que fome!
sede!
Tipos de coordenadas; uso “mas” e “e”; estatuto das subordinadas; o que são subordinadas.
Texto desenvolvido pelas professoras Adriana Gibbon, Cibele da Costa, Priscila do Amaral e Trícia do Amaral para ser utilizado na disciplina de Língua Portuguesa IV, no curso de Letras Espanhol oferecido pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG.
que fome!
sede!
Depois de acessarem mais uma parte do material preparado pelo Uso, Quindim, que apesar de interessado, estava inquieto, resolveu fazer uma proposta aos amigos: - Pessoal, eu estou tentando me concentrar, mas minha barriga não deixa. A energia dos bolinhos da Tia Nastácia já foi gasta! - Mas acabamos de vir da cafeteria, Quindim! – Exclamou o Burro. - Acontece que lá a gente só tomou café, oras. – Reclama Emília, já concordando com Quindim. - Além do mais, toda esta conversa também deu sede... – Completou Narizinho, compartilhando da ideia dos amigos. Visconde, muito sensato, resolveu a pendenga que se instaurou: - Vamos encontrar um restaurante onde possamos almoçar, já que estamos longe do sítio. Todos concordaram, inclusive Dona Sintaxe, que é muito sistemática com os horários em que faz suas refeições. E já estava ansiosa e preocupada com a proximidade do meio-dia e com a falta de um local apropriado para saciar sua fome. A turma, então partiu em busca de um bom lugar para almoçar. Enquanto caminhavam, o Uso lembrou-se de um restaurante muito bom que ficava ali naquele bairro, mesmo. Ao chegarem no restaurante, indicado pelo Uso, todos escolheram uma mesa, sentaram-se e começaram a ler o cardápio.
Passado um tempo o garçom foi atendê-los. Quindim foi o primeiro a fazer pedido: - Bom dia! Eu vou querer uma lasanha de queijo e um purê de batatas... ah, e uma massa alho e óleo e uma salada de maionese... e um refrigerante de cola naqueles copos grandes de 500 ml. E depois você volta para eu pedir a sobremesa! Dona Sintaxe, além de ser metódica com os horários, cuidava muito de sua alimentação balanceada, por isso ficou horrorizada com tantos carboidratos em uma única refeição. Emília que já estava acostumada com a comilança do Paquiderme não se espantou com a quantidade de comida, mas sim com a profusão de “es” em uma mesma sentença: - Credo, Quindim! Que tanto “e”... eu quero isso E isso E mais isso... Quindim interrompeu o raciocínio da boneca: - Claro, Emília! Você não iria querer que eu dissesse: eu quero isso VÍRGULA isso VÍRGULA mais isso, iria? Uso achou isso tudo muito engraçado e ao mesmo tempo uma ótima forma para explicar o emprego da conjunção “e” nas sentenças coordenadas aditivas: - Emília, Quindim empregou o “e” com base em sua necessidade de se fazer entender. O Paquiderme conforme foi acrescentando informações à sua fala – ou pratos ao seu pedido -, sentiu a necessidade de dar uma ideia de soma. Na fala, é muito comum usar o “e” para este fim. Aliás, isso é perfeitamente explicável, já que essa conjunção de origem latina significava aproximadamente “e também”, “e mesmo”, “e mais”, “e então”, servindo para acrescentar informações adicionais (daí o nome, Aditivas) a algo já dito. - Para mim, esse emprego desmedido da conjunção aditiva “e” para ligar orações coordenadas é coisa de quem não tem vocabulário, ou de criança que está começando a aprender a ler. Melhor seria usar vírgulas, criando uma coordenada assindética, ou como diria o Uso, uma justaposição de sentenças. Claro que, obviamente, não usá-las literalmente na fala, como supôs o paquiderme. Mas valendo-se da elipse, isto é, da omissão do “e” a cada ligação de sentenças. – Observou Dona Sintaxe, enquanto ajustava seu lornhão. - Discordo, Dona Sintaxe. – Disse o Uso. – É natural o emprego do “e” no início de enunciados, acumulando um conjunto deles. Esse é um exemplo das propriedades discursivas dessa conjunção. Vale dizer, além disso, que esse recurso discursivo pode aparecer inclusive na escrita, quando a intenção é enfatizar os enunciados. Como já disse quando iniciamos nossa conversa sobre coordenadas e subordinadas, é preciso pensar sempre no papel das conjunções, relacionando-as às ideias que pretendemos transmitir... Não é um processo apenas gramatical, mas do uso, discursivo. Todos ficaram pensativos e, ao mesmo tempo, satisfeitos com aquela explicação. Exceto Dona Sintaxe, claro, que fez um ar de pouco caso, revirando os olhos para cima. Ela só não virou seu globo ocular do avesso porque foi interrompida pelo garçom, que perguntou se mais alguém gostaria de fazer o pedido. Todos fizeram suas solicitações e, sem demora, a comida chegou à mesa. Ao receber seu prato, Visconde quase teve uma síncope: - Mas por que me tomas? Eu não pedi isto, mas sim um tradicional PF. O senhor acha mesmo que eu tomaria uma sopa de milho? Francamente... Enquanto o garçom se desculpava e retirava o prato de sopa da mesa, Uso não se conteve... Precisou usar a fala do Visconde para continuar suas explicações sobre as coordenadas, mas desta vez, sobre as adversativas: - Reparem só no que Visconde acabou de dizer... Iniciou uma frase com a conjunção adversativa “mas”, depois a usou novamente em meio a um enunciado. Se vocês prestarem atenção a palavra é a mesma, já o sentido muda um pouco...
