Para decifrar o enigma, vide verso. E seja paciente!
Orações subordinadas adverbiais; Orações reduzidas.
Texto desenvolvido pelas professoras Adriana Gibbon, Cibele da Costa, Priscila do Amaral e Trícia do Amaral para ser utilizado na disciplina de Língua Portuguesa IV, no curso de Letras Espanhol oferecido pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG.
Para decifrar o enigma, vide verso. E seja paciente! Na sala de estudos, a turma leu o material do Uso e fez os exercícios sugeridos por ele e Dona Sintaxe. Já se sentia um clima mais amigável entre os dois. Neste instante, deram-se conta que ainda não tinham avisado Dona Benta da chegada deles. Para variar, Quindim estava louco de fome, e ansiava por um bolo de milho feito pela Tia Nastácia. Foram ao encontro das duas, mas não as acharam em lugar nenhum. Foi quando Narizinho reparou que havia um bilhete muito estranho na mesa da cozinha. Dizia assim: Crianças! Vi em meu caldeirão que vocês saíram, junto com o Quindim, O Visconde e o Burro Falante, em busca do Uso. Também vi que não só o encontraram, mas também a Dona Sintaxe. Pois bem: tenho uma receita muito antiga, de uma poção que preciso produzir com urgência, mas não consigo entender o Modo de Fazer, porque estão faltando palavras. Tudo o que tenho são os ingredientes e um dizer: “Descubra as palavras que faltam no Modo de Fazer e faça a poção conforme a receita. Dica: orações subordinadas adverbiais fazem toda a diferença.” Por mil olhos de coruja! O que isso significa? Já que estão bem acompanhados, resolvam esse problema para mim. Se vocês desvendarem o enigma e completarem o Modo de Fazer da poção, devolverei a Dona Benta e a Tia Nastácia; caso contrário, vocês nunca mais as verão! Elas estão em meu poder, em um esconderijo obscuro na floresta. Ps.: A receita está copiada no verso deste bilhete. Boa sorte! Vocês irão precisar! Ass.: CUCA.
- Calma, pessoal. Nós somos muitos. E espertos. Vamos ler esta tal receita e tentar decifrar logo este enigma. Tenho certeza que juntos, com um pouco de paciência, conseguiremos resolver isso logo. - Você está certo, Visconde. – Disse o Burro Falante – Vamos ler a receita. E Narizinho, que já estava com o bilhete na mão, começou a leitura, ao mesmo tempo em que mostrava o papel para que todos pudessem ver:
“Fiat Juventus” Ingredientes: Olhos de um sapo boi; patas de uma rã da Amazônia; asas de um morcego; 5 ml de baba de lombriga do Alasca; couro da cabeça de um Dragão de Komodo; dentes de uma jararaca; Ossos de um urubu rei; unhas de um gato; pelos da cauda de um tamanduá bandeira; 10 litros de xixi de um zorrilho virgem. Modo de Fazer: Numa sexta-feira 13, _____ a lua estiver cheia, despeje em um caldeirão fervente 10 litros de xixi de zorrilho virgem e 5 ml de baba de lombriga do Alasca. Deixe ferver. _____ as bolhas de fervura aparecerem acrescente os olhos do sapo boi e as patas de rã da Amazônia. ______ não tiver rã da Amazônia, substitua por rã do brejo; _____ sejam diferentes, o efeito é o mesmo. Em seguida, adicione os dentes de jararaca _____ possam liberar o veneno. Mexa a mistura do caldeirão por cinco minutos usando os ossos de urubu rei como colher. Atenção: mexer mais tempo _____ o recomendado poderá alterar o efeito da poção. Em seguida, acrescente as unhas de um gato preto, _____ se costuma fazer nas poções deste gênero. Por último, coloque as asas de morcego e deixe ferver por mais 2 horas; é tanto tempo _____ as asas vão se desmanchar. Após esse tempo, apague o fogo e deixe a mistura descansar por 1 hora. Enquanto isso molde um recipiente em forma de concha com o couro do dragão de Komodo e nele sirva o líquido preparado. Antes de beber salpique os pelos da cauda do tamanduá bandeira, _____ eles darão o toque final na poção. Beba, repetindo mentalmente “Fiat Juventus” e desfrute de sua juventude eterna!
