A armadilha do tratamento

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"Todo consumidor de serviços de saúde no Brasil, que defende seus direitos, deveria ler esta obra" Maria Inês Dolci, fundadora e coordenadora institucional da PROTESTE

COMO O OVERUSE DE CUIDADOS MÉDICOS ESTÁ ARRUINANDO A SUA SAÚDE E O QUE VOCÊ PODE FAZER PARA EVITAR QUE ISSO ACONTEÇA Rosemary Gibson e Janardan Prasad Singh Com prefácio de Claudio Lottenberg


A ARMADILHA DO TRATAMENTO



Rosemary Gibson e Janardan Prasad Singh

A ARMADILHA DO TRATAMENTO Como o overuse de cuidados médicos está arruinando a sua saúde e o que você pode fazer para evitar que isso aconteça

TRADUÇÃO

Filipe Sousa

2017


Copyright © 2010 by Rosemary Gibson e Janardan Prasad Singh Título Original The treatment trap Tradução Filipe Sousa Capa e Diagramação Aline Cruz Revisão Paulo Bruno Ferreira da Silva Rogério Paiva

[2017] Todos os direitos reservados à Criarmed Editora Av. Centenário, 2411, Edf. Empresarial Centenário, 204, Chame-Chame, Salvador +55 (71) 3183-0360 www.grupocriarmed.com.br


ÍNDICE Agradecimentos ......................................................................................... 11 Prefácio da edição brasileira ...................................................................... 13 Introdução ................................................................................................... 17 PARTE 1 ATREVA-SE A OLHAR Vozes no deserto ............................................................................... 29 Conto de um médico ....................................................................... 33 Como chegamos a este ponto? ........................................................ 42 O rosto humano de “demasiado” .................................................... 63 Você está sendo bombardeado? ...................................................... 84 PARTE 2 INCERTEZA, MARKETING E DINHEIRO Incerteza ........................................................................................... 97 Marketing de Madison Avenue vs. Medicina: história de uma família .................................................................. 110 Mentes marinadas .......................................................................... 122 O capítulo que você não vai querer ler ........................................ 132


PARTE 3 APRENDA E VIVA Dando by-pass no by-pass ............................................................. 147 Faz comigo, não em mim ............................................................. 165 PARTE 4 TODOS OS PROBLEMAS TÊM UMA SOLUÇÃO Acabe com o overuse, não com as pessoas ................................... 183 A outra verdade inconveniente ..................................................... 194 Um plano de reabilitação com dez passos ................................... 200 Vinte maneiras inteligentes de se proteger .................................. 206 Referências bibliográficas ....................................................................... 216 Sobre os autores ....................................................................................... 231

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para aquele que torna tudo possĂ­vel.



A ARMADILHA DO TRATAMENTO As histórias deste livro são verdadeiras e foram relatadas aos autores por pessoas reais. Em alguns casos, os nomes das pessoas foram alterados a pedido delas para proteger a sua identidade e privacidade. Este livro não se destina a fornecer conselhos médicos.

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AGRADECIMENTOS Estamos eternamente gratos às muitas pessoas que nos ajudaram enquanto escrevíamos este livro. Desde o início, Peggy O’Kane compartilhou o seu entusiasmo, que nos incentivou imensamente. Estamos enormemente gratos a Helen Haskell e Deandra e Tom Vallier, que gentilmente partilharam suas experiências de overuse médico e nos ajudaram a compreender seu impacto. O livro não teria sido possível sem eles e todas as outras pessoas maravilhosas que conhecemos, que compartilharam suas histórias. Nós homenageamos sua coragem e fortaleza. Betsy Imholz, Chuck Bell e Lisa McGiffert, da Consumers Union, tiveram fé inabalável na importância e oportunidade deste livro. Seu apoio e encorajamento foram inestimáveis. Amigos e colegas do Dartmouth Summer Institute nos ajudaram a entender o sistema de saúde a partir do interior e a aprender como o profundo conhecimento, sabedoria e tenacidade podem resolver problemas aparentemente insuperáveis. Expressamos nossa mais sincera gratidão a Larry Jassie e Sarveshwari Singh, que leram versões do manuscrito e compartilharam suas valiosas reflexões. Nosso editor, Ivan Dee, viu a sensatez deste livro e sua relevância no contexto político atual. Não há palavras para descrever o quanto estamos gratos por ele tornar o livro possível. Rosemary Gibson Janardan Prasad Singh 11



PREFÁCIO DA EDIÇÃO BRASILEIRA

É PRECISO SABER QUANDO MENOS É MAIS Apesar de todas as tentativas feitas nos últimos anos, frutos das ferramentas da economia da saúde, e ainda que avanços tenham existido, eles não foram capazes de trazer ganhos robustos em eficiência, efetividade e eficácia na assistência à saúde. Isso tem levado a uma série de distorções que devem ser abordadas para a sustentabilidade atual, mas principalmente para a sustentabilidade futura do sistema de saúde. Em 2040, o planeta abrigará 9,2 bilhões de pessoas, segundo estimativas do Banco Mundial, e essas mesmas estimativas falam que serão somados mais de 18 trilhões de dólares aos gastos globais, o que impedirá muitos países, especialmente os de média e baixa renda, de alcançar os objetivos para o desenvolvimento sustentável, traçados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Garantir a sobrevivência do setor e o acesso à saúde demandará, de acordo no Fórum Econômico Mundial, a busca pela eficiência, pois não há margens para ampliar orçamentos públicos e privados. Diante disso, enfrentar o problema do tratamento excessivo, que de forma tão aprofundada o leitor deste livro verá descrito nas próximas páginas, requer não apenas voluntarismo, mas conhecimento. Não apenas disposição, mas método e vontade. Não apenas vozes isoladas, mas 13


união. Requer, sobretudo, ética, o que significa dizer colocar o paciente como ponto convergente do propósito da saúde. Pressionados principalmente pelo sentido de justiça social e pelos melhores sentimentos humanistas, os autores Rosemary Gibson e Janardan Prasad Singh nos convidam e nos conduzem pelo universo do que eles chamam de treatment trap, ou “armadilha do tratamento”, em português. A indicação médica de exames e procedimentos desnecessários, seja até por excesso de zelo, leva os pacientes a riscos maiores do que os benefícios almejados. E, muitas vezes, com consequências gravíssimas, o que motivou o surgimento do Institute for Health Improvement (IHI). Para os pacientes, além dos custos, há o risco de verem seus problemas e doenças mantidos ou agravados e, pior, por vezes transformados em outros ainda mais sérios, quando não fatais. Para o sistema de saúde como um todo, a escalada insustentável dos custos, a distorção de investimentos e o desperdício de recursos em uma área onde cada centavo deve ser gasto da melhor maneira possível, sempre em prol da saúde do paciente. Quando vemos que aproximadamente 30% dos US$ 2,6 trilhões gastos anualmente no sistema de saúde dos EUA são desperdiçados, vemos que, mais do que o mal feito de uns, estamos diante de um problema sistêmico. Um problema que passa, sem dúvida, pela falta de ética de alguns profissionais, mas também por uma série de métodos internalizados nos processos dentro dos centros de saúde e no dia a dia das organizações e que devem ser aprimorados. Por isso, é com muito otimismo e com sentimento de grande oportunidade que vejo a chegada desta obra ao Brasil. Sabemos que o problema de excesso de tratamentos e de pedidos de exames desnecessários também se encontra por aqui, fruto de fragmentação e da falta do uso de uma medicina de melhor evidência. Isso afeta toda a sustentabilidade


do sistema e, consequentemente e de maneira mais lamentável, a própria saúde dos pacientes. Entendo que a exposição dos casos, a divulgação dos números e dos métodos por trás dessa verdadeira indústria são um instrumento poderosíssimo nas mãos dos pacientes. Não para que ele concorra com o médico no saber, mas para que possa entender o contexto a que está submetido e como pode colaborar para sua própria saúde. Particularmente no Brasil, é preciso cada vez mais colocar o paciente como sujeito ativo da própria saúde, posto que a Constituição substituiu dele esta responsabilidade, colocando-a como atributo da estrutura do Estado. Como detentor de muitos direitos, sim, mas também de deveres. De entender que a promoção da própria saúde é fundamental e passa por muitas etapas. De transformar o paciente, por fim, em um verdadeiro cidadão. E conhecer os riscos do excesso de tratamento é sem dúvida um pré-requisito para isso. Da mesma forma, é preciso estar atento para a sustentabilidade do sistema de saúde do Brasil. Com o envelhecimento da população e as sucessivas crises econômicas, transformar nosso setor de forma holística é fundamental. Em uma área onde o mantra de que “não há mais dinheiro” é repetido diuturnamente, seja por gestores públicos, seja por parte de representantes do setor produtivo e, claro, por parte dos próprios pacientes, tantas vezes o elo mais fragilizado desta cadeia, identificar e atacar as fontes de desperdício é uma oportunidade e uma exigência ética. E, afinal, é sobre o compromisso ético que trata esta obra. É um convite para que, com conhecimento, decidamos todos juntos se avançaremos como sociedade por uma saúde mais sustentável e humana ou se permaneceremos numa disputa em que todos perdem. O livro demonstra que a armadilha está pronta, disparando a todo tempo. Mas ele também nos dá instrumentos para desarmá-la. Ler é o primeiro passo, e 15


este cabe só a você, leitor. Os próximos, daremos juntos. Boa leitura!

CLAUDIO LOTTENBERG Presidente do UnitedHealth Group Brasil (UHG) e do Instituto Coalizão Saúde (ICOS)

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INTRODUÇÃO Esperamos que este livro ajude a evitar que você se junte às fileiras de pessoas que se tornaram vítimas da armadilha do tratamento. Agora, mais do que nunca, você precisa estar alerta para ter certeza de que recebe cuidados médicos que vão beneficiar você. Eis o porquê. Quando começamos fazendo aos colegas e amigos a simples pergunta: “você recebeu assistência médica que você pensou que era desnecessária, e em caso afirmativo, o que aconteceu?”, nunca imaginamos aonde essa pergunta nos levaria. Ouvimos histórias bastante frequentes, tais como exames duplicados, por causa dos cuidados de saúde inadequados. Outras experiências foram mais graves. Pessoas descreveram cirurgias e tratamentos que não as fizeram melhorar e posteriormente piorar Lemos sobre uma pesquisa na qual um terço dos norte-americanos dizem ter recebido tratamentos, exames ou medicação de que não precisavam. Como isso pôde acontecer? Também inquirimos usuários do sistema de saúde que tinham histórias para contar sobre suas próprias experiências pessoais de exagero que tinham feito piorar em vez de melhorar. Eles descreveram como tinham visto pacientes receberem cuidados que os expuseram a grande dano mas pouco benefício ofereceram, se é que houve algum. De fato, os líderes progressistas na área da saúde que estão seriamente preocupados com o overuse dizem que muitos exames de diagnóstico, cirurgias 17


e tratamentos são realizados simplesmente para fazer um dinheirinho. Neste livro, iremos apresentar pessoas que receberam tratamento desnecessário, e nós compartilhamos as histórias de indivíduos altamente capacitados para evitar suas armadilhas. A pesquisa que documenta a assistência médica desnecessária é tecida através das narrativas, tal como o conselho de especialistas de saúde sobre como as pessoas podem se defender de um uso exagerado. Nos debates sobre a reforma da saúde, um elemento em falta tem sido a dificuldade de enfrentar o overuse de cuidados médicos. Políticos e poder estabelecido da saúde não querem falar sobre isso. O overuse de uma pessoa é o pagamento da mensalidade da faculdade de outra pessoa ou uma hipoteca sobre uma McMansion1. O desafio para estarmos atentos aos cuidados de saúde que recebemos nunca foi tão grande. Deixe que este livro seja um guia ao longo de sua caminhada para uma boa saúde. Os americanos são os consumidores finais. Os Estados Unidos consomem mais cuidados médicos do que qualquer outro país do mundo. Milhões de pessoas se beneficiam – quer seja um coração curado, uma fratura corrigida ou um tumor tratado. A cura é profunda e inesquecível. A gratidão é sincera. Não há palavras para expressar a bondade de tudo isso. Então, por que razão tantos americanos dizem que tiveram tratamento médico do qual não precisavam? O tratamento excessivo é real ou algu1. NT: McMansion é um termo pejorativo usado para o tipo de casa grande e luxuosa, considerada demasiado grande para a parcela de terreno, incompatível ou deslocada em relação ao bairro em que está inserida, ou não combinando com a arquitetura tradicional envolvente. McMansion é também um jogo de palavras com a cadeia de fast food McDonald’s, indicando a difusão e consumo excessivo que os críticos frequentemente associam aos restaurantes McDonald’s.)

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mas pessoas são simplesmente niilistas da saúde que rejeitam a medicina? Discretamente enterrados em documentos em papel e em memória de computador estão resultados de pesquisa médica que raramente são aplicados para benefício de todos. Aqui estão alguns exemplos: • Um terço das pessoas que disseram precisar de uma cirurgia de by-pass no coração não precisava disso, segundo pesquisa realizada por médicos da Harvard School of Public Health e da Rand Corporation. • As pessoas que fazem uma Tomografia Computorizada (TC) de corpo inteiro são expostas a um nível de radiação comparável ao de doses recebidas por alguns dos sobreviventes da bomba atômica de Hiroshima, segundo os resultados de pesquisadores da Columbia University, de Nova Iorque. • Cerca de 300 mil mulheres têm ovários removidos desnecessariamente, a cada ano, durante uma histerectomia. À medida que essas mulheres vão avançando na idade, muitas podem morrer prematuramente devido a doenças cardiovasculares e condições relacionadas com a osteoporose, de acordo com um estudo publicado na revista American College of Obstetricians and Gynecologists. • Dezenas de milhares de crianças são submetidas a operações desnecessárias a cada ano nos Estados Unidos para implantar tubos auditivos como proteção contra infecções de ouvido, de acordo com pesquisa publicada na revista Pediatrics. • Dezenas de milhares de pessoas são submetidas a cirurgia de coluna devido a dores lombares crônicas, mesmo quando a prova do sucesso cirúrgico é virtualmente inexistente, de acordo com pesquisadores da Darmouth Medical School. • Mais de dez mil cirurgias realizadas anualmente para prevenir acidentes vasculares cerebrais têm benefício duvidoso e podem causar 19


mais mal do que bem, de acordo com pesquisadores da Mount Sinai School of Medicine, em Nova Iorque. • Dez milhões de mulheres se submetem a exames de Papanicolau desnecessários para triagem de câncer cervical, mas elas não correm risco da doença, porque elas tiveram uma histerectomia completa e não têm mais colo do útero, segundo um estudo publicado no Journal of the American Medical Association. Perguntamos a médicos, enfermeiros e CEOs do hospital sobre o tratamento médico desnecessário que eles veem de dentro do sistema de saúde. Sua resposta inicial foi muitas vezes uma história pessoal, e eles estavam ansiosos para compartilhar suas experiências enquanto pacientes que receberam os cuidados médicos que não os fizeram melhorar e, por vezes, fizeram com que piorassem. Alguns médicos têm uma confiança inabalável nas possibilidades da medicina. Outros são mais céticos e veem as armadilhas. Também os pacientes têm as suas crenças. Muitos americanos têm uma fé profunda no poder da medicina moderna enquanto um número incontável de outros está receoso dos cuidados de saúde modernos e se abstêm de usar o sistema sempre que podem. Enfermeiros passam mais tempo com pacientes – mais do que os médicos – e veem o impacto do tratamento médico. Enquanto testemunhas silenciosas da humanidade em seus momentos mais vulneráveis, suas mentes e corações estão cheios de memórias de pacientes para os quais o sistema não soube quando parar. Os insiders do sistema de saúde confirmam que a assistência médica que não faz as pessoas melhorarem se tornou dominante na década passada. A intensidade da preocupação é quase visceral. Uma enfermeira experiente comenta: “O seguro de saúde significava dar às pessoas 20


acesso aos cuidados de saúde. Agora é uma forma de dar aos provedores acesso aos pacientes.” O ex-CEO do Johns Hopkins Health System, dr. James Block, diz sobre o overuse: “Meu Deus, há tanto. Você vê isso em todo o lado.” Onde está a linha tênue entre os cuidados apropriados que fazem as pessoas melhorarem e o tratamento inadequado? A linha pode ser difícil de distinguir porque podem existir diferenças legítimas de opinião sobre a evidência científica do que funciona na medicina e o que não funciona. No entanto, o consenso está emergindo no seio dos líderes progressistas na área da saúde sobre os procedimentos médicos, testes e tratamentos que são usados excessivamente e não beneficiam as pessoas que eles deveriam estar ajudando. Em novembro de 2008, o National Quality Forum, uma organização sem fins lucrativos sediada em Washington, divulgou a lista de medicamentos de uso controlado, exames laboratoriais, exames de diagnóstico e cirurgias que são usados excessivamente. A lista inclui antibióticos, raios-x, tomografias cardíacas, cirurgias de by-pass do coração, cirurgias de coluna, do joelho e substituição de quadril, prostatectomia, angioplastia e histerectomia. A maioria das pessoas não se exalta por causa de um raio-x ou de um exame laboratorial desnecessário. Mas coisas aparentemente pequenas são responsáveis por um enorme volume de cuidados e custos desnecessários, e podem desencadear uma avalanche de mais exames e tratamentos. As pessoas se exaltam por causa de uma grande cirurgia que é ineficaz ou inútil e, portanto, desnecessária, porque invade a inviolabilidade do corpo humano. Ela provoca dor, derrama sangue e pode desencadear pensamentos sobre a própria mortalidade. O risco de infecção e complicações está sempre presente. Uma vez que a cirurgia desnecessária fornece uma visão clara do mundo do overuse médico, narrativas na primeira pessoa de quem foi submetido a cirurgias que não deveriam 21


ter sido realizadas são apresentadas nos capítulos seguintes. Em parte, esse fenômeno singularmente americano é uma consequência da pressão esmagadora de fazer mais. O dr. Ethan Halm, do University of Texas Southwestern Medical Center, realizou uma pesquisa sobre o overuse médico e descreve a abordagem típica no sistema de saúde americano como “não fique aí parado, faça alguma coisa.” Em contraste, diz ele, os céticos de tratamento médico em demasia dizem: “Não faça nada, fique aí parado.” A cultura do “fazer alguma coisa” está mais viva do que nunca e dominante. Os americanos vivem e trabalham numa economia impulsionada pelo mercado onde as empresas prosperam à custa de persuadir a consumir mais. O imperativo é vender qualquer coisa - a casa que é muito grande, a hipoteca que é descabida, ou o investimento financeiro que parece bom demais para ser verdade. Cuidados de saúde impulsionados pelo mercado são motivados pelo mesmo imperativo, que é vender testes, tratamentos e procedimentos que são inadequados, inacessíveis, e prometem mais do que podem cumprir. Nossos corpos são examinados, cutucados, medicados e operados mais do que quaisquer corpos humanos no mundo. Nossas mentes estão marinando em propaganda médica e transformações milagrosas. Estamos convencidos de que mais é sempre melhor. A cultura é alimentada pelo acordo financeiro que paga mais aos hospitais e médicos quando eles fazem mais. Na indústria de cuidados de saúde altamente cafeinada, a palavra-chave é volume, volume, volume. O dr. James Weinstein, diretor do Institute for Health Policy and Clinical Practice na Dartmouth Medical School, chama o overuse de epidemia. Como acontece com qualquer epidemia, essa não é boa para você. O agente patogênico que causa ela é uma mistura de dinheiro e natureza humana. Um médico o chama de o “monstro verde”. Ele se espreita em 22


cada fenda no sistema; seu apetite é voraz, e é obeso. Os dirigentes políticos em Washington que zelam pelo interesse público estão tentando conceber soluções técnicas para reduzir seus hábitos alimentares, mas esse agente patogênico é infinitamente astuto e sofre mutações constantemente. Ele quer iludi-lo – não quer que você saiba que grande parte da medicina é adivinhação. Sob o pretexto de benevolência, ele quer vender qualquer coisa para um público confiante, mesmo que não o ajude e possa eventualmente prejudicá-lo. Seu maior inimigo é a verdade. Ele se alimenta do fato de existir muito pouca evidência científica que justifique grande parte da prática médica atual. Na verdade, ele quer evitar que a boa ciência informe os dirigentes políticos e o público sobre o que realmente funciona, pois o monstro verde seria o maior perdedor. O overuse é assunto tabu da saúde americana contemporânea. Políticos e líderes médicos preferem ficar longe dele. Isso porque o overuse de uma pessoa é o benefício financeiro de outra. Neste livro, damos voz a médicos, enfermeiros, hospitais e CEOs que testemunham isso e aos pacientes e familiares que arcam com as consequências. Mais assistência médica, não menos, é um imperativo para os doentes que não têm condições de pagar. É um imperativo para aqueles que combatem as forças sem rosto das seguradoras que negam suas reivindicações legítimas. É imperioso para os baby boomers2 que querem manter seus corações batendo, olhos vendo, articulações movendo, ouvidos ouvindo e cérebros lembrando. Todos nós aspiramos as bênçãos da boa saúde. Mas isso levanta a questão: “Será que mais é sempre melhor?” O Congressional Budget Office prevê que os Estados Unidos possam gastar 25% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em cuidados de saúde 2. Baby boomer: pessoa nascida entre 1945 e 1964 na Europa (especialmente Grã Bretanha e França), Estados Unidos, Canadá ou Austrália.

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até o ano de 2025. Atualmente, gastamos 16%. O Governo Federal toma dinheiro emprestado da China e de outros países para pagar as contas de hoje. Como vamos pagar as contas de amanhã, se não podemos pagar as de hoje? A menos que o país mude de direção, não haverá dinheiro suficiente para educar nossas crianças, proteger as nossas fronteiras, ou manter a nossa segurança alimentar. Peter Orszag, agora diretor do Office of Management and Budget da Casa Branca, prestou declarações perante o Congresso quando foi diretor do Gabinete de Orçamento do Congresso sobre o overuse, underuse3 e misuse4 dos cuidados de saúde. Ele percebe esse barril de pólvora na economia dos EUA. Para usar as conjecturas fora da medicina, é necessária pesquisa imparcial para saber o que funciona e o que não funciona, e para quem funciona. Você e o seu vizinho podem ter uma condição médica semelhante, mas uma cirurgia ou procedimento pode ajudar o seu vizinho – não você. O seu médico pode não saber qual de vocês iria beneficiar. O American Recovery and Reinvestment Act de 2009, também conhecido como o pacote de estímulo econômico, aprovado pelo Congresso e assinado pelo presidente Obama, incluiu 1,1 bilhão de dólares para financiar esse tipo de investigação. Mas a política pública não pode e não deve parar por aí. O Medicare5 e as seguradoras privadas deveriam parar de pagar por tratamento médico que especialistas imparciais concordam que não trazem benefícios e podem provocar danos. A indústria da saúde e muitos na classe médica preferem não aplicar evidências científicas em benefício público, pois perderiam a renda. Deve prevalecer o interesse de quem? 3. Subutulização, contrário de overuse. 4. Utilização indevida ou incorreta, com desvios, com irregularidades. 5. Medicare: sistema de seguros de saúde gerido pelo governo dos EUA e destinado às pessoas de idade igual ou maior que 65 anos ou que verifiquem certos critérios de

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A reforma necessitará de mais do que a evidência e a eliminação de incentivos financeiros para “fazer alguma coisa.” As correções técnicas só serão bem sucedidas se existir a vontade política para as implementar. Para criar essa vontade política, o impacto do overuse médico nas pessoas precisa ser visto e ouvido. Esse é o propósito deste livro. Ele chama a atenção para as pessoas invisíveis que são apanhadas na epidemia e que estão entre um terço dos norte-americanos a quem foi feito mais do que o necessário. Nós contamos as histórias que suportam as estatísticas. Aqui estão alguns exemplos: • Uma mulher de 90 anos de Nova Jérsei que foi hospitalizada e fez uma histerectomia contra a vontade de sua família. Ela morreu poucos dias depois. • Um homem da Califórnia que tinha endopróteses colocadas nas artérias supostamente bloqueadas de seu coração, e que mais tarde foi informado por um outro cardiologista: “Meu Deus, você não precisa de endoprótese. Não há nada de errado com você.” • Uma mulher que recebeu quimioterapia tóxica para um câncer que ela nunca teve, uma das várias pessoas tratadas por um médico do Alabama para câncer inexistente. No espírito de otimismo, acreditamos que a política de saúde pode ser feita pelo povo, para o povo. Na melhor das hipóteses, a política pública é informada e moldada pela experiência humana para remediar um mal social. O primeiro passo da reforma é dar visibilidade e voz à experiência humana. Há anos atrás, o British Medical Journal publicou um comentário que dizia, em parte: “Da capacidade de não piorar as coisas... Livrai-nos, Senhor”. Que assim seja.

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PARTE 1 ATREVA-SE A OLHAR



VOZES NO DESERTO Estávamos em 1998, e a verdade estava vindo à tona. Em Washington, DC, o Institute of Medicine of the National Academy of Sciences convocou um prestigiado grupo de médicos, enfermeiros e consumidores que reconheceram uma característica exclusivamente americana de nosso sistema de saúde. Eles chamaram o fenômeno de overuse e declararam que ocorre quando o potencial danificador do serviço de saúde excede o possível benefício. O que é exatamente o overuse? Ele ocorre quando as pessoas são submetidas a cirurgias, apesar de sua condição médica não a justificar. É uma “porta giratória” de testes aparentemente benignos, embora desnecessários, e visitas ao consultório que podem provocar uma nova avalanche de testes e procedimentos. É a prestação de tratamento quando não existe qualquer evidência de que ele trará um benefício. O fenômeno começou a ser detectado na década de 1970, quando o dr. John Wennberg, médico e pioneiro em pesquisas sobre diferenças no uso de saúde no seio das comunidades em todo o país, observou uma epidemia de amigdalectomias em Vermont. Sua pesquisa mostrou que, na cidade de Stowe, 70% das crianças tiveram suas amígdalas removidas ao completarem 15 de idade, comparando com apenas 20% das crianças em Waterbury. Wennberg escreveu: “Durante meio século, a amígdala foi alvo de experimento cirúrgico descontrolado e em larga escala – amigdalectomia”. 29


Wennberg descobriu outra epidemia afetando os homens no Maine. Sessenta por cento dos homens que viveram em determinadas comunidades tiveram suas próstatas removidas quando completavam 80 anos, enquanto apenas 20% dos homens eram submetidos à cirurgia se eles vivessem em outros locais do estado. No Congresso dos EUA, em 1974, o House Committee on Interstate and Foreign Commerce realizou audiências sobre cirurgia desnecessária. Especialistas testemunharam que quase 18% das cirurgias que estudaram poderiam não ter sido necessárias. Em 1976, o House Subcommittee on Oversight e Investigations ouviu evidências e concluiu que eram realizadas anualmente 2,4 milhões de cirurgias desnecessárias, resultando em 11.900 mortes. O custo anual dessas cirurgias foi estimado em 3,9 bilhões de dólares. Desde 1976, nenhuma nova estimativa de overuse foi calculada. Nas décadas de 1980 e 1990, a Rand Corporation e outros pesquisadores estudaram o overuse de procedimentos médicos selecionados e descobriram que muitas pessoas foram submetidas a cirurgias e exames de que elas não precisavam. Um dos procedimentos que examinaram foi a endoscopia, um exame extremamente desagradável em que o paciente engole um tubo fino, flexível, iluminado, chamado endoscópio, que então transmite uma imagem do interior do esôfago e estômago. Dezessete por cento das endoscopias foram realizadas por razões claramente indevidas. O termo overuse foi cunhado em 1991 pelo dr. Mark Chassin, médico e pesquisador, e posteriormente presidente da Joint Comission, a organização sediada em Chicago que credencia e certifica 16 mil organizações de saúde. Em um artigo publicado no Journal of the American Medical Association, ele o definiu como a prestação do tratamento quando o seu risco de danos excede seu benefício potencial. Finalmente, o fenômeno crescente na saúde americana tinha um nome. 30


Embora tenha havido ampla evidência de medicina excessiva, isso não despertou preocupação entre o público, estabelecimentos médicos ou políticos. “Sinto que sou uma voz no deserto”, diz o dr. James Weinstein de Dartmouth, que realizou uma extensa pesquisa sobre a cirurgia de coluna desnecessária. “Há uma frase em latim para ele, Vox clamantis in deserto, uma voz gritando no deserto.” O OVERUSE SAI DO ARMÁRIO Nos últimos anos, no entanto, o overuse ganhou atenção midiática. A manchete de capa do Wall Street Journal apresentou novos estudos que “sugeriam overuse” de endopróteses para abrir artérias obstruídas. O New York Times denunciou Elyria, em Ohio, onde o número de procedimentos de angioplastia realizados para abrir artérias entupidas era quatro vezes a média nacional. Quando Jane Brody, o veterano colunista de saúde pessoal do Times, descreveu sua experiência dolorosa com uma cirurgia no joelho, um cirurgião ortopédico respondeu que o seu chefe no hospital reclamou que ele não realizava cirurgias suficientes para gerar receitas suficientes. Brody escreveu: “Isso é ultrajante e apenas revela a motivação monetária por trás de muita da medicina moderna. O paciente que se dane; simplesmente traga os dólares”. Os jornais locais dão um sabor mais caseiro ao overuse. Em Hilton Head, Carolina do Sul, o Island Packet relatou uma ação judicial de whistleblower6 movida por um médico do Hilton Head Regional Medical 6. O whistleblower é um delator de fatos criminosos, de más condutas e ilegalidades, podendo ser um integrante da própria organização que cometeu ou acobertou os atos ilícitos ou um indivíduo externo à organização que teve acesso a dados e conteúdo que comprovam tais atos. No caso de um indivíduo externo, o mesmo pode ser um jornalista, investigador, representante da lei ou de agências reguladoras.

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Center que acusou um colega médico de realizar centenas de cateterismos cardíacos desnecessários. O médico acusado teria fugido do país, possivelmente para o Canadá ou Arábia Saudita. O Miami Herald informou sobre um caso de whistleblower apresentado por um anestesista no qual um neurocirurgião foi processado pelo procurador dos EUA por ter realizado mais de 150 cirurgias de coluna desnecessárias. O Minot Daily News (Dakota do Norte) descreveu a ação movida por uma mulher que acusou o médico de realizar uma cirurgia de pulmão desnecessária. Naquele mesmo mês, o Victoria Advocate (Texas) publicou o artigo “A moral dos médicos está à venda?”7, citando médicos locais que alegavam que os seus colegas estavam realizando testes e procedimentos excessivos e desnecessários “simplesmente para ganhar um dinheirinho”. O jornal alegou que “os segurados vitorianos estão sendo espoliados”. Organizações de defesa do consumidor juntaram-se às vozes no deserto para abrir um caminho em direção a um uso mais razoável de serviços médicos. Debra Ness, presidente da National Partnership for Women and Families8, um grupo sem fins lucrativos sediado em Washington, DC, defensor de melhores cuidados de saúde, disse a um comitê do Senado dos EUA que “os cuidados desnecessários são excessivos.” O que está subjacente às notícias, à visão do Congresso e às estatísticas de saúde? O que acontece com as pessoas? Um olhar mais atento revela a história humana não contada. 7. “Are Doctors’ Morals for Sale?” 8. National Partnership for Women and Families é uma organização sem fins lucrativos que promove equidade no trabalho, qualidade na saúde e políticas que ajudam homens e mulheres no atendimento às demandas do trabalho e da família

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CONTO DE UM MÉDICO “Bom dia para você”, disse o anestesista ao homem que vestia a estúpida bata verde que é dada às pessoas quando estão no hospital. “Bem, bom dia para você,” foi a resposta alegre do Sr. Goode, um avô de seus setenta anos. O anestesista, que tinha sido designado para a sala de cirurgia para a operação do sr. Goode, gostou dele instantaneamente. “Ele era um cara legal”, lembra o médico. Era uma manhã de sexta-feira, e o sr. Goode estava no hospital para uma artroplastia total de joelho, um procedimento realizado mais de meio milhão de vezes a cada ano nos Estados Unidos. O cirurgião ortopédico havia dito ao sr. Goode que a cirurgia iria aliviar a dor da artrite nos joelhos, que tornava difícil para ele desfrutar da pesca, seu passatempo favorito. O sr. Goode estava sendo preparado para a cirurgia, quando uma enfermeira apareceu e disse que o cirurgião tinha acabado de designar um anestesista diferente para a cirurgia. O anestesista recorda: “Eu vi que o meu nome tinha sido apagado na programação. As palavras ‘A pedido do cirurgião’ foram escritas no cronograma, o que significava que o cirurgião tinha solicitado um anestesista diferente. Eu não me importei com a troca e passei o dia com as crianças que precisavam de seus tubos auriculares substituídos. Foi um dia realmente bom”. Por volta das 17h, todas as cirurgias programadas para aquele dia estavam concluídas. O anestesista estava de plantão e ainda no hospital. 33


A enfermeira ligou para informar que o sr. Goode estava voltando para a sala de cirurgia. Uma de suas pernas estava fria porque ele não estava recebendo a circulação sanguínea adequada. Um cirurgião vascular foi agendado para operar na tentativa de restabelecer o fluxo sanguíneo. O anestesista lembra as horas seguintes. “Eu estava preparando a sala de operações enquanto o sr. Goode estava sendo transportado. Ele parecia muito pior do que antes, naquela manhã. O grande sorriso ensolarado tinha desaparecido, embora ele continuasse sendo muito agradável. “Eu revi o seu prontuário meticulosamente, algo que eu teria feito se ele tivesse continuado sendo meu caso naquela manhã. Seu eletrocardiograma, ou ECG, sugeria que ele poderia ter uma doença coronária significativa. Na verdade, se eu tivesse visto esse ECG antes da operação naquela manhã, eu teria adiado a cirurgia para saber mais sobre sua condição. Seu registro médico mostrou que ninguém tinha realizado um exame cardíaco. “Eu perguntei ao sr. Goode: ‘Você sente tonturas? Você já teve problemas com a sua visão?’ Ele descreveu um incidente três meses antes, quando ele estava dirigindo e repentinamente, mas momentaneamente, perdeu a visão. Ele encostou o carro e sua esposa dirigiu o resto do caminho para casa. Eu pensei que ele poderia ter bloqueios críticos nos vasos que irrigam sangue ao cérebro, um sinal de doença da artéria carótida. “Eu perguntei a ele sobre as pernas e quão ruim a artrite estava em seus joelhos. Ele disse: ‘Quanto mais eu ando, pior a dor fica’. Eu pensei para mim mesmo, artrite não piora quando se caminha mais. Além disso, ele estava descrevendo dor em suas pernas, e não nos joelhos. Sua condição foi consistente com fluxo insuficiente de sangue para as pernas. Na minha opinião médica, ele não tinha artrite. Doença vascular periférica estaria, provavelmente, causando a dor em suas pernas”. Doença vascular periférica afeta os vasos sanguíneos fora do coração 34


e do cérebro e pode estreitar os vasos que transportam o sangue para pernas, braços, estômago e outras partes do corpo. A artroplastia total de joelho não iria aliviar a dor nas pernas do sr. Goode. Na verdade, parecia que sua doença arterial coronária, sua doença da artéria carótida e sua doença vascular periférica tornariam arriscada a artroplastia total de joelho e estes fatores não foram avaliados antes da cirurgia. Por isso é que o sr. Goode estava em apuros. O anestesista continuou: “Eu questiono o julgamento do médico que iria realizar a artroplastia total de joelho num paciente com uma história médica que não tinha sido avaliada. Eu não posso acreditar que o cirurgião ortopédico não soubesse que esse paciente estava em risco. Acredito que fui retirado do caso na parte da manhã porque o cirurgião ortopédico sabia que eu não teria deixado a cirurgia ir para a frente.” O anestesista descreveu o que aconteceu em seguida. “O Sr. Goode estava sendo levado para a sala de cirurgia, eu tinha uma horrível sensação de que algo ia dar errado. Eu tentei ser otimista e disse a ele: ‘Eu vou estar monitorando você e lhe darei drogas para ajudá-lo a relaxar. Eu estava muito, muito preocupado com ele”. “Enquanto o ligava ao equipamento de controle, conversei com ele e perguntei sobre sua família. Ele disse: ‘Você sabe, eu amo minha família. Eu tenho uma mulher extraordinária e filhos, mas você nunca entende realmente o amor até você ter um neto’. O sr. Goode ganhou meu coração. Ele era o tipo de cara que nunca teria feito um trabalho de baixa qualidade em toda a sua vida”. O cirurgião vascular procurou por uma extensão de vasos sanguíneos que ele pudesse enxertar na perna para fazer um by-pass do bloqueio nos vasos existentes. O sr. Goode estava sob anestesia local e conseguia ouvir o que os médicos na sala de cirurgia estavam dizendo. O anestesista não queria que ele ouvisse algo sobre a dificuldade que eles estavam 35


tendo em restabelecer o fluxo de sangue para a perna. “Eu coloquei-o em um sono suave”, disse o anestesista. Depois de três horas, o cirurgião vascular concluiu que não conseguiria salvar a perna. Quando a sedação terminou, o sr. Goode perguntou ao anestesista: “O que aconteceu?”. O anestesista respondeu, “Você está indo se recuperar na unidade de cuidados coronários, e o cirurgião vascular que operou você virá falar contigo.” O sr. Goode sabia que o anestesista estava escondendo algo. “Eu posso dizer algo sobre você”, disse ele. “Você é uma pessoa atenciosa e você está preocupado comigo”. O anestesista tentou dissuadi-lo de qualquer preocupação: “Eu me preocupo com todos os meus pacientes.” O sr. Goode persistiu. “Você está especialmente preocupado comigo. Acho que sei por quê. Eu posso dizer que você é muito inteligente. Eu aposto que você é inteligente demais para cair nos disparates do cirurgião ortopédico”. O cirurgião ortopédico do sr. Goode provavelmente tinha dito a ele que o procedimento era simples, que ele estaria em casa em uma semana, e que não teria mais dor. Agora ele percebera que o médico não deveria ter realizado a operação. Ele ia morrer e ele sabia disso. Transbordando de emoção, o anestesista continuou. “O Sr. Goode levantou o braço da cama e tentou me abraçar. Ele disse: ‘Eu quero agradecer-lhe por se importar. Eu acho que sei o que vai acontecer. Você sabe por que eu queria ter os meus joelhos tratados? Gosto de ir pescar. E não conseguia mais ir pescar porque eu não conseguia andar. Mas agora eu não vou pescar nunca mais, vou? Eu vou caminhar na vida celestial’”. Mais tarde nesse fim de semana, quando o anestesista estava no hospital, o sistema de alerta avisou que o paciente havia sofrido uma parada cardíaca. A equipe de emergência foi chamada para tentar ressuscitá-lo. O 36


anestesista lembrou: “O sr. Goode veio à minha mente, mas eu tentei não pensar nele. Na segunda-feira seguinte eu estava na sala de cirurgia com um paciente sendo submetido a cirurgia e ouvi uma das enfermeiras dizer a outra enfermeira: ‘Você ouviu sobre o total do joelho? Ele morreu de um ataque cardíaco fulminante’”. “Eu tive de sentar na sala de cirurgia, enquanto outro anestesista terminava o caso em que eu estava trabalhando. Em todos os anos que venho exercendo medicina, nunca tive que parar no meio de uma operação. Tentei recompor-me e fui para o banheiro para jogar água fria no meu rosto. Eu já vi coisas horríveis na minha vida profissional, mas essa foi a pior. O paciente tinha fatores de risco que não foram avaliados. Um homem bom e decente foi submetido a uma operação que nunca deveria ter ocorrido. Este não era o caso de um diagnóstico equivocado de doença cardíaca. Se o sr. Goode tivesse tido assistência médica adequada, ele estaria vivo”. O anestesista confrontou os seus colegas médicos. “Quando entrei na secretaria do Departamento de Anestesiologia, o chefe de Anestesiologia, meu chefe, estava lendo o jornal. O anestesista que deixou o caso ir para a frente era seu primo. Eu perguntei a ele: ‘Você ouviu o que aconteceu? O paciente que fez a artroplastia de joelho na sexta-feira morreu. Essa cirurgia deveria ter sido cancelada na área de espera. O chefe de anestesiologia disse: ‘Ninguém importante morre’”. O anestesista entendeu o que ele quis dizer. Pessoas que são influentes recebem bons cuidados. As pessoas pequenas, as pessoas aparentemente sem importância, não recebem bons cuidados. O sr. Goode foi um cara pequeno, então ele não era importante aos olhos destes médicos. “Eles não entenderam que, quando param de se preocupar com o ‘chão de fábrica’, as pessoas importantes devem se preocupar também”, 37


disse o anestesista. “Se o sistema fica muito desleixado, ninguém está a salvo, nem mesmo as pessoas importantes”. O anestesista continuou: “Eu me aproximei de um dos cirurgiões ortopédicos no grupo médico, que eu pensei que era um cara decente e lhe perguntei: ‘Como você pôde deixar isso acontecer?’. Ele respondeu: ‘Você não vê isso? O monstro verde?’”. O anestesista tentou consertar o que estava errado nesse hospital, mas não conseguiu. A cultura que permitiu que essa cirurgia desnecessária tivesse lugar estava muito profundamente enraizada. “Eu arrisquei tudo para corrigi-lo. Mas não consegui. Agora eu trabalho em um lugar onde colocamos nossos pacientes em primeiro lugar. É possível colocar os pacientes em primeiro e receber compensação justa por um trabalho importante.” O sr. Goode não morreu por causa de complicações na cirurgia ou erros médicos cometidos durante a operação. Ele morreu porque foi submetido a uma cirurgia que não iria tratar a dor nas pernas, mas em vez disso o expôs a um risco muito grande. MUITOS MÉDICOS, MUITOS CONTOS Ao andar pelo hospital com o familiar sinal azul com a letra H em branco, a pessoa comum pode vê-lo como um lugar de caridade. É para lá que correm as gestantes quando estão em trabalho de parto e aonde um jogador de futebol do ensino secundário se dirige se quebrar um braço durante um jogo do campeonato. Um hospital na comunidade pode transmitir uma sensação de segurança porque, caso seja necessário, ele está próximo. Os hospitais são realmente locais de caridade e esperança. Tanta coisa boa acontece dentro de suas paredes. Dentro dessas mesmas paredes, médicos e enfermeiros comentam um lado diferente dos cuidados de saúde. Quase 80% dos médicos que 38


ocupam cargos de chefia executiva em hospitais e grupos médicos e que responderam à pesquisa de 2005 conduzida pelo American College of Physician Executives (ACPE) disseram que estavam muito ou moderadamente preocupados com seus colegas médicos que tratam excessivamente os pacientes para aumentar o seu rendimento. Quando questionados sobre se seus colegas tinham admitido de forma inadequada pacientes no hospital para aumentar a renda, 54% dos médicos que responderam afirmaram que estavam muito preocupados ou moderadamente preocupados com essa prática. Embora estejam em posições de liderança, os executivos médicos parecem impotentes para impedir os seus colegas de prestarem tratamento que não produza qualquer benefício e que possa causar danos. A autonomia é um valor estimado da profissão médica. Ela concede autorização aos médicos para fazerem o que querem, muitas vezes sem terem de prestar contas. É a força motriz que obriga os altos executivos a assistir passivamente enquanto os seus colegas convidam membros inocentes do povo a deixar a segurança de suas casas e a ser admitidos em um local que eles evitariam se pudessem. Isto é a autonomia enlouquecendo. A pessoa comum não sabe o que acontece além das portas fechadas do hospital e se ele ou ela poderia ser apanhado no turbilhão tipo Triângulo das Bermudas da saúde americana. O departamento de ortopedia está realizando cirurgias desnecessárias? Ou a unidade cardíaca está fazendo angioplastias, cateterismos e cirurgias de by-pass cardíaco desnecessários? Enquanto sistemas impermeáveis, hospitais e outros serviços de saúde têm evitado o controle das suas práticas, seja da supervisão pelos seus pares ou pela população. Não há sinais de alerta para informar a potenciais pacientes que eles podem estar em risco. Médicos e enfermeiros, que estão do lado de dentro, reconhecem que há departamentos 39


que fazem muito. Do lado de fora, ninguém sabe, porque ninguém está contando, ninguém está no comando e ninguém é responsável. Autonomia significa que as regras não se aplicam e não são aplicadas. Em outra pesquisa realizada dois anos depois pela ACPE, um médico descreveu a frequência da cirurgia de coluna realizada em sua comunidade: “Nossa comunidade tem a maior taxa de fusão espinhal lombar instrumental, cerca de 600% acima da média nacional… Orientações especializadas geralmente não são cumpridas. Fusões inadequadas e desnecessárias são executadas e muitos pacientes não melhoram ou pioram”. Quem são as pessoas que não melhoraram e pioraram? O que aconteceu com elas? Aqueles que foram operados sabem que não deveriam ter sido submetidos a cirurgia? Quantos outros hospitais no país têm culturas como essa, e como pode a população saber quais são eles? As respostas a estas perguntas não existem atualmente. Mas deveriam. O sr. Goode não tinha conhecimento de que o hospital onde se realizou a cirurgia do joelho era um local com algumas pessoas boas que procuravam praticar medicina de acordo com os mais altos padrões éticos, agindo com a benevolência que cada paciente espera, e algumas outras pessoas que toleravam um padrão diferente. Pacientes ganham quando pessoas boas afastam práticas questionáveis; pacientes perdem quando práticas questionáveis triunfam. No hospital onde o sr. Goode fez sua cirurgia, as pessoas éticas perderam a batalha, mas não por falta de tentativas. Suas carreiras foram ameaçadas. Elas foram rotuladas de “encrenqueiras”. Os bons médicos tentaram manter a superioridade moral, mas, no final, eles perderam a guerra. O sr. Goode foi uma vítima dessa guerra. O anestesista que lutou no lado ético deste conflito e ficou angustiado com a morte do sr. Goode reflete sobre a medicina enquanto profissão: 40


“A medicina é excelente. Você pode ter uma vida com significado. Ajudar a curar as pessoas é o mais próximo que alguém pode ter de fazer a obra de Deus. Você alivia as pessoas que estão sofrendo e a gratidão dos pacientes é extraordinariamente recompensadora. Em medicina, nos foi dado um presente incrível. Mas nós estamos vendendo-o por lama”. O sr. Goode acreditava no poder da medicina moderna para ajudá-lo a viver uma boa vida à medida que envelhecia. No momento em que ele percebeu a última traição perpetrada pelas pessoas em cujas mãos ele tinha colocado sua vida, já era tarde demais. Ele não viu o “monstro verde” que aguardava por uma pessoa confiante e aparentemente sem importância que cruzasse o seu caminho e caísse nas suas garras.