- Ihhh... Odeio palavras duas caras. – Disse Emília. - Ela não é duas caras, Emília! – Continuou o Uso – Na verdade é uma palavra, assim como tantas outras, que carrega uma carga de sentidos muito grande. Tudo depende de onde a utilizamos... E isso é maravilhoso! É a língua, efetivamente, em uso! Quindim, apesar do interesse que nutria pela gramática e pelas explicações do Uso, apenas sinalizou positivamente com a cabeça, concordando com ele; no momento, estava mais preocupado em degustar seu almoço repleto de carboidratos. Narizinho e Pedrinho se entreolharam como quem não entendia nada. O Burro, muito sabido e querendo participar da conversa, observou: - Uso, quando o Visconde disse “eu não pedi isto, MAS sim um tradicional PF”, ele não empregou a conjunção em sua essência, isto é, ligando ideias opostas, “adversárias”? - Mais ou menos, Burro. Temos que levar em conta outro fator determinante, que é quando analisamos a conjunção a partir de suas propriedades semântico-sintáticas. Neste caso, o “mas” ligou dois segmentos afirmativos: “eu não pedi isto” e “sim [pedi] um tradicional PF”, sendo que o primeiro segmento é negado a partir do uso de “mas” que, ao mesmo tempo, adiciona uma informação no segundo segmento. - Ah, entendi. – Disse o Burro com um ar de felicidade. - E o primeiro “mas” é diferente do segundo por quê? – Indagou Pedrinho ao Uso, ao mesmo tempo em que levava uma garfada de arroz com feijão à boca. - O primeiro, Pedrinho, é empregado como marcador discursivo. – Respondeu o Uso que, na mesma hora, foi interrompido pela boneca: - Que diabos é isso? - Trocando em miúdos, marcador discursivo é uma palavrinha que serve para iniciar ou alternar turnos de conversa. Ele é uma espécie de organizador, muito usado na fala e que, também, faz suas aparições na escrita. É como o daí, o aí, o né, e o então, só para citar os mais comuns. Então, quando o Visconde disse “Mas por que me tomas?” o “mas” por ele empregado funcionou como um marcador discursivo que serviu para somar atos de fala não explicitados, geralmente usados em conversas habituais. - Ah, agora entendi! É como dizer “Mas que legal” ou “Mas que comida boa!” - Disse Quindim enquanto saboreava seu purê de batatas. - Isso mesmo Quindim, mas devo dizer que há outras possibilidades, tanto para o “e” quanto para o “mas”. Podemos continuar dando uma olhada naquele meu material... Antes que pudesse terminar o que estava falando Uso foi interrompido pela Dona Sintaxe, que dando de ombros, falou: - Humpf... “marcadores discursivos” “atos de fala” “propriedades semânticas”... Um amontoado de palavras bonitas que você, Uso se vale para justificar seus desvios de gramática. - Nem vou perder tempo respondendo, pois tenho esperança que até o final do dia a Senhora entenda que eu não desprezo a gramática, como seus comentários fazem parecer. Assim como a Senhora sou apaixonado pela língua. E nós dois podemos fazer um belo trabalho juntos. – Disse o Uso enquanto terminava sua refeição natureba e acessava mais alguns exemplos em seu material para mostrar à turma.
Referências: CARONE, Flávia de Barros. Subordinação e Coordenação: confrontos e contrastes. São Paulo: Ática, 1999. CASTILHO, Ataliba T. de. Gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014. LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. São Paulo: Brasiliense, 1994.
Então que tal darmos uma olhadinha no material que o Uso mencionou?! Com esse material vocês poderão ter mais conhecimento sobre o assunto discutido, pelos nossos amigos, nessa semana! Esperamos vocês na próxima aventura...