Enquanto todos pensavam em palavras que pudessem completar o Modo de Fazer da poção de Cuca, Uso lembrou da frase que ela disse haver como dica para descobrir as lacunas: “orações subordinadas adverbiais fazem toda a diferença.” Foi quando disse: - Ora! Só pode que estes espaços têm que ser preenchidos com advérbios. Assim, teremos orações subordinadas adverbiais. Deve ser isso! - Bem pensado, Uso! – respondeu o Burro. - Sim, mas a questão é: quais advérbios usar? – Completou Visconde. E Quindim repetiu em voz alta, com um olhar pensativo: - Quais advérbios usar? As crianças estavam assustadas. Só em pensarem que podiam completar as lacunas com os advérbios errados, perdendo Dona Benta e Tia Anastácia pra sempre, já era muito doloroso. Mal conseguiam pensar.
Neste meio tempo, Dona Sintaxe ajustou seu lornhão no nariz e leu novamente o Modo de Fazer da poção, prestando atenção às lacunas. Foi quando proferiu: - Simples, meus caros! Na verdade, é evidente. Temos nove espaços a serem preenchidos. - E? – Indagou Emília com ares de quem não estava entendendo nada. E Dona Sintaxe seguiu: - Ora, Emília. Segundo a gramática tradicional, são nove as orações subordinadas adverbiais: causais, condicionais, temporais, finais, concessivas, comparativas, consecutivas, conformativas (ou modais) e proporcionais. Tudo o que temos a fazer é descobrir quais relações adverbiais se encaixam melhor em cada lacuna da receita, eliminando uma a uma. - Aí Dona Sintaxe, heim!? Não é à toa que a senhora tem taaaaaanta idade. É muito inteligente! – Exclamou a boneca. - Ora, ora, sua bonequinha atrevida. Eu não tenho idade porque sou inteligente. A idade nos dá experiência, não inteligência. Ademais, eu não tenho taaaaaanta idade. M a s que bonequinha desaforada. Humpf. - Desculpe Emília, Dona Sintaxe. Ela não sabe medir muito bem as palavras. E tudo o que ela queria era lhe elogiar; aliás, ela tem toda razão. Muito inteligente de sua parte dar-se conta de que o enigma nos traz as nove possibilidades de orações adverbiais! – Falou Uso, num tom amigável e gentil. - Obrigada, meu rapaz. Você também foi muito esperto ao deduzir que deveríamos preencher as lacunas com advérbios. – Completou Dona Sintaxe, sem ironia alguma, com muita sinceridade. - Bem, então vamos começar a pensar. – Disse o Burro Falante. E Quindim seguiu: - Vamos, sim! Vejamos... Quais os nove tipos de orações adverbiais? E Dona Sintaxe respondeu: - Causal, Condicional, Temporal, Final, Concessiva, Comparativa, Consecutivas, Conformativa ou modal e Proporcional. Uso seguiu: - Cada uma delas irá acrescentar informações a uma outra sentença, mantendo a relação de subordinação. Dona Sintaxe assentiu com a cabeça. Ao mesmo tempo, Visconde contribuiu: - E se já entendi bem a lógica gramatical, os nomes dados às orações não são por acaso. Provavelmente a relação que cada oração subordinada estabelece à principal tenha a ver com sua nomenclatura. Por exemplo: uma temporal deve estabelecer uma localização no tempo. - Isso! – Exclamaram juntos, Dona Sintaxe e Uso. Os dois estavam em sintonia perfeita. Na verdade, toda turma estava afinada. Um dizia uma coisa que era imediatamente completada por outro. Mal Dona Sintaxe e Uso exclamaram que Visconde estava seguindo o raciocínio certo, Pedrinho falou: - Então é “quando”! - “Quando” o que, Pedrinho? – Indagaram todos, com exceção de Narizinho, que respondeu pelo irmão: - “Quando” é o primeiro advérbio do Modo de Fazer da poção... “quando a lua estiver cheia”. Todos leram o início das instruções da poção, completando a lacuna com o advérbio de tempo “quando”: “Numa sexta-feira 13, quando a lua estiver cheia...”. Era a combinação perfeita! Sexta-feira 13, lua cheia... Localização do tempo para a poção ser