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COMO CHEGAMOS A ESTE PONTO? Os americanos fazem milhões de cirurgias por ano. Quer se trate de um procedimento maior ou menor, cada um deles é um evento memorável na vida de uma pessoa. O propósito pode ser remover um câncer de pele, sarar uma ferida, substituir uma articulação do cotovelo, ou reconstruir um rosto desfigurado por lesão. Os tecidos ou órgãos são cortados. Pode ser utilizado um bisturi ou os lasers podem emitir um feixe de luz forte para aquecer as células e fazer com que estourem. O National Center for Health Statistics relata que, em 2006, 50 mil pessoas realizaram cirurgia de ponte de safena. Nesse ano, foram realizadas em hospitais cerca de 569 mil histerectomias, 542 mil artroplastias totais do joelho e 231 mil substituições de quadril. Milhões de outras operações são realizadas em consultórios médicos e centros de cirurgia de ambulatório. O uso generalizado de cirurgia hoje em dia tornou-se possível por marcos extraordinários em sua história. Entre as primeiras descrições de cirurgias de catarata, partos cesáreos, cirurgias plásticas e centenas de outras cirurgias estão aquelas relatadas em antigos textos em sânscrito. Os escritos documentam o trabalho de Sushruta, um médico que viveu quase 150 anos antes de Hipócrates, no século VI a.C. Ele realizou cirurgias e ensinou aos alunos a arte da cirurgia ao longo das margens do rio Ganges, na antiga cidade de Varanasi, no norte da Índia. Os escritos de Sushruta e de seus alunos descrevem em vivos detalhes as téc42


nicas utilizadas para fazer incisões, extrair corpos estranhos, cauterizar os vasos sanguíneos e amputar membros. Também são documentados métodos de fazer curativos em feridas e uso de medicamentos para prevenir a infecção. São descritos mais de 120.300 instrumentos e procedimentos cirúrgicos. Materiais de sutura eram feitos a partir de casca, cabelo e seda; agulhas eram feitas de bronze e osso. Quando esses escritos em sânscrito foram traduzidos para o inglês no início do século XX, o mundo ocidental teve sua primeira visão da sofisticação evidente na antiga Índia. Sushruta é conhecido especialmente pela cirurgia que ele praticava para reconstruir narizes desfigurados em que utilizava bocados de pele nas proximidades, uma técnica semelhante à usada hoje por cirurgiões plásticos. MARCOS HISTÓRICOS Milhares de quilômetros de distância e séculos mais tarde nos Estados Unidos, em meados de 1800, a cirurgia era um terrível último recurso, um ato de desespero. Felizmente, era raramente realizada. Os arquivos do Massachusetts General Hospital, de Boston, revelam que, entre 1821 e 1846, foram realizadas 333 cirurgias no hospital, todas sem anestesia. Hoje em dia é impossível pensar em cirurgia sem um escudo contra a dor. Em 1897, um médico mais velho de Boston recordou velhas histórias de cirurgias antes da anestesia, comparando-as com a Inquisição Espanhola. O médico relembrou “gritos e gritos, mais horríveis na minha memória atualmente, após um intervalo de tantos anos”. Em uma dessas operações, “a ponta da língua de um jovem canceroso foi cortada por um súbito e rápido golpe de faca e depois o ferro vermelho em brasa foi colocado sobre a ferida para cauterizá-la. Freneticamente impulsionado 43


pela dor e pelo chiado de carne queimando dentro de sua boca, o jovem escapou das amarras em um esforço explosivo e teve de ser agarrado até a cauterização estar completa”. A primeira cirurgia no Massachusetts General usando anestesia foi demonstrada publicamente em 16 de outubro de 1846. Os registros do hospital mencionam que o paciente foi Gilbert Abbott, um tipógrafo que tinha um tumor na mandíbula. Com uma esponja embebida em éter e um inalador de vidro, o dr. William T. Morton, dentista de Boston, administrou a anestesia e o paciente ficou inconsciente. Um cirurgião altamente respeitado, o dr. John Collins Warren, removeu o tumor. Quando o paciente despertou, ele informou aos médicos reunidos na sala de operações, no que é hoje o famoso Ether Dome no Edifício Bulfinch, que ele não tinha sentido qualquer dor. O People’s Journal de Londres capturou o significado de “esta nobre descoberta do poder de acalmar a sensação de dor, de velar a visão e a memória de todos os horrores de uma operação… Vencemos a dor”. Após a realização da cirurgia sem dor, a próxima etapa era reduzir a mortalidade por infecções associadas a procedimentos cirúrgicos. Com pouca compreensão da importância de um ambiente estéril, praticamente 80% de todos os pacientes submetidos a cirurgia adquiriam infecções e cerca de metade de todos os pacientes cirúrgicos morreu de infecção. No Bellevue Hospital, em Nova Iorque, em meados de 1800, era cirurgião o dr. Stephen Smith que exercia o cargo de comissário de saúde na cidade. Os relatos de prática cirúrgica dos seus tempos em Bellevue são intensos. Cirurgiões raramente lavavam as mãos antes de operar. Durante as operações de hérnia, seus dedos sujos exploravam rotineiramente cavidades abdominais e não era incomum para os cirurgiões convidar observadores para fins educacionais a inserir suas mãos 44


não lavadas em feridas. Os pacientes trazidos ao hospital para cirurgia eram operados sem que o local cirúrgico fosse lavado, mesmo que seus membros estivessem enegrecidos de sujeira. Instrumentos cirúrgicos não eram limpos e, quando caíam no chão, eram simplesmente recuperados e usados novamente para amputar um membro ou executar outros procedimentos. Pisos hospitalares estavam contaminados por fezes, urina e sangue. Do outro lado do Atlântico aproximadamente na mesma época, o dr. Joseph Lister, cirurgião da rainha Victoria, observava que pacientes que haviam tido membros amputados em casa tinham mais chances de sobreviver do que pacientes operados no hospital. Os hospitais eram lugares muito mais perigosos, concluiu. Lister foi influenciado pelo trabalho de Louis Pasteur, o químico e biólogo francês que atribuiu a deterioração da carne a organismos microscópicos. Os germes eram a fonte das infecções adquiridas nos hospitais pelos pacientes, fundamentou Lister. Ele foi pioneiro nas práticas antissépticas em cirurgia usando ácido carbólico, o que reduziu drasticamente mortes por infecção e anunciou uma nova era de limpeza e esterilidade. Em abril de 1867, ele relatou que as infecções eram inteiramente evitáveis através de práticas antissépticas. Lister descreveu um menino que tinha fraturado a perna. Nove horas se passaram antes que ele pudesse ser trazido para o hospital, tempo precioso durante o qual a multiplicação de germes poderia causar uma quantidade enorme de maldades. No entanto, o cirurgião relatou que o menino não desenvolveu qualquer infecção e seus ossos estavam “profundamente unidos”, cinco semanas após a sua admissão. No século XX, foram introduzidos os antibióticos, a esterilização de instrumentos e as barreiras microbianas para evitar a infecção. Com a dor eliminada durante a cirurgia e a mortalidade devido a infecção dras45


ticamente reduzida, o palco estava montado para o crescimento dramático do número de cirurgias e sua sofisticação. Agora, no século XXI, as cirurgias são realizadas com robôs chamados “da Vinci”, que removem próstatas cancerosas sem que uma mão humana toque o paciente. São realizadas operações em fetos antes do nascimento para corrigir defeitos de formação. Avanços na cirurgia são um testemunho para a proficiência e compromisso dos médicos e pesquisadores externos e sua busca incansável para desenvolver novas formas de preservar a vida, acrescentam anos à longevidade e melhoram a qualidade desses anos. A experiência do paciente tem melhorado drasticamente. Um internista que foi ele mesmo paciente conta: “Eu fui submetido a uma cirurgia complexa e há dez anos eu teria ficado no hospital durante dez dias. Agora, cinco horas após a cirurgia, que foi realizada sob anestesia geral, eu estava em casa tomando sorvete”. Com riscos mitigados, dor eliminada e praticamente sem restrições financeiras sobre o número de cirurgias que podem ser executadas, os Estados Unidos encontram-se em um período sem precedentes na história da medicina. É de surpreender que alguns dos milhões de cirurgias realizadas todos os anos sejam desnecessários? O QUE É UMA CIRURGIA DESNECESSÁRIA? O dr. Lucian Leape é um cirurgião pediátrico, agora professor adjunto da Harvard School of Public Health, nacionalmente reconhecido por seu trabalho para melhorar a qualidade e a segurança dos cuidados de saúde. Ele vê a cirurgia desnecessária desta forma: “Nenhuma operação é necessária se é ineficaz, se não atingir seu objetivo para uma determinada situação clínica... Uma operação também é desnecessária se não atribui clara vantagem sobre uma alternativa menos arriscada. 46


Em ambos os casos a operação não representa um claro benefício para o paciente. O paciente não ficará melhor”. Com que frequência ocorrem cirurgias desnecessárias? O dr. Leape avaliou a pesquisa publicada que procurava medir isso mesmo e concluiu que cerca de 10% de todas as cirurgias podem ser desnecessárias. Se a prova científica rigorosa dos riscos e benefícios de procedimentos é ineficaz, a percentagem pode subir aos 30%. Estudos mostram que um grande número de operações é inapropriado e desnecessário. Aqui estão alguns exemplos. CIRURGIA DE BY-PASS Praticamente um terço das pessoas a quem foi dito que precisavam de uma cirurgia de ponte de safena, o cirurgia de by-pass não precisava disso, de acordo com o estudo realizado por médicos da Harvard Public School e da Rand Corporation, onde uma junta de especialistas composta por médicos deu uma segunda opinião. Durante o estudo, publicado em 2000, os médicos peritos avaliaram a amostra aleatória de coronariografias em 29 hospitais no estado de Nova Iorque. Angiografias são raios-x tirados durante cateterismos cardíacos para ver se os vasos sanguíneos do coração estão bloqueados. Um pequeno tubo é inserido no vaso sanguíneo no braço ou na virilha e enfiado até a área do coração ou das artérias que levam sangue ao coração. O corante líquido injetado no tubo é visível no raio-x. Quando os especialistas avaliaram as angiografias, concluíram que um terço das pessoas que tiveram indicação para cirurgia de ponte de safena não precisava dela, ou então o benefício era incerto. Além disso, 17% das pessoas que fizeram a cirurgia com base nas recomendações de cardiologistas possivelmente não necessitariam dela. Com 250 mil 47


pessoas submetidas a cirurgia de ponte de safena por ano, se 17% não precisam dela, a cada ano, 42.500 indivíduos são expostos a um procedimento de alto risco que não os ajuda e pode causar-lhes grande dano. CIRURGIA DE COLUNA Milhões de americanos sofrem de dor lombar crônica. Os Estados Unidos têm a maior taxa de cirurgia de coluna do mundo, apesar de os problemas nas costas neste país serem semelhantes aos vividos em outros países. O tipo de cirurgia de coluna chamado fusão espinhal tem sido realizado com muito mais frequência nos últimos anos. Durante a cirurgia, duas ou mais vértebras são soldadas em conjunto para impedir que o movimento entre elas possa ser doloroso. Atualmente, a coluna não é realmente fundida durante a cirurgia, depois leva de três a 18 meses para calcificar. O número de pessoas no Medicare que realizam essa operação tem aumentado dramaticamente – 300% em uma década. No entanto, a operação muitas vezes é realizada em pessoas com dor crônica nas costas, embora não haja evidência de que é uma alternativa melhor ao exercício ou a outras intervenções para ajudá-las a lidar com a dor. Mas a falta de provas não impediu os médicos de realizar o procedimento, que pode durar até 12 horas. O aumento de cirurgia de fusão espinhal ocorreu após a introdução de novos dispositivos cirúrgicos, como parafusos, fios e gaiolas que sustentam a coluna estável até a cicatrização da fusão. Quando trabalhadores acidentados no estado de Washington que realizaram uma operação usando estes dispositivos foram monitorados, 64% permaneceram incapacitados após dois anos e 22% necessitaram de outra operação. Antes de serem amplamente utilizados, os novos dispositivos não foram estudados rigorosamente para determinar se tornariam possível que as 48


pessoas desfrutassem de uma melhor qualidade de vida. Um médico comentou sobre sua própria comunidade que “os custos para a fusão podem variar de 50 a 60 mil dólares ou mais e sem evidência de que ela ofereça qualquer vantagem sobre o tratamento tradicional. É inconcebível que esse aproveitamento injusto seja tolerado. No entanto, os cirurgiões que realizam essas operações estão entre os mais poderosos na comunidade por causa da receita que as cirurgias geram e ninguém é capaz de enfrentá-los sem medo de represálias”. CIRURGIA DE TUBO AUDITIVO EM CRIANÇAS A cada ano, 500 mil ou mais cirurgias são realizadas para inserir tubos auditivos minúsculos nos ouvidos de crianças para impedir infecções de ouvido. É o procedimento mais comum realizado em crianças que requer anestesia geral. Mas dezenas de milhares dessas operações podem ser desnecessárias. Este é o resultado da pesquisa conduzida na University of Pittsburgh e no Mount Sinai Medical Center, em Nova Iorque. Durante décadas, a cirurgia para colocar tubos auditivos no ouvido das crianças tem sido um modelo de tratamento. Uma pequena incisão é feita no tímpano, onde são inseridos pequenos cilindros ou tubos de metal, plástico ou teflon. Os tubos drenam fluidos no ouvido, reduzindo o risco de nova infecção. Acreditava-se que a perda de audição provocada por infecções de ouvido crônicas – em contraste com infecções de ouvido agudas que envolvem um episódio curto embora doloroso – poderiam prejudicar o desenvolvimento da fala e da linguagem da criança. Embora nenhuma evidência provasse que crianças sofriam de atrasos de desenvolvimento ou que seu desenvolvimento se beneficiasse da cirurgia, era ainda assim uma prática corrente. 49


O dr. Jack Paradise e seus colegas da University of Pittsburgh queriam saber se as crianças tinham melhorado a fala, a linguagem e o desenvolvimento intelectual após essa cirurgia. A partir de 1991, eles identificaram mais de seis mil bebês logo após o nascimento e acompanharam de perto até eles completarem de 9 a 11 anos de idade. Eles descobriram que crianças com infecções de ouvido persistentes que foram submetidas a cirurgia imediata para implante de tubos auditivos não tiveram melhor alfabetização, atenção, desempenho acadêmico nem competências sociais. Tubos auditivos poderiam ajudar apenas algumas crianças com uma rara combinação de infecções persistentes e perda auditiva extrema. Quantas operações de tubo auditivo são desnecessárias? Um outro estudo estimou o overuse desse procedimento. Pesquisadores do Mount Sinai Medical Center, em Nova Iorque, revisaram os prontuários de centenas de crianças que realizaram a cirurgia. Eles concluíram que mais de três quartos delas não sofriam de patologia suficientemente grave – tal como definido pela American Academy of Pediatrics – para justificar a operação. Se estas conclusões forem aplicadas ao resto do país, 375 mil crianças podem ter sido submetidas a cirurgia desnecessária, anualmente. REMOÇÃO DE OVÁRIOS DA MULHER Milhares de mulheres podem morrer prematuramente porque os seus ovários são removidos desnecessariamente durante a histerectomia, de acordo com um estudo publicado na revista do American College of Obstetricians and Gynecologists. Aproximadamente metade das cerca de 600 mil mulheres que anualmente realizam histerectomia tam50


bém têm seus ovários removidos. Esta tem sido a prática médica padrão para as mulheres em seus quarenta e poucos anos que realizam uma histerectomia, mesmo que elas não tenham câncer de ovário ou histórico familiar da doença. Em um editorial anexo ao estudo publicado na American College, o dr. David Olive descreve o dogma médico em torno da remoção de ovários das mulheres durante histerectomias: “O ensino predominante é que… [a cirurgia] deveria ser realizada rotineiramente depois dos cinquenta anos de idade… A maioria de nós atua de acordo com este dogma e muitos usam os quarenta e cinco anos como idade limite... para quando se aconselha vivamente o procedimento.” Os defensores dessa prática afirmam que ela elimina o risco de câncer de ovário. O ovário é como um órgão para reprodução e produção hormonal, e quando essas funções cessam, eles acreditam, o ovário não serve para nada a não ser causar danos. Críticos dessa prática clínica dizem que os ovários estão hormonalmente ativos, mesmo após a menopausa, embora não essencialmente para a produção de estrogênio. Além disso, o impacto psicológico e emocional da castração é profundo. Hoje, os “ovários se vão” em cerca de 300 mil mulheres por ano que são submetidas a histerectomia. O dr. William Parker, professor clínico na Los Angeles School of Medicine, da University of California, analisou 20 anos de artigos publicados sobre a questão da remoção dos ovários. “Pensamos que iríamos encontrar que não havia muita diferença se os ovários fossem removidos ou conservados”, escreveu ele. Em vez disso, ele descobriu que as mulheres que têm seus ovários removidos têm maior risco de morrer de doença arterial coronária e um maior risco de fratura de quadril. Isso porque, mesmo após a menopausa, os ovários dispensam hormônios que mantêm a doença cardíaca sob controle e os ossos fortes. Enquanto isso, o estudo não encontrou qualquer redução 51


substancial do número de mulheres que morreram de câncer de ovário. Portanto, os riscos superam em muito os eventuais benefícios. Milhares de mulheres podem estar morrendo prematuramente, diz o dr. Parker. Ele explica isso da seguinte forma: vamos supor que existem dois grupos de dez mil mulheres, com idades entre 50 e 54. Um grupo teria seus ovários removidos enquanto o outro não. Quando atingem 80 anos de idade, 858 mulheres a mais morreriam no grupo em que seus ovários foram removidos em comparação com o das mulheres que não o fizeram. Menos de 47 mulheres terão morrido de câncer de ovário. Entre as mulheres que foram submetidas a histerectomia, aquelas que tiveram ovários saudáveis removidos mais do que duplicou, passando de 25% para 55%, desde 1965. Essa é a tendência notável para uma cirurgia que pode encurtar a vida. Desde o início dos tempos, quando os curandeiros procuravam tratar e curar doenças humanas, as decisões sobre o cuidado adequado já eram alcançadas através do recolhimento de informações sobre o paciente combinadas com a experiência e o julgamento do médico. O médico pode aconselhar-se com colegas que tratam pacientes semelhantes e pode rever a literatura que descreve a experiência de outros médicos e seus pacientes. Decidir se um procedimento é medicamente adequado ou se é necessário tem sido parcialmente baseado na prática da maioria de médicos de uma comunidade. Essa abordagem para a tomada de decisões médicas permanece generalizada até hoje, mesmo depois de bilhões de dólares terem sido gastos em pesquisa para encontrar respostas para o que funciona. Há cerca de 20 anos, foi estimado que existiam evidências para apenas 10% a 20% da prática médica. Médicos pioneiros como o dr. David Eddy começaram a estudar como os médicos faziam diagnósticos e recomendavam tratamento. Ele concluiu que “não é possível para alguém, até mesmo 52


médicos, processar com precisão em suas cabeças todas as informações necessárias para uma decisão médica complexa”. As decisões médicas estão repletas de erros e são tomadas com uma grande incerteza. É por isso que tantas pessoas recebem tratamento médico que não as beneficia e as coloca em perigo. Ele explica por que razão algumas comunidades têm altas taxas de cirurgia de ponte de safena ou cirurgia de coluna, enquanto outras comunidades têm taxas muito mais baixas. As pessoas que vivem em Mason City, Iowa, ou Bend, Oregon, por exemplo, são mais propensas à cirurgia de coluna do que aquelas que vivem em São Francisco. “Quando médicos diferentes recomendam coisas diferentes para os mesmos pacientes, é impossível afirmar que estão todos fazendo a coisa certa”, diz o dr. Eddy, que foi o primeiro médico a usar o termo “baseados em evidências” referindo-se à prática médica. Nos anos 1990, surgiu uma onda de interesse em um novo conceito nos cuidados de saúde americanos: o que os médicos fazem por seus pacientes deveria ser baseado em evidências de seu benefício. Para os não médicos poderia parecer surpreendente que tal conceito fundamental fosse introduzido tão tarde no percurso da história da medicina. O que pode a pessoa comum concluir a partir desta breve história? Que muitas decisões médicas podem estar erradas. E quando as decisões médicas são incorretas, os pacientes recebem tratamentos e passam por cirurgias que não os beneficiam e podem expô-los a possíveis danos. O dr. James Reinertsen, um médico com formação em Harvard e ex-CEO de sistema de saúde, escreveu que a prática da medicina “assemelha-se à Torre de Babel mais do que a atividade cientificamente sustentada... Estamos perdendo nossa autonomia clínica em parte porque o público aprendeu que uma de suas bases – o poder do nosso conhecimento científico – não está sendo aplicada consistentemente em seu benefício”. Ele está certo. 53


A situação não é totalmente desoladora. Os seres humanos estão em uma missão contínua para aliviar a dor e adiar a morte. O enorme talento e energia são dedicados a transformar a incerteza em certeza, ou pelo menos mais certeza e o vazio desconhecido é preenchido buscando, pesquisando e buscando novamente. A pesquisa pode dar frutos abundantes ou revelar pouco mais do que desvarios. A busca por um tratamento para úlcera de estômago ilustra o ciclo do esforço humano para transformar incerteza em certeza e para passar da prática médica baseada na crença e dogma para a prática médica baseada em ciência. CONGELAMENTO DO ESTÔMAGO: DA INCERTEZA À CERTEZA As úlceras do estômago têm atormentado milhões de pessoas ao redor do mundo durante gerações. Até há pouco tempo, a cura era inatingível. O titã corporativo altamente estressado trabalhando sob pressão constante era um paciente de úlcera arquetípico e os médicos acreditavam que o estresse emocional e o regime alimentar eram responsáveis por essa dolorosa condição – até que o verdadeiro culpado foi descoberto. Em novembro de 1963, o mês em que o presidente John F. Kennedy foi assassinado, a revista Time reportava um tratamento promissor para úlceras pépticas. O dr. Owen Wangensteen e seus colegas da University of Minnesota Medical School tinha realizado experiências com congelamento dos estômagos de pessoas que tinham úlceras pépticas. Os pacientes engoliam um tubo com um balão na extremidade. Quando o balão estava no estômago, álcool gelado era vertido para dentro do tubo. O estômago congelado desta forma iria secretar muito menos ácido hidroclórico por vários meses – acreditava-se – e impediria o revestimento do estômago e do intestino delgado de se tornarem dolorosamente inflamados. Os defensores como o dr. Wangensteen previram 54


que o tratamento seria seguro o suficiente para ser realizado em consultórios médicos. Empresários viram uma oportunidade, mesmo antes de ser realizado um estudo rigoroso para determinar se o congelamento de estômago era eficaz. Segundo a Time, “a indústria empreendedora pôs as máquinas em produção e ninguém sabe ao certo quantas estão sendo usadas – e mal usadas – nos EUA”. O New York Times informou praticamente na mesma época que cinco mil máquinas de hipotermia gástrica tinham sido compradas por médicos para realizar o processo de uma hora em seus consultórios ou em hospitais. Muitas pessoas receberam este procedimento antes de os médicos saberem se era eficaz. O congelamento de estômago para o tratamento de úlceras foi afinal desacreditado. Um estudo rigoroso comparou o atual congelamento com “embuste” do congelamento e concluiu que o procedimento não tinha qualquer impacto. O congelamento de estômago foi abolido. Em seu lugar, os medicamentos para prevenir a produção de ácido do estômago tornaram-se prática padrão, consequentemente a imagem dos que sofrem dor tomando antiácidos, ansiando por alívio, prevaleceu. Nas décadas de 1980 e 1990, um médico australiano, dr. Barry Marshall, e o compatriota patologista John Robin Warren investigaram a sua teoria de que úlceras estomacais eram causadas por uma doença infecciosa. Warren reparou que certas bactérias no estômago estavam presentes em quase todos os pacientes com úlceras estomacais. O dr. Marshall procurou descobrir se estes organismos em forma de saca-rolhas, chamados Helicobacter pylori, causavam úlceras estomacais. Ele se infectou deliberadamente com as bactérias e descobriu que suas úlceras estomacais poderiam ser curadas quando os antibióticos eram administrados para matar as bactérias. Em reconhecimento da sua descoberta, Marshall e Warren ganha55


ram o Prêmio Nobel da medicina em 2005. O Comitê Nobel sublinhou que eles “desafiaram dogmas prevalecentes” com “tenacidade e uma mente preparada.” Marshall tinha sido ridicularizado por muitos anos pela elite médica, que acreditava no dogma de que as úlceras estomacais eram uma situação crônica que exigia uma vida inteira de tratamento. Um internista de Boston recorda: “Nós ríamos de Marshall.” Agora está firmemente provado que a Helicobacter pylori causa a maioria das úlceras estomacais. Albert Einstein disse uma vez: “Uma coisa que eu aprendi em uma vida longa: que toda a nossa ciência, comparada com a realidade, é primitiva e infantil – e no entanto é a coisa mais preciosa que temos.” De fato, quando a boa ciência prevalece, os procedimentos médicos que causam mais mal do que bem são reduzidos. APRENDER O QUE FUNCIONA EM CONSULTÓRIO MÉDICO Médicos conscientes e dedicados como o dr. Paul Miles, vice-presidente para a melhoria da qualidade no American Board of Pediatrics, usam ciência na prática médica do dia a dia para entender se estão realmente ajudando seus pacientes. O dr. Miles lembra um estudante de medicina que veio trabalhar em sua prática rural em Idaho durante o verão e lhe fez uma pergunta que mudou sua carreira: “Dr. Miles, como você sabe o que dá resultado?”. “Essa pergunta começou a me assombrar”, conta o dr. Miles. “Eu percebi que estava apostando vidas de crianças em minhas decisões e recomendações e na maioria das vezes eu não conseguia responder à questão de se o que eu fiz tinha resultado.” Isso foi há mais de 20 anos. O dr. Miles começou a examinar rigorosamente os cuidados que estava prestando a seus pacientes. Um de seus primeiros esforços era 56


reduzir o número de crianças que estavam realizando um novo procedimento cirúrgico que ele e os médicos em seu consultório acreditavam estar sendo desnecessariamente realizado por cirurgiões em sua comunidade. Um grupo de médicos de ouvido, nariz e garganta tinha desenvolvido um novo procedimento – cirurgia endoscópica nasal – para tratar sinusite crônica. Os otorrinolaringologistas convenceram as seguradoras de saúde a pagar 12 mil dólares para o realizar. Depois disso, a comunidade rural de Idaho teve uma das taxas mais elevadas desse procedimento no país. O dr. Miles e seus colegas acreditavam que a cirurgia era cara, potencialmente perigosa, e de eficácia questionável. Mais de uma centena de crianças em sua pequena comunidade estavam realizando esta operação a cada ano. O dr. Miles diz: “As tomografias de algumas das crianças pareciam bastante normais e nosso grupo pediátrico estava incomodado por eles estarem fazendo a cirurgia”. Ele descreve o que aconteceu em seguida. “Os cinco médicos pediatras em nosso consultório olharam para o nosso padrão de referência para os otorrinos para esta cirurgia e para a forma como definíamos, diagnosticávamos e tratávamos sinusite crônica. O que nós encontramos nos surpreendeu. O estudante de medicina que visitou nossa consulta durante o verão trabalhou nesse projeto e descobriu que no período de três meses tínhamos diagnosticado sinusite crônica em 150 crianças. Um médico em nosso consultório a tinha diagnosticado 96 vezes e encaminhado os pacientes para cirurgia, enquanto outro médico a havia diagnosticado apenas duas vezes e recomendado cirurgia. “Com esta enorme diferença, perguntamo-nos como cada um de nós definia sinusite crônica e percebemos que tínhamos seis definições diferentes. Também perguntamos como cada um de nós examinou as crianças, e verificamos que as examinamos de forma diferente. Para nossa surpresa, nós aprendemos que éramos parte do problema do número 57


maior de cirurgias porque estávamos diagnosticando inadequadamente as crianças com sinusite crônica, o que levou os pais a procurarem auxílio com o novo procedimento cirúrgico. “Embora estivéssemos indignados com os otorrinolaringologistas por realizarem essas operações que considerávamos um ‘procedimento remunerador agudo’, o dedo acusador apontava para nós. Nós desenvolvemos orientações de práticas e fomos bem sucedidos na redução do número de sinusite em crianças de nossa comunidade que realizava a cirurgia”. Juntamente com vários colegas médicos, o dr. Miles desenvolveu um conjunto de três questões para médicos: Por que você faz o que você faz? Como você sabe em que resulta o que você faz? Como você pode melhorar o que você faz? “Desde então”, diz o dr. Miles, “minha carreira tem sido dedicada a ajudar pediatras a responder a essas perguntas e melhorar a assistência que eles prestam a seus pacientes”. CIRURGIA PARA PREVENIR ENFARTOS Em 1988, pesquisadores da Rand Corporation descobriram que uma cirurgia que evitava acidentes vasculares cerebrais estava sendo descontroladamente usada de forma excessiva – 32% das operações estavam sendo realizadas em pessoas para quem os riscos eram maiores que os benefícios. Dez por cento das pessoas que realizaram essa cirurgia tiveram um acidente vascular cerebral que as debilitou ou morreram após 30 dias. A cirurgia envolve a remoção de depósitos de gordura das artérias carótidas, que fornecem sangue à cabeça e ao pescoço, para impedir que bloqueios possam causar um acidente vascular cerebral ou “ataque encefálico”. É chamada a endarterectomia da carótida. Será que o estudo da Rand e outras pesquisas convencem os médicos 58


a reduzir o overuse? Uma década mais tarde, o dr. Ethan Halm e seus colegas quiseram descobrir. Eles revisaram mais de 9.500 prontuários médicos de adultos mais velhos que foram submetidos à operação. Quase 9% das cirurgias foram consideradas inadequadas, uma diminuição significativa em relação aos 32% encontrados em uma pesquisa anterior. Essa tendência é boa para os pacientes, diz o dr. Halm. “Se você fornecer dados clínicos de alta qualidade a partir de ensaios aleatórios controlados que definam melhor os pacientes que tiram proveito e aqueles que não tiram esse proveito, o uso inapropriado de procedimentos cai drasticamente.” Mas a má notícia, diz ele, é que quase 9% das pessoas que fazem cirurgias não as deveriam ter feito. Se os resultados do estudo fossem aplicados a todos os que fazem a cirurgia nos Estados Unidos, ele estima que cerca de 11.500 pessoas são submetidas a essa operação inapropriadamente e alguns deles poderiam morrer ou ter um acidente vascular cerebral por causa disso. O dr. Halm aconselha que as pessoas devem ser cuidadosamente selecionadas para essa cirurgia, porque para alguns pacientes a possibilidade de dano pode exceder o possível benefício. COMO PARAR DE FAZER O QUE NÃO FUNCIONA Durante muitos anos a American Cancer Society (ACS) recomendava que os fumantes compulsivos fizessem raios-x de tórax anuais para detectar um possível câncer à espreita. Em uma reviravolta dramática, com base em boa ciência, a ACS depois mudou sua recomendação. Essa é uma história de como a ciência foi aplicada para acabar com testes e tratamentos que não produziam benefício e poderiam causar mais mal do que bem. O conto começa na década de 1950. Pesquisadores se perguntaram se 59


radiografia de tórax conseguiria detectar câncer de pulmão em uma etapa precoce, uma questão importante para uma doença cuja esperança de sobrevivência de cinco anos é, na melhor das hipóteses, de 20%, mas mais frequentemente fica em cerca de 2%, de acordo com a ACS. Ao longo das décadas seguintes, pesquisadores realizaram muitos estudos para determinar se o rastreamento para o câncer de pulmão o detectaria mais cedo e, assim, reduziria as mortes. Pode levar tempo para construir conhecimento sobre exames e tratamentos que são eficazes e aqueles que não são. Na década de 1970, ensaios clínicos aleatórios foram financiados pelo National Cancer Institute e prosseguidos na Mayo Clinic, Memorial Sloan-Kettering Cancer Center e outras instituições ilustres. A principal conclusão foi a de que raios-x de tórax não detectam precocemente câncer de pulmão em fumantes de cigarro. A taxa de mortalidade das pessoas que foram avaliadas e daquelas que não foram era a mesma. O número de casos de câncer em uma etapa inicial e em etapa avançada não diferiu entre as pessoas que foram avaliadas e aquelas que não foram. Os pesquisadores concluíram que as radiografias do tórax não beneficiavam os fumantes e eram desnecessárias. Essa pesquisa teve outro efeito imprevisto. Nos estudos realizados na Mayo Clinic e no Memorial Sloan-Kettering, 40 pessoas que foram selecionadas e diagnosticadas com câncer de pulmão realizaram procedimentos que revelaram que elas não tinham câncer. Um dos 40 pacientes morreu devido a um ataque cardíaco após a cirurgia. Uma vez que os estudos foram cuidadosamente realizados em instituições de prestígio, os especialistas acreditavam que se ocorresse uma ampla triagem em hospitais de todo o país, onde a qualidade da assistência pudesse ser menor, o número de pessoas falsamente diagnosticadas e expostas à cirurgia desnecessária seria maior. 60


Com base nessa pesquisa, em 1980, a ACS parou de recomendar raios-x de tórax anuais para detectar câncer de pulmão em fumantes compulsivos de cigarro que tinham os sintomas. Uma vez que o tabagismo é responsável pela maioria dos cânceres do pulmão, a ACS recomendou que as pessoas não fumassem, uma dramática reviravolta que tem ajudado a prevenir o câncer. A aplicação da ciência para o benefício do público pode ser imensamente gratificante. Neste exemplo, foi descoberto que um teste de diagnóstico era ineficaz na detecção de uma doença devastadora e com o uso generalizado poderia causar mais mal do que bem na prevenção do câncer. A principal razão para o overuse médico é a falta de pesquisas imparciais sobre procedimentos eficazes e a incapacidade de usar os resultados. O dr. Reinertsen incentiva os legisladores e o público a dizerem aos médicos: “Você afirma que a sua profissão é baseada na ciência. Demos-lhe poder por causa dos milagres da ciência. Agora nos mostre que você pode usar toda a ciência que sabe para nosso benefício”. Existe agora uma oportunidade de ouro para fazer isso. O DINHEIRO DELES OU A SUA VIDA? O pacote de estímulo econômico do presidente Obama incluiu 1,1 bilhão de dólares para pesquisa para comparar os riscos e benefícios de diferentes tratamentos para um problema particular. Todos concordam que mais dinheiro gasto em pesquisa é uma coisa boa. Mas o consenso para por aí. A legislação consagra o Federal Coordinating Council for Comparative Effectiveness Research, presidido pelo secretário de Saúde e Serviços Sociais. O seu objetivo é recomendar e coordenar a investigação, mas o governo federal está impedido de utilizar a pesquisa para 61


reduzir o pagamento de tratamentos que se provou serem ineficazes ou causarem mais mal do que bem. Se o interesse do público fosse primordial, a ciência seria usada para benefício do público: Medicare e seguradoras privadas deixariam de pagar por tratamentos que não têm resultado útil. Os opositores mais ferozes dessa proposição são as pessoas que têm mais dinheiro a perder se a verdade sobre o que funciona e o que não funciona for aplicada à política de saúde. Quem se beneficia com a verdade são as pessoas que se deitam na maca e entregam seus corpos na esperança de receber toda a bondade que a humanidade pode oferecer. Quem deveria ganhar?

