido à queda na produção de mel. A Associação funciona como negociadora: ela busca o mercado, vende a produção e retorna o lucro obtido para os associados e associadas, que com as capacitações e tecnologias de convivência 38

com o Semiárido procuram aumentar e diversificar a produção para comercializar, acessando recursos para irrigação, plantação e criação nas propriedades. A qualidade dos produtos também é percebida pela população e, por isso, a produção é valorizada e procurada. O acesso ao programa de Alimentação Escolar estimula a produção local e valoriza os produtos da agricultura familiar, num cenário de desigualdade entre grandes e pequenos agricultores, permitindo que os recursos adquiridos com a comercialização fiquem no município e movimentem a economia. Dessa forma, a agricultura familiar atingiu uma proporção de 67% do total de produtos adquiridos destinados à alimentação escolar do município, contribuindo para a segurança alimentar e nutricional de milhares de estudantes de todas as escolas da rede municipal, o que faz de São José do Egito um diferencial entre as demais cidades da região do Pajeú.

Uma das vitórias do grupo foi conseguir espaço para comercializar os produtos na alimentação escolar (PNAE)

A jovem apicultora Elzilene Rodrigues (à frente) é a primeira mulher a presidir a Associação, e também integra o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais

DEPOIMENTOS

“A gente quer a alternância das pessoas na coordenação, dando continuidade ao Projeto. O PNAE já é lei; nosso desafio é valorizar e retomar o mel, que é o nosso carro-chefe, buscando mercado para comercializar, equipamentos e materiais apropriados para lidar da forma correta com a produção”

Elzilene Rodrigues, presidente da Apomel

“O pensamento de Associação é importante para as conquistas que tivemos; foi a partir de muitas reuniões que conseguimos junto ao governo um acréscimo no percentual de comercialização. Somente eu não seria capaz de conseguir, e sozinhos talvez nem conseguíssemos 10% de participação”

Elisângela Macedo, agricultora associada e presidente da Associação Agroecológica do Sertão do Pajeú (AASP) 39


METAS E ALCANCE DO PROJETO EM NÚMEROS Público Beneficiário Direto 510 mulheres reunidas em 46 Grupos produtivos, organizadas em associações e/ou cooperativas nas comunidades rurais, municípios e territórios; 105 jovens reunidos em 7 Grupos produtivos; 17 grupos mistos de mulheres, jovens e homens;

Público Beneficiário Indireto Por meio do acesso ao Programa Nacional da Alimentação Escolar - PNAE –

50 associações comunitárias;

estudantes de escolas públicas municipais e estaduais;

10 Sindicatos de Trabalhadores e

3.200 consumidores das feiras agroecológicas e tradicionais nos municípios de

Trabalhadoras Rurais (STTRs) articulados; 10 igrejas; 03 cooperativas.

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Grupo de Mulheres - Padaria Comunitária das Comunidades Quilombolas de Brejo de Dentro e Abelha, Carnaíba (PE)

atuação do Projeto; 400 consumidores das comunidades rurais onde existem as experiências com produção agroecológica; 04 Empresas do Comércio Justo e Solidário.

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Realização: ONG Diaconia - Setor de Comunicação e Mobilização de Recursos Sede Rua Marques Amorim, 599, Ilha do Leite - Recife/PE Tel.: (81) 3221.0508 / E-mail: diaconia@diaconia.org.br Redes Sociais: facebook.com/diaconiabr - twitter.com/diaconia_br Unidade Territorial Sertão do Pajeú Rua Padre Luiz de Góes, 177, Centro - Afogados da Ingazeira/PE Tel.: (87) 3838.1056 / E-mail: afogados@diaconia.org.br Unidade Territorial Oeste Potiguar Av. Divinópolis, 456, Centro - Umarizal/RN Tel.: (84) 3397.2665 / E-mail: umarizal@diaconia.org.br Unidade Territorial Sertão do Pajeú Rua Pedro Pereira, 460, salas 301-303, Centro - Fortaleza / CE Tel.: (85) 3252.6351 / E-mail: diaconiaceara@diaconia.org.br Produção e colaboração de conteúdo: Adilson Viana, Afonso Cavalcanti, Ana Paula Gomes, Ita Porto, Leonardo Freitas e Marcelino Lima. Imagens: Equipes técnicas da Diaconia no Sertão do Pajeú e Oeste Potiguar Edição: Carlos Henrique Silva - SRTE/PE 5.197 Revisão de texto: Clara Cavalcanti - SRTE/PE 3.918 Projeto Gráfico e Diagramação: Nuvon Comunicação Impressão: WDT Gráfica e Editora Ltda / Tiragem: 110 exemplares


Nesta publicação, conheça os objetivos, a atuação e os resultados proporcionados pelo Projeto Semiá, desenvolvido pela Diaconia com o apoio da União Europeia e Tearfund. O projeto potencializou a geração de trabalho e renda para mulheres e jovens no Semiárido nordestino, nos estados de Pernambuco (Sertão do Pajeú) e Rio Grande do Norte (Oeste Potiguar). Com o projeto, grupos de mulheres e jovens se fortaleceram, dinamizaram sua produção e hoje têm acesso aos espaços de comercialização, como as feiras agroecológicas e os mercados institucionais em programas de aquisição de alimentos e de alimentação escolar, estimulando o comércio justo e solidário na busca da superação da pobreza. Também foram abertos espaços de interlocução entre grupos, sindicatos, associações e o poder público, contribuindo para a incidência política, a garantia de políticas públicas e a transformação de histórias de vida e comunidades.


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