realizada. Emília, neste momento, perguntou ao Uso, mas olhando para Dona Sintaxe: - “quando a lua estiver cheia” é, então, uma oração subordinada temporal? E os dois responderam: - Sim! De fato, Uso e Sintaxe combinavam bem juntos. Cada um tinha uma experiência e um olhar diferente, complementares para entender a nossa língua. Contudo, embora fosse uma grande oportunidade para aprender sobre orações subordinadas adverbiais, a pressa em completar o enigma era maior. Nisso tudo, o mais legal era que, mesmo sem darem-se conta, todos aprendiam. E seguiram completando as lacunas como uma dança sincronizada perfeita. Bem disse o Visconde que conseguiriam... - Na segunda lacuna também poderia ser “quando”... “quando as bolhas de fervura aparecerem”. – disse Quindim. E seguiu: - Mas não... não podemos ter mais uma oração adverbial temporal. - Mas podemos ter uma proporcional! – sugeriu Uso. E Dona Sintaxe disse: - “À medida que as bolhas de fervura aparecerem”. Dá uma ideia de proporção: as bolhas vão aparecendo e, na mesma medida, vai-se acrescentando os olhos de sapo boi e as patas de rã da Amazônia. - Bah! Mas e se não tiver rã da Amazônia? Que receitinha bem complicada. – Falou Emília. - Perfeito, Emília! Você completou mais uma lacuna: “Se não tiver rã da Amazônia”. Estabelece uma condição, já que na sequência a receita manda substituir por rã do brejo. – Comentou o Burro. Emília estufou o peito e fez cara de inteligente. Parecia até uma pomba. Mesmo que ela tivesse adivinhado por acaso, tinha noção do quanto tinha contribuído. Foi quando Narizinho disse: - E a explicação da possibilidade de substituição de uma rã da Amazônia por uma do brejo só pode dar uma ideia de concessão, afinal, são rãs bem diferentes. Logo, a receita concede, ainda que haja diferença, a possibilidade de troca. O que vocês acham? - Que você tem razão. – respondeu Dona Sintaxe. E o Uso completou: - Tem sim. Por isso podemos completar a próxima lacuna com “embora”: “embora sejam diferentes [rã da Amazônia e rã do brejo], o efeito é o mesmo.” Uma oração completa bem o sentido da outra. E Pedrinho não ficou de fora: - Seguindo o raciocínio, a próxima lacuna poderia ser completada com “para que”. O Modo de Fazer está indicando adicionar os dentes de dentes de cobra, aí tem uma lacuna e continua com “possam liberar o veneno”. Só tem que ser “para que possam liberar o veneno”. - Graaaaaaaade Pedrinho! Depois disso, aula de sintaxe vai ser fácil! – exclamou Emília, contente pelo amigo estar compreendendo toda essa conversa de orações subordinadas. Pedrinho ficou orgulhoso dele mesmo. Na verdade, todos estavam. Apesar de preocupados com Dona Benta e Tia Nastácia, a turma sentia um clima de positividade, afinal, aprenderam muito em sua jornada. Estavam seguros que as trariam de volta. Quindim, mais do que seguro, estava ansioso, pois sua barriga já roncava de novo. Foi quando disse: - Não estou em conformidade com o sequestro da Dona Benta e Tia Nastácia. Nem