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O ROSTO HUMANO DE “DEMASIADO” As histórias dão vida ao termo estéril “overuse”. Elas obrigam-nos a sentir. O overuse muitas vezes ocorre porque deixamos de sentir. Só se sentirmos de novo nos veremos obrigados a parar. O overuse médico pode se desenvolver a partir de uma intenção nobre e de um desejo genuíno de ajudar alguém que está sofrendo de dor física. Pode ser o produto de uma profunda convicção de que a intervenção médica é efetiva. Foi assim que aconteceu com o médico e ex-CEO de um hospital universitário mundialmente conhecido que se sujeitou a cirurgia na coluna aos 24 anos. “Eu estava na faculdade de medicina na época e tinha ciática”, lembra ele, “uma dor que percorre o grande nervo ciático deste a zona lombar até à perna. O meu mentor, um conhecido médico em Nova Iorque, recomendou que eu consultasse um proeminente cirurgião ortopédico e um neurocirurgião. Ambos foram presidentes de seus respectivos departamentos de prestígio em hospitais universitários. Lá estava eu, um estudante de medicina, ouvindo dois presidentes de departamento dizendo que poderiam fazer cirurgia de fusão espinhal que, naquela época, era um procedimento devastador”. “Quando eu decidi fazer a cirurgia, acreditava ser a melhor coisa desde a invenção da roda. Em retrospectiva, eu fui bobo. Eu deveria ter sido mais cuidadoso, mas eu cresci em uma família de médicos e confiava em médicos”. 63


“Depois da cirurgia eu sentia menos dor, mas a recuperação levou meses. Durante anos eu estive muito limitado no movimento físico e não podia andar de bicicleta ou jogar tênis. Levou décadas para ganhar flexibilidade moderada. Quarenta e três anos mais tarde, eu ainda sinto dor nas costas e tenho espasmos por causa da cirurgia de coluna”. “Por que é que eles fizeram isso? Eles olharam para as minhas costas, eles não olharam para mim. Se eles tivessem me olhado, eles teriam visto que eu tinha acabado de casar e estava sob muito estresse. Eu deveria ter feito exercício e fisioterapia. Para eles, eu era o prego, e eles eram o martelo”. O CEO diz que não tem dúvida sobre as boas intenções dos cirurgiões. “Eles acreditavam que a cirurgia iria me ajudar.” Quando perguntado por que os cirurgiões não viram o impacto que isso teria sobre sua vida, ele diz: “Há uma negação sobre isso. Eles são seletivos e utilizam somente as informações que reforçam a sua raison d’être. Deus dá aos seres humanos a capacidade de negar. É difícil passar pela vida sem negação, porque é muito doloroso. Na medicina, estamos constantemente na corda bamba e sendo forçados a lidar com situações que são de vida e morte. Por ser tão doloroso, não conseguimos saber tudo. Só conseguimos reunir uma quantidade limitada de informação.” A experiência desse médico ilustra o poder da crença subjacente a uma grande parte do overuse médico. Enquanto jovem estudante de medicina que tinha crescido em uma família de médicos, ele tinha uma firme crença no poder dos cuidados médicos para tratar uma situação dolorosa. Ele confiava que as ações de seus médicos iriam beneficiá-lo. Os médicos que o examinaram e trataram tinham uma crença similar. A sua compreensão de que a cirurgia não ajudou, mas piorou as coisas, ocorreu com o passar do tempo. As consequências inesperadas e dolorosas desgastaram a sua crença. Como jovem estudante de me64


dicina, ele descobriu isso por si mesmo, o caminho para a descoberta pode ser solitário e cheio de incertezas. Praticamente nenhum médico irá admitir a um paciente que realizou uma cirurgia que nunca deveria ter sido feita. E poucos médicos vão dizer ao paciente que a cirurgia de outro médico foi inadequada e desnecessária. Contudo, médicos famosos estão começando a falar publicamente sobre o overuse médico que eles próprios vivenciaram. Essas manifestações públicas dão legitimidade às preocupações sobre o tratamento médico que faz mais mal do que bem. Podem provocar um despertar nos ouvintes e convidar outras pessoas a refletir sobre suas próprias experiências e a falar sobre elas. Falar a verdade sobre o que não é dito é corajoso e a coragem é contagiosa. O dr. Don Berwick, presidente e CEO do Institute for Healthcare Improvement, é reverenciado nacional e internacionalmente por seu trabalho ajudando profissionais de saúde a aprender como melhorar os cuidados que prestam aos pacientes. Em um discurso para milhares de médicos, enfermeiros, CEOs de hospitais e outros líderes em cuidados de saúde americanos, ele compartilhou a história da cirurgia desnecessária e excruciante para reparar seu joelho direito, que ele havia machucado ao jogar futebol enquanto estudante de medicina. Sua rótula se deslocou, se reposicionou, e mais tarde se deslocou novamente. O cirurgião operou o joelho. A recuperação foi agonizante e a operação mal sucedida. A rótula do jovem estudante de medicina se deslocou novamente. Recordando sua provação dolorosa, o dr. Berwick reflete: “Para começar, o que acontece é que não acho que eu alguma vez precisasse de uma cirurgia no joelho. Certamente eu não precisava do procedimento amplo, doloroso, desacreditado desde então, que esse cara testou em 65


mim pela primeira vez. O problema que tinha era mínimo e agora eu acho que uma joelheira e alguns exercícios teriam sido suficientes.” “Eu penso que caí na própria armadilha, que, na saúde, a oferta gera demanda sem levar em conta a qualidade dos resultados da assistência... Eu acredito por um minuto que aquele cirurgião secretamente esfregou as mãos gananciosamente e gargalhou, ‘Hee, hee – mais um joelho para eu ganhar dinheiro...’ Nunca na vida. Eu apostaria minha vida - aliás, eu apostei minha vida, não apostei? – em como aquele cirurgião amável acreditava que ele ia me fazer bem. Tenho a certeza disso”. “Mas o fato é: agora eu sei que eu fiz uma cirurgia inútil para um problema não-cirúrgico. O meu cirurgião e eu não sabíamos disso na época. Eu tenho um parafuso de metal no meu joelho sem motivo. Meu joelho se ferrou desnecessariamente.” A receita para a boa assistência – e a prevenção de tratamento desnecessário e inadequado – obtenção rotineira e sistemática de informação objetiva pelos médicos sobre os resultados dos seus pacientes. Quando essa informação é examinada de forma imparcial, compartilhada entre médicos e relatada publicamente aos pacientes, os médicos vão saber se seu trabalho os beneficiou. Mais importante, uma base de informação será construída com as intervenções médicas que são eficazes e com as que não são. E a informação pode ser utilizada para o benefício de muitos. Sócrates disse uma vez: “Não vale a pena viver a vida que não é examinada.” Também se pode dizer que “não vale a pena praticar a ação médica não examinada.” Uma análise aprofundada da assistência médica prestada a pacientes é uma das melhores receitas para a saúde. O seu médico lhe diz que você tem câncer. Ou o seu médico diz que você tem uma bomba-relógio em seu peito e a qualquer momento poderá sofrer um ataque cardíaco fatal. Imagine que você faz a cirurgia e 66


descobre mais tarde que você nunca teve câncer ou doença cardíaca. O erro médico, como o resultado do teste erroneamente rotulado destinado a outra pessoa, não era a causa. Como pode isso acontecer? RON, UM MECÂNICO INDUSTRIAL DA CALIFÓRNIA Ron Spurgeon, um nativo da Califórnia, serviu quatro anos na Marinha e era bombeiro no Departamento Florestal da Califórnia. Ele também trabalhou como operador de caldeira e mecânico industrial para algumas das maiores madeireiras da Califórnia. No Dia dos Pais em 2001, Ron estava ajudando seu filho com jardinagem ao redor da piscina da família. Enquanto ele empurrava um carrinho de mão cheio de pedras, este virou-se. Ron sentiu uma pontada em seu ombro direito, mas não lhe deu importância. Na manhã seguinte, Ron acordou como habitualmente às 5h da manhã para ir para o trabalho. Ele e sua equipe de mecânicos estavam construindo um anexo na usina e tinham um dia de nove horas pela frente. Quando ele pegou suas botas de trabalho, sentiu como se tivesse atingido um nervo em seu cotovelo direito. As botas caíram de sua mão direita e ele podia sentir a dor irradiar até seu ombro. Tendo recebido muitos prêmios de assiduidade, ele estava relutante em faltar ao trabalho e quebrar a série. Mas sua esposa, Carole, ligou para o seu médico de família para marcar uma consulta. O telefonema desencadeou uma sequência de acontecimentos inesquecíveis. O médico de Ron recomendou que ele consultasse um cardiologista para uma prova de esforço nuclear para descobrir como o sangue estava fluindo ao seu coração. Ele lembra-se do médico dizendo: “Este cardiologista é o melhor. Ele é um grande homem e você tem a sorte de obter uma consulta com ele em tão curto prazo. Se houver um problema, ele vai encontrá-lo.” 67


Quando Ron terminou o teste, ele perguntou ao jovem que o conduziu, “Será que eu passei ou não?” Foi-lhe dito: “Caro senhor, você tem a pressão arterial de um adolescente!” Ron foi para a sala de espera onde disse a sua esposa que não era provável que os exames encontrassem algo de errado. Quarenta e cinco minutos mais tarde, o cardiologista disse: “Senhor, você tem alguns problemas sérios. Eu acho que você teve um leve ataque cardíaco.”. Completamente chocado, Ron perguntou: “Quando?”. O médico respondeu, “Eu não posso dizer. Mas você tem um problema cardíaco grave. Precisamos de um cateterismo cardíaco. Você não percebe o quão ruim você está. Eu deveria internar você”. Um cateterismo cardíaco determina o fluxo e a pressão do sangue nas câmaras do coração e revela se deve se tratar as artérias bloqueadas com medicamentos, endopróteses, ou, como um último recurso, cirurgia de revascularização do miocárdio. Os resultados do cateterismo mostraram que o coração estava pior do que o médico pensava. Ele precisava de cirurgia cardíaca de revascularização em duas ou três artérias. Foi internado no hospital imediatamente. Ron recorda: “Quando minha esposa ouviu a notícia, ela começou a chorar. ‘É assim que tudo vai acabar?’, perguntou ela. Eu respondi, ‘Lamento, querida.’ O olhar em seu rosto e dos meus dois filhos me machucou mais do que qualquer coisa”. Consternado pelo diagnóstico, Ron perguntou à esposa: “O que você acha de tudo isso?” Ela disse, “Parece que você está indo fazer uma cirurgia cardíaca.” Ron ainda acreditava que ele não tinha tido um ataque cardíaco. “É muito assustador você estar à beira de morrer e não saber disso”, diz ele. Ron esteve em cirurgia mais de cinco horas e fez um triplo by-pass. No dia após a cirurgia, ele recorda: “Eu estava com medicação suficiente e não senti qualquer dor até à primeira vez que tossi e foi aí que eu aprendi a amar o travesseiro que me deram para abraçar.” 68


Durante a angioplastia das coronárias, os médicos usam uma serra para cortar o esterno. As costelas são puxadas para trás para permitir o acesso ao coração. Após ser efetuado o by-pass das artérias, o esterno é ligado novamente e o peito é fechado. Cinco por cento das pessoas que fazem a angioplastia têm complicações, inclusive morte. Tal como com qualquer cirurgia, há riscos de infecção e sangramento intenso. Os pacientes também podem ter reações adversas à anestesia e a medicamentos. Quando Ron estava pronto para voltar do hospital para casa, o cirurgião veio vê-lo e perguntou como ele estava se sentindo. Ron disse que estava ansioso por estar em casa no 4 de Julho com sua família. Ele perguntou ao médico: “Você pode me dizer o que estava errado com o meu coração e o que fez a cirurgia para corrigi-lo?” O médico disse que Ron tinha sido diagnosticado com um “fazedor de viúvas” – uma estenose grave, ou estreitamento, da artéria coronária esquerda, uma artéria crítica que fornece sangue para o coração. Na cirurgia a artéria foi derivada, removendo o perigo para o coração. Seu próximo ataque do coração o teria matado. Ron não sabia se começava a chorar ou a abraçar este homem pelo que ele tinha feito por ele. Apenas disse: “Obrigado, doutor.” Ron lembra: “O que mais você diz a alguém que acabou de lhe dizer que salvou sua vida?” No mesmo ano que Ron fez essa cirurgia de ponte de safena, os médicos na Dartmouth Medical School analisaram informações sobre as taxas de cirurgia cardíaca na comunidade onde Ron vive e mais de três centenas de outras comunidades em todo o país. Ron tinha acertado na mosca: a taxa de angioplastia em sua comunidade foi a mais alta de todas nos Estados Unidos nesse ano. As pessoas de sua comunidade eram mais velhas do que as pessoas em outras partes do país? Os dados são ajustados para explicar as diferenças de idade e sexo, de modo que este não era o ponto. Talvez os californianos façam mais angioplastias do que o resto do país. Mas não 69


fazem, e de fato a taxa de cirurgia de revascularização na Califórnia é inferior à média nacional. Se a comunidade de Ron fosse um destino médico previsto para pacientes de todo o país ou do mundo, como é a Mayo Clinic, em Rochester, Minnesota, ou o Johns Hopkins, em Baltimore, isso poderia explicar as taxas de cirurgia acima da média, mas não é um lugar de referência para cirurgia de revascularização do miocárdio. Não só a taxa de angioplastia na comunidade de Ron estava acima do esperado, como dobrou de 1992 a 2001. Houve uma epidemia repentina de artérias obstruídas? Não, não houve. O hospital estava realizando cirurgias em pessoas que não precisavam delas. Como um farol no nevoeiro, as informações de Dartmouth estavam alertando os pacientes para os baixios rochosos à frente. Ron não recebeu o aviso. O filho de Ron era detetive no departamento de polícia de Red Bluff, Califórnia. Cerca de um ano após a cirurgia de revascularização do pai, ele ligou para lhe contar que o FBI tinha invadido o hospital onde Ron tinha sido paciente. Era suspeito de realizar procedimentos cardíacos desnecessários. Ron foi falar com um advogado, que obteve todos os seus registros médicos e contratou médicos para revê-los. Eles concluíram que ele nunca precisou de angioplastia. Não querendo confiar apenas na palavra dos médicos que o advogado tinha contratado, Ron pediu a um cardiologista local para avaliar seus registros. Este médico confirmou a sentença: “Sua cirurgia era desnecessária. Eu nem teria feito o cateterismo cardíaco em você. Lamento muito pelo que o fizeram passar. Esses registros confirmam o que um monte de cardiologistas na Califórnia do Norte pensavam sobre aquele hospital”. Ron foi uma das mais de sete centenas de pessoas que entraram com ações civis contra o hospital, Redding Medical Center, e seus médicos pela realização de procedimentos cardíacos desnecessários. Os médicos 70


afirmam que eles tinham realizado somente operações que eram medicamente necessárias. No total, os hospitais e os médicos pagaram quase 500 milhões de dólares em multas e penalidades. Mas o procurador federal se recusou a processar criminalmente os médicos ou o hospital. “É como se estivéssemos no final do nono inning com as bases carregadas e o promotor de justiça se recusasse a pegar o bastão pelas pessoas maltratadas por estes médicos “, diz Ron com desânimo. Os médicos e as pessoas que dirigiam o hospital apenas se afastaram. É extraordinário como mais do que 500 milhões de dólares foram pagos, mas ninguém fez nada de errado! Estes médicos jogaram o anzol e foram pescando pessoas e ninguém fez algo ou disse algo para os parar. E, com certeza, eles devem ter matado pessoas. Se eu chegasse para alguém na rua e lhe desse um soco, eu iria para a cadeia.” Após a rusga do FBI, o número de angioplastias no hospital caiu a pique. Médicos geralmente não interferem no negócio dos outros médicos. Se eles se movimentarem contra o rebanho, o rebanho pode rejeitá-los. Eles podem ser considerados desordeiros. A filiação no rebanho oferece proteção. Assim, os médicos recuam para um lugar de segurança no seio do rebanho e se tornam espectadores. O efeito espectador é um fenômeno estudado por cientistas sociais. Espectadores olham para ver se outras pessoas vão intervir. Se todo mundo está só assistindo, eles concluem que não precisam agir ou assumem que outros irão intervir. Eles podem ter medo de agir se o seu trabalho e meios de subsistência estiverem ameaçados. Um médico que é chefe de obstetrícia e ginecologia em um grande hospital universitário da Costa Leste comenta: “Há três tipos de médicos – aqueles que estão nisso pelo dinheiro, aqueles que o fazem pelas razões certas e aqueles que estão assistindo para ver quem ganha.” No Redding Hospital, na Califórnia, médicos corajosos tentaram 71


parar o tratamento médico injustificado e arriscado. Eles falharam e o rebanho expulsou-os. A pessoa que puxou o freio de emergência com sucesso foi um paciente, um padre católico, a quem foi dito pelos médicos em Redding que ele precisava de cirurgia cardíaca para o que mais tarde percebeu tratar-se de uma doença cardíaca inexistente. Depois de ele contatar o FBI, as cirurgias desnecessárias pararam. Embora o público espere que os profissionais de saúde sigam o padrão mais elevado e não causem danos, a profissão não se autorregula e reprime os seus membros que se desviam. Neste caso, o FBI, não a classe médica, interveio. A razão para a intervenção do FBI foi a utilização fraudulenta de dinheiro, não o dano aos pacientes. O overuse tornou-se a norma no sistema de saúde americano, e sua manifestação tornou-se mais ousada. O overuse no Redding Hospital foi especialmente descarado. Muitos exemplos de overuse médico foram mais sutis. TOM, UM ADVOGADO DO OREGON Se alguma doença provoca o medo nos corações e mentes do século XXI é o câncer. A inicial “C” evoca imagens horríveis demais para imaginar, e o pior de tudo, premonições da própria morte. Por essas razões, o pronunciamento de um diagnóstico de câncer deve ser feito com muito cuidado. Proceder de outra forma é uma crueldade grande demais. Um diagnóstico incorreto de câncer – por atribuição dos resultados de biópsia a um paciente errado – é um erro imperdoável. A incapacidade de realizar uma biópsia para confirmar o diagnóstico e pronunciar um diagnóstico de câncer, todavia, dá um novo significado à autonomia do médico. Tom é um advogado da área de marca registrada e direito autoral 72


do Oregon. Ele e sua esposa, Deandra, viviam na Califórnia, onde ela trabalhou como coordenadora de produção para a companhia discográfica que gravou Chicago, Jefferson Starship e Ozzy Osbourne, para citar alguns. Os clientes de Tom incluíram Grateful Dead. Buscando mais tranquilidade e espaços verdes ao ar livre, eles se mudaram para Hood River, Oregon, entre a beleza natural do desfiladeiro do Rio Columbia com suas florestas de abetos, pomares florescentes e mirtilos selvagens. Sua casa tem vista para as montanhas que cercam o Rio Columbia, a terra que Lewis e Clark exploraram. Tom e Deandra encetaram sua própria expedição pelo sistema de saúde. Tom tinha problemas para urinar e sentia dor na virilha, então ele marcou uma consulta com um urologista certificado. Tom tinha feito um cateterismo urinário durante uma internação hospitalar no ano anterior; o urologista lhe disse que um tecido cicatricial poderia estar causando seu desconforto. Marcou uma cistoscopia para Tom. Neste procedimento, um tubo pequeno com uma câmara na ponta é inserido na uretra. O monitor mostra então a imagem de qualquer pedra, tumor, sangramento ou infecção na bexiga. A extremidade do tubo permite recortar e recolher uma amostra do tecido para uma biópsia. Durante a cistoscopia, o médico chamou a atenção de Tom para o monitor. “Olhe para isso, Tom. Está vendo aquilo ali mesmo, aquilo é câncer”, colocando o dedo no monitor num aparente tumor na bexiga. “Precisamos tirar isso o mais breve possível.” Ele não recolheu uma amostra de tecido para uma biópsia que confirmaria o diagnóstico. Tom foi programado para fazer cirurgia no prazo de três semanas. Nesse intermédio, o médico o encorajou e sua esposa a vir a seu consultório para que ele pudesse explicar a cirurgia e responder a quaisquer perguntas. “Eu quero que você esteja totalmente confortável com o processo”, disse ele. Durante a consulta, o urologista fez um desenho da bexiga e 73


identificou a localização do tecido canceroso de cinco centímetros. Tom e Deandra ainda têm uma cópia daquela imagem. Quando Tom perguntou quanto o câncer havia progredido, o médico disse que ele saberia só quando ele fizesse a cirurgia e visse o quão profundamente estava enraizado na parede da bexiga. Após o encontro com o urologista, Deandra chamou a gerente de caso, que trabalhou para a sua seguradora de saúde, uma mulher que foi extremamente prestativa para eles, quando Tom fora hospitalizado anteriormente. Deandra lembra-se de lhe dizer: “Eu não posso acreditar! Agora Tom tem câncer de bexiga!” Sendo ela própria uma sobrevivente de câncer e enfermeira, a gerente de caso respondeu: “Você não sabe isso. Vamos obter todas as informações antes de chegar a uma conclusão. Você precisa ter o relatório de patologia. Quando todas as cartas estiverem na mesa, então nós saberemos o que fazer”. Deandra é uma pessoa muito experiente, mas ela disse à gerente de caso: “Ele é o médico e ele deve saber se é câncer. Como pode um médico mentir sobre um diagnóstico de câncer?” Por que um casal proativo e inteligente não insistiria na biópsia? A gerente do caso compreende. “As pessoas usam uma grande quantidade de energia para lidar com a ameaça da doença”, diz ela. “Você perde a capacidade de pensar com clareza.” Deandra estava particularmente preocupada que Tom não resistisse à cirurgia. No ano anterior, ele havia sido hospitalizado depois de cair do telhado de sua casa enquanto limpava as calhas. Ele machucou as costas e quebrou a perna e o que deveria ter sido uma semana de permanência no hospital tornou-se uma estada de dois meses e um pesadelo sem fim de erros e infecções que quase o mataram. Agora, confrontada com o diagnóstico de câncer de seu marido, Deandra “estava por um fio”, diz a gerente do caso. “Depois de um tempo o seu coração cede facilmente e você não tem nenhuma energia sobrando 74


para desafiar as informações que lhe dão.” Deandra diz: “Depois de tudo que Tom tinha passado, eu tinha fé em que ele sairia vivo. Eu pensei que ele ia ter um ataque cardíaco e morrer na mesa. Eu estive passando mal vários dias, totalmente fora de mim”. Tom fez uma ressecção transuretral realizada sob anestesia geral em um hospital local. No câncer precoce da bexiga, o tumor pode ser removido usando instrumentos inseridos através da uretra. A operação decorreu sem ocorrências e o cirurgião anunciou: “É uma boa notícia. Era o tecido da cicatriz. Não há câncer.” Em vez de ficar eufóricos, Tom e Deandra estavam furiosos. Eles suspeitaram que o urologista sabia desde o início que era o tecido da cicatriz e que a cirurgia era desnecessária. No seguimento da consulta de acompanhamento de Tom com o urologista, Deandra disse-lhe diretamente: “Você não deve dizer às pessoas que têm câncer sem fazer uma biópsia.” O médico respondeu: “Seu marido viu o que eu vi no monitor.” Deandra era demasiado educada para lhe dizer o que ela estava realmente pensando – que seu marido não saberia a diferença entre um tumor e uma hemorroida. “Foi a minha crença, meu julgamento médico, que seu marido tinha câncer”, insistiu o médico. Deandra replicou, “Seu julgamento médico não foi baseado em ciência. Se você tivesse me dito que você baseia suas decisões em algo que não a ciência, nós teríamos procurado uma segunda opinião.” O médico respondeu: “Não foi minha intenção fazer com que você ficasse preocupada.” Deandra chamou a gerente de caso à companhia de seguros e disse: “Eu não posso acreditar que você iria aprovar esta cirurgia! Por que você iria pagar estas contas?” – que totalizavam mais de oito mil dólares. “Nós pagamos-lhe um prêmio todo mês para zelar por nós”. A gerente de caso entendia as regras. “Com o seu seguro”, disse ela, “o médico não precisa de pré-aprovação para um procedimento cirúrgico, se 75


não houver um pernoite no hospital.” Se Tom tivesse ficado durante a noite, a companhia de seguros teria exigido um relatório de patologia positivo. “Meu marido e eu nos sentimos tão violados”, diz Deandra. “O médico nunca deveria dizer a alguém que tem câncer sem que verifique o diagnóstico.” A gerente de caso deu o passo invulgar de abrir um inquérito. “Recentemente, tivemos um treinamento em serviço com nossa unidade de investigação de fraude e eles queriam que nós relatássemos qualquer coisa que parecesse suspeita. Neste caso, eu queria que a unidade de fraude visse se este médico exibia um padrão de realizar procedimentos no mesmo dia, sem uma biópsia. “A companhia de seguros não revelou ao paciente ou a gerente de caso o resultado da sua investigação. Deandra se pergunta: “O médico provavelmente pensou que tudo ficaria bem no final que, ao nos dizer que era apenas tecido cicatricial, ficaríamos muito aliviados. Entretanto ele faz dinheiro, enquanto nós ficamos seriamente preocupados. Como uma pessoa pode ser tão sem alma, tão maléfica? Algumas dessas pessoas são pura e simplesmente crápulas! Elas não têm ideia do dano que provocam na vida das pessoas. E este médico ainda anda por aí.” MARY ANNE, UMA CIENTISTA DE MASSACHUSETTS Nem todo o overuse médico ocorre devido à oportunidade de remuneração financeira. Outras forças motivam o tratamento médico inapropriado. Mary Anne é uma cientista que trabalhou no Massachusetts Institute of Technology e no setor privado. Durante sua carreira, ela nunca tinha pensado que a pesquisa em busca de conhecimento poderia ser um estímulo para cirurgia injustificada. Miomas uterinos, tumores não cancerosos se desenvolvem no útero de uma mulher. Eles podem crescer até o tamanho de meloas e pesar 76


vários quilos. Cerca de 30% a 40% das mulheres com mais de 30 anos os têm. A sua causa é desconhecida. Quando Mary Anne foi informada por seu ginecologista de que ela tinha miomas uterinos, ela abordou o diagnóstico com a mesma energia e inteligência que dedicava ao seu trabalho. Seu ginecologista aconselhou-a a fazer uma histerectomia. Tomando a iniciativa, Mary Anne soube de alternativas, uma das quais é a miomectomia, um procedimento que remove os miomas, mas deixa o útero intacto. Essa podia ser a sua opção, pensou. O próximo passo era encontrar um ginecologista que soubesse como fazer o procedimento para ver se seria adequado a ela. Ela analisou as proximidades de Boston para encontrar um médico que tivesse se especializado nessa cirurgia e encontrou apenas alguns. Um parecia promissor. Ele era professor associado de obstetrícia e ginecologia em um importante hospital universitário, lecionou na Harvard Medical School, publicou artigos sobre miomas na literatura médica e era certificado em endocrinologia reprodutiva. Ela marcou uma consulta para vê-lo. Durante a consulta, ela se lembra vividamente como o talentoso médico tinha os pés em cima da mesa. Uma de suas primeiras perguntas foi se ela queria ser incluída no estudo que ele estava conduzindo para testar um novo tratamento para miomas. Ela se recusou e reiterou seu pedido da miomectomia. Manifestou-se contra isso, dizendo que no caso dela a única alternativa era a histerectomia. Uma vez que ele era o especialista, ela relutantemente concordou. Sendo a cirurgia inevitável, Mary Anne declarou seu desejo de manter seus ovários e o médico concordou. Uma vez que a operação era para ser feita no hospital universitário, e temendo que um jovem médico em treinamento pudesse realizá-la, em vez de o médico experiente, ela enfatizou que o médico sênior realizaria ele mesmo a cirurgia. Quando ela fez essa solicitação, ela lembra, 77


o médico levantou-se, bateu com o punho na mesa e insistiu que ele mesmo iria realizar a cirurgia. Mary Anne tinha total confiança de que ela estaria em mãos competentes. Finalmente, ela queria estar acordada durante a operação e pediu uma anestesia epidural. Ele concordou. Nada aconteceu como foi planejado. Ao contrário de sua vontade, Mary Anne foi colocada sob anestesia geral. Quando ela acordou na sala de recuperação, ela percebeu que algo estava terrivelmente errado. Por causa da dor, ela era incapaz de se deitar direito. Sua barriga estava inchada, e ela parecia grávida. Um médico residente confessou para ela que ele havia realizado a cirurgia. Quando chegou a hora de retirar os seus grampos cirúrgicos, ele não sabia como fazê-lo. Depois de ir para casa, ela não conseguiu uma consulta com o ginecologista por mais de dois meses. No período intermediário, outro médico examinou-a, mas não respondeu suas questões sobre sua dor excruciante. Durante esse tempo ela não podia andar, levantar ou deitar em uma posição por mais de alguns minutos, porque era muito doloroso. Quando ela viu o ginecologista que realizou a cirurgia, ele não a examinou ou respondeu a qualquer das suas perguntas sobre a sua dor debilitante. Ele a indicou para uma clínica do sono, que, por sua vez, a encaminhou para um psicólogo. Mais uma vez, Mary Anne teve que resolver tudo sozinha. Ela encontrou médicos solidários e competentes que descobriram que tinham ocorrido danos dramáticos ao nível muscular e dos nervos. Após a combinação de fisioterapia e medicação, sua dor diminuiu, mas continua sendo considerável e debilitante. Não muito tempo após a cirurgia, Mary Anne descobriu que o médico tinha sido acusado pelo Office of Research Integrity do US Department of Health and Human Services, do Governo Federal por falsificação de dados científicos na pesquisa médica custeada por fundos federais. O governo concluiu que o médico tinha alterado e fabricado informações 78


em prontuários médicos permanentes e anotações, alterando as datas, mudando e adicionando o texto e fabricando anotações de visitas clínicas que não ocorreram. Em um estudo publicado, 80% dos dados tinham sido falsificados. O médico confessou essas acusações e testemunhou que ele foi pressionado a realizar e publicar pesquisas, enquanto também via pacientes dois dias por semana, realizava cirurgias um dia por semana, supervisionando residentes, integrando comitês do hospital e organizando conferências nacionais. Mary Anne também ficou sabendo que, na semana antes de sua cirurgia, o médico fez uma apresentação em uma conferência sobre pesquisa em Nova Iorque, onde ele supostamente falou sobre o desafio de recrutar mulheres dispostas a ter histerectomias como parte do grupo de controle para o estudo que ele estava conduzindo de um medicamento para mulheres com miomas. Ela acredita que quando ela recusou sua proposta de tomar uma droga experimental para tratar miomas, ele recomendou uma histerectomia para que ele pudesse, apesar disso, incluí-la no grupo de controle em seu estudo. O Massachussetts Board of Registration in Medicine suspendeu a licença profissional do médico. A causa desta ação era má conduta científica e não o prejuízo irreparável causado a um paciente. Quatorze meses depois a suspensão foi levantada, ele foi colocado em período probatório e sua licença médica foi reativada. Ele retomou sua carreira em uma empresa farmacêutica onde supervisiona a investigação clínica sobre saúde da mulher. As informações públicas sobre o registro disciplinar do médico são mantidas no site do conselho médico do estado por apenas dez anos. A experiência de Mary Anne ilustra como a negligência científica pode ter consequências muito além da violação da ética da investigação científica. Mary Anne não tem sido capaz de prosseguir sua carreira 79


como cientista por causa dos danos debilitantes ao seu corpo causados pela cirurgia. A histerectomia indesejada, realizada em nome da ciência, sem verdadeira escolha informada, terá consequências avassaladoras para ela para o resto de sua vida. Ela diz que vive em um corpo que ela às vezes desejava que “tivesse ido para a morgue no dia da minha operação.” MICHAEL SKOLNIK, 24 ANOS Nem todas as pessoas que recebem tratamento médico desnecessário vivem para contar a história. Aos 24 anos, Michael Skolnik, do Colorado, foi submetido ao que seus pais acreditam ter sido uma cirurgia injustificada no cérebro para remoção de um quisto inexistente. Desde aquele dia, a vida de Michael nunca mais foi a mesma. A cirurgia foi o início do pesadelo de 32 meses de cirurgias cerebrais adicionais, infecções, embolia pulmonar, parada respiratória, cegueira parcial, paralisia, psicose, grave distúrbio convulsivo, perda de memória de curto prazo e falência múltipla de órgãos. Michael tornou-se totalmente dependente. Ele não conseguia comer, falar ou mover qualquer coisa, exceto a mão direita. Durante este horror, sua mãe, Patty, e seu marido cuidaram de seu filho dia e noite em sua casa. “Michael era incapaz de andar, usava fraldas, tinha um tubo de alimentação, estava recebendo oxigênio. A lista é infindável”, lembra ela. “Injeções diárias, medicamentos esmagados para o tubo de alimentação sete vezes no período de 24 horas. Só para virar Michael, que tinha 1,95 m de altura, eram necessárias três pessoas.” Sua mãe conta: “Todo dia, ele apontava para sua cabeça e fazia uma arma com a mão direita a nos dizer: “Atire em mim.” Ele finalmente sucumbiu à pneumonia e, enquanto estava morrendo nos braços de seus 80


pais, abriu os olhos pela última vez e murmurou as palavras “eu amo vocês”. Quando Patty mostrou um vídeo do pesadelo de Michael aos líderes médicos no Colorado, eles choraram. COM QUE FREQUÊNCIA ISSO ACONTECE? Elizabeth McGlynn, diretora do Center for Research on Quality in Health Care da Rand Corporation, tem estudado o overuse de cuidados médicos. “Nós temos uma contagem de cadáveres por erros médicos que prende a atenção das pessoas”, diz ela, referindo-se a estimativas de até 98 mil pessoas que morrem todos os anos devido a erros médicos. “Nós não temos uma contagem de cadáveres por overuse.” O dr. Lucian Leape, da Harvard School of Public Health, tem estudado o overuse e diz: “O overuse é um problema sério... Não temos um número global estimado.” Qualquer que possa ser o número, cada data point é uma pessoa e uma oportunidade perdida para fazer a coisa certa. Ron, Tom, e Michael receberam diagnósticos potencialmente fatais: “Você teve um ataque cardíaco”, “Você tem câncer”, ou “Você precisa de uma cirurgia no cérebro”. Eles e suas famílias confiaram; eles acreditavam que lhes tinha sido dita a verdade. Em tais circunstâncias, é difícil questionar a autoridade. O medo compromete a capacidade de pensar claramente e objetivamente. Esses indivíduos se submeteram a uma autoridade superior porque a figura de jaleco branco era a pessoa mais importante em suas vidas naquele momento, a única pessoa que poderia torná-los normais de novo. No final, sua experiência foi exatamente o oposto de tudo o que eles acreditavam ser verdade sobre medicina moderna. Seu mundo virou de pernas para o ar. Confiaram, e sua confiança foi quebrada. Para eles, o tratamento médico não foi benevolência, foi agressão física. Ao conta81


rem suas histórias, eles podem começar a compreender suas experiências e outros podem aprender com eles. Esta é a face humana do overuse. QUANDO NOS RENDEMOS? O dr. Richard Selzer, um cirurgião aposentado e escritor de New Haven, Connecticut, apresenta uma visão rara sobre as vozes silenciosas dos pacientes que colocam suas vidas nas mãos do cirurgião. Em seu livro Mortal Lessons, ele pergunta: “Mas que outro é esse, o paciente, você que é levado para a sala de operações em uma maca, tendo sido lavado e purificado e vestido com uma bata branca? ... No próprio ato de deitar, você fez a declaração de rendição. Uma pessoa só se deita de bom grado para dormir ou por amor. Mas, para entregar o próprio corpo e arbítrio para a cirurgia, se deitar para ela, é uma cedência de mais do que podemos suportar. Em breve, um homem vai ficar em cima de você, usando bata e capuz. Com o tempo, o homem vai pegar uma faca e abrir sua carne como um melão maduro... Partes de você vão ser recortadas. Sangue vai escorrer. Seu sangue. Todas as noites, daí em diante, têm passado com o pressentimento de morte sobre você. Você compareceu a seu funeral, assistiu e chorou com os que choraram você...” À medida que lutamos para preservar o nosso ser físico, por vezes, pode surgir a necessidade de entregá-lo aos deuses terrestres para tratar e curar, até a entrega final à terra. O corpo é o recipiente do espírito, por isso é um templo sagrado. Durante 70 ou 80 anos, ele dá a um ser humano uma forma de carne e osso, é uma embarcação dentro da qual uma pessoa pode encontrar significado, propósito e alegria na vida. “Doutor, nas suas mãos entrego o meu corpo” é um ato de fé tácito realizado milhares de vezes todos os dias, em milhões de cirurgias todos os anos. Mais do que carne é entregue. A vida em si é entregue, a vida 82


que é o molde e a forma abraçada por marido e mulher, mãe e filho. A entrega é um ato de amor esperado. Certamente, todos os seres humanos desejam saber que, quando eles entregam seu conjunto de células e carne e sangue, vão ser recebidos com a mesma reverência com que se entregam.

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VOCÊ ESTÁ SENDO BOMBARDEADO? O overuse dos cuidados médicos mais difundido e dispendioso encontra-se em consultas, raios-x, exames de laboratório e encaminhamentos para outros médicos. A mistura destes itens fomenta um bom retorno financeiro para os prestadores de cuidados de saúde. Apesar de as consultas e exames poderem parecer inofensivos, eles podem desencadear um desfile de tratamentos médicos desnecessários e indesejados. O efeito dominó, um conceito de engenharia de sistemas, refere-se a uma pequena alteração ou evento que desencadeia uma alteração semelhante nas proximidades, como uma fileira de dominós caindo. A Guerra do Vietnã foi vista por seus apoiantes como uma maneira de parar a expansão do comunismo no Sudeste Asiático. Se mais um país caísse no comunismo, eles temiam que iria provocar uma sucessão de outros países sendo abrangidos pelo regime comunista. O efeito dominó também ocorre na área da saúde. A maioria das pessoas provavelmente acredita que um exame de diagnóstico adicional não pode fazer mal. Na década de 1970, era recomendado na imprensa leiga que potenciais corredores com idade superior a 35 anos visitassem seus médicos para fazer uma prova de esforço, para garantir que não iriam sucumbir a um infarto fulminante depois de começarem a correr. O dr. Thomas Graboys, da Harvard Medical School, calculou o impacto desta recomendação e seus resultados foram publicados em uma carta ao editor no New England Journal of Medicine. Ele estimou que se 20 mi84


lhões de potenciais corredores com idade superior a 35 fizessem provas de esforço, cerca de 10%, ou dois milhões de pessoas, teriam resultados que mostrariam estreitamento das artérias coronárias. Provas de esforço de exercício podem produzir resultados falso-positivos – o que significa que o teste pode mostrar que pessoas têm doença cardíaca quando elas na realidade não têm – e desencadear uma sequência de exames e procedimentos desnecessários. O dr. Graboys estimou que os dois milhões de pessoas com prova de esforço positiva passariam por cateterismo cardíaco e aproximadamente duas mil dessas pessoas iriam morrer devido a riscos conhecidos do procedimento, notadamente infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral. Dos dois milhões de pessoas, um quarto faria cirurgia de ponte de safena e dez mil deles, ou 2%, morreriam da cirurgia. Além disso, 40 mil pessoas sofreriam infartos induzidos pela cirurgia. O custo dos exames e cirurgias foi estimado na época em 13 bilhões de dólares. O dr. Graboys concluiu que a recomendação do exame de diagnóstico poderia levar à destruição pessoal e ao caos econômico. A lição de cálculo do dr. Graboys é que o uso indiscriminado de excelentes ferramentas de diagnóstico pode ter consequências imprevistas e danosas. Quando usados corretamente, os exames de diagnóstico podem descobrir potenciais problemas e salvar a vida de uma pessoa. RAIO X É UM AGENTE CANCERÍGENO O dr. Larry Jassie, de Bethesda, Maryland, internista, recorda o ano de 1980, quando ele voltou para os Estados Unidos, depois de trabalhar no exterior como médico do Departamento de Estado dos EUA por mais de uma década. Ele cuidou de funcionários da embaixada americana e de suas famílias residentes na África, Ásia, América do Sul e Europa 85


Oriental. Formado na New York University e no Bellevue Hospital, o dr. Jassie é um médico que gosta de cuidar bem de pessoas enfermas. Quando se aposentou do Departamento de Estado, começou a trabalhar como médico de cuidados primários em uma clínica de grupo em Rockville, Maryland, e ficou surpreso ao ver como a medicina americana tinha mudado enquanto ele tinha estado fora. “Eu fui para a clínica um sábado revisar prontuários quando um jovem médico da equipe de gestão chegou e se sentou. Ele disse: ‘Estivemos olhando seus arquivos, e você não está pedindo um monte de exames. Pode pedir mais radiografias?’ Eu disse a ele que eu cuidava bem de meus pacientes, me comunicava bem com eles e nunca tinha sido levado ao tribunal, então não parecia haver qualquer questão de responsabilidade. Também disse que, se tivesse me escapado alguma coisa com qualquer paciente, poderíamos rever as suas fichas. Ele não conseguiu mencionar qualquer paciente.” “Compreendi rapidamente por que razão o jovem médico veio falar comigo. ‘Em comparação com os outros médicos aqui, você solicita menos exames do que eles’”, continuou. Ele queria aumentar o negócio de modo que a clínica pudesse ganhar mais dinheiro. Eu estava chocado. Como podia a medicina se transformar nisto? O consultório do médico havia se tornado um centro de negócios. Ele queria que eu fizesse mais raios-x. É basicamente criminoso expor as pessoas à radiação quando não precisam. Se você não pedisse exames suficientes, eles ameaçavam despedir você. Eu mantive minha posição e continuei prestando um bom atendimento aos pacientes, nada mais.” Em 2005, o National Institute of Health (NIH) incluiu os raios-x em sua lista de agentes cancerígenos conhecidos. A exposição à radiação de raios-x pode causar câncer de mama, pulmão, de tiroide e leucemia. O relatório do NIH adverte que, para os pacientes que precisam de raios-x e outros testes de diagnóstico, os benefícios superam os riscos. 86


As tomografias computadorizadas (TC) são raios-x superpotentes. De centenas de feixes do raio-x, elas criam imagens tridimensionais de alta definição. O número de tomografias realizadas anualmente disparou de três milhões em 1980 para mais de 60 milhões hoje em dia. Um terço dos adultos que fazem os exames são expostos à radiação desnecessariamente, de acordo com uma pesquisa publicada no New England Journal of Medicine. Nas crianças, mais de um milhão fazem varreduras desnecessárias a cada ano. AUTOBOMBARDEAMENTO “Recebendo agora marcações para fevereiro”, disse o anúncio em uma popular estação de rádio em Washington DC, logo após o dia de Ano Novo, não há muito tempo. Tirando proveito do medo, perguntava aos ouvintes se eles queriam saber se a bomba-relógio estava pronta para explodir dentro de seu corpo. Logo que o anúncio captou a atenção dos ouvintes, a solução foi sugerida: “Oferecemos varreduras de corpo inteiro.” Para oferecer tranquilidade, a mensagem aproveita-se de que resoluções de Ano Novo estão muitas vezes relacionadas com a saúde. A varredura de corpo inteiro é indolor e leva apenas cerca de 15 minutos. Enquanto o raio-x do tórax tradicional tira uma única foto instantânea de uma parte do corpo, o TC de corpo inteiro tira múltiplos instantâneos enquanto gira em torno do paciente. Certamente toda a pessoa consciente em termos de saúde faria uma varredura de corpo inteiro. Será que faria? O anúncio não mencionou o estudo conduzido por David J. Brenner, o físico e professor de oncologia radioterapêutica e de saúde pública no University of Columbia Medical Center, em Nova Iorque. Ele descobriu que a dose de radiação de uma varredura TC de corpo inteiro é comparável às doses recebidas por al87


guns dos sobreviventes da bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki, que tiveram um risco acrescido de câncer. Dos indivíduos de 45 anos que fazem uma varredura de corpo inteiro, um em 1200 morrerá de câncer provocado pela radiação anos mais tarde. Segundo a pesquisa de Brenner, as hipóteses de morrer de câncer devido a uma simples varredura de corpo inteiro são maiores do que as hipóteses de uma pessoa morrer em um acidente de trânsito. As varreduras anuais para indivíduos de 30 anos iriam fazer catapultar o risco para 1 em 50. Estes riscos são para os pacientes que não têm sintomas da doença. Organizações, incluindo a American Heart Association, a Health Physics Society e o Food and Drug Administration (FDA) dizem que os riscos de uma varredura de corpo inteiro para as pessoas que não têm sintomas suplantam os benefícios. Mas para pessoas que têm sintomas de possível doença e que são encaminhadas por razões medicamente adequadas, a varredura de corpo inteiro pode ser uma ferramenta de diagnóstico extremamente valiosa. Uma investigadora que vive no nordeste dos EUA tem um problema de coração comum, prolapso da válvula mitral, também chamada de síndrome de Barlow ou válvula mitral flexível. No coração, a válvula mitral separa o átrio esquerdo do ventrículo esquerdo. Quando a válvula não fecha corretamente, uma pequena quantidade de sangue passa de volta, causando um sopro cardíaco – um som extra ouvido durante o batimento cardíaco. Como a investigadora cuida bem de sua saúde, foi ao centro de testes de diagnóstico de cardiologia para ter a sua condição monitorada. Um eletrocardiograma mediu a frequência cardíaca e regularidade dos batimentos cardíacos dela e a prova de esforço permitiu aos médicos ver seu coração e quão bem ele estava bombeando sangue. Ele também 88


mostrou se as suas artérias estavam estreitadas ou bloqueadas por causa de doença arterial coronária. O teste é quase o mesmo que uma prova de esforço, excetuando que é dada aos pacientes uma pequena quantidade de substância radioativa, daí o termo “prova de esforço nuclear”. Uma câmera tira fotos do coração e recolhe vestígios da substância radioativa no corpo. As imagens aparecem em uma tela de vídeo. “Você vai pensar que eu estou inventando isto”, diz a investigadora, “mas enquanto eu estava fazendo o teste ouvi o cardiologista e uma enfermeira falando na sala de teste.” Ele disse para a enfermeira: “Estamos sob pressão para conseguir mais pacientes. Estamos apenas com nove por dia, agora, e precisamos chegar a quatorze se quisermos que este lugar seja rentável.”. Eu não podia acreditar que eles estavam falando ao alcance do ouvido de uma paciente sobre a necessidade de mais negócios! Ela continua: “Depois do exame, eu fui internada imediatamente. O cardiologista era um jovem impertinente dos seus trinta e poucos anos. Ele me disse: ‘Nossa, isso é um monte de ESVs [extrassístoles ventriculares] você as sente? “Eu disse a ele que eu sei que tenho um batimento cardíaco extra. Ele disse que eu precisava de uma valvuloplastia mitral, o que requer cirurgia de coração aberto. Ele me deu um betabloqueador e disse que eu deveria parar de correr. Depois ele queria marcar um cateterismo cardíaco ali mesmo naquele momento. Eu sabia que eu não queria fazê-lo lá, mesmo que eu precisasse, por isso fui embora. “Entrei em contato com um cardiologista conceituado, que teve o meu eletrocardiograma lido pelo chefe de um laboratório de eletrocardiograma em um hospital universitário. Ele concluiu que os resultados do teste foram mal interpretados – eu não tenho um problema grave que necessite de cirurgia e não preciso parar de correr. Eu tenho um problema moderado que precisa de monitoramento.” O medo causado pelo diagnóstico e recomendações de tratamento 89


do médico era palpável. “Um diagnóstico como esse muda sua visão do seu corpo e da sua vida”, diz a cientista. As férias da família planejadas foram ofuscadas pelo pensamento terrível de cirurgia, o medo da morte e a autopercepção radicalmente mudada – de estar saudável para estar possivelmente às portas da morte. Quem serão os cinco pacientes que vão tornar o centro de diagnóstico financeiramente viável? Na mira da corrida armamentista médica, a pesquisadora se esquivou da bala. Outras consequências involuntárias ocorrem a partir do uso irresponsável de testes de diagnóstico. Não é um exagero dizer que o overuse de exames de diagnóstico por imagem afeta todos no planeta. O dr. Fred Mettler é um médico que liderou a equipe da Agência de Energia Atômica Internacional que visitou Chernobyl após o acidente nuclear de 1986. Ele e seus colegas avaliaram o impacto da exposição à radiação na saúde das pessoas que lá vivem. Mais perto de casa, Mettler tem estudado os efeitos de procedimentos de diagnóstico médico por imagem nos Estados Unidos e concluiu que eles são a principal fonte de exposição para o público americano da forma potencialmente mais perigosa de radiação, a radiação ionizante. De fato, o American College of Radiology conclui que “a estimativa anual atual da dose coletiva da exposição médica nos EUA foi calculada como aproximadamente equivalente à dose coletiva mundial total causada pela catástrofe nuclear gerada em Chernobyl.” Esta avaliação dramática exige atenção imediata ao uso inadequado de testes de diagnóstico por imagem. Para entender como um grande volume de tratamento médico inútil é gerado, uma enfermeira oncológica experiente e dedicada apresenta um olhar raro sobre a prática médica e o que pode acontecer por trás de portas fechadas. Depois de trabalhar durante 25 anos em um grande hospital público universitário, ela queria uma mudança. Começou tra90


balhando no consultório particular de um oncologista e isto foi o que ela encontrou. “Quando eu trabalhei neste consultório, o médico fez alterações nos procedimentos para melhorar o faturamento com os pacientes. Nossos pacientes que estavam em quimioterapia e que tomavam a medicação, coumadin, tinham que vir ao consultório uma ou duas vezes por semana para fazer análises de sangue. O coumadin ajuda a evitar a formação de coágulos de sangue, o que pode causar infartos e acidentes vasculares cerebrais. Quando os pacientes tomam coumadin, seu sangue precisa ser monitorado porque se ocorre sangramento por qualquer razão, o sangue vai demorar mais tempo do que o habitual para coagular. Os resultados das análises de sangue nos dizem se a dose do medicamento precisa ser ajustada. “Nas primeiras seis semanas que trabalhei neste consultório, telefonei para os pacientes para dizer-lhes os seus resultados de laboratório e se sua dose de coumadin deveria ou não ser alterada. Também os lembrava de voltar para ter o seu sangue analisado. A análise de sangue era o único custo para o paciente.” “Inesperadamente o médico decidiu que os pacientes teriam que vir ao consultório para obter os seus resultados dos exames e spagar 75 dólares pela visita. Se eles tivessem seguro de saúde, as coparticipações variavam de 15 a 30 dólares ou mais. Os doentes tinham de dirigir, ou ter um familiar ou amigo que os levasse de carro até o consultório do médico, e esperar uma ou duas horas para receber os seus resultados de teste. Alguns de nossos pacientes tinham que fazer isso duas vezes por semana e viajar até 45 minutos em cada sentido. Só o custo do combustível – tudo isto perfaz um monte de dinheiro. Esses pacientes estavam doentes, no entanto o médico estava realmente entusiasmado com esta nova forma de fazer dinheiro.” 91


“O médico queria também aumentar a sua renda construindo uma clínica de radiologia. Os pacientes sabiam que poderiam receber tratamento de radiação mais perto de casa, mas o médico queria manter o negócio para si. Nossos pacientes tinham de viajar longas distâncias e alguns tinham que viajar a distância extra a cada dia, cinco dias por semana, durante quatro a oito semanas. Eu não tinha a preocupação de que os pacientes estivessem recebendo tratamento de radiação de que não precisavam”. “A mesma coisa aconteceu com tomografias computadorizadas. Os pacientes podiam receber as varreduras de TC mais perto de suas casas, mas o consultório do médico comprou sua própria máquina de TC para gerar receita e encaminhou todos os pacientes para ela. Quando os pacientes reclamaram por terem que viajar mais para o consultório para as varreduras, o médico disse que seria muito melhor porque ele poria suas varreduras online. Na verdade, nós não tínhamos a capacidade de ver as varreduras online. Ele disse ao assistente médico que tínhamos que aumentar o volume das varreduras TC para aumentar a receita e pagar a máquina. O assistente médico ficou com pena que os nossos doentes tivessem que viajar para tão longe. Eu notei que as tomografias eram solicitadas com muito mais frequência do que nos centros acadêmicos onde eu tinha trabalhado, que eram instituições proeminentes. Podia ser o caso de serem necessários, mas eles estavam na zona cinzenta”. Este tipo de mistura de serviços do consultório pode produzir mais do que aumentos no custo para pacientes. A enfermeira lembra uma das circunstâncias mais preocupantes: “O paciente em quimioterapia foi agendado para vir para mais um tratamento. Naquela manhã, o medicamento foi preparado para ele, mas a análise de sangue mostrou que sua contagem de plaquetas estava baixa demais para administrar quimioterapia com segurança. [As plaquetas são produzidas na medula óssea e 92


ajudam a coagulação de sangue e previnem o sangramento espontâneo. O tratamento de quimioterapia elimina as células na medula óssea e as contagens de plaquetas devem ser verificadas para garantir que elas recuperaram antes que outro tratamento seja administrado. A quimioterapia não deve ser administrada até que a contagem de plaquetas aumente.] “O paciente recebeu a quimioterapia mesmo assim e foi colocado em tremendo risco de hemorragia. O medicamento já havia sido misturado e não poderia ser devolvido inutilizado ao fabricante nem faturado ao seguro do paciente. Posteriormente, o paciente teve que ir para o hospital para uma transfusão de plaquetas, que leva pelo menos seis horas. Eu nunca vi a saúde de um paciente comprometida de tal maneira”. “Lembro de um cavalheiro que estávamos tratando de câncer de cólon. Toda semana, quatro dias por semana, ele vinha para quimioterapia. É cansativo e os pacientes não têm energia para fazer qualquer outra coisa. Isto se prolongou por meses enquanto a doença progredia lentamente. Não estávamos a ajudando ele, mas ainda continuava vindo. Eu acredito que o tratamento deveria ter sido interrompido, mas em oncologia, como você pode provar que você não está reduzindo o avanço da doença? No mínimo, o médico deveria ter discutido com o homem sobre interromper o tratamento e passar tempo com seus netos”. “Os oncologistas ganham a maioria de seu dinheiro administrando quimioterapia nos pacientes. O médico dizia para os pacientes: ‘Eu não sou o seu médico, eu sou o seu irmão e eu estarei com você ao longo dessa jornada’. Mas no minuto em que o paciente decidia parar a quimioterapia e escolher uma hospedaria, o médico não tinha tempo para vê-lo.” “É um privilégio raro entrar na vida das pessoas, neste momento crítico. Eu adoro fazer esse trabalho e quero o que é melhor para os pacientes. Deixei esse consultório depois de três meses.” 93


MUITO DE UMA COISA BOA Mesmo a melhor das intenções pode levar ao overuse. Cerca de dez milhões de mulheres nos Estados Unidos realizaram uma histerectomia total e já não têm um colo do útero, mas fizeram testes de Papanicolau e foram desnecessariamente submetidas a triagem para o câncer do colo do útero, de acordo com pesquisa publicada no Journal of the American Medical Association. O teste de Papanicolau é um dos exames de rastreio do câncer mais amplamente aceitos e realizados. A triagem de rotina para câncer cervical levou a um declínio dramático das taxas de câncer do colo do útero e de morte. De acordo com os drs. Brenda Sirovich e Gilbert Welch, autores do estudo do Journal of the American Medical Association, as mulheres que realizaram uma histerectomia total podem não entender que não estão mais em risco de câncer cervical. O National Cancer Institute diz que as mulheres que fizeram uma histerectomia e também tiveram seu colo do útero removido e não mostraram células pré-cancerosas ou cancerosas não precisam de um teste de Papanicolau. No entanto, o sistema de saúde tornou-se tão bom em rastreamento para o câncer cervical que ele não sabe parar quando o rastreio não é mais necessário. Embora o teste de Papanicolau não cause nenhum dano, seus resíduos desnecessários desperdiçam tempo e milhões de dólares. Ilene Corina, presidente da Pulse New York, uma organização de defesa da segurança do paciente com sede em Long Island, revisou as suas despesas com médicos e viu que a sua seguradora pagou 36,41 dólares por um teste de Papanicolau. Se este valor fosse pago para cada um dos dez milhões de mulheres que realizaram testes desnecessários, o custo total seria de mais de 360 milhões de dólares. 94


PARTE 2 INCERTEZA, MARKETING & DINHEIRO

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INCERTEZA O iPhone. O carro com zero emissões. A estação espacial. Têm uma coisa em comum: são construídos com criatividade engenhosa. Como seus criadores, os humanos conhecem estes objetos por dentro e por fora. São peritos em consertá-los. Na sua fantasia, podemos tomá-los à parte e reconstruí-los peça a peça a qualquer imagem ou semelhança. Contudo, após milhares de anos, os seres humanos ainda estão tentando compreender a sua própria máquina miraculosa. Consertá-la não é simples. Corações e ligações artificiais imitam os reais. Partes usadas, tais como rins e córneas, são transplantadas. São colocadas câmeras em tubos finos e enfiadas através de orifícios do corpo humano para ver o seu interior. Embora os limites do conhecimento estejam cada vez mais perto, continuam longe. A fé, o dogma e o entusiasmo acerca das possibilidades preenchem o vasto abismo do desconhecido. O PROBLEMA BÁSICO “Incerteza é um problema básico na medicina, dia após dia”, diz o dr. Paul Batalden, professor de pediatria, saúde pública e medicina familiar na Medical School de Dartmouth. “O medo está associado à incerteza. Como médico, você tem medo porque tem a responsabilidade pela vida de outra pessoa e não quer causar dano.” Ao longo da história da humanidade todas as gerações encontraram e 97


se depararam com os limites do conhecimento na prevenção, tratamento ou cura de doenças e condições que afligem o corpo humano. Cada geração tenta quebrar as barreiras e mover-se de incerteza para certeza, ou pelo menos para mais certeza. No processo, são testemunhas das consequências da incerteza, ricos e pobres, reis e pedintes, presidentes na Casa Branca e o homem na Main Street. O dia 12 de dezembro de 1799, em Mount Vernon, em Alexandria, Virgínia, estava frio e húmido. O presidente George Washington tinha se aposentado para a sua vida privada, após extraordinários serviços públicos que marcaram a liderança militar de uma revolução, a fundação duma nação e a primeira presidência da república. Como a sua vida pública perdera influência, regressou para cuidar da quinta de Mount Vernon. De acordo com relatos históricos, nevou intensamente nessa quinta-feira e o vento soprou forte. Washington inspecionou a cavalo partes da quinta de 3,3 mil hectares, desde o meio da manhã até cerca das 15h. Situada numa falésia verdejante sobre o rio Potomac, a quinta encontra-se 20 milhas a norte da cidade que tomou o nome do presidente. Washington regressou a casa nessa tarde com neve colada ao cabelo. No dia seguinte, sofria de uma forte dor de garganta. Teve dificuldade para respirar nessa noite. Pediu ao seu feitor, George Rawlins, que o sangrasse, uma prática levada a cabo por gerações e que se acreditava ser uma cura para vários males. Martha Washington pediu que se parasse com o sangramento. Mas Washington permitiu que continuasse dizendo “mais”. A sua condição não melhorou. No sábado, Washington foi sangrado mais duas vezes. O seu médico assistente, o dr. James Craik, de 69 anos e formado em Edinburgh, diagnosticou-lhe uma infeção na garganta. Foram-lhe dados vapores de vinagre e água para inalar. Ele não conseguiu gargarejar uma mistura de vinagre e de chá de salva, quase sufocando porque não era capaz de engolir. Chamaram o dr. Elisha Cullen Dick, médico no 98


Alexandria Board of Health, Virgínia. Mais jovem, com metade da idade de Craik, opôs-se a outro sangramento, defendendo que enfraqueceria o presidente. Como o estado de Washington não melhorava, Craik voltou a sangrá-lo. O sangue tornou-se muito espesso e saía lentamente. Relatos históricos sugerem que num total de 16 horas tenham tirado, pelo menos, 2,4 litros de sangue do corpo de Washington. O corpo humano contém entre cinco a seis litros de sangue. A saúde de Washington degradou-se ao longo do dia. Os drs. Craik e Dick escreveram: “As forças da vida pareciam agora manifestamente ceder às forças da doença”. Washington apercebeu-se da situação real e disse “Sinto-me partindo, agradeço o vosso cuidado, mas peço-vos que não se preocupem mais comigo, deixem-me morrer calmamente; não posso durar para sempre”. Incapazes de aceitar a morte eminente de Washington, os médicos ignoraram o seu pedido e reduziram a medicação, aplicando um cataplasma de farelo de trigo na garganta. Não houve qualquer alteração. Cerca 22h de sábado, Washington disse: “Estou morrendo! Sepultem-me decentemente, não deixem que o meu corpo seja colocado num caixão menos de três dias após a minha morte”. Quando ele próprio tomava a sua pulsação a mão deslizou do pulso. George Washington morreu em 14 de dezembro de 1799, com 67 anos. Relatos modernos da morte de Washington sugerem que ele deve ter morrido duma infeção aguda que dilatou a epiglote, ou seja, uma peça de cartilagem que cobre a traqueia e que bloqueou a passagem do ar. Washington foi sufocando até a morte. Hoje a prática médica levaria Washington ao hospital para uma traqueotomia urgente, onde seria feito um corte no pescoço para criar a passagem de ar através duma incisão na traqueia. A passagem de ar permitiria que ele respirasse. Nessa época, o sangramento era o tratamento escolhido para muitas doenças, não se conheciam complicações pela per99


da de sangue. “Hoje sabemos que muitos desses métodos estavam errados”, escreveu o dr. White Mckenzie Wallenborn, do Departamento de Otorrinolaringologia da University of Virginia School of Medicine, na sua análise de notícias em primeira mão aos últimos dias de Washington. Por estranha coincidência, no dia da morte de Washington foi proferido um veredito em um tribunal da Pensilvânia relativo a um caso com dois anos e que envolveu o médico mais conhecido nos EUA na época, o dr. Benjamim Rush, um signatário da Declaração de Independência. Ele processou um editor de um jornal da Pensilvânia, William Cobbett, que tinha reclamado que Rush, um proponente do sangramento, tinha cometido más práticas e morto doentes usando esse tratamento. Durante a epidemia da febre amarela na Filadélfia, em 1793, Rush tinha sido um entusiasta do sangramento e havia proclamado alto e fervorosamente o sucesso desse tratamento para a febre amarela: “Não vi nenhum inconveniente na perda de até 600 mililitros de sangue de uma só vez. Tirei entre 1,5 e 2,4 litros de sangue em cinco dias de várias pessoas e a algumas até um pouco mais.” Rush defendia que o corpo humano continha 11,3 quilos de sangue. Cobbett descrevia a prática de Rush como “uma dessas grandes descobertas que acontecem de tempo em tempo para diminuir o número de pessoas na Terra”. Todavia, em 14 de dezembro, Rush triunfou, pelo menos em tribunal. Cobbett foi multado em cinco mil dólares, uma soma considerável. Mas Rush foi muito criticado pelos seus colegas pelo método que usou no tratamento de pessoas durante a epidemia da febre amarela e foi obrigado a renunciar a seu posto no Colégio de Médicos da Filadélfia. Num jornal muito lido, Cobbett escreveu sobre o veredito: “Em 14 de dezembro, no mesmo dia e hora em que me impuseram uma multa ruinosa por tentativa de pôr um ponto final na prática de Rush, o general Washington expirava por causa da utilização dessa prática”. Os médicos de Washington não tinham qualquer evidência de que o 100


sangramento fosse o método aconselhado. Nessa altura, as decisões médicas não estavam sujeitas a avaliação e análise sistemáticas. Prevalecia uma suposição fundamental de que o treino médico acompanhado de colegas igualmente treinados e informados levaria à decisão correta. Essa alquimia misteriosa constituía a arte da medicina. Se a maior parte dos médicos estava praticando um determinado ato, então essa era a coisa certa. Mesmo os presidentes cederam à sua autoridade. Os céticos foram ridicularizados e evitados. Na incerteza, os médicos do presidente Washington não concordaram em relação à melhor atitude a tomar relativamente ao primeiro presidente. O dr. Dick, o médico consultor, recomentou uma traqueotomia. O dr. Craik, o médico assistente, discordou. Se as traqueotomias são realizadas aparentemente sem esforço nas apresentações médicas televisivas atuais, em 1799, teria sido uma experiência levada a cabo sem anestesia com uma das pessoas mais famosas do mundo. Craik avaliou o risco comparativamente aos benefícios e concluiu que o risco era muito elevado. Com o benefício da visão a posteriori, o dr. Wallenborn escreveu que “se a traqueotomia tivesse sido realizada, Washington podia ter sobrevivido a essa doença aguda e vivido por mais tempo”. Contudo, esse procedimento era novo e controverso, por isso eles não estavam totalmente errados quando se lhe opuseram. A incerteza pode alimentar a imaginação. O dr. William Thornton, um amigo de Washington e médico, chegou a Mount Vernon no dia seguinte à morte do presidente. Em 1820, escreveu sobre a sua ideia de “ressuscitar” o corpo de Washington, que foi conservado numa divisão, não aquecida e que se mantinha gelada na altura em que chegou: “Propus tentar a sua ‘ressurreição’ do seguinte modo. Primeiro, torná-lo menos rígido em água fria, depois colocá-lo em lençóis e, gradualmente e por fricção, aquecê-lo colocando rapidamente em atividade os vasos sanguíneos, ao mesmo tempo abrir uma passagem para 101


os pulmões e traqueia e inflar ar para produzir respiração artificial e transferir sangue a partir de um cordeiro. Eu raciocinei assim. Ele morreu devido à perda de sangue e falta de ar. Restaurá-las pelo calor que fora tirado e, em seguida, e como se a organização fosse perfeita em todos os aspetos, não havia dúvida, para mim, de que esta cura seria possível. Foi posto em dúvida por alguns que tal fosse possível, se seria correto chamar à vida de novo alguém que partira cheio de honras e fama; livre de fragilidades da idade, no pleno gozo de todas as faculdades e preparado para a eternidade.” A ideia foi silenciada e Washington foi sepultado em Mount Vernon de acordo com as suas próprias instruções. Como os humanos procuram violar as fronteiras do conhecimento têm de ser testados alguns atos mais arrojados. A massa de células brilhantemente construída que abrange o corpo humano apregoa a mais profunda sabedoria dos mortais. Até onde o homem pode satisfazer o abismo do enorme desconhecido, a humildade deve ser a mão orientadora. CRENÇA Quando prevalece a incerteza, a fé satisfaz o abismo do enorme desconhecido. Médicos e enfermeiras que tratam os doentes têm as suas convicções. Doentes e membros das suas famílias também as têm. Mas essas crenças raramente são discutidas. O dr. Paul Batalden, de Dartmouth, reflete na sua experiência com dois médicos que são ambos pediatras de oncologia. “Um acredita que a medicina traz uma série de danos às pessoas, defende-se das solicitações de famílias e desencoraja o abuso, e faz isto com a mais doente das crianças. O outro médico acredita nas possibilidades da medicina, que pode fazer bem e que as possibilidades deveriam ser exploradas. Eu teria os meus doentes no primeiro médico 102


porque partilhamos um conceito básico acerca do risco de intervenções médicas. Os doentes não têm indicação sobre a crença dos seus médicos. Os médicos muitas vezes não conhecem as crenças dos seus pacientes.” Perante a incerteza, os médicos que cuidaram de George Washington tinham diferentes crenças. O dr. Craik, o mais velho e médico privado de Washington, era mais conservador; o dr. Dick era aventureiro e estava pronto a tentar uma traqueotomia mesmo que ela trouxesse riscos significativos. Hoje, se os pacientes e seus familiares ouvirem uma cacofonia de recomendações conflitantes dos médicos, a incerteza e a crença estão na base da discórdia. Crenças podem desenvolver-se e tornar-se dogma, que é autorizado e reforçado mais pelo hábito do que pela ciência. Durante centenas de anos, o sangramento foi um dogma. Hoje, remover útero e ovários de uma mulher é muitas vezes mais um assunto de dogma do que de ciência. Abraham Lincoln disse uma vez: “Os dogmas do passado são desadequados… devemos pensar de novo e atuar de novo. Temos de nos desencantar a nós próprios.” A declaração de Lincoln serve para a prática da medicina. Os cuidados médicos têm vantagem sobre outras áreas do esforço humano com crenças acalentadas há muito tempo: pode-se confiar na ciência para se emancipar. Mas deve querer ser emancipada. Hoje, mais do que nunca, crença e dogma são consolidados pela remuneração financeira que torna a vontade de mudar imensamente difícil. ENTUSIASMO O dr. Mark Chassin, presidente da Joint Comission reclama que o entusiasmo também contribui para o abuso. Quando médicos e outros prestadores de cuidados de saúde se transformam em advogados apai103


xonados pelos serviços que prestam tornam-se mais entusiastas do que prestadores de serviços objetivos cujas recomendações se baseiam em evidências científicas. Entusiastas acreditam verdadeiramente que estão fazendo bem a seus pacientes, de acordo com o dr. Chassin, mesmo que a evidência mostre o contrário. Poucos médicos saberiam expor, com conhecimento, os seus pacientes a tratamentos que poderiam causar maiores danos do que benefícios. Zelo errado explica por que é que o abuso não é eliminado quando a evidência contradiz a crença dum médico. O fator entusiasmo explica por que razão o dr. Ethan Halm no seu estudo sobre cirurgias inapropriadas para prevenir ataques não encontrou diferenças entre o abuso em pessoas com o seguro de saúde que pagam a médicos por cada ato que praticam e os médicos em planos de autogestão que têm um incentivo financeiro para limitar uso desadequado. O dr. Halm também informou que os pacientes que recebiam cuidados da Veterans Health Administration tinham cirurgias desadequadas mesmo que os médicos que trabalham em hospitais de veteranos tenham um salário e não tenham quaisquer incentivos financeiros para prestar tratamentos desnecessários. Os incentivos financeiros não são a única motivação para o abuso. MEDO “Profundamente impresso em todos nós está o medo de falhar um diagnóstico”, diz o dr. James Reinertsen. “Este medo conduz ao uso excessivo”. Nos hospitais-escola, onde os futuros médicos são treinados, jovens estagiários veem cotidianamente médicos não diagnosticarem corretamente doenças ou situações clínicas. “As falhas de diagnóstico espetaculares transformam-se em grandes casos apresentados pelos mé104


dicos residentes”, diz Reinertsen e “há uma visão de desdém dos médicos que atuam em seus consultórios na comunidade que tem falta deles. Você não quer ser o médico que erra o diagnóstico e cujo caso é objeto de grandes rondas médicas dos médicos residentes”. Como consequência, os médicos que não estão certos do diagnóstico requisitam muitos exames e trazem um bando de consultores para garantir que nada é deixado passar. Acontece uma espécie de erro de diagnóstico quando não é detectada nenhuma doença mesmo que esta exista. É um falso negativo. A segunda espécie de erro ocorre quando se diagnostica uma doença que não existe. É um falso positivo. A maioria dos médicos acredita que um falso negativo tem consequências muito mais sérias porque falta uma oportunidade de tratamento ou cura. A maior parte dos pacientes acredita também que os falsos negativos são muito piores e os processos são arquivados muito mais vezes devido à falta de diagnóstico e não por serem falsos negativos. Um cirurgião cardíaco de Nova Iorque, o dr. Harvin Kruken Kamp, disse: “Pedi mais gasometrias, raio-x do tórax e análises ao potássio do que eram realmente necessários, pelo receio de que, se faltasse alguma coisa, tivesse um processo.” Os médicos têm menos receios de falsos positivos por causa da percepção de que não foi causado qualquer dano. O FATOR DE PARES O abuso também pode ser imediato devido às expetativas que os médicos têm em relação aos outros. Quando os médicos dos cuidados primários recomendam doentes para cuidados de especialidade, esperam que o especialista atue como um técnico e faça um teste diagnóstico ou um procedimento particular. Mais do que um exame minucioso e independente, o especialista deve ser tentado a fazer como requerido, mesmo que tal não 105


seja necessário. Um médico de um hospital universitário explica isso do seguinte modo: “Você não quer ofender o médico que enviou o doente porque não quer pôr em perigo novos envios”. COMPETÊNCIA A competência e a capacidade de diagnosticar de um médico interferem decisivamente se as pessoas recebem os cuidados adequados. O dr. Eric Holmboe, vice-presidente sénior no American Board of Internal Medicine, recorda o caso de uma mulher de 52 anos que recorreu ao hospital três vezes em seis meses. Ela respirava com dificuldade, um sinal de asma. O dr. Holmboe viu a paciente pela primeira vez na sua terceira ida ao hospital. Examinou-a e fez-lhe algumas perguntas sobre a sua saúde. “A história da paciente não revelava exposição ocupacional capaz de desencadear asma, não tinha animais domésticos e o inalador só lhe proporcionava ligeiros alívios”, disse. “Esqueceram-se de um ruído cardíaco.” Esse médico concluiu que ela tinha uma insuficiência cardíaca congestiva. No Cook County Hospital, em Chicago, o dr. Brendan Reilly, um médico internista e geriatra experimentado, reviu o diagnóstico e a recomendação de tratamento feitos por médicos internos, ou residentes, relativos a 100 pacientes admitidos no hospital. A maioria dos pacientes tinha sido examinada nas urgências por um médico de serviço. O dr. Reilly orientou um exame físico minucioso à centena de doentes e estudou a frequência com que o diagnóstico inicial ou o tratamento tiveram de ser alterados. Concluiu que um em cada quatro pacientes tinha sido incorretamente diagnosticado, resultando daí um tratamento desnecessário devido a situações que não existiam e atrasos em tratamentos adequados. Temos três exemplos. Um doente a quem foi diagnosticada pneumonia e prescrito antibiótico foi mais tarde diagnosticado corretamente com uma gripe. Parou-se 106


então com os antibióticos desnecessários. Um paciente com uma massa anormal de células no pescoço teve uma consulta de cirurgia. Foi-lhe recomendado um teste diagnóstico. Essas intervenções eram desnecessárias porque tinha sido corretamente identificado hipotireoidismo, ou uma disfunção da tireoide. Tinham sido prescritos os medicamentos adequados. Foi diagnosticada uma insuficiência cardíaca congestiva em um paciente. Um exame físico minucioso revelou que o paciente tinha problemas renais, tendo sido solicitada uma biópsia renal. Parou-se com a medicação para problemas cardíacos que não existiam. O dr. Reilly receia que jovens estudantes de medicina e médicos residentes não estejam aprendendo a fazer um exame físico ou não compreendam a sua importância. É necessário recolher informações para se conseguir um diagnóstico preciso, diz, “de preferência por um médico que observa, ouve e até toca…” O que acontece quando falta capacidade de diagnóstico? O dr. Reinertsen diz: “Os médicos que são inseguros e não têm confiança nas suas capacidades de diagnóstico têm tendência para solicitar uma quantidade de exames e esperam que algum ‘pegue’. Pacientes aguentam o fardo de diagnósticos incorretos e o uso inadequado de hospitais, medicamentos, exames, procedimentos e consultas com especialistas por doenças inexistentes. Medo e cansaço caminham juntos. O impacto de tudo isto não é visto, nem sabido e nem sentido – exceto pelo paciente. CONHECIMENTO As pessoas recebem tratamento baseado naquilo que os médicos na sua comunidade sabem fazer. Se não sabem como pôr em prática certo procedimento, os pacientes podem receber tratamentos em excesso. 107


Em Richmond, Virginia, o dr. Thomas Smith, um oncologista no Massey Cancer Center, inaugurou um programa rural de câncer. De acordo com o dr. Smith, os médicos da zona rural onde ele trabalhava não sabiam como executar a remoção de nódulos, ou cirurgias de reconstrução da mama, em mulheres com câncer de mama diagnosticado precocemente. As que desejassem preservar os seios não teriam a opção de remoção de nódulos. No programa do dr. Smith, o número de cirurgias de reconstrução da mama aumentou consideravelmente quando um cirurgião respeitado, que era o diretor de oncologia cirúrgica no Massey Cancer Center e também o presidente da American Cancer Society, fez uma apresentação para cirurgiões sobre procedimentos de “reconstrução da mama”, na comunidade rural. Ele foi até o bloco operatório para ajudar um dos médicos locais a fazer uma remoção de nódulos. Depois disso, a percentagem de mulheres que fez cirurgia de reconstrução da mama passou de 20% para 70%. COMPETÊNCIA EXCEPCIONAL Competência excepcional é o antídoto do abuso. O dr. Selzer, o cirurgião reformado que ensinou na Yale Medical School, no seu livro Mortal Lessons descreve uma experiência de excecional competência. Quando um monge tibetano, Yeshi Ddonden, o médico pessoal do Dalai Lama, visitou o Yale-New Haven Hospital, foi convidado a examinar pacientes na presença de médicos de Yale. O paciente, uma mulher, não tinha sinais visíveis da sua doença. Tinha sido informada de que seria examinada por um médico estrangeiro e a consulta foi antecipada para ser mais um em um fluxo de exames apertando e cutucando. Selzer escreve acerca da forma do diagnóstico do monge tibetano: “Por fim, pega na mão dela, prendendo-a entre as suas. Inclina-se sobre a cama 108


numa posição de quem vai jogar críquete. Mantém os olhos fechados enquanto toma o pulso dela. Num momento, ele encontrou o ponto e, na meia hora seguinte, permanece assim, suspenso sobre o paciente como um pássaro exótico dourado, com asas cruzadas, tomando o pulso da mulher sob os seus dedos, embalando a mão dela na sua.” Quando a visita médica terminou, os espetadores desconfiados e o monge tibetano dirigiram-se à sala de conferências. Ele fala de um coração imperfeito e de como “entre as câmaras do seu coração, muito, muito antes de ela ter nascido, o vento veio e soprou por uma porta que nunca devia ter sido aberta. Através dela enchem as águas do rio, como as cascatas na montanha na primavera, batendo, batendo a terra solta e inundando a sua respiração…” Quando acabou, o médico de Yale pronunciou o seu próprio diagnóstico: doença cardíaca congênita, defeito no septo interventricular, daí resultando insuficiência cardíaca. O diagnóstico do monge tibetano estava correto. A perspicácia do ser humano é mais aguçada do que aquilo que conhecemos, mas a falta de uso torna-a inculta e fraca? O dr. Selzer afirma “Aqui está o médico à procura dos sons do corpo para os quais o resto de nós está surdo. Ele é mais do que médico. Ele é padre. O médico para os deuses é conhecimento puro, cura pura. O médico para o homem tropeça, deve muitas vezes ferir.”

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MARKETING DE MADISON AVENUE VS MEDICINA: HISTÓRIA DE UMA FAMÍLIA Está se travando uma batalha épica entre a ciência médica e o marketing. Apanhadas nesse fogo cruzado estão pessoas inocentes, dentre elas um rapazinho de 15 anos da Carolina do Sul. A história começa quando uma família educada e comprometida leu um artigo num jornal local e termina com a compreensão de que a boa velha ciência não interessa ao marketing de Madison Avenue9. Como muitas famílias perante a decisão de uma cirurgia, Helen Haskell e a sua família de Columbia, Carolina do Sul, tentou fazer o seu trabalho de casa. Souberam de uma cirurgia eletiva para o filho, Lewis, e puseram as questões certas acerca do hospital, os procedimentos, o cirurgião que os iria pôr em prática. Helen é uma antropóloga e o seu treino preparou-a para planear tudo cuidadosamente. Dirigiu escavações de comunidades pré-históricas na África, perto do rio Níger, onde é agora o Máli. Mais perto de casa, fez escavações ao longo da costa pantanosa da Carolina do Sul onde cresceram arrozais resultantes do trabalho de escravos, no século XVIII. O filho, Lewis, nascera com o chamado “peito em funil”, ou pectus escavatum. O osso do peito, ou esterno, está empurrado para trás contra a 9. NT: Avenida de Nova Iorque, famosa por aí reunir as maiores agências de publicidade dos Estados Unidos.

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coluna, deixando um desnivelamento, ou funil, no peito. O coração e os pulmões de crianças com pectus escavatum podem ter a sua capacidade diminuída devido à compressão do esterno, que pode causar dificuldade respiratória quando a criança é fisicamente ativa. Mas, tal como acontece com a maioria das pessoas com pectus escavatum, a condição de Lewis não era severa e não afetava a sua saúde. Lewis era um aluno brilhante numa escola superior, um escritor em botão que escrevia para o jornal local e ator na comunidade teatral. Com sete anos aparecera num comercial de televisão com Dale Earnhardt, mais tarde piloto de corrida da Nascar. “Ouvimos falar pela primeira vez de um novo procedimento cirúrgico para o peito em funil em junho de 1999, no nosso jornal local”, disse Helen, referindo-se ao State, de Columbia. O procedimento era descrito como uma alternativa revolucionária e menos invasiva do que outros tipos de cirurgia que abrem o peito completamente. “O meu marido e eu tínhamos a impressão de que quaisquer pais responsáveis fariam o mesmo pelos seus filhos”, afirmou ela. Durante a cirurgia, é inserida uma barra metálica em três pequenas incisões no peito. A barra é fixada às costelas e suporta o esterno. A barra é removida dois anos ou até mais depois, quando o esterno é remodelado e endireitado. Helen tinha a impressão de que era como colocar abraçadeiras para endireitar dentes. Nesse Verão, quando Lewis foi para a investigação de campo, os pais falaram com o pediatra sobre a cirurgia. De acordo com Helen, o médico disse-lhe que iria informar-se. Algumas semanas mais tarde telefonou-lhes e contou que tinha tido uma longa conversa com um cirurgião pediátrico no hospital a que se referia o artigo do jornal. Parecia impressionado com o que ouvira e sugeriu que a cirurgia seria uma pequena operação simples e boa para Lewis. Deu o nome de um cirurgião pediá111


trico a Helen e recomendou-lhe que falasse com ele. A família se reuniu com o referido cirurgião em outubro de 1999 para se inteirar do procedimento. Tratava-se de um indivíduo cordial e eles simpatizaram de imediato com ele. Era evidente que gostava de crianças. Os anos de experiência como cirurgião incutiam-lhes confiança. Quando o questionaram sobre a cirurgia retratada no jornal, para surpresa deles, ele pareceu inclinar-se para o procedimento mais tradicional de abertura do tórax. Os pais de Lewis ficaram desconcertados. Tinham vindo até o hospital por terem lido acerca da operação menos invasiva que ali levavam a cabo. Helen disse “o site do hospital deu-nos a impressão de que o procedimento mais antigo era draconiano e perigoso e que devíamos evitá-lo.” Por isso mesmo nunca o tinham considerado. Durante a consulta, o médico contou-lhes que o seu departamento estava fazendo um estudo sobre novas cirurgias nos hospitais de todo o país. Helen pediu informações sobre a situação de Lewis e do procedimento e o cirurgião deu-lhe uma cópia de um capítulo de um livro de pediatria que descrevia o peito em funil. Também lhe deu um artigo publicado um ano antes por um cirurgião pediátrico de um hospital de outro estado. O artigo concluía que a cirurgia menos invasiva era eficaz. Das 42 crianças que tinham sido submetidas a essa cirurgia, 12 tinham tido complicações, todas ultrapassadas com relativa facilidade. O autor principal do artigo tinha desenvolvido esta nova cirurgia menos invasiva e foi um dos inventores da patente para a barra de aço usada para suportar o esterno. Dado que este procedimento era relativamente novo, Helen assumiu que este era o único artigo entretanto publicado. Alguns dias depois dessa consulta, Helen quis saber quantas cirurgias com este novo método tinha realizado o cirurgião com quem ela e a sua família haviam falado. Quando chamou a enfermeira ao seu escritó112


rio, Helen recorda-se de ela rir e dizer: “Não se preocupe, ele fez muitas.” Essa resposta penetrou na mente de Helen porque lhe pareceu evasiva. “Quantas são muitas?” – perguntou Helen. “Oh, não sei.” Helen recorda o que a enfermeira disse: “Cerca de 20. Não se preocupe. Ele já fez muitas.” Helen e a sua família procuraram websites acerca do procedimento que era descrito como novo, minimamente invasivo e seguro. Contataram duas famílias citadas pelo consultório do cirurgião pediátrico e duas outras duas famílias que eles próprios encontraram e todos disseram que as cirurgias tinham sido um sucesso. Helen e a família debateram as virtudes da cirurgia ao longo de alguns meses. Não consideraram que cirurgia em crianças pudesse ser perigosa. Finalmente, decidiram ir avante com a cirurgia. Esta teve lugar numa quinta-feira e levou mais tempo do que os pais de Lewis esperavam, mas o cirurgião assegurou-lhes que tudo tinha corrido bem. Depois da operação, deram uma medicação para as dores a Lewis, através de um cateter epidural colocado nas costas. Também lhe foram dadas injeções de um poderoso analgésico, Ketorolac, que a família mais tarde veio a saber que tinha alertas em negrito acerca da possibilidade de perfurar úlceras, hemorragias e falhas dos rins. No domingo, logo de manhãzinha, Lewis foi atacado pela “pior dor que se pode imaginar”, segundo contou à mãe. A dor situava-se em volta do estômago, não no peito onde tinha sido feita a cirurgia. Helen recorda que tanto as enfermeiras quantos os médicos residentes disseram a ela e a Lewis que os analgésicos provocavam dores abdominais. À medida que o dia avançava, a sua condição piorava e o abdômen inchou, o ritmo cardíaco aumentou, a temperatura desceu e ele ficou pálido e fraco e o suor caía-lhe em gotas. Helen pediu repetidamente que chamassem um médico sênior para o examinar. Como era domingo não apareceu 113


nenhum médico sênior no hospital para examinar Lewis. Enfermeiras e médicos residentes que cuidavam de Lewis continuavam a insistir que se tratava de prisão de ventre. Já noite avançada daquele domingo, a temperatura de Lewis desceu até aos 35 graus e o ritmo cardíaco atingiu 142 batimentos por minuto. Helen escreveu no seu diário: “Nem eu nem Lewis pregamos olho naquela noite de domingo.” Na segunda-feira, a situação de Lewis continuava a deteriorar-se. Helen e Lewis esperavam em vão pelo médico sênior. Mais tarde, ela soube que nunca havia sido chamado. Cerca do meio-dia, Lewis contou à mãe que estava vendo tudo negro. No diário, Helen escreveu as últimas palavras do filho – “Ish…está…escuro.” Repetiu e acabou. “Subitamente, Lewis tinha morrido. Era meio-dia e cinco.” Noventa e seis horas após a sua admissão no hospital, Lewis morria devido à perfuração de uma úlcera duodenal. A autópsia revelou três litros de sangue e outros fluidos no abdômen. Um adulto que pese cerca de 150 libras tem entre quatro e cinco litros de sangue. Helen recorda que o cirurgião pediátrico tinha conhecimento do terrível erro que tinha sido cometido. A morte de Lewis tinha sido um caso de falha de auxílio, termo usado nos hospitais para descrever pacientes que morrem quando os sinais clínicos da sua deterioração, tais como ritmo cardíaco elevado e perda de consciência, são visíveis mas não são tratados a tempo. Mais de um ano e meio após a morte de Lewis, o State publicou uma história na primeira página descrevendo os acontecimentos acerca da sua morte e apontando o dedo para a falta de supervisão em hospitais universitários. Era o mesmo jornal onde os pais de Lewis tinham lido informação acerca da nova cirurgia minimamente invasiva. 114


LETRAS MIÚDAS Helen sepultou a dor ao investigar o que tinha corrido mal com a cirurgia que era ssupostamente tão segura. Ela descobriu Medline, um tesouro acessível na internet com artigos e sumários de artigos patrocinados pela National Library of Medicine, que faz parte dos National Institutes of Health. Helen disse: “Quando eu pesquisei a cirurgia que Lewis fez, fiquei profundamente perturbada com o que encontrei.” O artigo que o cirurgião lhe deu não era o único artigo publicado, tal como ela pensou, mas era uma das principais notícias sobre o procedimento. Algumas delas tinham sérias implicações da cirurgia. “Eu não podia acreditar que tínhamos sujeitado o nosso filho aos riscos reportados na literatura médica,” conta Helen. Entre os artigos estava um estudo em que os autores incluíam os cirurgiões do hospital onde Lewis foi operado, incluindo o seu cirurgião. Tratava-se do estudo que fora mencionado na reunião inicial. Helen ficou surpresa ao descobrir que este tinha sido completado e publicado nove meses antes da cirurgia de Lewis. Examinou os resultados do novo procedimento em 251 crianças de 32 hospitais. A incidência de complicações e problemas foi considerada “bastante elevada (21%).” Foram reportados efeitos colaterais das poderosas drogas necessárias para controlar o nível de dor pouco habitual associado à cirurgia. Durante o internamento de Lewis, os efeitos colaterais dos medicamentos não foram propriamente levados em conta, produzindo uma espiral descendente que culminou na sua morte. Helen encontrou outro artigo em que os médicos em um hospital pediátrico de Indianápolis reportavam que um terço das crianças que haviam feito a cirurgia tinham tido a necessidade de repetir a cirurgia. Os autores concluíam: “Apesar da simplicidade do procedimento e da sua natureza simplista, há uma morbidez considerável associada a esta cur115


va de aprendizagem que não pode ser subestimada. Embora as notícias existentes sugiram a ocorrência de poucas complicações, acreditamos que ainda são necessários exames suplementares no futuro.” Também este artigo foi publicado nove meses antes da cirurgia de Lewis. Helen continuou procurando e encontrou ainda um outro estudo, publicado dois meses depois da operação de Lewis. Cirurgiões pediátricos do Stanford University Children’s Hospital, da University of California, em São Francisco, e o Children’s Memorial Hospital, em Chicago, davam notícia de cinco crianças que tinham sofrido graves complicações da cirurgia, incluindo um rapazinho de oito anos cujo coração havia sido perfurado durante o procedimento. Outro artigo publicado três meses depois da operação de Lewis contava que quase metade das crianças submetidas à cirurgia sofriam complicações. Os autores concluíam que o procedimento tinha proporções elevadas de complicações e taxas de repetição de operação. Vinte e nove por cento das crianças necessitavam de uma segunda operação. Helen sentiu-se traída. Não lhe tinha sido dado conhecimento, nem aos seus familiares, da extensão dos riscos da cirurgia. “Todas as minhas suposições sobre a cirurgia de Lewis tinham se baseado numa noção de verdade fundamental,” diz ela. “Quando se parte para a cirurgia e outros tratamentos médicos, até certo ponto acredita que te contaram toda a história.” Quando lhe perguntaram se ela teria agido de maneira diferente se tivesse sido informada dos riscos, ela responde: “Teríamos feito tudo de outra maneira. Nunca teríamos submetido o nosso filho a esta cirurgia se conhecêssemos a extensão e a severidade das complicações.” Quando lhe perguntaram por que razão não procurou mais informações sobre o procedimento antes de tomar a decisão, Helen respondeu “Sou uma investigadora, mas não sabia como pesquisar literatura médica.” O artigo que o cirurgião pediátrico lhe deu dizia que a operação 116


era eficaz e que tinha excelentes resultados a longo prazo. Helen continua: “A ironia é que o cirurgião de Lewis provavelmente nos considerou das famílias mais informadas. Tínhamos algumas informações acerca de determinadas complicações, mas não eram dadas de forma que os riscos se tornassem claros para nós. Nos convencemos de que este era um procedimento seguro, que tinha alguns problemas relativamente raros inicialmente, mas que esses problemas haviam sido corrigidos. As informações entusiásticas que tínhamos lido na internet e na página do hospital davam ênfase à segurança como uma vantagem do procedimento. Isso criou a ideia que tornou difícil para nós compreender que poderia não ser assim tão seguro. Em retrospectiva, éramos ingênuos. Naquela altura, não consideramos que éramos ingênuos. Pensávamos que estávamos bem informados.” A VERDADE QUE NÃO PODE SER IMPRESSA Um ano e meio após a morte de Lewis, um artigo na Journal of Pediatric Surgery comparava as proporções da complicação de cirurgias menos invasivas efetuadas no hospital onde Lewis fora operado e o procedimento tradicional do hospital da Califórnia. O estudo continha uma omissão espantosa. Reportava que “não havia mortes” na cirurgia inovadora. O estudo incluía crianças que haviam feito a cirurgia de janeiro de 1996 até ao fim de setembro de 2000. Lewis tinha morrido em novembro de 2000. Numa carta ao editor da revista, Helen escreveu: “O meu filho Lewis, com 15 anos, faleceu em novembro de 2000 em consequência de complicações após o procedimento. Pode imaginar a minha surpresa quando li na seção de abertura da seção de resultados do artigo ‘não houve mortes’? Pode não ajudar, mas levanta questões… três deles [os autores] foram alertados para a situação de Lewis. Para aqueles que procuram 117


informação, estas omissões são enganadoras. Um resultado não pode escolher as suas conclusões.” Helen recebeu uma resposta informando que o artigo não seria alterado. Mas o artigo da revista confirmava que a operação de Lewis tinha resultado numa complicação maior, com mais dor e mais tempo de recuperação no hospital comparado com a cirurgia tradicional. Helen conta que esta conclusão era o oposto da informação disponibilizada publicamente na internet e na página do hospital que retratava o procedimento como mais simples, mais seguro e mais fácil para o paciente do que a cirurgia tradicional. Além disso, num estudo supostamente sobre complicações da cirurgia, o artigo falhava ao não incluir a complicação fundamental – a morte. Helen acredita que este artigo numa revista médica respeitável traria um sério desestímulo ao novo procedimento. Estava enganada. Quatro meses mais tarde, em 22 de julho de 2002, a cobertura da história da publicação anual da U.S. News & World Report’s dos “Melhores Hospitais Americanos” mostrava com destaque a cirurgia que Lewis fizera no tórax em funil. O artigo mencionava os resultados do estudo de 1998 com 42 crianças, o mesmo que Helen obtivera das mãos do cirurgião de Lewis. A história publicada no U.S. News & World Report não trazia nenhuma das últimas conclusões que apresentava elevados níveis de complicações. Só descrevia outras cirurgias pouco invasivas, oferecia poucas notas admonitórias de que “poderiam ser perigosas porque mesmo as mais simples se tornam mais difíceis de fazer do que as equivalentes em aberto. Isto significa que o procedimento é mais difícil de aprender e possivelmente mais perigoso se o cirurgião não tiver feito um número razoável e não o fizer com regularidade.” Numa carta ao editor da U.S. News & World Report, Helen expressou o seu espanto pelo fato de a cirurgia ter sido noticiada como um “exem118


plo brilhante de cirurgia minimamente invasiva de baixas complicações. Na literatura médica, o procedimento minimamente invasivo está solidamente documentado como resultando em internamentos mais longos, maiores custos e maiores complicações e significativamente maior sofrimento pós-operatório. Em média, 20% a 25% dessas cirurgias resultam em complicações. O meu filho de 15 anos, que morreu por complicações do procedimento, foi um dos acidentes da experiência avançada em nível nacional. Foi por causa de relatos na imprensa brilhantes e inquestionáveis como os vossos que fomos persuadidos a sujeitar o nosso filho saudável a essa cirurgia desnecessária. O chamado sucesso do procedimento não assenta em resultados cirúrgicos consistentemente positivos, mas em marketing forte para o enorme número de potenciais pacientes confiantes.” A carta de Helen não foi publicada. “Na minha maneira de ver, o artigo da U.S. News & World Report foi um prazo final da literatura médica”, diz Helen. “Pesquisas médicas fora de moda não combinam com relações públicas modernas.” Continua a praticar-se a cirurgia minimamente invasiva. Helen continua: “O paciente tem de ser capaz de avaliar os riscos e os benefícios.” “Mas a primeira questão que o paciente devia pôr era a necessidade da cirurgia. Francamente eu fico desesperada com o clima corrente em que os hospitais parecem ver mais necessidade de animar o negócio, particularmente as cirurgias propagandeadas, do que ser um recurso que presta um serviço à comunidade quando é necessário.” “A cirurgia pediátrica não é uma mercadoria para ser posta à venda como pasta de dentes. A pasta de dentes não mata. A cirurgia pode matar. Precisamos divulgar publicamente o que se passa com o processo tendencioso, muitas vezes evasivo que passa pela tomada de decisão médica. O código tácito do silêncio é um dos problemas fundamentais da medicina. Conduz a riscos desnecessários, tratamentos desnecessá119


rios e custos em espiral. Se as pessoas tivessem informação sobre o risco, ou do que uma cirurgia ou um tratamento podia verdadeiramente fazer-lhes, declinariam decerto uma série de tratamentos que lhes são oferecidos.” O instinto de Helen está certo. Quando as pessoas estão bem informadas, é provável que optem por um tratamento menos intensivo. “Uma pesquisa pequena mas em crescimento mostra-nos que os pacientes possivelmente querem menos do que lhes estamos dando. Talvez uma maneira de equilibrarmos as nossas ofertas é fazer tudo para que os doentes nos digam quando têm o suficiente”, afirma o dr. James Weinstein, da Dartmouth Medical School. UM CAMINHO MELHOR A busca de verdade de Helen foi implacável, apesar de ser tarde para salvar o filho. Sem acesso público à informação, teria sido muito mais difícil para ela ter conhecimento da cirurgia e dos resultados e complicações. Mas nem todos podem dedicar tempo, energia e isolamento para fazer o que Helen fez. Também não é eficaz para todo o mundo meditar sobre uma cirurgia ou outra intervenção médica para conduzir a sua própria investigação. Por que razão teriam as 250 mil pessoas que anualmente fazem cirurgia de by-pass de conduzir a sua própria investigação sobre opções de tratamento, riscos e benefícios? Líderes progressistas da medicina concluíram que os médicos precisam de uma maneira de ceder a evidências disponíveis para fazer melhores recomendações aos pacientes. É impossível aos médicos estar a par de todas as informações de opções de tratamento para situações médicas particulares e seus benefícios e riscos. Pacientes e suas famílias – incluindo médicos que se tornam pacientes – precisam de um 120


mapa das estradas para conduzir num matagal espinhoso. A Foundation for Informed Medical Decision Making, uma fundação de Boston sem fins lucrativos, faz exatamente isto. Com uma equipe de investigadores e médicos consultores de todo o país, revê a ciência e as provas acerca de uma situação, opções de tratamento e riscos e benefícios de cada uma delas. Criou DVDs com vídeos que incluem pacientes reais que tomam decisões acerca de opções de tratamento. A prova da pesquisa melhor e mais corrente é elaborada através da experiência dos pacientes. A fundação não recebe fundos de empresas que fazem dinheiro com a venda de produtos ou serviços que apostem nas escolhas de tratamentos Continuará a travar-se uma batalha épica entre a ciência boa e o marketing da Madison Avenue. Por todos os Estados Unidos, pessoas com nobres intenções desenvolvem novas ideias e tratamentos. Boas intenções adormecem perante imperativos de negócio. Boas ideias são traduzidas em aplicações do mundo real para pessoas que possam se beneficiar (delas). Mas negócios honestos muitas vezes transformam-se em vendas febris com todo o brilho necessário. O objetivo dos cuidados médicos perde-se no estrondo do arremesso. As pessoas da linha da frente que se deitam na maca são esquecidas. A única proteção que têm é saber a diferença entre prova sólida e promoção comercial. Essa sabedoria pode surgir do seu próprio esforço ou de um golpe de sorte em encontrar pessoas boas cujo único objetivo seja o seu melhor interesse.

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MENTES MARINADAS Pensemos num molho para churrasco. Ou uma receita caseira especial para marinar bifes. As marinadas tornam a comida mais atrativa e saborosa. Para serem mais eficazes, devem ser ácidas. O ácido destrói os limites das células de proteção criadas pela natureza. À medida que a marinada atua, o alimento é alterado. Torna-se maleável ou, mais precisamente, como gelatina. Hoje em dia os nossos espíritos são marinados em notícias, as chamadas notícias propriamente ditas, publicidade, novelas e anúncios na internet. As cirurgias ganham sabor, tornam-se atrativas. Através da internet podemos observar corpos humanos serem abertos numa cirurgia transmitida ao vivo pela televisão. Torna-se atrativo tomar um comprimido que é anunciado na TV – e, a propósito, até tem efeitos secundários que podem causar a morte. Os nossos espíritos estão formatados para acreditar que está certo. A marinada da mídia desliga-nos da realidade do que permitimos que outros façam com o nosso corpo. Suspendemos o nosso pensamento crítico. Aconselham-nos: “Perguntem ao seu médico.” Dizem-nos que deixemos que outros pensem por nós. Quem somos nós, incultos e ignorantes, para pensar pela nossa cabeça? Na marinada, são concebidas, nascem, são alimentadas e sustentadas novas crenças. São criadas expetativas. A crença gera o dogma e o dogma transforma-se em realidade. Causa alguma admiração que quase 122


34% dos americanos acreditem que a medicina moderna pode curar quase tudo? Em contraste, só 11% dos alemães acreditam que isto é possível. O otimismo dos genes dos Estados Unidos e o espírito do “ser capaz de fazer” que lhe corre nas veias pode explicar esta diferença. Ou talvez seja da marinada. A marinada é uma mistura de campanha publicitária médica cheio de mídia, milagres, reformas e publicidade. Uma dieta constante de todos eles convence-nos de que quanto mais melhor. Para além da Nova Zelândia, os Estados Unidos são o único país que permite que empresas farmacêuticas, produtores de dispositivos e outros fornecedores de tratamentos de cuidados de saúde façam publicidade diretamente ao consumidor. Canais de televisão, revistas e jornais nacionais e regionais e mesmo novelas médicas televisivas são cavalos de Troia para o próximo comunicado de imprensa acerca de uma grande invasão de campos inimigos que não corresponde à realidade. Gary Schwitzer é o fundador da Health News Review, um site dedicado a melhorar a exatidão das novas histórias sobre cuidados de saúde. HeathNewsReview.org escreve novas histórias que fazem uma reclamação terapêutica de tratamentos, procedimentos, drogas ou dispositivos, vitaminas ou suplementos nutricionais e diagnósticos e testes de rastreio. Não cobra dinheiro de nenhum interesse instalado. Uma equipe de críticos dos campos do jornalismo, da medicina, da investigação de serviços de saúde e da saúde pública avalia a qualidade das histórias usando um sistema de classificação uniformizado. As histórias são selecionadas e aparecem as críticas no website. As histórias que são exatas, equilibradas e que fornecem informação completa recebem uma classificação cinco estrelas. Schwitzer oferece um estudo prudente do jornalismo sobre o estado dos cuidados de saúde baseado na sua própria avaliação de jornalistas de 123


cuidados de saúde. Os resultados são alarmantes. Quase metade (44%) dos jornalistas que participam no estudo dizem que suas organizações por vezes ou frequentemente baseiam as histórias em notícias difundidas sem reunir fatos adicionais substanciais. É especialmente alarmante que 32% dos jornalistas que respondem ao estudo reconheçam que suas organizações noticiosas por vezes permitem que anunciantes e patrocinadores influenciem as notícias. “É espantoso admitir isto”, diz Schwitzer, “é talvez o resultado mais inquietante de todo o estudo.” A EPIDEMIA DE FALSAS NOTÍCIAS SOBRE CUIDADOS DE SAÚDE Trudy Liberman, um jornalista veterano e diretor do Health and Medicine Reporting Program na Graduate School of Journalism, da City University of New York, investigou as relações confortáveis entre hospitais e estações de televisão regionais (locais). O seu trabalho revelou como é que os hospitais usam a mídia local para pôr à venda seus serviços. O repórter especializado em coberturas sobre saúde pode garantir seu espetáculo de meio hora com o hospital pagando sua estrutura de transmissão. Mais vezes do que parece, de acordo com Lieberman, o hospital controla a história. O seu pessoal pode até editar textos escritos pelas pessoas da estação noticiosa. “Espectadores que pensam que estão recebendo notícias estão na realidade recebendo uma imagem publicitária”, afirma Lieberman. Devido a essa atmosfera próxima, é pouco provável que estações locais por todo o país divulguem erros médicos ou infeções hospitalares. Torna-se impossível que consumidores educados saibam a diferença entre notícias reais e anúncios pagos que querem atingir pacientes confiantes. Ocorrem arranjos destes porque estações de televisão locais querem 124


histórias baratas que requeiram pouco trabalho, e os hospitais querem atrair clientes. O resultado é uma epidemia de notícias falsas sobre cuidados de saúde, de acordo com Lieberman. As notícias transformam-se num outro modo de anunciar. A mudança sísmica que ocorreu na imprecisão da linha que separa a notícia do anúncio pode encontrar-se nas palavras da jornalista veterana Clare Crawford-Mason, que trabalhou como repórter na Casa Branca quase 20 anos. Ela observa com sarcasmo: “Era que a televisão trouxesse notícias aos telespectadores. Agora traz telespectadores aos anunciantes.” Quando a publicidade na televisão é feita para parecer notícia, pode ser difícil ver a diferença. Um senhor de meia idade, sorridente, vestindo um roupão de hospital é visto atravessando o átrio desse hospital, presumivelmente após uma cirurgia do joelho. Esta imagem foi transmitida num anúncio hospitalar, feito para televisão, na Filadélfia, após o noticiário da noite, embora tivesse o aspeto e o toque de uma emissão de notícias. O anúncio dizia aos espetadores que se eles dessem 24 horas ao hospital, este lhes daria uns joelhos novos. A cirurgia era apresentada como se fosse um pedaço de bolo - mas nunca é fácil mexer com joelhos. O anúncio podia ser percebido como um serviço público, mas o hospital tinha um interesse financeiro em conseguir angariar pessoas. Se os espetadores ligam para o número que passa nas telas das suas televisões, não vão receber informações independentes e objetivas sobre a qualidade do hospital na cirurgia do joelho ou sobre o nível de infecção ou de outras complicações. Nem o hospital vai deixar que os espectadores saibam das dores martirizantes que podem ocorrer após a cirurgia. Gary Schwitzer avisa: “É provável que lhe vendam uma lista de produtos se não souber dos danos que eles podem causar ou como comparar um novo método de tratamento com outro já existente. 125


O INGREDIENTE QUE FALTAVA NA MARINADA Falta um ingrediente crítico na marinada. Os riscos e possíveis danos de um exame, procedimento ou um novo dispositivo são levemente aflorados ou nem sequer são alvo de notícia. Assim, a maior parte das pessoas nem sabe em que é que está se metendo. O dr. Eric Holmboe e seus associados quiseram saber se as pessoas conheciam os riscos e os benefícios de uma angioplastia que iam fazer no dia seguinte. Na sua observação, concluíram que a maior parte dos pacientes não estava a par dos riscos. Mais de metade das pessoas – 54% – não se lembraram de um único risco. Ou não os tinham informado ou não se lembravam de terem sido informados. Vinte e cinco por cento afirmaram que não tinham tido qualquer conversa com o médico sobre os riscos, que incluíam ataques, ataque de coração e morte – exatamente os resultados que eles acreditavam que o procedimento podia prevenir. O dr. Holmboe afirma que muitas pessoas querem que os seus médicos os informem sobre riscos e benefícios de procedimentos médicos. Num outro estudo, conduzido pela Universidade de Michigan, 300 adultos com idade acima dos 40 anos que tinham de tomar uma decisão sobre uma cirurgia, um exame ou medicação foram inquiridos sobre a sua conversa prévia com o médico. A maioria não sabia muito acerca das possíveis complicações, efeitos colaterais e riscos. Os médicos estavam mais voltados para lhes falar dos benefícios. Só 20% dos que iam enfrentar uma cirurgia na coluna, por exemplo, conheciam fatos importantes acerca dela e só 30% das pessoas que planejavam uma operação para prótese do joelho ou da anca tinham conhecimento de informação crítica. Com a explosão de informação de cuidados de saúde, recentemente 126


muitas pessoas procuram na internet os cuidados médicos de que precisam. Muitos estão à procura de tratamentos que nunca deviam receber. Num inquérito da Consumer Reports feito com 39 mil assinantes e 335 médicos de cuidados primários, 40% dos médicos reportaram que os pacientes trazem a informação da internet e que esta é inexata e mal compreendida. Trinta por cento disseram que os pacientes pediam exames desnecessários. Os pacientes podem pedir mais do que exames que não são precisos. Geri Amori, um antigo gestor de risco do hospital de Vermont já citado anteriormente, recorda uma paciente que resolveu exercer os seus direitos de consumidora: “Uma paciente falou comigo para apresentar queixa de dois médicos. Tinham marcado para ela uma cirurgia ginecológica e outra a um joelho. Quando foram canceladas, ficou triste.” Quando Geri falou com os dois médicos envolvidos, contaram que inicialmente haviam concordado com as cirurgias porque a doente os pressionara, mas quanto mais pensavam nisso, ambos queriam um método menos invasivo. Geri chamou a paciente e disse-lhe: “Os dois médicos contaram que tinham marcado as cirurgias, mas acreditavam ambos que havia maneira melhor de tratar a senhora.” A paciente respondeu: “Isso não está certo. Eu é que sou a cliente. Se eu quero a cirurgia, vou tê-la. E eu posso pagá-la. Tenho um seguro.” Geri recordou-lhe: “Os médicos fazem um juramento de não causar danos, e têm uma obrigação ética de usar o método menos invasivo.” A paciente disse: “O fato é que eu sou a cliente.” Geri perguntou: “O que quer que eu faça?” “Quero que os médicos façam as minhas cirurgias”, respondeu a doente. Isto não ia acontecer, por isso a mulher acabou a conversa perguntando: “Onde posso fazer as cirurgias?” Geri respondeu: “Não aqui.” 127


Os doentes vão ao médico com expectativas derivadas de experiências anteriores ou de informações que ouviram em anúncios, de amigos ou da família. O dr. Paul Batalden, da Medical School de Dartmouth, os primeiros meses da sua prática como jovem pediatra. “Eu estava observando uma criança com uma dor de garganta. O médico que o acompanhava estava ausente. Examinei-o e vi que não tinha temperatura, os ouvidos estavam bem e o peito limpo.” Ele tinha uma infecção respiratória superior. Então disse à mãe: “Penso que o seu filho tem uma dor de garganta. Vou vigiá-lo e nas próximas 24 horas veremos se a respiração se torna ruidosa. Não penso que seja isso para já e essa seria a única razão que me levaria a tratá-lo com antibióticos”. “A mãe respondeu: ‘Não vai analisar o sangue?’ Eu respondi: ‘Não acho que a análise de sangue seja necessária’. A mãe continuou: ‘O médico que o acompanha sempre faz’. Eu respondi: ‘Eu aprecio essa prática. Realmente eu não creio que seja necessário fazer isso hoje. Amanhã saberemos se a cultura da garganta é positiva.’ Ela abanou a cabeça em sinal de discordância.” No dia seguinte, a mãe ligou e informaram-na de que a cultura era negativa. Ela insistia em falar com o médico regular do filho, acreditando que o jovem médico não tinha sido minucioso. O médico que habitualmente atendia o filho chamou a mãe e prescreveu antibióticos. O dr. Batalden disse: “Eu estava pronto para fazer o que estava certo, mas estava contra a relação e as expectativas anteriores.” Um episódio de Grey’s Anatomy, mesmo que ficcional, ilustra como jovens médicos em treinamento podem ser perfeitamente postos na marinada. Uma ambulância parou em frente das urgências com a sirene ligada. O paramédico salta cá para fora e grita para os médicos que esperam: 128


“Sexo masculino de 62 anos, Otis Sharon, encontrado inconsciente na esquina com um tornozelo inchado.” Os sinais vitais do homem estão estáveis, está alerta e falando. Uma jovem cirurgiã residente ansiosa grita: “É meu.” Está acontecendo um concurso entre os cirurgiões residentes no hospital fictício Seattle Grace. A maioria dos pontos será atribuída ao diagnóstico de uma situação médica inesperada de um paciente que esteja oculta. O vencedor do concurso receberá um prêmio cobiçado e o concurso vai terminar na noite da ida de Sharon às urgências. A drª. Stevens, a médica residente que reclamou Sharon como seu paciente, está com menos 26 pontos no concurso. Disse aos seus colegas, que estavam admirados por ela estar entusiasmada por cuidar de um paciente de tornozelo inchado: “Vocês veem um tornozelo inchado, eu vejo um mistério clínico. Oitenta pontos.” Uma vez nas urgências, Sharon está alerta e conversando. A drª. Stevens pergunta-lhe se ele sentiu vertigens. Responde: “Talvez, um pouco.” Ela continua: “Teve algum trauma recentemente?” Ele observou com sarcasmo: “Eu ando para trás e para a frente na costa Leste fazendo o meu trabalho. Isto conta?”. Ela pergunta, levantando algumas dificuldades: “Alguma picada de mosquito?” Neste momento Sharon começa a ficar preocupado. “Tenho alguma coisa má – malária, ou o vírus do Nilo Ocidental?” Ela assegura-lhe: “Não há necessidade de pânico. Vamos ver isto um passo de cada vez.” A drª. Stevens repete para outro residente: “Estou 20 pontos atrás… Oitenta pontos para resolver o mistério clínico… o santo graal do concurso.” Volta-se para Sharon e diz: “Há alguém a quem possa telefonar? Talvez não deva estar aqui sozinho esta noite.” Nesta altura Sharon tinha sido diagnosticado com uma fratura no tornozelo do tamanho de um fio de cabelo. Está sendo planejada uma bateria de testes. “Quero ir para 129


casa. Quero ir para casa”, grita ele. “Estou só e assustado num hospital com uma bela médica que pega a minha mão… tentando imaginar de que doença horrível eu vou morrer.” A drª. Stevens dá-lhe uma pancadinha na coluna vertebral e Sharon grita em pânico. “Está tudo bem,” assegura ao doente. “Não está nada bem, dói…Estou só e não estou nada bem. Estou morrendo.” Uma vez mais ela assegura-lhe: “Vou fazer tudo para descobrir o que está errado … vai lhe ser dada uma segunda oportunidade.” Ela continua o procedimento. “Vai sentir uma pequena pressão”, “ow…ow,” grita ele de dor. Passado pouco, aparece o Dr. Bailey, o residente chefe. “Por que está fazendo uma punção lombar por causa de uma fratura do tornozelo? ... Quantos pontos? Não me diga que está sujeitando este homem a procedimentos dolorosos e desnecessários para vencer um concurso,” pergunta à drª. Stevens com mais do que uma pitada de indignação. A drª. Stevens reconhece que quer mesmo vencer o concurso, mas explica que quer ter a certeza que o homem não deixará o hospital com uma meningite ou outra doença rara. O dr. Bailey responde: “Está bem, continue.” Mais à frente, no episódio, a drª. Stevens fica claramente desapontada com o resultado dos testes. Um interno está ali ao lado e pergunta: “O indivíduo do tornozelo?” A drª Stevens despacha às pressas os exames que pediu; os resultados estão todos normais. O interno diz: “O fato é que está fazendo os procedimentos desnecessários para ganhar um concurso… Oh meu Deus… Os bons médicos sabem quando parar.” A drª Stevens repete: “Tenho de ganhar.” O momento da verdade chega finalmente quando a drª. Stevens diz a Sharon: “Não há nada de mal.” Ele pergunta: “E o que se passa com todos os testes alfabeto?” Timidamente ela conta-lhe: “Provavelmente indicam que tem uma constipação.” Com uma raiva indisfarçável, ele 130


grita: “Um dia inteiro – tudo aquilo a que me sujeitou – sujeitou-me a tudo isto por um resfriado? … Eu não precisava de passar este inferno… Tratou-me como um rato, como um rato num laboratório perverso. Dê-me a minha prescrição. Eu quero sair daqui.” Ela informou-o de que a constipação não precisa de antibióticos. Só líquidos e repouso. “Lamento sinceramente,” disse-lhe. A drª. Stevens não venceu o concurso. Outro residente ganhou o troféu – um pager, o santo graal do programa de internato das cirurgias do hospital. Faz parte da tradição de um hospital feito para televisão. O pager foi transmitido ao longo dos muitos anos que o concurso durou. O vencedor podia auxiliar em qualquer cirurgia durante três meses. Enquanto história ficcional, ilustra como nenhum passo é dado para travar o trem de testes desnecessários. A marinada funcionou. O espírito de um jovem em estágio médico foi redefinido, desligado da realidade do que é feito a um doente. Suspende-se o pensamento crítico; o paciente como pessoa é invisível. O fim da medicina não é o paciente. É algo mais. É um jogo. E é tudo sobre vencer.

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O CAPÍTULO QUE VOCÊ NÃO QUER LER O monstro verde no sistema de cuidados de saúde nasceu na era do pós-Segunda Guerra Mundial, quando os americanos acreditaram que tudo era possível. No auge de otimismo, o Governo Federal autorizou enormes somas de dinheiro para cuidados de saúde e cedeu o seu controle à elite médica e científica. Naquela altura, a nação tinha uma boa razão para exprimir tal fé na ciência e na medicina. Em 12 de abril de 1955, quando os epidemiologistas da University of Michigan anunciaram que a vacina Salk era um sucesso na prevenção da poliomielite, o grande flagelo da altura, o medo foi substituído por um imenso alívio e alegria. De acordo com um relato da importante ocorrência, “as pessoas cumpriram momentos de silêncio, tocaram sinos, buzinaram, apitaram sirenes de fábricas, dispararam salvas, fecharam escolas e convocaram reuniões ardentes nesses locais, brindaram bebendo, abraçaram crianças, foram à igreja, sorriram a estranhos, perdoaram inimigos.” A descoberta foi muito importante, a gratidão autêntica, a alegria universal. Os cofres públicos foram amplamente abertos. A empresa de investigação biomédica do país foi o National Institute of Health. O Congresso deu autonomia aos cientistas para definirem suas próprias regras e determinar prioridades de investigação que merecessem fundos públicos. O orçamento NIH inchou entre 1955 e 1960. O Congresso apoiou um programa massivo de construção de hos132


pitais que nos anos de 1950 e 1960 despejaram bilhões de dólares em distritos congressionais por todo o país. O dinheiro criou emprego e ajudou a reeleger membros do Congresso. Com fé na ciência e um desejo insaciável pela saúde, foi criado um sistema imenso de faculdades de medicina e hospitais universitários. O Congresso baniu a interferência federal do modo como seria gasto o dinheiro público para a ciência. Uma vez construída a infraestrutura para a investigação médica e entrega de cuidados de saúde, os americanos pretenderam ter acesso a ele. O Medicare foi fundado em 1965 juntamente com o seu programa associado, Medicaid, para americanos com baixos rendimentos e pessoas com deficiência e com necessidade de cuidados prolongados e de apoio. O monstro verde dos cuidados de saúde cresceu e ficou pronto para se expandir além das fronteiras. Agora tem um apetite insaciável e é engordado pelo acesso livre ao frigorífico do país, despensa e semente que fazem crescer o alimento futuro. O Governo Federal pede dinheiro emprestado à China para alimentá-lo. Quanto maior fica, mais forte se torna. A recessão econômica não presta atenção a isso. Ninguém pede que pare ou, pelo menos, que corte o seu apetite voraz. O monstro verde vive nos 50 estados, nas áreas rurais e citadinas e entre ricos e pobres. Embora muitas organizações de cuidados de saúde mantenham padrões éticos elevados, contudo, ele é solicitado por todo o tipo de cuidados de saúde – grandes e pequenos hospitais, consultórios médicos, centros de cirurgia de ambulatório, centros de diagnóstico de imagem e todo o resto. Aqui ficam exemplos de criatividade do monstro verde tal como é contado por pessoas que pertencem aos cuidados de saúde. 133


A CIRURGIA DE PRÓSTATA DE MIAMI Um administrador executivo de um hospital na Flórida recorda um encontro de médicos em Miami onde um urologista, descaradamente, descreveu o que ficou conhecido por “A cirurgia de próstata de Miami.” Este procedimento é planejado para que o paciente tenha um bom fluxo de urina, mas necessitará de outra intervenção no prazo de dois anos. Nenhum dos médicos presentes ao encontro contestou a ética de se tratar doentes de um modo que deliberadamente criava repetição de clientes. O CEO do hospital conta: “Algumas áreas do país são ‘obscenas’ no modo como são prestados cuidados aos pacientes. Eu fiquei feliz de sair daquela área do país.” A LOJA DE DONUTS “Somos como uma loja de donuts”, afirma um jovem cirurgião chefe a um médico no hospital onde trabalha. “O nosso trabalho é vender donuts. Se não vendermos uma boa quantidade de donuts, saímos do negócio. O seu trabalho, como chefe do serviço de urgência, é convencer os doentes de que eles precisam ficar no hospital e convencer os médicos de que devem admitir os doentes.” Foi isso que escreveu um médico que participou de um estudo conduzido em 2007 pelo American College of Physician Executives, que publicou o resultado do estudo em conjunto com este comentário, na sua revista. Os membros da organização incluíam funcionários clínicos chefes e vice-presidentes para assuntos médicos em hospitais e em outras organizações de cuidados de saúde. MENSALIDADE DA FACULDADE Um funcionário de cuidados de saúde descreve um grupo de médi134


cos que trabalhou com afinco para reduzir a morte previsível de doentes da comunidade, que tinham sido submetidos a cirurgia de by-pass. Na melhor tradição da medicina, estudaram as melhores práticas de cada um e aplicaram-nas. Juntos salvaram vidas. Este mesmo grupo de médicos sabia que um dos seus pares fazia mais cirurgias de by-pass na comunidade do que qualquer outro. Ninguém o questionou. Pessoalmente, cada um acreditava que os pacientes não precisavam das cirurgias, mas explicavam a ação do outro dizendo: “Oh, ele tem quatro filhos estudando na universidade.” Quando perguntaram ao funcionário ‘o que pode fazê-lo parar?’, ele respondeu: “Quando os filhos concluírem a graduação.” Uma vice-presidente em gestão de risco em um seguro de negligência médica disse que tinha visto casos em que pressões financeiras da família podiam motivar médicos a aumentar o seu volume de trabalho. “A nossa funcionária de seguros notou que, quando alguns médicos atingem os 50 anos e estão perante a aposentadoria e têm filhos na universidade, tendem a aumentar o seu volume de trabalho. Eles não conseguem lidar com isso e vemos casos de más práticas sendo abertos.” TEM VIRILHA, SERÁ CATETERIZADO Um médico que trabalhou em clínica privada descreveu como é que os colegas eram impacientes em efetuar cateterismos cardíacos. O mantra no consultório era “tem virilhas, será cateterizado” (referindo um cateter, ou um tubo comprido e fino inserido numa artéria na virilha e que abre caminho através dos vasos sanguíneos até o coração). O médico deixou esta clínica privada para trabalhar na Veterans Health Administration, onde os médicos ganham o seu salário, mas não têm incentivos financeiros para realizar procedimentos médicos desnecessários. 135


LAMBORGHINIS NA SELVA Um médico que exerceu medicina num hospital da Costa Leste durante muitos anos conta que, “quando estava em estágio, tinha um velho Chevy. Os médicos que nos ensinavam também tinham Chevys, só que eram novos. Agora olho para o parque de estacionamento do nosso hospital e conto os Lamborghinis. Tanto quanto sei, as pessoas podem conduzir os carros que quiserem. Mas você pode perguntar quem lhes paga para isso? É um pouco animado, mas o abuso é como os programas da natureza da televisão PBS. Quando os tigres e os leões matam as presas, aparece toda a espécie de criaturas para partilhar o banquete. É isto que acontece aos doentes. Vejo isso todos os dias. Quando um médico aceita um doente no hospital, pode mandar chamar seis, oito ou dez consultores. Todos apresentam a conta ao paciente. Ninguém pergunta se o procedimento ou o que quer que os médicos consultados façam é bom para o paciente. É um frenesi alimentar.” E continua: “Não muito longe daqui, um grupo de médicos recomenda doentes para consultas entre si. Fazem-lhes toda a espécie de exames e vão nos chutando de um para outro. Os doentes convencem-se de que estão sendo bem cuidados, mas eles não conhecem o suficiente para pensar de outro modo. Não se trata de cuidar bem. É exploração. É um insulto e agressão. Acontece diariamente nos consultórios médicos. O governo permite que os médicos sejam desonestos. É uma forma de crime organizado e ninguém faz nada para pôr fim a isso.” NEM AS CRIANÇAS ESCAPAM As crianças não são imunes a exames e tratamentos desnecessários. Uma pediatra do Texas observou exames injustificados de diagnósti136


co logo no início da sua atividade clínica. “Lembro-me de um grupo de pediatras que, aqui na cidade, encaminhavam crianças saudáveis e bem nutridas para o hospital pediátrico e lhes prescreviam uma série de exames de diagnóstico para detectar alguma desordem de má nutrição. Contaram-me que, ao fim de muitos anos, um diretor do hospital finalmente ordenou o fim dessa prática. Acima de tudo, os médicos podem fazer o que querem.” APENAS SUBMETENDO-OS Um médico descreve como há 20 anos um hospital da Costa Leste, especializado na cirurgia de by-pass no coração, fez operações em pessoas cuja situação clínica não exigia cirurgia. “Eles tinham uma linha de produção e iam empilhando”, disse. Estima que, provavelmente, 20% dos procedimentos eram desnecessários. Hoje em dia o hospital anuncia numa rádio local que faz 100 mil procedimentos no coração por ano. A MÁQUINA ESTÁ TRITURANDO PESSOAS Outro médico reclama que o problema dos cuidados desnecessários está tornando-se cada vez pior. “Há cerca de dez anos havia poucas pessoas exercendo má medicina por dinheiro. Atualmente exercer má medicina por dinheiro está institucionalizado. A máquina econômica está triturando pessoas por dinheiro. O hospital onde trabalhei costumava ser um lugar agradável para exercer medicina. Há cinco anos, decidiu que queria desenvolver cirurgia de alto rendimento tal como procedimentos vasculares mais importantes [aneurismas abdominais, cirurgia de bypass arterial de sete horas etc.], caixas torácicas e cirurgias complexas de coluna. Eles trouxeram cirurgiões horríveis, o pior que eu já 137


vi em 20 anos. Recordo-me de um indivíduo que tinha más mãos e uma terrível falta de bom senso, e o nível de mortalidade dos seus pacientes foi enorme, quando devia ter sido de 5%. Outro indivíduo teve um grau de complicações tremendo, mas era imune às críticas porque era de uma família de bem da comunidade e pertencia ao quadro do hospital. “Todas as semanas acontecem casos neste hospital que não deviam ter lugar. E quando morrem doentes por complicações de cirurgias que nem sequer deviam ter sido feitas, chamo-lhe de ‘assassinato de colarinho branco.’ A pior coisa é você estar em um caso em que não está ajudando ninguém e em que o paciente pode ficar pior. Há anos isto acontecia de vez em quando. Agora acontece a todo o momento. Entretanto, visto de fora, o hospital parece uma maravilha. O presidente ganha prêmios da câmara de comércio e se você fosse membro do quadro ficaria pensando que o hospital estava fazendo um bom trabalho. Lá dentro a história é outra. Se tentar falar francamente, a administração vem atrás de você porque você está pondo o negócio em risco. Eu tive de renunciar ao meu trabalho e sair deste hospital porque não podia garantir bons cuidados aos meus pacientes. Vou para um local onde espero que a economia não vá impedir que lhes preste bons cuidados.” SE O PÚBLICO SOUBESSE Uma chefe de cuidados de enfermagem, reconhecida nacionalmente, testemunhou em primeira mão como diretores de hospitais podem criar uma cultura onde o abuso é autorizado e encorajado. Ela trabalhou durante muitos anos num hospital com um CEO que apoiava um processo rigoroso que garantia privilégios só aos médicos que eram competentes e praticavam cuidados de saúde seguros. Quando chegou um novo CEO, trazia na agenda melhorar o ponto de partida do hospital, ganhar 138


o apoio dos médicos e mantê-los satisfeitos. A qualidade rigorosa e os níveis de segurança usados para garantir os privilégios do hospital aos médicos entraram imediatamente em declínio. O chefe de enfermagem conta que “a abordagem do novo CEO tinha tudo a ver com colocar os médicos do hospital para fazer procedimentos, fazer dinheiro e não irritar os colegas médicos que estavam tentando entrar. Isso conduziu a uma deterioração significativa na qualidade e na segurança nos cuidados dos pacientes. Se se tornasse público o que se passava, a confiança cairia.” UMA VITAMINA C ESPECIAL Uma enfermeira conscienciosa trabalhava com um pequeno grupo de médicos numa clínica privada do Midwest. Recorda-se que “certo dia telefonou uma paciente mais idosa que chorava. ‘Eu não tenho meios para comprar o medicamento que o médico me mandou tomar’, disse. A mulher tinha a doença de Parkinson e o médico tinha dito a ela que o medicamento podia ajudar a travar a progressão da doença. O frasco de 20 comprimidos custava 60 dólares.” A enfermeira pediu à senhora que lesse a informação do frasco. Diz “ácido ascórbico”, que é vitamina C. “Eu pensei que ela estivesse enganada”, recorda a enfermeira. “Por isso pedi-lhe que passasse o telefone ao marido. Ele falou durante alguns minutos e eu sugeri-lhe que viesse até o consultório com o frasco para que eu o pudesse ver. Dentro de uma hora chegou com o frasco dos comprimidos, vazio. De fato o rótulo dizia ‘ácido ascórbico’. Eu já tinha visto doentes pôr comprimidos em frascos que não eram os originais da farmácia, por isso perguntei ao marido: ‘Este é o medicamento da sua esposa ou são vitaminas?’ ele respondeu ‘Estas são as vitaminas especiais para Parkinson’.” A enfer139


meira disse-lhe que levasse o frasco à farmácia local e que perguntasse por um certo farmacêutico que iria encontrar as mesmas vitaminas que custavam muito menos. “Finalmente entendi por que razão o médico nunca queria que eu falasse com os doentes dele. O filho do médico vendia suplementos dietéticos e esta vitamina C era a marca que ele vendia. Eu pensei que ele não queria que eu fizesse suas chamadas porque eu ainda não tinha dado provas, apesar de eu fazer 60 chamadas por dia para os outros médicos. Na verdade ele estava mais escondendo o que fazia.” De fato, quando o médico voltou ao trabalho e a enfermeira lhe contou o que se tinha passado, ele disse de forma brusca: “Como ousa falar com os meus doentes? Trata-se de uma vitamina C especial.” A enfermeira disse: “Eu não podia esperar para sair dali.” “TENHO A PRESTAÇÃO DA CASA PARA PAGAR” O CEO de um hospital relata como é que um médico que descobre um quisto benigno nas costas de um doente pode deixá-lo ir embora “ “É nas costas do paciente. Não se vê.” Ou pode dizer: “Este quisto podia ser um problema. E eu tenho a prestação da casa para pagar. Sabe, penso que devíamos tirá-lo.” Um bom médico diria que era uma cirurgia desnecessária. “QUEM CUIDA DE NÓS?” Deandra Vallier, a esposa do advogado que fez cirurgia nos rins de um câncer que não existia, pergunta: “Quem é que cuida de nós?” A resposta é que dificilmente alguém protege o bem comum. Raramente as agências reguladoras federais ou estatais intervêm mesmo em casos 140


de tratamento médico desnecessário. Se o fizerem, a intervenção é deflagrada por estar relacionada com fraude, não por se ter posto em risco a saúde de alguém. Aconteceu uma exceção quando a comissão de concessão de licenças médicas do estado do Alabama alegou que um médico oncologista tinha diagnosticado ou tratado indevidamente 19 pacientes. De acordo com o advogado associado do estado, William F. Addison, “o médico diagnosticou câncer e prescreveu quimioterapia sem que os doentes necessitassem dela.” O estado alegou que, dentre as pessoas que receberam tratamento inadequado, estavam: - Uma idosa de 92 anos que foi ao médico por causa de uma pequena lesão na maçã do rosto esquerda. Nunca lhe foi feito um diagnóstico conclusivo de câncer, mas de qualquer modo foi tratada com quimioterapia. Sofreu significativos efeitos secundários que a obrigaram a ser tratada nas urgências de um hospital. - Uma mulher de 73 anos com uma história de câncer da mama que foi diagnosticada com câncer da mama metastático e tratada com quimioterapia. Tinha uma história de ataques, apoplexia e diabetes. Sofreu complicações importantes da quimioterapia que obrigaram a que lhe colocassem um tubo para a alimentarem durante um período de tempo. De acordo com o estado, a paciente não tinha câncer da mama com metástases; o tratamento expôs ela a risco e desconforto desnecessários. - Uma mulher de 57 anos que foi diagnosticada com um tipo de leucemia numa fase avançada e tratada agressivamente com quimioterapia que resultou numa parada cardíaca. Foi reanimada. De acordo com registos estatais, não havia qualquer evidência de que ao paciente necessitasse do tratamento agressivo que quase a levou à morte. A junta médica solicitou uma suspensão da licença do médico. Quando o médico foi a tribunal para protestar, o juiz impediu a suspen141


são porque o médico não tinha sido processado por más práticas. Duas semanas após a decisão do juiz, uma sobrevivente de câncer de mama de 65 anos processou esse mesmo médico. De acordo com registos estatais, havia recidiva do câncer. Não havia sido realizada qualquer biópsia, no entanto ele tinha registado na ficha da paciente que as metástases do câncer de mama tinham se espalhado até a coluna. A mulher solicitou uma segunda opinião junto ao Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, onde um médico concluiu que não havia evidência de câncer da mama recorrente e recomendou que não prosseguisse com a quimioterapia. O estado argumentou que o médico tinha violado um princípio cardinal de que não se deve fazer tratamento de câncer sem primeiro obter confirmação de tecido. A mulher sofreu um trauma emocional por lhe terem dito que sofria de uma doença fatal, mais o trauma físico da quimioterapia tóxica. Após uma prolongada batalha legal, o estado anulou a licença do médico para praticar medicina. Juntas médicas do estado concedem licenças a médicos e castigos aos que violem os interesses públicos. Muitos dos membros das juntas médicas do estado e suas equipes são conscientes e procuram honestamente proteger o bem comum, mas a oposição política feroz de médicos que pretendem manter as suas licenças e autonomia a qualquer custo por vezes evita que eles protejam adequadamente o interesse público. Os americanos têm pouca proteção desta autonomia enlouquecida. Os médicos só em raras circunstâncias foram processados criminalmente por ministrar tratamentos desnecessários. Um dermatologista da Flórida foi condenado, em 2006, por promotores de justiça federal, por praticar cirurgias em 70 pacientes idosos a quem ele diagnosticou como tendo câncer da pele, mas que de fato não tinham a doença. Ellen Murray foi uma das suas pacientes que teve oito cirurgias realizadas por ele em sete anos antes de perceber que havia qualquer coisa de errado. 142


Como acontece com muitos pacientes que descobrem que receberam tratamento médico desnecessário e inapropriado, só percebeu o que acontecera passado tempo. Ela diz: “Ainda é difícil aceitar o fato de que o médico faria cirurgias desnecessárias por dinheiro.” Ela desconfiou quando o médico voltou a diagnosticar câncer de pele e ela solicitou uma outra opinião que revelou não se tratar de nenhum câncer. Murray contatou a central de fraudes do Centers for Medicare e os Medicaid Services, que administram o programa Medicare, para reportar as atividades sem escrúpulos do médico. Recorda que a informaram que, se o médico já tivesse realizado o serviço, a pessoa seria ressarcida. Sendo uma mulher determinada, Murray não parou por aqui. Ela fez uma denúncia e apresentou uma reclamação em conformidade com False Claims Act. De acordo com a lei, os denunciantes recebem um incentivo financeiro para fornecer informações sobre quem engana o governo. A False Claims Act tornou-se legal em 1863, durante a Guerra Civil, quando foram vendidas ao exército da União espingardas que não disparavam, cavalos que mal conseguiam andar e sacos de serradura em vez de pólvora. O presidente Abraham Lincoln foi um proponente firme e forçou o Congresso a aprovar a lei, que ficou conhecida como a Lei de Lincoln. O Departamento de Justiça dos EUA integrou o processo da False Claims Act após a sua investigação verificar que muitos dos doentes desse médico tinham sido submetidos a cirurgias desnecessárias de câncer de pele inexistentes. O dermatologista foi considerado culpado e condenado a 20 anos de prisão num estabelecimento federal. O caso ilustra que o único recurso legal de que dispõem as pessoas alvo de tratamentos desnecessários é provando que ocorreu fraude. O médico foi considerado culpado por fraudar o Medicare e não por causar dano aos pacientes. 143


COMO PODE ACONTECER ISTO Como é que um médico pode realizar cirurgias desnecessárias em um paciente? O dr. Brad Stuart, um internista em estágio em Stanford, dá a seguinte explicação: “O sistema recompensa pessoas por fazerem qualquer coisa e por gerarem tantos resultados quanto possível. Nós fazemos, fazemos e não podemos parar de fazer. Como médicos, não queremos ver a crueldade e dor que infligimos às pessoas. Se tivéssemos tempo para ver, pararíamos de infligir dor. Mas não paramos para olhar, sentir ou pensar. Se o fizéssemos, ficaríamos paralisados de culpa.” “A desumanização começa na faculdade de medicina. Somos treinados não para olhar para a dor que infligimos, ou para a dor que sentimos quando infligimos dor a outros. Deste modo, os médicos podem pôr os seus sentimentos para dormir, colocar a vergonha e a culpa longe da consciência. Outros estão dispostos a ficar acordados e enquanto outros ainda que foram dormir estão dispostos a acordar. O momento de acordar pode ser horrivelmente doloroso. Grandes médicos ou ficaram acordados ou estiveram dispostos a acordar. Sentem o impacto do que fazem mesmo no âmago do seu ser.” O dr. Lucian Leape, da Harvard School of Public Health, conta que “é bastante óbvio que a causa do mau uso e abuso é um sistema que recompensa pessoas pelo muito que fazem…É tempo de falar alto e bom som. Precisamos dizer isto publicamente para mudar o sistema. Penso que ele corrompeu completamente a medicina. Nós conduzimos ele a extremos mais lógicos e caricatos. É fundamental que possamos pressionar para mudar o sistema de financiamento e avançar em direção à oferta de cuidados integrados, com empregados assalariados trabalhando em equipe.” 144


PARTE 3 APRENDA E VIVA

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DANDO BY-PASS NO BY-PASS “Pense em um prego e um martelo”, conta um médico que é vice-presidente de assuntos médicos num hospital da Louisiana. “O martelo vê tudo como um prego. Alguns médicos pensam que têm um martelo e tudo o que veem é um prego. Param quando acabam os pregos ou quando a família lhes tira o martelo.” Os americanos estão começando a tirar o martelo. Estão se afirmando e rejeitando as recomendações de tratamentos que eles acreditam ser desnecessárias como uma cirurgia no coração, tratamento do câncer, amputação de pernas, cirurgia na coluna, histerectomia, mastectomia, extração das amígdalas, para referir apenas alguns. Tomaram as suas decisões não realisticamente, mas cuidadosamente. Estudaram a evidência científica publicada em literatura médica, consultaram médicos, usaram o senso comum e seguiram o seu instinto. Essas pessoas altamente cheias de poder são uma inspiração por causa da sua resiliência e persistência em ficar bem informadas e comprometidas em tomar decisões adequadas para seus casos pessoais. Histórias de como o conseguiram, o segredo do que alcançaram, dão uma lição a todos: não se deitem para tomar remédio. UM ENGENHEIRO QUÍMICO APOSENTADO TOMA SUA PRÓPRIA DECISÃO Howard Harwell é um engenheiro químico de 87 anos, aposentado, 147


de New Hampshire. Há cerca de seis anos desenvolveu uma dor no peito para a qual o seu médico prescreveu medicação. Como a dor aumentou, a dosagem também foi aumentada. Howard procurou outra opinião de um cardiologista que lhe recomendou um angiograma. Este veio revelar que as artérias no coração de Howard tinham calcificações e obstruções consideráveis. Nessa altura consultou vários médicos, incluindo um cardiologista em Los Angeles que lhe recomendou uma cirurgia de by-pass. Um sobrinho, médico da família, chegou à mesma conclusão, dizendo: “Se alguma vez houve um caso ideal para a cirurgia de by-pass, esse é o seu caso.” Howard continuou a sua investigação. Contatou dois hospitais de Boston, reconhecidos nacionalmente e questionou-os sobre o nível de mortalidade da cirurgia de by-pass em homens da sua idade e ainda o que poderia esperar durante a recuperação. Um hospital respondeu-lhe: “Fazemos mais by-passes do que qualquer outro hospital da região. Vamos tirá-lo da lista de espera rapidamente e a Medicare vai pagar a sua conta de hotel do tempo que lá estiver antes de dar entrada no hospital.” Um representante do segundo hospital disse-lhe: “Podemos recebê-lo de imediato. Nós colaboramos com Harvard,” levando Howard a concluir que estava na vanguarda dos cuidados. Como engenheiro, Howard tinha sido treinado para reunir todos os fatos antes de tomar uma decisão. Continuou a sua missão de encontrar fatos e marcou consulta com um cirurgião do coração de New Hampshire que o interrogou sobre a sua situação e vida diária. O médico o ouviu com atenção. E disse-lhe candidamente: “Na sua situação, com a cirurgia, nós fazemos com que se sinta mais confortável, mas não podemos aumentar-lhe a esperança de vida. É importante pesar o que ganha no estilo de vida com a cirurgia e comparar isso com o trauma da operação. Parece que viverá sem problemas.” 148


O cirurgião falou-lhe do longo tempo que a calcificação no coração de Howard levou para formar-se e de como os vasos sanguíneos secundários provavelmente se desenvolveram para levar o sangue ao coração e substituir a função das artérias principais. Se tal não tivesse acontecido, ele não estaria vivo, disse-lhe o médico. A última parada da missão de Howard de encontrar fatos foi uma visita ao seu médico de cuidados primários. No curso de uma longa conversa, o médico descreveu o seu próprio pai, que fizera uma cirurgia de by-pass aos 79 e morrera três anos depois. “Ouvindo-o falar do modo como vive, do que faz e não faz, não parece haver muito que não possa fazer. Eu não lhe recomendaria a cirurgia. De fato aconselho-te a não a fazer.” Howard guardou na sua memória os casos de três homens que conhecera, todos da mesma idade, que tinham sido submetidos a cirurgias de by-pass. Todos haviam morrido um ano após a cirurgia. Ele também estava consciente do fato de que algumas pessoas que tinham sido submetidas a cirurgia de by-pass podiam vir a sofrer de déficits cognitivos após a cirurgia. Howard tinha recolhido informação suficiente para tomar a decisão que ele achava que era a correta para a seu caso. Outras pessoas poderiam tomar uma decisão diferente, partindo da mesma informação. Como ele afirmou: “Decidi fazer um by-pass ao by-pass.” Dois anos após ter tomado esta decisão, disse: “Ainda sou capaz de fazer as coisas que me dão prazer. Amanhã vou jogar golfe, mas vou de carrinho em vez de caminhar. Faço os exercícios na minha bicicleta estática diariamente e faço jardinagem.” Que conselhos dá Howard a terceiros? “Não é uma boa ideia delegar a gestão da nossa saúde a qualquer médico”, diz ele. “Tenho dito a minha esposa que devemos ser nós que fazemos a gestão da nossa saúde – fazer a leitura básica e procurar opiniões.” Quando perguntaram a 149


Howard sobre o entusiasmo dos dois hospitais de Boston para realizar a sua cirurgia, ele respondeu: “Fiquei um pouco surpreendido com a impaciência de ambos para me receberem.” O processo de procura de fatos de Howard contém uma lição para quem tem de tomar decisões que não requerem uma ação imediata e que tem tempo para saber e compreender as suas opções. Os médicos que inicialmente lhe recomendaram a cirurgia de by-pass não lhe proporcionaram a literatura médica sobre benefícios e riscos da cirurgia com evidência científica. Até ter encontrado o cirurgião do coração de New Hampshire, ele não sabia que, com a sua situação, a cirurgia de by-pass não significava alargar a sua vida. Até esse momento ninguém o informara desse fato. O cirurgião de New Hampshire também ajudou Howard a pensar no impacto da cirurgia na sua vida. Até este momento, os médicos falaram com Howard sobre a cirurgia em geral, nunca no seu caso particular. Não discutiram a sua qualidade de vida e o impacto que a cirurgia podia ter. Com esta última informação Howard pôde pesar os benefícios e riscos da cirurgia de by-pass. Em última análise, ele determinou que, no seu caso, os riscos ultrapassavam os benefícios. Teve sorte em ter encontrado pessoas que o ajudaram a tomar essa importante decisão. Só porque uma cirurgia pode ser feita não significa que deva ser feita. Howard queria dos médicos mais do que as suas opiniões informadas. Ele queria evidência e fatos para poder pesá-los e julgar se os benefícios valeriam o risco. As pessoas – quer os médicos, quer os pacientes – têm convicções diferentes acerca dos cuidados médicos. Alguns pacientes são utilizadores ávidos do sistema de saúde, outros mantêm-se tão longe quanto possível. As pessoas calculam e toleram o risco de modo diferente. 150


As experiências da vida e as circunstâncias familiares afetam as convicções e a percepção do risco. Todos estes fatores devem fazer parte de uma decisão para fazer uma cirurgia que possa vir a alterar a vida como é o caso da cirurgia de by-pass do coração. Nem todos querem estar tão envolvidos como esteve Howard para tomar uma decisão acerca de uma cirurgia. O dr. Tom Delbanco, professor na Harvard Medical School, diz: “Eu tenho um gerente industrial que possui um MBA de Harvard e que dirige uma empresa de vários bilhões de dólares que me diz: ‘Não me dê tomadas de decisão partilhadas. Diga-me o que fazer.’ Então posso entrar numa escola superior caminhar de jeans rasgadas que passeia pelo meu escritório dizendo ‘Quero a sua opinião e mais outras quatro e ainda vou ler a informações na internet antes de eu decidir.’ Eu não consigo prever o que os pacientes vão querer. Uma das perguntas favoritas que faço a um novo paciente é ‘como quer que seja o seu médico?’” Quando os pacientes têm um médico que lhes faz uma pergunta destas, têm a sorte de terem encontrado um médico bom que que os ajudará a tomar uma decisão que é a melhor para eles. A FAMÍLIA DE UM AGENTE DA POLÍCIA DE NOVA IORQUE BATE O PÉ Ed Lotti fez a sua carreira como agente da polícia de Nova Iorque. Um veterano da Segunda Grande Guerra serviu nos Marines, lutou em Okinawa e foi condecorado. A filha de Ed, Louise, lembra do pai com ternura e conta: ‘O meu pai parecia mesmo o Archie Bunker, com a sua barba branca e os olhos azuis a brilhar. Ele era um indivíduo miserável tal como Archie e, de fato, a nossa casa parecia-se com a casa de Archie Bunker no Queens.” 151


Ed cresceu numa geração em que fumar era considerado como glamouroso e ele esteve preso aos cigarros sem filtro. Prestou pouca atenção a sua dieta ou à saúde em geral. Depois de ter se aposentado da polícia com 55 anos, desenvolveu a diabetes e sofreu pequenos ataques. Quando os dedos começaram a apresentar sinais de gangrena – tecidos mortos – deu entrada num hospital no Queens onde um cirurgião removeu quatro dedos e parte do pé, deixando o dedo grande intacto. Após a cirurgia, conta Louise, “o pai ainda conseguia andar, graças a Deus.” As pessoas com diabetes são mais propensas a problemas de pés porque a doença pode danificar os vasos sanguíneos e matar os nervos, resultando numa perda de sensibilidade dos pés. Mesmo simples bolhas causadas por sapatos apertados podem desencadear uma fraqueza. Se começar a gangrenar, os médicos podem ter de amputar para salvar a vida da pessoa. Pouco depois da cirurgia o médico informou a Ed que tinha necessidade de amputar sua perna. “Ficamos horrorizados ao pensar que o pai ia perder a perna”, continua Louise. Felizmente uma amiga lhe aconselhou a contatar um podólogo especializado em tratar pacientes com problemas nos pés causados por diabetes. Louise ficou eternamente grata pelo conselho. “O médico recebeu a minha chamada num sábado e me disse que na manhã seguinte iria ao hospital ver o meu pai. Nós ficamos imensamente gratos por ele dedicar tempo e agradecemos a Deus por ter ido ver o pai. Ele quis transferir o meu pai para outro hospital, mas o cirurgião que acompanhava o meu pai se opôs. ‘Não pode tirar meu paciente daqui’, Louise ouviu ele dizer. O podólogo transferiu-o mesmo assim, arranjou um quarto particular para evitar infeções e deu uma dose maior de antibióticos ao meu pai. Este médico maravilhoso salvou a perna do meu pai. Não sou capaz de dizer quanto isso significou para o meu pai e para a nossa família.” 152


Durante a transferência para o outro hospital, a mãe de Louise estava apreensiva e não era muito entusiasta de se rejeitar a recomendação do cirurgião. Louise conta: “A minha mãe faz parte de uma geração que não contestava ou questionava um médico. Pensava que um médico é um médico.” A mãe tranquilizou-se quando, na ocasião em que o marido estava deixando o hospital numa cadeira de rodas, perguntou à enfermeira: “Será que estamos fazendo a coisa certa mudando o meu marido para outro hospital?” Louise recorda-se de ouvir a enfermeira responder: “Posso me queimar por dizer isto, mas vocês estão fazendo o que é certo.” Louise conta acerca do pai: “Quando o meu pai morreu alguns anos depois, com 64 anos, ele tinha as duas pernas. Do fundo do coração, seremos sempre gratos ao podólogo.” O pai de Louise teve sorte. Evitou seu ingresso na lista de mais de 80 mil americanos que anualmente veem parte de uma perna amputada por causa da diabetes. Um bom cuidado com os pés pode prevenir a maior parte das amputações relacionadas com a diabetes. A lição a ser tirada da história de Ed é a que muitas famílias têm de compreender: uma pessoa que adoece precisa muitas vezes de ajuda para defender o seu caso. Para muitas famílias, ir contra a recomendação de um médico é território inexplorado. Em alguns casos, é a atitude certa a tomar. UMA CORRESPONDENTE DA CASA BRANCA RECUSA UMA CIRURGIA “Eu sou a última paciente pé no saco”, afirma Clare. Essa antiga jornalista produtora sênior da NBC News informa: “Tenho um ceticismo saudável de toda autoridade. De fato em determinada altura houve um 153


médico que me recusou como sua doente. Queria fazer raio-x de tudo e eu recusei. Eu tinha evitado com sucesso todas as cirurgias desde a extração das amígdalas aos seis anos. Provavelmente também essa cirurgia não seria necessária.” Não há muito tempo, os médicos queriam que Clare fizesse uma histerectomia. Embora tomasse uma pequena dose diária de estrogênio para suavizar os sintomas da menopausa, também fazia biópsia bianual para detectar possível câncer do útero. Quando o relatório de um laboratório revelou células atípicas no útero, o médico informou-lhe de que esse resultado indicava câncer e aconselhou uma histerectomia. Com 55 anos, Clare estava na fila para se juntar a milhões de mulheres americanas que tinham visto seu útero ser removido cirurgicamente. Como jornalista veterana, Clare sabe como descobrir a verdade. Por isso começou o trabalho de campo. Obteve a opinião de mais três médicos. Um deles analisou os resultados dos exames e concluiu que a histerectomia era a única alternativa. O médico de Clare chegou à mesma conclusão. “Os médicos sugeriam que eu prevenisse a possibilidade de câncer dos ovários removendo-os enquanto tiravam o útero”, disse Clare. “Eu tinha o sentimento de que depois da menopausa, as partes reprodutivas de uma mulher são uma responsabilidade. O terceiro médico, um médico do Johns Hopkins, viu as análises e disse que Clare tinha 25% de probabilidades de já ter câncer e que se justificava a histerectomia. Ela pediu que analisasse o slide da biópsia que mostrava as células anormais. Ele aceitou fazê-lo e chamar um patologista mais experiente para o ler com ele. Clare compreendera que, embora os médicos que recomendaram a histerectomia tivessem lido o relatório, nenhum deles tinha lido o slide da biópsia. Até aquele momento, a única pessoa que tinha lido o slide era o técnico que tinha escrito o relatório do laboratório. 154


Sem grande esperança de adiar a cirurgia, Clare preparou-se. Fez um testamento e passou uma procuração. Preparou a casa de modo a não ter de subir escadas para o quarto. Para se preparar para qualquer eventualidade, recebeu os ritos da igreja católica. O dia da cirurgia aproximava-se e ela ainda não tinha tido notícias do médico que duas semanas antes tinha concordado em ler o slide da biópsia. Clare trabalhou uma vez com W. Edwards Deming, um estatístico de renome que ensinava gestores a melhorar a qualidade dos seus produtos e serviços. Após a Segunda Guerra Mundial, o general Douglas Mac Arthur convidou Deming para ensinar no Japão métodos de controle de qualidade e princípios de gestão aos empresários. Hoje Deming é considerado no Japão como o pai da revitalização industrial do pós-guerra desse país. Os seus princípios sustentam o sucesso global de empresas como a Toyota. Clare produziu um programa da televisão NBC que apresentou aos espetadores americanos as ideias de Deming sobre gestão da qualidade. Ela também o entrevistou para uma biblioteca de vídeos e dois livros sobre os seus ensinamentos. Menos de 24 horas antes da cirurgia, Clare pensou no conselho que Deming, que morrera em 1993, poderia ter lhe dado. Ele tinha exposto 14 princípios de gestão e o quinto exortava negócios que procurassem problemas continuamente de forma a melhorar todas as atividades. Clare conseguia ouvir Deming dizer: “Vai tomar uma decisão tão importante como esta só com um ponto de vista, só com a leitura de um slide feito por uma única pessoa?” Clare sabia o que tinha de fazer. Ligou para o médico do John Hopkins que havia prometido ler o slide da biópsia. Ele retornou a chamada e deixou uma mensagem na secretária eletrônica: “Não faça uma histerectomia a não ser que queira. Este slide está superdimensionado.” 155


Clare evitou a histerectomia. Em vez disso, no dia seguinte, fez uma D&C (dilatação e cortagem), um procedimento que envolve raspar e recolher tecido do interior do útero. Uma biópsia das células não mostrou sinais de câncer. Clare disse: “Fui salva duma cirurgia desnecessária”. Não foi a primeira vez que os médicos recomendaram que Clare fizesse uma histerectomia. “Quando tive fibromas por volta de 1980, o meu médico sugeriu uma histerectomia”, recorda ela. “Eu perguntei a ele: ‘Os fibromas não aparecem com a menopausa?’ Ele respondeu que ‘sim’ e, como estava próximo dela, decidi manter o meu útero – até que eles tentaram removê-lo de novo.” A lição da história de Clare é que pacientes e suas famílias são a única presença constante na constelação de profissionais de cuidados de saúde que vão e vêm no decurso do diagnóstico e tratamento. Sendo a presença constante, precisam estabelecer conexões entre acontecimentos. No caso de Clare, os médicos viram apenas a série de acontecimentos simples: o slide da biópsia, a probabilidade de câncer e a possibilidade de um processo legal no caso de haver uma falha. Ela viu todos os pontos e teve de ligá-los e Clare achou que os médicos não podiam questionar os seus colegas ou outros profissionais no sistema. Como ela diz: “Esta é a maior ameaça para a minha saúde. Tive de eu mesma fazer esta parte.” UM ENCONTRO PRÓXIMO COM O NEGÓCIO DOS CUIDADOS DE SAÚDE Shelly é natural de Iowa, 42 anos e mãe de duas filhas. Estudou para ser professora, mas posteriormente trabalhou como delegada farmacêutica. É inteligente e compreende o negócio dos cuidados de 156


saúde. A sua obstetra-ginecologista num consultório constituído por três médicos, na sua cidade natal, diagnosticou miomas no útero. A médica informou que a única opção era a histerectomia laparoscópica. Shelly conta o que acontece a seguir. “Eu não quero uma histerectomia, portanto eu fiz perguntas sobre métodos menos evasivos que deixassem o meu útero intacto e fizessem desaparecer os miomas. A médica riu repetindo ‘métodos menos evasivos’, fazendo chacota. Então ela disse: ‘Quando esse mioma crescer no seu abdômen, você vai voltar aqui correndo’. Perguntei-lhe se poderia manter os meus ovários e colo e ela respondeu: ‘Bem, penso que podemos deixá-los’”. Shelly ficou indignada por alguém poder remover órgãos perfeitamente sãos. Pensou consigo mesma: “Os meus ovários e colo do útero estão perfeitamente sãos”. Insatisfeita, Shelly consultou outro médico do consultório, que chegou à mesma conclusão. Histerectomia laparoscópica. Assim concluiu o terceiro médico do mesmo consultório. “Eu queria que eles soubessem que eu não sou a couve média que caiu do caminhão, por isso pedi uma cópia dos meus registos médicos e do ultrassom para que eu pudesse procurar alternativas menos drásticas. Eles me informaram: ‘Só fornecemos registros aos nossos pacientes de obstetrícia’.Deitaram por terra”. Shelly sabe que os pacientes têm direito a uma cópia dos seus registros médicos. Quando ligou para a sua companhia de seguros para saber como é que o consultório podia recusar-se a entregar os registros, o representante da companhia colocou-a em contato com a comissão que concede licenças médicas estatais, que dá as licenças aos médicos para exercerem medicina. Shelly falou com o representante dessa comissão. “Não sei o que é que essa pessoa fez”, conta Shelly, “mas no dia seguinte tinha os meus registros.” Neles, verifiquei que o segundo médico tinha escrito 157


que passara 45 minutos discutindo comigo tratamentos alternativos à histerectomia laparoscópica. “Isso era mentira”, conta Shelly. “Ele passou dez a 15 minutos comigo e não me disse nada sobre opções. Isso porque ia tirar dinheiro do bolso deles se eu escolhesse um tratamento alternativo, coisa que esses médicos não faziam. Tudo o que faziam era histerectomias laparoscópicas, por isso as recomendavam. Penso que um conflito de interesses levava eles a conduzir as pessoas para determinados procedimentos porque era o que sabiam fazer e a maneira de fazerem dinheiro.” Shelly pesquisou cuidadosamente opções de tratamento e encontrou uma alternativa menos drástica que acreditava ser melhor para ela. O seu útero está intacto e ela está contente com os resultados. “Não é suficiente para os pacientes conhecer opções de tratamento e os seus riscos e benefícios”, disse ela. “Você tem de compreender o negócio dos cuidados de saúde”. Como tinha trabalhado em cuidados de saúde, Shelly compreendeu que a estavam conduzindo para um caminho de tratamento que podia ser bom para o negócio dos médicos, mas não para ela. Quando lhe perguntamos o que acontece a pessoas que não têm as suas competências, ela diz de forma espirituosa: “Eles terão tudo arrancado”. JOAN, UMA SOBREVIVENTE DE CÂNCER QUE ENCONTROU A AJUDA DE AMIGOS ESPECIAIS “Durante um jantar com amigos numa sexta-feira, senti uma dor no peito e na cabeça”, conta Joan, uma sobrevivente de longo prazo da doença de Hodgkin, um câncer dos nós linfáticos. “Eu disse a um dos meus amigos: ‘Preciso que me levem a uma emergência’. Pensei que estava sofrendo um ataque cardíaco”. Na sala de urgências, ficou aliviadíssima quando o médico a exa158


minou. “Ele sabia que eu estava pensando que era o pior”, conta ela. “Com uma voz tranquilizadora, ele acrescentou ‘Você não está sofrendo um ataque cardíaco. Você está em fibrilação atrial. Nada indica que você esteja em perigo iminente’”. Fibrilação atrial acontece quando o coração está com palpitações mais do que o normal. A garantia de que ela não estava morrendo era exatamente o que Joan precisava: “Nunca esquecerei quanto o médico me fez sentir melhor”. Ele discutiu a situação do coração e a possível ligação com a sua história clínica como sobrevivente da doença de Hodgkin. “Não sei se o estado do seu coração se deve aos seus sessenta anos ou à radiação a que esteve sujeita devido à doença de Hodgkin”, explicou-lhe. “As pessoas que estudaram isto saberão. Eu não estudei. Vou trazer um cardiologista para observá-la.” Eram 22h de sexta-feira quando o cardiologista chegou e observou o registro de Joan. Disse: “Vejo que teve radiação sobre o coração há 35 anos. Isso é muito sério.” Ela recorda que ele disse isso com muita autoridade. “Fiquei aterrorizada e não sou uma pessoa neurótica.” O cardiologista disse que ela podia ir para a casa, mas que devia ir ao consultório dele na segunda-feira. “Não dormi no fim de semana porque pensava que ia morrer”, conta Joan. “Logo que cheguei em casa entrei em contato online com a Association of Cancer Online Resources (ACOR) e encontrei pessoas que tinham recebido radiação devido à doença de Hodgkin e isso foi incrivelmente tranquilizador. Outras pessoas tinham ido para casa e sofrido um ataque cardíaco devido ao medo”. Joan fala candidamente de medo, palpitação cardíaca, entorpecimento da mente, emoções fortes que podem tomar conta da vida duma pessoa. “Tudo o que o primeiro médico fez para apaziguar os meus medos, o segundo despertou medos que eu desconhecia ter. Foi 159


um medo paralisador que faz com que as pessoas não voltem ao médico. Deixou-me literalmente gelada. Acredito que o seu objetivo era me deixar tão assustada para eu ir procurá-lo três dias depois. Senti que eu era parte de um número que ele precisava completar na segunda-feira para fechar o negócio – vender tantos carros até o fim do mês, e eu era um desses carros. Senti-me usada, algo que se pode vender. Fiquei horrível. E quem sabe o número de testes e tudo o mais que ele teria feito? Isso acontecia de 20 em 20 minutos – de dez em dez – em todos os consultórios médicos do país. Era uma caricatura.” “Não voltei ao cardiologista porque ele só me deixou com medo, nada mais. Por que iria eu procurar alguém que só me assustava? Ele tinha tirado a confiança que eu precisava de ter nele. Este tipo de gente não pertence à medicina. Não sei como pessoas dessas podem obter uma licença para exercer medicina”. Sem medo, a maioria das pessoas faz o que alguém com autoridade lhes diz para fazer. Bob Davis, um repórter médico veterano do USA Today foi técnico de emergência médica antes de se tornar jornalista. Ao trabalhar como repórter explicou deste modo; “Somos patetas porque temos medo.” Como Joan é uma pessoa muito desembaraçada não aceitou de bom grado o que o cardiologista disse. “Sou uma consumidora sofisticada. A maior parte dos cardiologistas desconhece o tratamento para doença de Hodgkin porque não há muitas pessoas com essa doença. Posso afirmar que este cardiologista não sabia o que estava dizendo”, afirma. Na segunda-feira de manhã, Joan foi ao seu médico, que a mandou para outro cardiologista. Foi uma experiência completamente diferente. Joan recorda que este disse: “Só vi duas pessoas com danos de radiações no nível do coração e foram ambas tratadas com muito sucesso. Não sou especialista. Temos de fazer exames que qualquer outra pessoa faria e a seguir consultar um especialista. Conto com você 160


para encontrar alguém, porque conhece melhor o meio e sabe melhor quem são.” Joan encontrou os melhores especialistas do país através de outros pacientes da ACOR e marcou uma consulta num hospital universitário que trata muitos pacientes com uma história clínica semelhante à dela. Acredita que recebeu os melhores cuidados possíveis. A lição tirada da experiência de Joan é que, quando nós confiamos nos outros, podemos ver mais claramente. Foi exatamente isso que ela fez. Conseguir bons cuidados de saúde no século XXI requer que as pessoas e seus familiares se liguem através da internet com outros mais bem informados e com experiência, que possam ser a luz ao longo de caminhos escuros. UM CASO FORJADO DE OUVIDO DE AVIÃO No aeroporto de Seattle-Tacoma, em 10 de agosto de 2006, Judith e o marido, Blan, apanharam um voo transcontinental para casa em Raleigh, Carolina do Norte. Nesse dia, estava muito complicado viajar de avião nos Estados Unidos. As autoridades de segurança britânicas levaram a melhor sobre um plano terrorista para explodir dez aviões com destino aos Estados Unidos com explosivos líquidos à base de peróxido, metidos em bagagens de mão. Segurança elevada nos Estados Unidos e Grã-Bretanha provocaram atrasos e longas filas, que serpenteavam nos aeroportos de ambos os países. Começou a proibição vergonhosa de líquidos e gel nas bagagens de mão. Pasta de dente, xampu, limpador de lentes de contato e medicamentos líquidos foram proibidos e atirados para contentores de lixo gigantes. Judith tinha um problema de sinusite e tinha o descongestionante na bagagem despachada. Durante a longa viagem ficou congestionada e a sua dor de cabeça piorou muito. “A dor está me matando”, disse. 161


Quando chegou em casa, foi ao médico, que imediatamente a encaminhou ao consultório de um fonoaudiólogo que fez testes de audição. No fim, disseram: “Temos um aparelho auditivo novinho em folha que pode ajudá-la.” Para não ser enganada, Judith saiu. Ela e o marido concluíram que o problema de “ouvido de avião” se devia à viagem de avião, uma situação comum em pessoas que estão constipadas ou têm problemas de sinusite e viajam de avião. Mudanças rápidas de altitude e de pressão causam desconforto no ouvido médio. Os descongestionantes nasais em spray, os descongestionantes orais ou anti-histamínicos podem tratar esse problema. O custo de cada um deles é inferior a cinco dólares. Um aparelho auditivo pode custar milhares de dólares. MARIAN, UMA CRIANÇA INTELIGENTE QUE PROTESTOU CONTRA UMA AMIGDALECTOMIA Mesmo ainda novas, as crianças podem defender-se de uma cirurgia iminente. Marian, escritora e editora, lembra-se de quando tinha sete anos e vivia em Nova Iorque. “Tinha frequentes dores de garganta. Muito frequentes. Meu pai também sofria do mesmo mal por causa de um problema de adenoides. Os meus pais decidiram, baseados numa recomendação de um otorrinolaringologista, que eu devia ser operada nas amígdalas tal como o meu pai, que também extrairia os adenoides. Concordaram que seríamos submetidos à cirurgia ao mesmo tempo de modo a tranquilizar qualquer medo que eu pudesse ter de ir ao hospital.” “Poucos dias antes dos procedimentos previstos, o maior especialista do mundo em todos os assuntos, o meu irmão mais velho, fez a descrição completa de como um médico extrai as amígdalas. ‘Desparafusam a sua cabeça’, disse ele. ‘Descem até a sua garganta, apanham as amígdalas e dão um puxão. Depois voltam a parafusar a cabeça.’ Fiquei aterrorizada e su162


pliquei aos meus pais que me deixassem evitar essa experiência”. “Não me lembro do que se passou a seguir, mas ainda tenho as amígdalas. Recordo que enquanto estava na universidade desenvolvi uma infeção perigosa na garganta. Fui ao mesmo otorrino que tinha operado o meu pai e que tinha combinado extrair as minhas amígdalas. Enquanto eu aguardava na sala, fiquei curiosa em relação ao primeiro incidente. Saí da cadeira e tirei a minha ficha da caixa que estava junto à porta. Li acerca do meu exame feito aos sete anos e a recomendação da cirurgia nas amígdalas, a data do procedimento proposto e a seguinte anotação: ‘A mãe de Marian telefonou. Marian tem os braços e as pernas em volta dos pés do piano e ninguém consegue tirá-la de lá. Recusa-se a fazer a amigdalectomia’”. “Serei eternamente grata ao meu irmão, que hoje é médico, por ter me salvado de um procedimento desnecessário. Mas espero que tenha informações mais atualizadas em relação à extração de amígdalas.” Nos anos 1960 e 1970, fazia-se extração de amígdalas com mais frequência do que hoje. Atualmente, o número de crianças que fazem amigdalectomias é 80% menor do que a das que faziam essa operação em 1970 porque os médicos concluíram que os riscos não justificavam os benefícios. Marian estava muito à frente do seu tempo. ART, UM COLUNISTA DE JORNAL QUE GANHOU ANOS DE VIDA Aos 80 anos, Art Buchwald teve uma carreira notável como humorista e colunista no Washington Post. O filho de um fabricante de cortinas que cresceu em casas de acolhimento e se juntou aos Fuzileiros, vencedor do Prêmio Pullitzer, escreveu 80 mil colunas ao longo da vida e mais de 30 livros. 163


Buchwald sofria de diabetes e perdeu parte da perna abaixo do joelho. “A gangrena começou. Cortaram-me parte da perna e eu fiquei furioso”, conta. Nas colunas do jornal, contou aos seus fiéis leitores sobre a última decisão de renunciar à diálise que iria desempenhar a função que o seu rim já não desempenhava e prolongar a sua vida. Numa entrevista com Diane Rehm na National Public Radio, Buchwald disse: “É a única coisa que eles gostariam que você fizesse. Eles falam dela… a diálise – você tem de ir três vezes por semana… A não ser que você seja um determinado tipo de pessoa, isso não é interessante para mim… Finalmente eu disse: ‘Isto não me interessa. Vou por outro caminho.’ Algumas pessoas discordavam fortemente porque não queriam que eu fosse por outro caminho. Os meus filhos não queriam que eu fizesse isso. Mas eram decisões minhas. Estou muito feliz com as minhas opções. Estou em paz comigo mesmo”. Buchwald passou o que ele pensava ser as suas últimas semanas de vida num hospício, numa zona arborizada de Washington. Iniciou os cuidados no hospício em 7 de fevereiro de 2006. Contra todas as previsões, continuou a viver. “A morte continuava à espera”, disse. Ao fim de cinco meses, deixou o hospício e, no verão de 2006, foi para a sua casa em Martha’s Vineyard, recebendo visitas, conduzindo entrevistas e escrevendo outro livro, Too soon to say goodbye (Cedo demais para dizer adeus, em tradução livre). Na sua entrevista com Diane, Rehm disse que o rim estava funcionando: “Tenho um namoro com o meu rim, agradeço-lhe todos os dias, algumas pessoas agradecem ao seu coração…” “Quando decidi fazer a minha escolha foi o ano mais feliz de todos”, disse Buchwald ao PBS News Hour. “Vi amigos, surpreendi todos da minha família de diferentes localidades. Falei com as pessoas. Falamos sobre tudo.” Art Buchwald morreu de acordo com as suas próprias condições em 17 de janeiro de 2007, em Washington. 164


FAZ COMIGO, NÃO EM MIM Um sobrevivente de câncer de há muito disse uma vez: “Estamos sempre correndo para a cura. Não estamos correndo para o cuidado. A assistência é órfã da cura.” As histórias que se seguem são de pessoas que encontraram assistência nos cuidados de saúde. Em uma outra forma, encontraram um oásis numa paisagem confusa e assustadora, um lugar onde eram vistas como pessoas e não como doenças. Era um lugar onde se formaram relações interpessoais e onde podia começar a cura. HAROLD, UM VETERANO DOS FUZILEIROS NAVAIS DA NOVA INGLATERRA “Esse filho da puta fez um PSA”, conta Harold, um veterano dos fuzileiros navais de 76 anos. “Entrou sorrateiramente. E agora estou preocupadíssimo.” Harold estava falando de um médico que consultou por causa de um acesso de bronquite. O médico fez um teste de PSA sem perguntar a Harold se queria. É um teste de sangue que mede o nível de antígeno específico da próstata (PSA), uma proteína produzida pelas células da próstata. Um PSA muitas vezes é mais elevado em homens que têm câncer da próstata embora um nível elevado de PSA não indique necessariamente que se esteja na presença de câncer. O resultado do 165


exame de Harold mostrou um nível entre pouco e moderadamente elevado. Harold sabia que não tinha pedido um teste de PSA porque o seu médico habitual, a doutora Nancy Cochran, uma internista no centro médico em White River Junction, Vermont, já havia falado nisso no início desse ano. “Gostaria de fazer um teste de PSA?”, tinha perguntado ela. “Doutora, deixo a decisão por sua conta”, respondera Harold. “Tenho um vídeo que descreve os prós e os contras do exame. Por que não vê e me diz depois o que pensa?” Ele concordou. O vídeo fora produzido pela Foundation for Informed Medical Decision Making, uma fundação sem fins lucrativos de Boston. No vídeo, os pacientes reais falam das suas decisões de fazerem ou não um teste de PSA. O último testemunho é elaborado através de histórias dos pacientes. Após assistir ao vídeo, de acordo com o médico, Harold estava decidido: “Não quero esse teste. Não é para mim. Com certeza.” O teste de PSA tinha sido indicado para detectar mais cedo câncer da próstata. Na maior parte dos casos o câncer da próstata desenvolve-se tão lentamente que a maioria dos homens com as primeiras evidências da doença eventualmente morre de outra coisa qualquer, de acordo com os serviços de prevenção dos Estados Unidos, um grupo de especialistas de saúde que reveem a literatura médica e fazem recomendações baseadas na evidência. A American Cancer Society recomenda que o teste de PSA seja feito anualmente a partir dos 50 anos em homens que tenham uma expectativa média de vida de pelo menos dez anos. Homens mais velhos que provavelmente irão viver menos de dez anos têm uma oportunidade pequena de se beneficiar com o controle de PSA. No VA Medical Center de São Francisco, investigadores estudaram o rastreamento do PSA em cerca de 600 mil veteranos acima dos 70 anos 166


que recebem cuidados nas instalações do VA. Queriam saber quantos desses homens tinham realizado testes de PSA. Verificaram que tinha sido feito o teste de PSA em 36% dos homens com idade acima dos 85 anos que foram observados nas instalações do VA e que não tinham uma história de câncer ou sintomas de câncer da próstata. Fizeram o teste 56% dos homens com idade superior a 70 anos. Os resultados foram publicados no Journal of the American Medical Association. Os autores concluíram que as taxas de rastreio do PSA entre os veteranos mais idosos foram muito elevadas. Tinham sido expostos ao efeito adverso de rastreio, incluindo procedimentos adicionais, angústia ou tratamentos que podiam resultar em incontinência, impotência, fraturas da bacia e mesmo a morte. Por essas razões, os autores recomendavam que as taxas de rastreio do PSA em veteranos acima dos 70 anos “deveriam ser mais baixas do que a prática corrente, dados os danos conhecidos do rastreio”. Para Harold, o mal estava feito. Como o teste revelava um nível entre leve e moderadamente elevado, ele tinha de decidir se fazia uma biópsia. A doutora Cochran disse a ele: “Está zangado por terem feito o teste, não está?” “Pode acreditar”, replicou Harold. Ela garantiu:“Não tem de fazer a biópsia se não quiser.” Harold ficou aliviadíssimo. Se tivesse concordado com a biópsia, teria sido exposto ao risco de hemorragia e infeção. A biópsia podia ter mostrado um pequeno câncer que nunca causaria risco de vida. Se mostrasse um câncer maior ele teria de tomar outra decisão sobre fazer uma cirurgia ou radioterapia. A doutora Cochran tinha visto uma exibição de testes e de tratamentos antes. “Quando estava estagiando, lembro-me de homens mais velhos que tinham sido rastreados e tratados de câncer da próstata e que sofreram consequências terríveis. Um paciente ficou incontinente para o resto da vida, outro teve hemorragias crônicas e precisa de 167


transfusões enquanto viver. As consequências negativas do tratamento foram desvalorizadas.” Harold tem muita sorte em ter um médico empenhado em ajudar os pacientes a tomar as decisões adequadas em seus casos. A drª Cochran afirma: “Ajudar as pessoas a tomar as decisões adequadas é a melhor parte da medicina.” MARIE, UMA PROFESSORA DE MICROBIOLOGIA DE NEW HAMPSHIRE “Quando fazia ioga, notei uma protuberância no meu abdômen”, conta Marie, uma microbióloga de 52 anos de New Hampshire. Foi à ginecologista que estava associada ao hospital em cujo laboratório ela trabalhava. Marie não ficou surpresa com o diagnóstico, mas ficou chocada com a resposta da médica. “Você tem miomas no útero”, recorda Marie que ela disse. “Não devemos esperar para os tirar. Podemos fazer uma histerectomia. Você não quer ter mais filhos, por isso não precisa do útero. É muito simples e as mulheres mais tarde agradecem.” Não preparada para este gênero de bofetada como reação da médica, “aqui está o que tem de fazer”, Marie pensou consigo mesma: “Oh, meu Deus, isto está muito rápido.” Ela não teve coragem de dizer à médica que não estava preparada para uma histerectomia. “Habitualmente sou assertiva, mas falar com um médico é diferente.” Marie reuniu coragem para dizer: “Não tenho dores nem hemorragias. Há alternativas?” A médica disparou: “Para que quer saber de alternativas? Vai fazer o ultrassom e marcamos a data da cirurgia. Veja o seu calendário.” Marie insistiu. Questionou-a acerca da miomectomia para remover os miomas deixando o útero intato. “O seu útero parece um queijo suíço”, foi a resposta. 168


Quando saiu do consultório e se dirigiu para o estacionamento, Marie soube que não voltaria a essa médica. “Não confiava nela. Parecia que estava me empurrando para a histerectomia porque era o que ela sabia que lhe daria dinheiro. Eu pensava que uma ginecologista, sendo mulher, seria mais sensível porque tinha os mesmos órgãos, mas isso não era verdade.” Um mês depois, Marie teve outra consulta com outro ginecologista que também lhe sugeriu uma histerectomia, mas que lhe disse: “Parece que não está preparada para isso. Vamos aguardar com atenção.” Marie desfez-se em lágrimas na sala de exames. Era a primeira vez que um médico tinha reconhecido aquilo que era importante para ela. Ela precisava de tempo para pensar. O marido de Marie, de 25 anos, um programador de computadores, procurou na internet opções de tratamentos para miomas. Leu acerca de embolização da artéria uterina ou UAE, um processo que corta o fornecimento de sangue que alimenta os miomas. Nessa mesma semana, Marie estava no Darthmouth-Hitchcock Medical Center, em Hanover, New Hampshire quando viu uma placa: “Centro para Tomadas de Decisão Partilhada”. Intrigada, Marie foi até lá e encontrou uma brochura acerca da missão do centro e levou-a para casa para ler. No dia seguinte ligou e falou com Kate Clay, a diretora do programa. “Não vou dar-lhe conselhos pelo telefone”, lembra-se de Kate ter dito. “Vou enviar um vídeo sobre opções de tratamento de miomas uterinos e, se tiver mais perguntas, pode marcar uma entrevista”. O vídeo fora desenvolvido pela Foundation for Informed Medical Decision Making, o mesmo grupo que desenvolvera o vídeo do PSA. Marie e o marido viram o vídeo na noite seguinte em casa. Quatro mulheres descreveram as opções que tomaram para tratar os seus miomas e a razão das respectivas escolhas. “O meu marido e eu olhamos 169


um para o outro com alívio. Era tão bom saber que cada mulher tinha feito a escolha de tratamento de acordo com a sua situação, baseada no que era adequado a cada uma. Senti como se tivessem tirado um peso enorme dos meus ombros. Eu sabia que decisão tomar. Eu não precisava de uma histerectomia e sentia confiança para ir contra as recomendações da minha médica de família e dos dois ginecologistas que votaram pela histerectomia. Nunca mais me senti como se fosse atirada para um canto.” Querendo saber mais sobre a embolização da artéria uterina, Marie marcou consulta com um radiologista intervencionista. Ele explicou como funciona a UAE e descreveu os riscos que incluem infeção e coágulos sanguíneos. Mary acreditava cada vez mais que a UAE era a melhor opção para o seu caso, mas também sabia que não tinha uma garantia absoluta. “O tratamento deu resultado e eu me sinto ótima”, diz com alívio. “Era emocionante saber que podia tomar uma decisão que era a certa para mim. Era de um valor incalculável ter informação imparcial sobre tratamentos alternativos por uma terceira fonte que não tinha coparticipação financeira em qualquer das opções de tratamento.” UMA IDOSA DE NOVENTA E SEIS ANOS DO TENNESSEE Muitas vezes, os enfermeiros têm um bom conhecimento dos desejos dos pacientes porque passam mais tempo com eles do que qualquer outro profissional de saúde. Debbi, uma enfermeira de Chattanooga, Tennessee, recorda-se de uma mulher de 96 anos que deu entrada no hospital vinda de uma unidade de tratamentos. Ela tinha diabetes e um dos dedos do pé tinha gangrena. Se não fosse amputado, ela ficaria septicémica e sucumbiria. Foi marcada a cirurgia; Debbi tinha de ob170


ter o seu consentimento. “As pessoas pensavam que ela tinha demência, porque não respondia quando falavam com ela”, diz Debbi. “Ela não tinha demência. Ela estava muito surda e então você tinha de falar bem alto. Expliquei a cirurgia e ela disse: ‘Eu não vou fazer nada disso. Vim a este mundo inteira e vou partir inteira.’ Eu disse: ‘Então sabe o que isso significa?’ Ela respondeu: ‘Sei o que isso significa. Tenho 96 anos. Está tudo bem.’ A mulher estava lúcida e continuou abanando a cabeça: ‘Não, você não me vai fazer isso.’” Debbi contatou o cirurgião e informou que a operação fora cancelada. Ele não ficou muito contente. Debbi disse: “Entre e fale com ela, mas fale alto para que ela consiga ouvir você.” Mais tarde, voltou e bateu na porta dizendo a Debbi: “Muito obrigado.” Debbi compreende que quando as pessoas estão enfrentando a doença, querem ser vistas como a pessoa que são, não a doença ou a situação clínica que têm. Quando a pessoa é invisível e despercebida, o que é importante para elas nunca é conhecido. “Esta paciente estava no trem para ser levada para a sala de operações. Eu ajudei a puxar o freio de emergência para que ela pudesse sair,” conta Debbi. “É preciso ouvir. Duas semanas mais tarde, vi o obituário num jornal local. Ela tinha falecido inteira tal como desejara. Em vez de se olhar para ela como um pé gangrenado, olhávamos como uma pessoa.” Podemos encontrar um tema comum nas histórias de Harold, Marie e da mulher do Tennessee. Cada um deles encontrou uma pessoa cuidadosa e bem informada que os ajudou a fazer uma escolha adequada. Quando foram informados, optaram por uma abordagem menor do que aquela que os médicos estavam oferecendo. Os investigadores concluíram que, quando os pacientes estão informados sobre as suas 171


opções de tratamento, é mais provável que escolham uma abordagem menos intensiva e discordem da recomendação do médico para uma abordagem mais evasiva. Quando os investigadores estudam pessoas com doenças cardíacas que são possíveis candidatos a cirurgia, 52% dos que entram num processo de serem informados acerca das opções que têm, escolhem alternativas à cirurgia; 66% das pessoas que não têm uma oportunidade formal de conhecer opções concordam com a cirurgia. Não foram encontradas diferenças aparentes na qualidade de vida dos dois grupos. A lição que se tira é: conhecimento é poder. Outra lição é: menos pode ser mais. ESCOLHA INFORMADA OU CONSENTIMENTO INFORMADO A abordagem que Harold, Marie e a mulher de Tennessee usaram para tomar uma decisão é diferente do consentimento informado tradicional. Consentimento é definido como quando uma pessoa se compromete a uma ação proposta por alguém que está numa posição de autoridade. Nenhuma destas pessoas consentiu no que alguém lhes disse. Fizeram uma escolha informada. Foi possível uma escolha inteiramente informada porque a sua situação clínica não era uma urgência e foram disponibilizadas e explicadas opções. Para a mulher de 96 anos que estava no hospital, a enfermeira procurou inicialmente o seu consentimento para a cirurgia para cortar o dedo do pé com gangrena. Em vez de simplesmente dar o consentimento para o procedimento, a paciente fez uma escolha informada que era consistente com os seus desejos. Felizmente, uma enfermeira conscienciosa teve tempo de explicar as consequências da decisão da mulher para assegurar que ela as compreendeu. A enfermeira escutou 172


os seus desejos e ajudou o médico a compreender a preferência da mulher. O primeiro médico de Marie conduziu-a para a histerectomia. Marie sentiu que o médico estava decidindo por ela, uma decisão que era incompatível com os instintos de Marie sobre o melhor curso da ação. Na situação de Harold, o médico que realizou o teste de PSA não o informou. Não havia nenhum consentimento informado e seguramente nenhuma escolha informada. No século XXI, muitos pacientes querem maior participação nas decisões acerca dos seus cuidados de saúde. Embora não sejam especialistas em tomar decisões médicas, querem saber o que é mais importante para eles e para a sua vida. Nem todos querem estar profundamente envolvidos na tomada de decisões, mas a escolha informada vai atrair muitas pessoas à medida que o volume de informação sobre cuidados de saúde cresce geometricamente. O QUE FAZ UM BOM MÉDICO Todos os dias por todo o país, bons médicos usam as suas melhores competências e bom senso e combinam com o melhor conhecimento e evidência validamente disponíveis para prestar cuidados adequados. Eis aqui o que parece o bom cuidado dum médico de cuidados primários. O doutor Laurence Gardner é um internista de Miami que está orgulhoso de prestar cuidados aos seus pacientes, nem mais nem menos do que aqueles de que eles necessitam. Quando lhe perguntaram como é que um médico de cuidados primários previne os seus doentes de receber tratamentos desnecessários, ele contou a sua história. “Um dos meus pacientes, que acompanhei ao longo de dez anos, 173


veio a uma consulta. Tinha 76 anos, era uma pessoa inteligente e muito ativa. Tinha notado um inchaço no pescoço e três dias depois marcou uma consulta. Vi no prazo de uma semana. O paciente tinha um nódulo linfático aumentado, por isso pedi um raio-x do tórax para descartar câncer e análises do sangue para verificar infeções. A consulta demorou cerca de 15 minutos e combinamos voltar a falar dentro de uma semana. O raio-x não revelou nada e as análises estavam normais.” O dr. Gardner descreve o que aconteceu a seguir e, mais importante, o que não aconteceu. “Quando voltamos a nos falar, passada uma semana, o cavalheiro disse que pensava que o nódulo diminuíra uma pouco. Então eu disse: ‘Bem, voltamos a falar daqui a uma semana e volto a observá-lo daqui a três semanas.’ Em três semanas o nódulo tinha um quinto do tamanho que tivera e parecia normal. Marcamos uma outra consulta para daí a seis meses.” Afinal estava tudo bem com o paciente. O que teria acontecido se o paciente não tivesse um médico de cuidados primários que exerce medicina com cuidado? O dr. Gardner conta que os pacientes não “têm uma oportunidade”. O seu paciente teria ido “ao especialista, provavelmente um cirurgião, hematologista ou oncologista. Teriam sido realizados testes de diagnóstico caros e uma biópsia. O cirurgião teria dito ao paciente ‘Olhe, eu não tenho a certeza do que se trata, por isso o melhor é tirarmos isso.’ O paciente teria sido operado e a seguir o cirurgião diria: ‘Tenho boas notícias, não se tratava de câncer. Parece que era apenas uma inflamação.’” Há cerca de 40 anos o dr. Marcus Welby, um médico de clínica geral num consultório dos subúrbios, era o médico de ficção mais popular na televisão. Conhecido pela sua relação duradoura com muitos dos pacientes que tinham situações que iam de tumores até autismo e dro174


gas, ele era o médico cujas qualidades atraíam audiência. Trinta anos antes de Grey’s Anatomy que exibe cirurgiões em estágio que praticam façanhas dramáticas. Num episódio, o cirurgião residente ajuda um homem ferido num acidente de ferry que ficou preso debaixo dum carro. A única maneira de lhe salvar a vida é fazer pequenos furos no crânio para aliviar a pressão no cérebro. O residente salva a vida dele e transforma-se numa estrela de rock. Desde o tempo em que o dr. Welby entrava em casa de milhões de telespectadores até o primeiro episódio de Grey’s Anatomy, o número de médicos que se tornaram especialistas aumentou consideravelmente. Entretanto o número de médicos de cuidados primários vem despencando. Só 20% a 25% dos residentes em medicina interna estão escolhendo ser médicos de cuidados primários, uma queda abrupta de 54% de uma década atrás. Os salários dos especialistas em medicina são sedutores. Se continuarem as tendências atuais, os americanos não vão conseguir encontrar um Dr. Welby nas suas comunidades. O dr. Gardner diz que cobrou 80 dólares à Medicare pela primeira consulta do paciente com o nódulo linfático aumentado. Demorou 15 minutos e a Medicare pagou entre 40 a 50 dólares pela consulta. Em resumo, pagaram menos de 30 dólaresao dr. Gardner. Ele afirma: “Fui pago pelo tempo que passei com o paciente. Não fui pago pelo diagnóstico que fiz”, que se baseia em anos de conhecimento, experiência e competência. Muitos médicos de cuidados primários lutam fortemente para manter as consultas financeiramente à tona. Pagam a elesmuito menos do que a especialistas. A um médico de cuidados primários de Chicago que vê um doente com diabetes, pressão alta e dor no peito a Medicare paga 89,64 dólares por uma consulta de 30 minutos. A gastroenterologistas de Chicago é pago 253% a mais – 226,63 dólares – por 175


uma colonoscopia de 30 minutos. Um bom cuidado primário não é valorizado, muito mais pessoas ficarão presas na porta giratória. O dr. Gardner diz: “Seria perfeitamente justificado um exame TC do tórax e do abdômen, ordenar testes e análises de sangue pormenorizadas e recomendar o paciente para um especialista em cirurgia para considerar uma biópsia do nódulo linfático. Ninguém diria que era uma má prática clínica. De fato, o padrão de prática na minha comunidade teria sido fazer tudo isto.” Outro custo precisa de ser levado em conta – o fator medo. Todos os exames de sangue, exames TC e biópsias podem provocar medo enquanto se aguarda o dia do exame, passando por esse dia e enquanto se esperam os resultados. Como conta um médico de cuidados primários, “eles enchem de medo sem qualquer razão.” A abordagem animadora do dr. Gardner não causou alarme excessivo. Os americanos mais velhos estão especialmente em risco de receber cuidados médicos que lhes fazem mais mal do que bem, porque podem causar múltiplas condições médicas. Médicos de cuidados primários conscienciosos são um baluarte contra um tratamento tsunami. A drª. Diane Meier, do Mount Sinai Hospital em Nova Iorque, uma médica geriatra, diz que, como médica de cuidados primários, ela olha o paciente como um todo, uma pessoa, não como um conjunto de órgãos isolados e partes individuais do corpo. Cada sistema do corpo é interdependente e um médico não é capaz de dar um bom conselho aos pacientes sem pensar nas interações destes sistemas complexos. “O cuidado integral da pessoa não é vanguardista”, diz a drª. Meier. “É um bom cuidado médico.” Ela se recorda de um homem de 92 anos que caiu na sua própria casa e fraturou a bacia e um braço. Como acontece com muitos outros adultos, ele teve muitas complicações médicas. “Recebi a chamada de 176


ajuda de saúde em casa e pedi que o homem fosse visto por um cirurgião ortopedista que praticasse medicina conservadora e não o operasse porque era essa a coisa certa a fazer. Mas tinham dado ao doente um medicamento anti-inflamatório não esteroide para as dores, que disparara uma insuficiência renal. O médico prescritor não imaginara que o paciente tinha doença vascular e insuficiência moderada do rim – e estes medicamentos reduzem a corrente sanguínea para o rim. Cheguei ao hospital, retirei os medicamentos do paciente e hidratei-o. Agora está caminhando.” O que teria acontecido a este homem de 92 anos se o seu médico não fosse um geriatra? A drª. Meier diz: “Ele teria ido para sala de emergências, tratado por gente que desconhecia a sua história clínica e muito provavelmente teria sido submetido a uma cirurgia. As hipóteses que tinha de ter saído da cirurgia com a forma atual – caminhando – seriam muito poucas. Todos os que o estivessem tratando tinham boas intenções, mas não estavam vendo o todo. Isto acontece tantas vezes que é uma rotina.” OLHANDO EM OUTRO LUGAR Muitos americanos gostariam de sentir que o seu médico é um parceiro, mas eles podem precisar procurar em outro lugar para encontrar pessoas que os possam ajudá-los na viagem para a saúde e o bem-estar. Enquanto estava procurando uma solução para uma situação clínica que ameaçava a vida, Jim Gatto, da Pensilvânia, buscou ajuda de pessoas fora do sistema de cuidados de saúde. O que encontrou mudou sua vida. “Eu pensei que era uma pessoa perdida”, afirma Jim, que está aposentado da Westinghouse. “Aos 61 anos, dois cardiologistas disseram-me que, provavelmente, eu precisaria de um transplante de coração. 177


Morri de medo.” Jim tinha uma cardiopatia, uma situação em que o músculo do coração se torna muito dilatado ou anormalmente espesso. À medida que o seu estado piora, o coração torna-se mais fraco e menos capaz de fornecer sangue oxigenado ao corpo. Esta situação pode manifestar-se como insuficiência cardíaca congestiva, a principal causa de hospitalização em pessoas com mais de 65 anos. Nos Estados Unidos, cerca de cinco milhões têm insuficiência cardíaca congestiva e cerca de metade delas morre no espaço de cinco anos. Jim recorda: “Eu estava desesperado e precisava de fazer qualquer coisa. A capacidade do meu coração para bombear o sangue era só de 20%. Devia ser de 55% a 70%.” Se tivesse sido muito mais baixa, Jim seria atirado para uma cama ou pior. Jim foi assistir a uma apresentação do dr. Dean Ornish, um proponente de longa data de um estilo de vida saudável que adota uma dieta muito baixa em gorduras, exercício físico, redução de estresse e apoio de grupo. Felizmente, durante a apresentação Jim sentou-se ao lado de um homem na casa dos 40 que também tinha cardiomiopatia e estava já mudando seus hábitos de estilo de vida. A saúde deste jovem homem tinha melhorado consideravelmente. A sua experiência deu esperança a Jim de que ele poderia voltar a ser saudável. “Fui a um cardiologista e quando lhe disse que queria participar do programa de Ornish, ele não viu qualquer problema nisso”, recorda Jim. “Mas não era defensor do programa, de fato era completamente indiferente. Disse-lhe: ‘Bem, vá em frente.’” O programa constituía uma grande obrigação: dois dias por semana, quatro horas por dia. Cada dia tinha uma hora de exercício, outra de ioga e meditação, outra de educação alimentar e outra de discussão em grupo. Devido a sua doença de coração, o programa Cruz Azul de Jim pagou a sua participação. Ele deixou de comer carne, iniciou ioga 178


e meditação e começou um programa de exercício físico. Ele brinca: “A última vez que estive no McDonalds foi para usar o banheiro. Não como um hambúrguer há 12 anos.” Os resultados são espantosos. A função do coração de Jim melhorou significativamente. Antes de ter iniciado o programa, ele lembra-se de ter perguntado a seu cardiologista se poderia melhorar, ao que ele respondera: “Provavelmente não muito.” Muitos médicos duvidam da boa vontade dos seus pacientes de se esforçar para mudar seu estilo de vida e as pessoas muitas vezes querem um “conserto rápido.” Mas o desespero é uma motivação poderosa para algumas pessoas. Para Jim, empurrou-o na viagem da sua vida. Sobre o seu médico, ele conta: “Ele está preparado para executar procedimentos tais como a angioplastia. Muitos médicos tratam problemas mais do que os previnem, não penso que tenham tempo para refletir em como preveni-los. Para prevenir o problema, você tem de fazê-lo por sua própria conta.” Manter e recuperar a saúde é um caminho que começa com a compreensão de que o corpo humano não dura eternamente. Como em qualquer viagem, a estrada dá voltas por territórios com linguagens desconhecidas, costumes e conhecimentos novos. Você pode hesitar em parar e pedir ajuda. Se o fizer, as direções podem ser confusas. Uma pessoa que conduza você ao longo dessa viagem pode sugerir um destino cuja estrada esteja traçada com vendedores ambulantes de todos os tipos de truques. Outro guia pode conduzir você por onde o aguarde verdadeira hospitalidade e cura. Esta é a viagem ao longo da vida que nunca acaba. A melhor viagem é aquela em que você encontra a pessoa certa para se juntar a você.

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PARTE 4 TODOS OS PROBLEMAS TÊM UMA SOLUÇÃO

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ACABE COM O OVERUSE, NÃO COM AS PESSOAS No ensaio The Tragedy of the Commons, Garrett Hardin, um biólogo da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, escreveu: “Pintem uma pastagem aberta a todos. Espera-se que cada pastor tente manter tanto gado quanto possível nos baldios… Esta é a conclusão a que chega cada um e todos os pastores racionais que partilham os baldios. Aí é que reside a tragédia. Cada homem está bloqueado dentro de um sistema que o obriga a aumentar o seu rebanho sem limite num mundo que é limitado. A ruína é o destino para o qual todos os homens correm, cada um perseguindo seu próprio interesse.” Muitos humanos alimentam-se nas pastagens dos cuidados de saúde. Os CEOs dos hospitais têm incentivos para maximizar a receita tal como fazem os donos dos centros de diagnóstico, centros de diálise do rim, hospitais especializados e centros de cirurgia de ambulatório. Os médicos que são pagos por cada trabalho são motivados para maximizar receita por tratarem mais pessoas e darem mais tratamentos a todos os pacientes que aparecem. Os consultores de cuidados de saúde maximizam a sua receita quando ajudam os hospitais a aumentar o elevado custo de procedimentos cardíacos, oncológicos e ortopédicos. Todas as empresas farmacêuticas e de aparelhos médicos têm incentivos para aumentar o volume de vendas. As empresas de oncologia têm incentivos para mostrar aos oncologistas como maximizar as suas receitas ao conseguirem mais pessoas para os seus consultórios mais frequentemente. 183


Os pacientes que têm cobertura de seguros de saúde abrangentes têm menos incentivos para reduzir a utilização desnecessária de cuidados médicos. A Casa Branca e os Membros do Congresso abrem os cofres públicos mais ampla e profundamente todos os anos para favorecer os lobbies que os ajudam a ser reeleitos. As contribuições das campanhas são um dos melhores negócios de Washington. O retorno de um investimento de milhares de dólares nas contribuições da campanha é milhões ou bilhões de dólares do dinheiro público. Warren Buffett, o Oráculo de Omaha e o investidor do mercado de ações mais bem pago do mundo, acharia difícil trazer à tona um investimento tão lucrativo. O overuse aumenta o custo dos cuidados de saúde para todos e causa a subida rápida de prêmios dos seguros de saúde. É negada a entrada de milhões de pessoas para a pastagem dos cuidados de saúde por não poderem pagar o preço para entrar. Se fosse restringido o pastoreio desnecessário, mais pessoas podiam entrar na pastagem para receber os cuidados de que necessitam. Por agora, é negada a entrada a muitas pessoas. Um rapazinho de sete anos a quem foi diagnosticada leucemia foi tratado com quimioterapia. A família não tinha seguro de saúde e o hospital exigia que os pais fizessem um depósito na conta do hospital antes do início do tratamento do filho. Como o dinheiro se esgotou rapidamente, os pais pediram ajuda a familiares e amigos. Os médicos pararam os tratamentos quando o dinheiro acabou. O pai docemente levou o filho para casa, voltando ao hospital algum tempo mais tarde, depois de juntar escassas quantias que eram uma corda salva-vidas para o filho. Um homem de 60 anos com câncer do pulmão não tinha seguro e 184


faltava-lhe o dinheiro para pagar o tratamento. Trabalhava por conta própria, tinha o seu próprio negócio que mal dava para fazer face às despesas. Para obter medicamentos para combater a dor provocada pelo câncer, ia todos os meses à urgência de um hospital, à noite, onde receberia uma provisão de remédios para ajudá-lo a lidar com a dor. Um dia, comprou um vasilhame de gasolina, derramou-a em volta do local do seu pequeno negócio, acendeu um fósforo incendiando o edifício e a si mesmo. Imolou-se. O hospital colocou um penhor por despesas médicas que estariam em dívida. Numa atitude final de desafio, ele foi determinado em evitar que o hospital ficasse com o pouco que ele tivesse acumulado durante a vida. O nome do rapazinho de sete anos é Dejie e foi tratado no Beijing Children’s Hospital, na China. A sua história foi relatada no Wall Street Journal. O homem de 60 anos vivia em Minnesota. Recebeu tratamento na urgência de um hospital bem conhecido. A sua história é contada por um médico que teve compaixão dele ao ficar sabendo do dilema do homem na véspera da sua morte e que arranjou um fornecimento contínuo de medicamentos para a dor. Quando o hospital tentou contatar o homem no dia seguinte para lhe dar essa notícia, o médico soube que o homem tinha posto fim a sua vida. Um médico de cuidados primários da Costa Leste conta: “Eu li o artigo no Wall Street Journal. O que aconteceu na China acontece na América a toda a hora. Na China são mais honestos acerca disso.” Esse médico tinha visto uma situação semelhante no seu hospital. Um dos seus pacientes estava sendo tratado de câncer por um oncologista. Após ter perdido a cobertura do seguro privado de saúde, a sua oncologista recusou-se a continuar o tratamento. Abandonar um paciente é uma das piores coisas que um médico pode fazer. O médico de cuidados primários dessa mulher diz: “Não é como se o oncologista estivesse 185


indo à falência. É sobre o envio dos seus filhos para um acampamento de verão ou a decisão entre um BMW novo ou usado”. A jovem mulher era elegível para a cobertura do seguro através de um programa público e foi tratada numa clínica hospitalar. Posteriormente, sucumbiu à doença. O Wall Street Journal publicou a história de Dejie num artigo sobre tratamentos médicos na China que ilustrava uma análise de think-tank chinesa em nível de gabinete sobre os desafios que enfrenta o sistema de cuidados de saúde do país. O relatório do governo reconhece as desigualdades entre ricos e pobres e as consequências de um sistema de cuidados de saúde darwiniana, onde todos podem cuidar de si mesmos em um sistema de dinheiro para tratamento. Um número crescente de americanos que não têm qualquer seguro ou que têm um seguro baixo também precisa cuidar de si próprio no sistema de dinheiro para tratamento. Excluídos da pastagem, embarcam numa pesquisa que leva a lugares que nunca imaginaram. As montanhas do Taos, Novo México, lembram a Carlo Gislimberti as montanhas Dolomite na sua terra natal, no norte da Itália. “No momento em que vi as montanhas, soube que este era o lugar onde estava destinado que eu ia ficar”, conta ele. Ele a esposa, Siobhan, há anos criaram raízes no Taos. Um chefe de cozinha talentoso, Carlo instalou um restaurante de quatro estrelas que misturou a cozinha do velho mundo nativo com o gosto do sudoeste dos Estados Unidos. “Em abril de 2005, enquanto enfeitava o espaço no entorno do restaurante, comecei a sentir dificuldade em respirar”, conta. “Eu sou ‘notícia velha’ no departamento de cardiologia.” Carlo tem uma história de problemas do coração, incluindo dois ataques cardíacos e, aos 186


48 anos, fez uma angioplastia coronária para desentupir três artérias. Com os novos ataques de dificuldades respiratórias, foi ao cardiologista e ficou sabendo que “podia cair morto a qualquer momento.” Ele exigiu uma cirurgia de by-pass imediata. Carlo tinha perdido a cobertura do seguro de saúde alguns anos antes, após o procedimento de angioplastia. Ele podia ter feito um novo seguro de saúde mas isso iria custar-lhe dois mil dólares por mês. Carlo conta que tinha de escolher entre pagar o seu próprio salário para sustentar a mulher e a si próprio ou ficar com seguro de saúde. Ele escolheu correr o risco de não ter seguro. A cirurgia de by-pass iria custar 15 mil dólares, uma quantia avultada. Carlo teria de vender o restaurante, que era o seu sustento e o seu lar, já que vivia com a esposa no primeiro andar. “Eu estava perante a morte financeira e a morte por ataque de coração”, afirma. A esposa procurou na internet um centro de cardiologia onde Carlo pudesse fazer a cirurgia por um custo razoável. Finalmente, um hospital em Nova Délhi, na Índia. O cirurgião cardiologista desse hospital estagiara em Nova Iorque, o que lhe deu confiança e ela fez os preparativos para que o marido fizesse a cirurgia em Nova Délhi. “Eu tinha estado no Nepal por três vezes e sabia o que me aguardava num país como a Índia”, diz Carlo. “É um mundo completamente diferente e você tem de estar preparado.” Ele e Siobhan chegaram a Nova Délhi e foram transportados de imediato ao hospital. Uma vez lá dentro, “era como se se tratasse de um hospital em Houston ou em Nova Iorque”, afirma ele. “As comodidades eram incríveis. Os funcionários eram excelentes, a comida muito boa. Tinham um barbeiro diariamente. Tínhamos levado um laptop, portanto podíamos nos comunicar com todos lá em casa e no hospital ajudavam-nos a ligá-lo.” Depois de dias de exames, Carlo lembra-se de como o “escudo psi187


cológico que eu tinha construído para me defender em caso de acontecer alguma coisa era quebrado todos os dias.” A sua situação era pior do que o esperado. A cirurgia demorou sete horas e foi um triplo by-pass. O custo da cirurgia e os 20 dias de internamento custaram dez mil dólares. Pagara 15 mil dólares ao hospital por isso recebeu cinco mil dólares de reembolso. Carlo e a esposa voltaram para casa um mês depois da cirurgia. A saúde não lhe permitia continuar uma programação fatigante de chefe de cozinha. Com a vida numa encruzilhada, embarcou naquilo a que chama de “terceira idade”. Exprime a sua criatividade incessante como artista de paisagens brilhantes dos Montes de Sangre de Cristo do Novo México, dos Himalaias no Nepal e das praias da Califórnia. Quando lhe perguntaram o que pensa de viajar milhares de milhas para um país pobre para obter cuidados de saúde acessíveis, Carlo diz: “É uma desgraça”. Eu amo este país. Eu tinha conseguido fazer aqui uma boa vida. Mas, quando se trata de cuidados de saúde, os seres humanos não deveriam ser tratados de forma diferente, não interessa quem são.” O sistema de saúde americano tem dinheiro para tratar Carlo e milhões de outras pessoas que necessitam de cuidados de saúde. Milhões de dólares são gastos em procedimentos desnecessários realizados no coração de Ron Spurgeone e nos corações de centenas de pessoas em Redding, Califórnia, pondo em perigo as suas vidas e a sua saúde. Entretanto o sistema não paga cirurgias de pessoas como Carlo que realmente precisam dela. O número de americanos que atualmente viaja para o exterior por causa de cuidados de saúde essenciais é só uma gota. O quanto esse turismo de saúde vai crescer dependerá do número de pessoas que 188


estão desesperadas por cuidados médicos e tenham alguns meios para pagá-los. Se as tendências de custo continuarem e, como os empregadores continuam a cortar na cobertura de seguros de saúde, mais americanos não terão escolha para encontrar o seu caminho num sistema de saúde cada vez mais darwinista. Turismo de saúde não é um piquenique como o seu nome pode indicar. Podem vir à mente imagens de pacientes convalescentes sentados debaixo de palmeiras bebericando sumo de manga, contudo, eles acreditam que na realidade esse tratamento médico é sempre um assunto sério. Para Carlo, era um caso de vida ou morte. INDO AO HOSPITAL? LEVE O SEU PASSAPORTE Uma das pessoas que estão otimistas sobre tornar-se global viajar devido a cuidados de saúde é Tom Keesling, presidente e cofundador da IndUShealth, uma empresa com base em Raleigh, Carolina do Norte, que promove turismo de saúde. Um antigo CEO hospitalar dos Estados Unidos, Keesling diz que 50 milhões de americanos com mais de 75mil dólares não têm seguro de saúde e são o seu alvo de mercado. Nas listas do site da internet da IndUShealth, o custo de procedimentos cirúrgicos comuns tais como a cirurgia da prótese do joelho que, segundo informação, tem um custo de 45 mil dólares, pode ser feita num hospital ultramoderno na Índia entre oito mil dólares e 13 mil dólares, incluindo a viagem. Podem ser feitas poupanças nos procedimentos de custo elevado tal como a substituição da válvula cardíaca, que consta na lista de preços a 125 mil dólares nos Estados Unidos e pode ser feita por 15 mil dólares, viagem incluída. Mais hospitais no exterior estão sendo acreditados pela Joint Comission International (JCI), uma subsidiária da Joint Comission se189


diada em Chicago, a organização que acredita os hospitais dos Estados Unidos. Karen Timmons, presidente e executiva principal da JCI observa: “À medida que hospitais do exterior são acreditados, mais hospitais estão interessados na acreditação. Agora estamos trabalhando em 80 países e abrimos escritórios em Genebra, Dubai e Singapura.” Até as pessoas com um bom seguro de saúde podem não estar imunes a viajar milhares de milhas para fora de casa. Executivos de empresas de seguros de saúde estão visitando hospitais na Índia, em Singapura e na Tailândia para avaliar as perspectivas para mandar os americanos para o exterior para assistência médica com um desconto. Na Carolina do Sul, a Blue Cross and Blue Shield é uma das primeiras seguradoras a lançar uma filial, Companion Global Healthcare, para fazer exatamente isso. A empresa planeja consultas, arranja viagens e responde a questões sobre serviços e preços para assistência médica no exterior. Keesling acredita que não deve demorar para que seguradores privados ofereçam descontos a pessoas que escolham ir. O seu negócio é apostar nisso. O seu entusiasmo aumenta quando descreve o seu novo Dreamliner 787 da Boeing que transportará 300 passageiros em voos de longa distância. No admirável mundo novo da assistência médica, os lugares devem ser preenchidos por pessoas que vão aos hospitais em vez de ao Taj Mahal. Keesling diz: “Tenho falado com tantas pessoas na assistência médica que estão batendo as cabeças contra a parede sem saber o que fazer. Há muitos interesses e você não pode passar por cima deles. A única maneira de consertar o sistema é ter muita dor e politicamente ninguém quer fazer isso. Então vamos tentar fazer algo diferente em que se pode conseguir cuidados de saúde de elevada qualidade por um preço razoável. É uma daquelas inovações perturbadoras.” 190


Essa mobilidade constituirá um desafio bem-sucedido para tornar eficientes os cuidados de saúde básicos dos Estados Unidos? Ou é uma alternativa mais barata para as pessoas que são mantidas fora do pasto? Ir para outros países não é um desafio aos hospitais americanos, visto que muitos deles prefeririam provavelmente que pessoas sem seguro ou com seguros baixos não aparecessem em sua porta. Quantas pessoas na América são como Carlo e o homem que se imolou pelo fogo? O governo dos Estados Unidos não conta o número de pessoas que necessitam de assistência médica para salvar a vida mas que não pode pagar por ela. Como um número crescente de americanos de classe média está sendo tratado fora da assistência médica acessível, pessoas mais acima na cadeia alimentar juntam-se a elas. É um clube de que ninguém quer fazer parte. Trabalhadores com rendimentos mais elevados, que pensam que são intocáveis, podem precisar pensar de novo. Empregos para arquitetos, contadores e outros profissionais que foram trampolim para uma vida confortável para muitos americanos são vulneráveis tal como o declínio da economia demonstrou. Assim como vão os bons empregos, vão os seguros de saúde. Qualquer que seja a cobertura dos seguros de saúde que os americanos tenham, continuarão a diminuir e podem transformar-se numa sombra do que foram. REFÚGIOS MÉDICOS Imagine que tem um coração que necessita de conserto, mas o único hospital capaz de realizar uma cirurgia acessível fica a 20 horas de avião da família, amigos e ambiente familiar. Imagine dirigir até um aeroporto com malas e passaporte e passar por hospitais modernos onde as cirurgias cardíacas são realizadas pelos melhores médicos do 191


mundo. Imagine que sabe que é impossível ter acesso às reluzentes torres de aço e átrios bem iluminados desses hospitais porque as taxas de entrada são demasiado elevadas. Imagine compreender que, depois de anos de trabalho árduo e de pagar impostos, uma parte desses impostos pode ter sido usada para subsidiar o treinamento de médicos dentro das torres de aço, talvez até a própria construção das torres ou o custo das cirurgias ao coração que estão sendo feitas nesse mesmo momento. Imagine ler, a caminho do aeroporto, o artigo da Harvard Business Review intitulado Why U.S. Health Care Costs Aren’t Too High (“Porque os Custos dos Cuidados de Saúde dos Estados Unidos não são Muito Elevados”), o qual refuta a ideia de que os cuidados de saúde acessíveis nos Estados Unidos são um problema. De acordo com esta suposta ideia de avanço, “pelo menos para o futuro previsível, os cuidados de saúde nos Estados Unidos são um bem econômico, social e previsível.” Imagine escrever uma carta ao editor da Harvard Business Review sobre voltar para casa para explicar a realidade da América dos outros cuidados de saúde. Contudo, por agora nada disto interessa a caminho do aeroporto para reparar um coração doente. Durante gerações a América foi um refúgio para milhões de pessoas pelo mundo inteiro que procuravam escapar de perseguições religiosas e políticas, pobreza e fome. Atualmente, numa mudança sem precedentes, os americanos estão aprendendo que a sua mãe-pátria já não é um refúgio. Não deixam os Estados Unidos por razões políticas, mas por estarem doentes e poderem morrer e precisarem de cuidados de saúde acessíveis que não estão sendo oferecidos para eles. É um ato de desespero. Organizações que promovem turismo de saúde estão ajudando a partir. Não são nem instituições de caridade, nem os hospitais estão surgindo no exterior à espera de uma América doente 192


e cansada para ter os seus corações curados. São empresas com fins lucrativos. Na Estátua da Liberdade, estão inscritas as palavras do poema New Colossus, de Emma Lazarus. “Dá-me os teus povos que se acotovelam, cansados e pobres”.10 A América já não quer cuidar da saúde de seus pobres. Está enviando-os para outro lado. São refugiados de cuidados de saúde. Este é o lugar para onde nos dirigimos no que diz respeito à América dos cuidados de saúde. Mas os Estados Unidos têm uma escolha. Nós podemos escolher as pessoas ou podemos escolher o overuse.

10. NT- Eis os versos originais do poema: “Give me your tired, your poor, your huddled masses…”

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A OUTRA VERDADE INCONVENIENTE O documentário An inconvenient truth (Uma verdade inconveniente, em tradução livre) pinta de forma real um retrato assustador do planeta Terra mudando de forma dramática em consequência da ação humana. Não é necessário ser cientista para reconhecer as mudanças no clima da Terra. O degelo das calotas do Ártico ameaça as casas do Alasca enquanto tornados fustigam Brooklyn, Nova Iorque. Os cientistas preveem inundações durante 100 anos, de dez em dez anos em Nova Iorque, afogando o sistema do metrô. Os americanos nunca mais precisarão de temer uma “Silent Spring” (Primavera Silenciosa), a imagem surpreendente que Rachel Carson deu ao mundo no seu livro de 1962 sobre pesticidas. O medo agora é de que não haja primavera tal como a conhecemos. Os criadores de Uma verdade incoveniente afirmam que o ponto de inflexão no debate do aquecimento global ocorreu com a compreensão de que o mundo já não pode permitir ver o assunto como uma questão política. O aquecimento global, dizem eles, transformou-se no maior desafio moral que enfrenta a civilização mundial. Esta mudança de uma questão política para uma moral cria a vontade para as pessoas mudarem. Dá um propósito moral ao trabalho que está pela frente. O que tem a ver o aquecimento global com os cuidados de saúde? À primeira impressão, não muito. Um olhar mais próximo revela que, quer a saúde quer o ambiente, são questões atraentes do nosso tempo que afetam a sobrevivência da própria vida. As pessoas tornam-se des194


ligadas quando estão no meio de ameaças à vida. Quando as ameaças se tornam moralmente inaceitáveis pelo coração e pela razão, começa a emergir uma voz coletiva que desafia o status quo. O que revelaria um documentário de Uma verdade inconveniente? O home video de Michael Skolnik mostra uma “criança de fralda”, recebendo os cuidados amorosos da mãe e do pai, dia e noite, em resultado de uma cirurgia no cérebro desnecessária. A criança morreu quase três anos mais tarde. Mostraria Mary Anne, a cientista de Massachusetts que vive com o corpo que deseja, “que ia para o necrotério” no dia em que fizesse uma histerectomia desnecessária e remendada. Mostraria a cicatriz do peito de Ron que parece uma truta destripada. O nosso país não tem sucesso na contenção da vasta não atribuição de recursos de saúde se a reforma for vista como uma questão política e financeira. As batalhas políticas serão as mesmas. Membros do Congresso continuarão a ser mantidos reféns pelos lobistas da indústria que exigem o reembolso da Medicare para um teste diagnóstico ou instrumento ultramoderno que não é melhor do que uma alternativa mais barata já existente. Os reféns serão libertados e serão reeleitos quando cederem e concordarem em ter a Medicare pagando por isso. O dinheiro do resgate, ou paz comprada, continuará a ser pago pelo povinho, os contribuintes, a espinha dorsal de grande coração do país. Como escreveu Donald Berwick, “compramos a paz através da atribuição de resíduos.” A NÃO-SOLUÇÃO A indústria dos cuidados de saúde e as empresas de serviços financeiros gostam de dizer que os pacientes deviam agir mais como consumidores e suportar um maior quinhão dos custos com a sua saúde. 195


Tornando-se mais conscientes dos custos, os proponentes acreditam que os consumidores irão fazer escolhas mais informadas e gastar mais frugalmente. Este é o modo como a indústria propõe verificar o crescimento do monstro verde. Mesmo que um maior número de pessoas pague diretamente com o seu próprio dinheiro, só terão um impacto à margem da despesa de cuidados de saúde. O monstro verde é demasiado grande e demasiado voraz para ser refreado por um consumidor individual. Colocar mais encargos financeiros sobre o consumidor faz pouca diferença em relação a tentar controlar os gastos do Pentágono pedindo aos soldados que paguem as suas próprias armaduras para o corpo. O gasto dos soldados do seu próprio bolso não teve efeito nos bilhões de dólares gastos em artigos caros. Essas decisões de gastos são tomadas nas hierarquias mais elevadas do governo americano e nas empresas que vendem para eles. Quando os consumidores se tornam pacientes, passam a depender de médicos e enfermeiras. A palavra “paciente” vem do vocábulo em latim “patior”, “sofredor”. Sofrer do fardo da doença, especialmente o que espalha o medo da morte, pode impedir a nossa capacidade de agir no nosso próprio interesse. No meio do sofrimento, confiamos e acreditamos porque tememos a morte. Quando disseram a centenas de pessoas de Redding, na Califórnia, que precisavam de uma cirurgia de by-pass cardíaco e outros procedimentos cardíacos, eles acreditaram que necessitavam deles e que podiam morrer se os não fizessem. Quando Helen Haskell, da Carolina do Norte, fez perguntas sobre a cirurgia mais adequada para o seu filho, ela acreditou no que os médicos lhe disseram. Quando disseram ao sr. Goode que a prótese do joelho lhe permitiria ir pescar, ele acreditou. Quando disseram a Patty Skolnik que o filho, Michael, necessi196


tava de uma cirurgia no cérebro, ela acreditou no médico. Os cuidados de saúde não podem ser um mercado como qualquer outro porque os médicos e enfermeiras e outros agentes têm conhecimentos e experiência que os pacientes e suas famílias jamais podem ter. O monstro verde está por perto, roendo os ossos. Um médico disse acerca dos pacientes que “eles são como cordeiros esperando ir para o abatedouro.” As empresas de serviços financeiros estão bombeando mais combustível para a corrida médica armamentista. Em alguns estados, os pacientes podem ir ao consultório dos seus médicos ou ao hospital e solicitar um cartão de crédito para saúde. De acordo com o site do Citi Health Card, do Citibank, os benefícios são financeiramente vantajosos para os médicos. “Para os pacientes, o maior obstáculo à obtenção de tratamentos é muitas vezes a preocupação financeira,” diz o Citibank aos médicos. “Agora você pode melhorar as vendas… [e] aumente o número de procedimentos programados…. Com pagamentos mensais flexíveis, os pacientes têm oportunidade de iniciar tratamentos que, de outra maneira, teriam de adiar e possibilitar a eles a escolha de tratamentos mais abrangentes porque podem distribuir o pagamento ao longo do tempo.” O Citibank diz aos médicos que quando os pacientes solicitam o cartão de crédito, “nós tomamos uma decisão rápida… podendo assim o tratamento começar de imediato.” Nós podemos imaginar um médico dizendo ao paciente que ele ou ela tem um câncer, em seguida entregar um formulário do cartão de crédito para que os custos da quimioterapia possam ser cobrados. Os americanos já atingiram o limite dos cartões de crédito, portanto é difícil ver como um cartão de crédito que é anunciado como tendo uma taxa de juros de 26,9% é uma solução viável para famílias que precisam pagar as despesas médicas. Entretanto, o paciente com câncer não está em posição para negociar ou comprar tratamentos a preços mais 197


baixos quando a sua vida está ameaçada. Isto interessa pouco às empresas de serviços financeiros. É irresistível a tentação de obter uma lasca do total da despesa de cuidados de saúde. UMA GRANDE MURALHA DE DÍVIDA Se nada for feito para refrear o overuse, o país ficará cercado por uma ainda maior “muralha de dívida”, visto que o Governo Federal pede dinheiro emprestado à China e a outros países para ajudar a pagar as contas dos cuidados de saúde atuais e outras despesas. Uma porção de cheques dos salários dos trabalhadores americanos está sendo enviada para a China e para outros países para pagar os juros sobre a dívida que o nosso governo tem atualmente. Podem ser justificável para o governo dos Estados Unidos pedir dinheiro emprestado se fosse usado para cuidados de saúde que rendessem valor real, tal como cirurgia de catarata que permite que os deficientes visuais vejam, cirurgias ortopédicas que permitem que os mancos andem, cirurgias do coração para consertar um coração doente de modo que continue a bater. Em vez disso, muito dinheiro emprestado está sendo usado para pagar o apertando e cutucando do corpo humano que não rende nenhum lucro e aumenta a possibilidade de danos. Se o país gastar 25% do rendimento nacional na saúde no ano de 2025 – e é este o valor que planejamos gastar – não haverá dinheiro para as outras coisas que os americanos têm de esperar do seu governo. O país irá se afogar na sua própria dívida, ira se afundar em sua capacidade econômica no mundo e parecerá uma nação devedora do terceiro mundo. O monstro verde triunfará enquanto ainda em silêncio arrasta habilmente o país para debaixo das águas que sobem em consequência da fusão dos glaciares fiscais. 198


Peritos em política de saúde estão trabalhando arduamente para encontrar soluções técnicas para reformar a cultura do “fazer qualquer coisa”. Muitos outros estão fazendo horas extra para levar os cuidados de saúde para o século XXI com registros de saúde eletrônicos. Estas melhorias são essenciais, mas não bastam porque não tratam a causa pela raiz. Garrett Hardin escreve que “uma hipótese de discussão implícita e quase universal publicada em revistas científicas profissionais e semipopulares é que o problema em discussão tem solução técnica. E por solução técnica pode se entender algo que requer uma alteração só nas técnicas das ciências naturais, exigindo pouco ou nada no caminho de mudança dos valores humanos de ideias de moralidade.” RECUPERANDO O PROPÓSITO MORAL Viver uma vida longa e saudável é uma aspiração do espírito humano que transcende gerações, culturas, línguas e filiação partidária. Os livros sagrados das principais religiões do mundo falam desta aspiração, tal como acontece com os poetas e com os nossos próprios corações. As nações estabelecem sistemas de saúde para permitir aos seus cidadãos que satisfaçam um desejo universal para a vida, liberdade da escravidão da doença e a busca da felicidade. O propósito moral pode ser recuperado? Muitos médicos de coração sensível, enfermeiras e líderes de saúde dedicam suas vidas ao nobre trabalho de curar os enfermos. Quando o sistema de saúde funcionar bem, milhões de americanos recuperarão a saúde. Como disse uma vez um médico, “é a coisa mais próxima do trabalho de Deus.” Americanos de ambos os lados da cama – profissionais conscientes e o público – estão ávidos pela bússola moral em cuidados de saúde. Quão nobre seria sustentar as pessoas e não o monstro verde? 199


UM PLANO DE RECUPERAÇÃO COM DEZ PASSOS Eis os dez passos para acabar com o overuse dos cuidados médicos. A saúde da economia e do nosso bolso depende disso. De fato, é difícil pensar em algo mais sensato do que parar de gastar dinheiro em coisas que podem causar mais dano do que benefício – ou absolutamente nenhum bem. 1. FAZER BRILHAR UMA LUZ SOBRE OS CASOS ANÔMALOS O Medicare devia divulgar regular e publicamente as dez comunidades de topo nos Estados Unidos que apresentam três ou quatro vezes a média nacional dos maiores procedimentos cirúrgicos e de testes diagnóstico. Ao fazer incidir uma luz sobre os casos anômalos, eles não vão permanecer mais na sombra. Organizações como a Consumers Union podem explicar essa informação ao povo para que possa evitar ser apanhado na armadilha do overuse. Se Ron Spurgeon, construtor e mecânico da Califórnia, tivesse sabido que a taxa das cirurgias de by-pass no coração na sua comunidade era a mais elevada do país, podia ter puxado o freio de emergência e obtido uma segunda ou terceira opinião antes de consentir a cirurgia de by-pass para a sua inexistente doença de coração. 2. AUDITAR OS CASOS ANÔMALOS Qualquer hospital que realize um procedimento médico numa taxa tripla ou quádrupla da média nacional devia automaticamente levar o Medicare a conduzir uma avaliação independente para determinar 200


se os pacientes são beneficiados. Podem ser feitas exceções a hospitais que sejam centros de excelência, cujos pacientes venham, de todo o país, receber tratamento. O resultado dessas avaliações deve ser feito publicamente e ser facilmente acessível a membros da comunidade a que pertencem. Quando o Hospital de Redding, na Califórnia, estava realizando procedimentos no coração a uma taxa de longe mais elevada do que a média nacional, ninguém interveio. Mesmo assim, o Medicare tinha informação que mostrava taxas de cirurgia de by-pass no coração muito elevadas. Contar com um paciente para puxar o freio de emergência, o que aconteceu neste caso, não é uma solução. É necessária uma abordagem sistemática e proativa para pôr fim ao overuse. 3. ESTABELECER UM OBJETIVO NACIONAL PARA REDUZIR TESTES DIAGNÓSTICOS DE IMAGEM INADEQUADOS O povo americano está exposto a quantidades de radiação sem precedentes dos testes de diagnóstico por imagem. O American College of Radiology reportou que a dose de radiação coletiva anual de testes médicos de diagnóstico, nos Estados Unidos, é estimada em aproximadamente equivalente à dose coletiva em todo o mundo gerada pela catástrofe de Chernobyl. O organismo presume que esta exposição levará a uma incidência crescente de câncer. Entretanto, especialistas estimam que um terço dos exames por imagem realizados em adultos é desnecessário e mais de um milhão de crianças faz exames desnecessários. O secretário de Health and Human Services devia estabelecer uma meta e um prazo para reduzir testes de diagnóstico por imagem desnecessários pelos quais o Medicare paga. 4. PARAR DE PAGAR POR COISAS QUE NÃO FUNCIONAM O Medicare só devia pagar as cirurgias e outros procedimentos se 201


existisse evidência de benefício para as pessoas. A maioria dos americanos provavelmente pensa que o Medicare já faz isso. Não faz. O Medicare fez uma coisa inteligente quando ajudou a fazer um estudo para saber se os pacientes com enfisema se beneficiavam com uma cirurgia chamada redução do volume do pulmão. Algumas pessoas viveram mais tempo, mas outras não, incluindo 8% que morreram, uma taxa de mortalidade muito elevada. O Medicare estabeleceu uma política em que só pagaria pela cirurgia quando fosse realizada em pessoas que iriam se beneficiar com ela. Isso é uma política pública inteligente que devia ser adotada amplamente. 5. ENCONTRAR O QUE FUNCIONA Uma verdade de que raramente se fala nos cuidados de saúde do século XXI nos países mais avançados do mundo é que muitas vezes os médicos não sabem se o cuidado que prestam aos pacientes lhes faz bem. Quando os médicos sistematicamente examinam o cuidado que prestam aos pacientes e partilham essa informação com colegas e público, eles ficam sabendo o que funciona e nós também. “Esta é a melhor maneira de saber se os médicos estão prestando os melhores cuidados aos pacientes”, afirma o dr. Paul Miles, vice-presidente para a melhoria da qualidade do American Board of Pediatrics. Tem sido registrado um enorme progresso no tratamento do câncer em crianças porque os médicos têm partilhado essa espécie de informação. É um exemplo para aprender o que funciona e o que não funciona. O dr. Miles diz que “durante dois mil anos, nós dissemos: ‘Confia em mim, sou médico.’ Nós já não podemos dizer mais isso. Necessitamos estar dispostos a divulgar ao público os nossos dados sobre os resultados dos pacientes. Eles estão dizendo: ‘Doutor, eu realmente confio em você, mas me mostre os dados.’” Ele está certo. 202


6. GASTAR DINHEIRO EM INFORMAÇÃO PÚBLICA ACERCA DE OPÇÕES DE TRATAMENTO Deviam ser feitos investimentos públicos no desenvolvimento de informação baseada em evidência para ajudar pessoas a decidir os tratamentos adequados. Os DVDs e outros materiais desenvolvidos pela Foundation for Informed Medical Decision Making são um exemplo do tipo de informação em relação à qual todos os consumidores deveriam ter acesso. Os vídeos deviam ser disponibilizados no website da National Library of Medicine. Atualmente o website contém vídeos de cirurgias que são realizadas em pacientes reais. Seria um grande serviço fornecer ao público informação para pesar os riscos e benefícios da cirurgia e outras opções de tratamento. Os vídeos podiam também ser disponibilizados através de serviços de aluguel de DVDs online, tal como Netflix, que os tornaria facilmente acessíveis ao público. 7. DAR DESCONTOS DE SEGURO DE SAÚDE A PACIENTES INFORMADOS O Medicare e as empresas de seguros de saúde deviam considerar dar descontos a pessoas que enfrentam uma decisão acerca de tratamento médico e que se informam sobre as suas opções, riscos e benefícios. Estudos têm mostrado que, quando as pessoas estão informadas, tomam melhores decisões, que são as adequadas para elas e que muitas vezes escolhem intervenções menos evasivas e menos caras. Organizações tais como AARP têm cursos de segurança de motoristas online que podem ser feitos no conforto das suas casas. Do mesmo modo, pessoas que estão decidindo sobre um tratamento ou um exame deviam ser capazes de acessar a informação online sobre opções de tratamento fornecidas por uma organização independente sem nenhuma participação financeira na decisão de tratamento. Após a conclusão, 203


as empresas de seguros de saúde podem oferecer um desconto sobre os prêmios ou renunciar a franquias a pacientes informados. 8. CLASSIFICAR HOSPITAIS LEVANDO EM CONTA A QUALIDADE COM QUE EXPLICAM AS OPÇÕES DE TRATAMENTO Os hospitais deviam ser classificados pela qualidade com que explicam as opções de tratamento aos pacientes. Quando os relatórios dos consumidores classificam um produto como pobre, este recebe um ponto preto, e quando um produto é classificado como excelente, recebe um ponto vermelho, de modo que os consumidores possam compreender facilmente os resultados do desempenho. Os hospitais deviam obter um ponto preto se não explicassem de um modo compreensível as opções, riscos e benefícios aos pacientes. 9. PERGUNTAR: “QUAIS SÃO AS COISAS TOP TEN QUE DEVÍAMOS PARAR DE FAZER?” Imagine se alguém perguntasse a médicos, enfermeiras, CEOs de hospitais e milhões de outras pessoas que trabalham em hospitais, consultórios médicos, empresas de dispositivos médicos e outras organizações de cuidados de saúde “quais são os dez testes, tratamentos e procedimentos de topo que devia parar de fazer porque causam mais mal do que bem?” Eles podiam disponibilizar suas ideias no website de uma organização que zelasse pelo bem-estar público e elencá-las em importância para fazer parar o overuse. A reação seria provavelmente enorme porque muitos trabalhadores de cuidados de saúde conscientes veem tratamentos desnecessários todos os dias, mas sentem-se impotentes para pôr fim a eles. Além disso, imagine se as pessoas que receberam tratamentos desnecessários pudessem partilhar as suas histórias pessoais de overu204


se e qualquer dano sofrido. Médicos e enfermeiras que observaram overuse também podiam partilhar as suas experiências. Imagine se essas histórias fossem comparadas lado a lado com as de pessoas que necessitam de tratamento médico, mas que não podem dispor dele. A comparação nos faria ver quão louco é o sistema atual. Quem sabe se poderemos ser motivados para parar com o overuse e reciclá-lo para uma boa utilização. 10. FIM DO FEE-FOR-SERVICE NOS CUIDADOS DE SAÚDE Os métodos de pagamento do Medicare e das seguradoras privadas a médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados de saúde têm de mudar. Pagar-lhes por cada unidade de serviço individual convida ao overuse e à corrupção. A oposição à reforma será naturalmente forte. Será exigida uma coragem enorme para criar um sistema de pagamento que recompense o cuidado que em certa medida melhore as vidas das pessoas e a sua qualidade de vida a um custo acessível. Se não mudarmos, serão o nosso país e as nossas famílias a sangrar financeiramente até a morte. No seu ensaio Tragedy of the Commons, Garrett Hardin escreveu que, reconhecendo recursos como um bem comum que exige uma gestão, “nós podemos preservar e fomentar outras liberdades mais importantes. O nosso sistema de saúde excessivamente rico existe à custa de duas liberdades preciosas: a sustentabilidade econômica e financeira do nosso país e das nossas famílias e a busca de uma vida boa com as bênçãos da saúde e de bons cuidados de saúde. Todos nós temos essa aspiração, incluindo os que são ricos, mas que um dia podem ficar mais pobres por causa de tanto desperdício. Se quisermos, podemos recuperar estas liberdades para que todos possam prosperar nos anos vindouros. 205


VINTE MANEIRAS INTELIGENTES DE SE PROTEGER Uma pessoa sábia disse uma vez: “No mundo há três espécies de pessoas: as que te farão bem, as que te farão mal e as que não farão bem nem mal.” O mesmo é verdadeiro para os cuidados de saúde. Podem fazer bem, podem fazer mal e podem não fazer mal nem bem. A assistência médica atual não tem nada a ver com a do tempo da sua avó. A boa nova é que agora você pode ter mais informação do que nunca sobre como manter-se saudável ou receber a assistência de que necessita. Mas atualmente o negócio da saúde faz a ligação entre dinheiro e medicina e pode ser difícil saber se o que está recebendo é boa medicina ou apenas bom para o negócio. As apostas para que você possa se tornar um consumidor de cuidados de saúde instruído nunca foram tão altas. A pesquisa revela que, quando estão bem informadas acerca das suas opções e riscos e benefícios, as pessoas escolhem os cuidados medicamente adequados, porém menos invasivos e intensivos do que os que o médico lhes aconselhou. Isso é especialmente uma boa notícia porque significa que é você quem está sentado no banco do condutor e recebe os cuidados que lhe são adequados, nem mais nem menos. Se pensa que não consegue fazer a diferença e que o desafio é muito assustador, pense outra vez. Talvez nunca tenha tido nota “A” no curso de biologia, mas seja um perito naquilo que é importante para você. Aqui ficam sugestões práticas para o guiar na sua viagem para a saúde. 206


1. LEMBRE-SE DA LOJA DE DONUTS Recorde a história do jovem diretor de operações que disse ao médico do seu hospital: “Nós somos como uma loja de donuts. O nosso negócio é vender donuts. Se não vendermos muitos donuts, saímos do negócio. O seu trabalho … é convencer os pacientes de que eles precisam ficar no hospital …” Muitas pessoas altruístas vão trabalhar diariamente para prestar os melhores cuidados que podem. Mas muitas organizações onde trabalham estão motivadas para um objetivo: maximizar receita. Vocês, pacientes, são a fonte dessa receita. Perceba que a saúde é um negócio que gera dinheiro. Nos próximos anos, muitos dos que prestam cuidados de saúde vão ganhar sobre o número crescente de pessoas que estão ficando mais velhas e um sistema que financeiramente recompensa o overuse. As expetativas sobre a juventude eterna vão alimentar o uso de mais cuidados médicos. Para muitos americanos, esta tempestade perfeita causará mais danos do que benefícios. Não se deixe ser pego na tempestade. 2. NÃO SEJA UM INVESTIMENTO SEGURO Se tiver um seguro de saúde abrangente, você pode ser um risco maior para o tratamento médico desnecessário, porque tem os meios para pagar por ele. O seguro de saúde dá às pessoas o acesso aos cuidados de saúde. Mas agora o seguro de saúde é um meio para os prestadores de saúde terem acesso aos pacientes. Hospitais e outros prestadores de cuidados de saúde querem pacientes que tenham bons seguros que cubram procedimentos de custo elevado. Portanto, se você tem seguro, esteja alerta porque alguns prestadores de cuidados de saúde podem ver o seu cartão de seguro de saúde como um cartão de crédito que eles podem usar em benefício da sua conta. 207


3. TOME CUIDADO COM A BIÓPSIA NA CARTEIRA Uma biópsia na carteira é um procedimento que pode ser feito sem o seu consentimento. Acontece quando hospitais e médicos ultrapassam à quantidade de tratamentos que o seu seguro cobrirá. Alguns bons médicos podem querer considerar a sua situação financeira para o ajudar a obter os melhores cuidados que você pode pagar. Outros podem ver sua carteira como uma oportunidade. 4. A BIÓPSIA QUE VOCÊ QUER Nunca permita que um médico lhe diga que você tem câncer sem ser feita uma biópsia que confirme a presença da doença. Tom Vallier, cujo médico disse que ele tinha câncer e o submeteu a uma cirurgia sem confirmar o diagnóstico com uma biópsia, afirma que não é suficiente confiar num médico que diz que você tem câncer sem confirmar com uma biópsia. A esposa de Tom, Deandra, diz: “Acredite, mas verifique.” É um bom conselho. 5. NÃO OS DEIXE MARINAR A SUA MENTE Você precisa conhecer a mídia e saber como distinguir uma exibição de marketing de uma informação rigorosa que possa beneficiar você e sua família. Encontre a melhor análise independente sobre notícias de cuidados de saúde em HealthNewsReview.org. Sediada na Universidade do Minnesota, analisa narrativas recentes que fazem uma reclamação terapêutica acerca de tratamentos, procedimentos, novos medicamentos ou dispositivos, testes de rastreio, vitaminas e suplementos nutricionais. No seu website, são publicados novos relatos e críticas. Encontrará críticas equilibradas de narrativas de saúde contadas em programas de TV tais como Today e Good Morning America e em jornais e revistas como o New York Times e Time. 208


6. DESCUBRA SE VOCÊ ESTÁ RECEBENDO CIÊNCIA OU ADIVINHAÇÃO Uma das melhores perguntas que pode fazer a um médico que recomenda um tratamento, exame ou procedimento é “como sabe se isso vai funcionar comigo?” Se a resposta que receber for algo do género “oh, já fiz esse procedimento muitas vezes” ou “fez bem a muitos dos meus pacientes”, isso não basta. Deve esperar uma resposta mais completa. O seu médico deve explicar o procedimento, opções de tratamento (incluindo aqueles que ele ou ela não pratica), a evidência do que funciona ou não funciona, os riscos e benefícios. Se tiver uma conversa como esta com o seu médico, terá informação preciosa para o ajudar a tomar uma decisão adequada ao seu caso. 7. NÃO SUCUMBA A TÁTICAS DE ALTA PRESSÃO Se um tratamento que é recomendado a você é opcional e não é uma urgência, não ceda a pressão de tomar uma decisão de imediato. Questionar o conselho de um médico pode ser difícil, especialmente quando se está lidando com uma condição penosa, doença e incerteza. Um bom médico não o pressionará para que faça algo de que não está muito seguro. Ele ou ela irá ajudá-lo a decidir o que é melhor para você. 8. FAÇA A PERGUNTA DE UM MILHÃO DE DÓLARES A SI PRÓPRIO Em algum momento da sua vida, enfrentará uma decisão muito difícil de tomar e não saberá o que fazer. Irá se sentir bombardeado por opções e opiniões. Seja qual for a circunstância, pergunte a si próprio “O que é importante para mim neste momento?” Quando responder a essa questão, pense na sua vida, como a vive e os valores 209


que a guiam. Ouça a voz interior e siga o seu instinto. Você não é um especialista em cuidados de saúde, mas se conhece. Um bom médico ouvirá o que é importante para você e ajudará a tomar a decisão que sente como certa. 9. FIQUE LIGADO: APRENDA O QUE OS MÉDICOS NÃO CONTAM Vá à internet e procure uma respeitável comunidade online de pessoas como você que estejam vivendo com a mesma condição ou que tenham tomado uma decisão que você também possa tomar. Saber que não está sozinho pode acalmar os seus receios. Aprenderá como outros vivem a sua situação ou tratamento e onde encontraram ajuda. Pode descobrir o seu próprio caminho para receber os cuidados de que precisa e evitar o tratamento de que não precisa. 10. É TUDO UMA QUESTÃO DE REDE Procurar um prestador de cuidados de saúde adequado a si pode ser como procurar trabalho. Trabalhar em rede com familiares, amigos, colegas de trabalho e vizinhos pode ajudá-lo a encontrar o lugar e as pessoas certas para o seu caso. Enfermeiras experientes podem ser uma boa fonte de informação quando pretende encontrar um bom médico. Pergunte a elas sobre o médico ou o hospital que usariam se estivessem na sua situação. Enfermeiras falam entre si e também são pacientes. 11. NOMEIE UM COORDENADOR-CHEFE Na área da saúde do século XXI não há princípios básicos no sistema. Você precisa ser o coordenador-chefe dos seus cuidados ou nomear alguém que possa estabelecer a ligação entre médicos, relatórios de 210


laboratórios e tratamento. Mesmo que tenha médicos competentes e solidários, precisa preencher as brechas no sistema para que não caia nelas. Os médicos podem dar conselhos, mas você precisa juntar as peças. Também precisa questionar o trabalho das muitas partes móveis do sistema porque é raro encontrar uma pessoa que faça isso por si, a tarefa é assustadora. A maioria de nós preferiria fechar os olhos e esperar que alguém tomasse conta de nós. No mercado da saúde atual isso ajuda a ser realista. A sua vida pode depender disso. 12. COMO APRENDER ACERCA DAS SUAS OPÇÕES DE TRATAMENTO A Foundation for Informed Medical Decision Making é uma das melhores fontes de informação acerca da opção de tratamentos e seus riscos e benefícios. A sua abordagem consiste “apenas nos fatos” e não tem preconceito ou interesses financeiros para além de ajudar as pessoas a tomar a decisão que acreditam ser a melhor para elas. A fundação cria DVDs e outras informações sobre tópicos tais como escolher o tratamento adequado para a hérnia de disco, doença do coração, câncer de mama e se os homens devem fazer o teste do PSA para o câncer da próstata. Você poderá obter os vídeos através do seu plano de saúde ou do médico. Se não, contate diretamente a fundação sobre a obtenção de uma cópia de avaliação em troca do preenchimento de um questionário sobre o vídeo. 13. SAIBA QUE O TRATAMENTO QUE RECEBE PODE DEPENDER DO LOCAL DE RESIDÊNCIA Saiba se a sua comunidade tem taxas elevadas de diferentes tipos de cirurgia. Vá ao site da Dartmouth Atlas, que mostra a diferença na forma como muitas vezes são realizados procedimentos médicos co211


muns, tais como prótese do joelho, by-pass do coração, angioplastia e cirurgia da coluna. Se tem dores de costas, por exemplo, e o seu médico recomenda cirurgia de coluna, verifique se a sua comunidade está na lista e se tem uma taxa elevada nesse tipo de cirurgia. Se viver em Mason City, no Iowa, ou Bend, no Oregon, notará que estas comunidades têm taxas mais elevadas de cirurgia na coluna do que São Francisco e Honolulu. Esta informação não irá ajudá-lo a tomar uma decisão médica adequada a si, mas irá alertá-lo para o fato de o tratamento recomendado pelo seu médico não depender de você e da sua condição clínica, mas da medicina praticada pelos médicos da sua comunidade. 14. SAIBA O QUE OS MÉDICOS PENSAM DE VOCÊ Quando for a uma consulta médica, peça uma cópia da ficha e a leia. Fique sabendo se o relatório reflete o que conhece da sua situação e do tratamento. Médicos conscientes dão uma cópia aos seus doentes. A sua ficha médica pode estar incompleta ou conter erros e você pode então tentar corrigi-los. Pelo menos fica sabendo o que os médicos dizem de você. 15. MANTENHA O CONTROLE DOS SEUS RAIOS-X, TOMOGRAFIAS E OUTROS EXAMES DE DIAGNÓSTICO POR IMAGEM Um em cada seis adultos relata que o seu médico pediu um exame médico, tal como raios-x, que o paciente já fizera. Como o National Institutes of Health considerou o raio-x como cancerígeno, mantenha o controle do raio-x bem como das tomografias e exames de medicina nuclear. Consulte o site da American Nuclear Society, www.ans.org, que possui um gráfico com a dose de radiação para saber a quantidade de exposição à radiação de vulgares exames de diagnóstico por imagem. 212


16. O QUE FAZER SE SUSPEITAR DE CONFLITO DE INTERESSES FINANCEIROS No sistema médico, estão infiltrados conflitos de interesses financeiros. Médicos que recomendam exames e procedimentos podem ter uma participação na instalação de MRI (Magnetic Ressonance Imaging), laboratórios, centros cirúrgicos ou hospitais. Orientações éticas da American Medical Association obrigam a divulgar conflitos de interesses financeiros aos doentes, mas isso raramente acontece. Trisha Torrey, uma antiga professora e atualmente advogada, recusou fazer quimioterapia indesejada para um câncer inexistente. O conselho que deixa é: “Se o seu médico tem um interesse financeiro no tratamento que recomenda, peça sempre uma segunda opinião. A maioria dos médicos vai dizer que o seu interesse financeiro em nada afeta a sua opinião. Por isso procure outra opinião.” 17. DEVOLVA Se você é o tipo de pessoa que superou todas as expectativas, partilhe o seu conhecimento e sabedoria. Pode fazer a diferença na vida de alguém. Pode conseguir isto em fóruns online tal como a Association of Cancer Online Resources (ACOR) e outras comunidades online de pessoas com reputação que se entreajudam, diariamente. A sua experiência de lidar com uma doença ou condição médica pode ajudar alguém mais a superar os desafios diários. Também vai se beneficiar porque ajudar os outros é sempre um bom remédio. Se é o tipo de pessoa que superou largamente todas as expectativas, entre na rede do consumidor do Cochrane Collaboration, uma rede global de voluntários que são especialistas na sua área. Eles passam em revista a mais forte pesquisa disponível acerca de intervenções de cuidados de saúde e podem ajudar os pacientes e profissionais 213


de saúde e tomar decisões informadas. As suas opiniões são a regra de ouro e são publicadas online. O consumidor ativo pode aderir à Cochrane Consumer Network para ajudar a garantir que a assistência médica se baseia na melhor evidência. Para saber mais, vá ao endereço http://www.cochrane.org/consumers/about.htm. 18. MENOS PODE SER MAIS DO QUE ALGUMA VEZ IMAGINOU A prevenção é uma das melhores defesas contra cuidados médicos desnecessários. Quando Ralph Nill, de Pittsburg, soube, aos 58 anos, que precisava de um transplante de coração, ficou apavorado e desesperado. Mudou a sua dieta alimentar, tornou-se mais ativo fisicamente e aprendeu como reduzir o estresse. Tornou-se membro de uma comunidade de pessoas que estavam tentando mudar seu estilo de vida e elas o apoiaram e motivaram. Ralph nunca mais teve dor no peito e o cardiologista informou-o que ele já não precisava de um novo coração. Agora, com 70 anos, o conselho que dá aos filhos e outras pessoas é: “Vocês têm a vantagem de saber que podem prevenir a maior parte dos danos do coração ao mudar a dieta e estilo de vida enquanto são ainda jovens. Eu daria tudo para voltar atrás e fazer tudo de modo diferente. Não posso fazê-lo, mas vocês podem.” E sim, vocês podem. 19. PENSEM SAÚDE Os repórteres da National Geographic deram a volta ao mundo para encontrar pessoas que tivessem uma vida mais longa e desentocar o segredo dessa sua longevidade. Nas aldeias montanhosas da Sardenha, na Itália, nas ilhas de Okinawa e entre os adventistas do sétimo dia de Loma Linda, na Califórnia, encontraram pessoas com uma 214


longevidade excepcional. Atingir os 100 anos não é invulgar nessas comunidades e os anos de vida são cheios de saúde já que as pessoas sofrem apenas uma pequena parte das doenças que vulgarmente ceifam vidas noutros lugares. A saúde e a longevidade são explicadas por laços estreitos à família e amigos e uma razão para acordar de manhã – coisas que o dinheiro não consegue comprar. 20. RESPEITEM A SABEDORIA DOS TEMPOS Gautama Siddhartha viveu na Índia cerca de 500 anos a.C. Hoje é conhecido por Buda. Em palavras que foram divulgadas através de séculos, disse: “Não acredite em algo simplesmente porque ouviu falar disso. Não acredite simplesmente porque isso é falado e porque há rumores de muita gente. Não acredite em tradições só porque passaram por muitas gerações. Mas, após observar e analisar, quando você achar que alguma coisa está de acordo com a razão e que contribui para o bem e benefício de todos, então aceite-a e viva de acordo com ela.”

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS11 Introdução Sabrina K. H. How, Anthony Shih, Jennifer Lau, and Cathy Schoen, “Public View on U.S. Health System Organization: A Call for New Directions,” Data Brief, August 2008, 4. The Commonwealth Fund, http://www.commonwealthfund.org/usr_doc/ Public_Views_SurveyPg_8-4-08.pdf?section= 4056. Accessed August 31, 2008. Robert Hutchison, letter to the editor, British Medical Journal, March 21, 1953, 671. PARTE 2 ATREVA-SE A OLHAR Vozes no deserto John Wennberg, “Physician Uncertainty, Specialty Ideology, and Second Opinion Prior to Tonsillectomy,” Pediatrics, vol 59, no 6, June 1977, 952. http://pediatrics.aappublications.org/cgi/content/abstract/59/6/952. Accessed April 11, 2009. U.S. Congress, House Subcommittee on Oversight and Investigations, “Cost and Quality of Health Care: Unnecessary Surgery,” Washington, D.C.: U.S. Government Printing Office, 1976. M. R.Chassin, et al., “Does Inappropriate Use Explain Geographic Variations in the 11. NT: São apresentadas as referências bibliográficas da obra original, porque essas fontes não se encontram traduzidas para o português.

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SOBRE OS AUTORES

ROSEMARY GIBSON é escritora e uma das pensadoras mais renomadas sobre cuidados em saúde nos EUA. Na Fundação Robert Wood Johnson, durante 16 anos, liderou uma estratégia nacional para levar cuidados paliativos a pacientes americanos em estado terminal. É conhecida em todo o país pelo seu trabalho em defesa da segurança dos pacientes. Rosemary foi também vice presidente do Economic and Social Research Institute e trabalhou como pesquisadora associada sénior no American Enterprise Institute. Tem sido consultora para a Medical College of Virginia e na Comissão de Cuidados de Saúde na Assembleia Legislativa do Estado da Virgínia. É a autora principal de Wall of Silence – uma obra de narrativas acerca de erros médicos, que obteve enorme repercussão nos EUA. Seus artigos foram publicados no Wall Street Journal e no Journal of the Royal Society of Medicine. JANARDAN PRASAD SINGH é economista no Banco Mundial e escreveu extensivamente sobre cuidados na saúde, política social e desenvolvimento econômico. Foi membro do International Advisor Council e trabalhou em política econômica no American Enterprise Institute e em política estrangeira para as Nações Unidas. Foi membro do Board of Contibuters do Wall Street Journal e coautor de Wall of Silence.

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