eu, nem minha barriga. - Mas que boa ideia, Quindim! – Disse o Visconde. Ninguém entendeu nada, até que Sabugosa explicasse: - Na receita da Cuca, a próxima lacuna tem que ser preenchida com um advérbio que expresse justamente o contrário que Quindim está sentindo. Ele não está conforme, mas gatos pretos estão conformes com a magia. Logo sugiro que a próxima lacuna seja completada de modo a estabelecer essa relação... que tal: “como se costuma fazer em poções deste gênero”? A turma nem acreditava. As ideias de todos eram sempre muito boas. Tudo estava indo muito rápido. Já sentiam a presença de Dona Benta e Tia Nastácia de volta ao sítio. Dona Sintaxe, então, refletindo sobre os tipos de orações subordinadas adverbiais que já haviam utilizado, percebeu que ainda faltavam duas: uma consecutiva e uma causal: - Ainda precisamos completar as lacunas de modo que tenhamos uma oração subordinada consecutiva e outra, causal. Enquanto ela disse isso, Uso apertou os olhos lendo a receita, observando as lacunas e as relações que Dona Sintaxe disse estarem faltando. E disse: - Dona Sintaxe! A senhora não só nos deu as orações subordinadas adverbiais que faltam como também a ordem exata em que elas devem aparecer. – e prosseguiu: - Vejam bem: segundo o Modo de Fazer, as asas de morcego vão desmanchar após tanto tempo de fervura. Temos uma consequência... “é tanto tempo que as asas vão se desmanchar”. Oração subordinada adverbial consecutiva. - Ótimo, Uso! – proferiu Dona Sintaxe. E o Uso continuou: - A próxima, é uma Oração subordinada adverbial causal... No Modo de fazer, há uma explicação do motivo, da causa de usar os pelo de tamanduá bandeira por último, já com a poção servida no tal copo feito de couro de dragão de Komodo: é “porque eles darão o toque final na poção”! - Que maravilha, Uso! Conseguimos terminar! – Disse Quindim, contente com o amigo. Foi quando Pedrinho disse: - Eu colocaria “onde”, não “porque”. Droga... Quando penso que estou entendendo essa coisa de sintaxe... E o Uso interrompeu: - Não se preocupe, Pedrinho. Você está entendendo. Acontece que o “onde” tem sido muito utilizado para estabelecer relações que não apenas as de lugar físico, como sugere a gramática. Já falamos sobre isso... É um processo de gramaticalização. Ademais de usá-lo no lugar do “em que”, como já vimos, ele também tem aparecido no lugar do “porque”; verdade que de uma forma menos aparente, mas vem ocorrendo. - E será que esta poção sabe disso? Desse negócio de gramaticalização, que as palavras vão tomando outros espaços, exercendo novas funções? – Perguntou Emília. Mais que rapidamente, Dona Sintaxe respondeu: - Não. Esta poção é muito antiga, já disse a Cuca em seu bilhete. Logo, o mais coerente é que esteja escrita de um modo mais tradicional, respeitando as regras sintáticas iniciais. É como eu, Emília... Você mesma disse que tenho taaaaaanta idade... Bem, quanto mais velhas as pessoas, mais há uma tendência de seguir as normas, seja na escrita, seja na fala. Provavelmente quem escreveu esta poção foi alguém com bem mais idade que eu. Então, se entendi bem a proposta de meu amigo Uso, que teima em aparecer
em meu bairro e desordenar tudo, essa “desordem” vai acontecendo com a evolução dos tempos. Devo admitir que nunca gostei muito dessa “confusão”, pois é tão mais fácil quando as coisas são o que são e pronto... Mas, afinal, a língua evolui mesmo. De fato, é dinâmica. Temos que respeitar isso, notar que é uma “bagunça”, um processo organizado. Mesmo as mudanças são sistêmicas. Precisamos entender. - E para entender isso, Dona Sintaxe, é preciso saber muito bem as regras. Tudo neste mundo precisa de regras, ou a “confusão” não seria sistemática, como a senhora bem disse. – Falou o Uso. E Dona Sintaxe completou: - É, Uso. Acho que não preciso ser tão rabugenta, afinal. Podemos nos dar bem. Foi inevitável... Todos ouviram aquela conversa da Dona Sintaxe e do Uso com um sentimento de alívio. As brigas entre os dois pareciam ter um fim. Era mais uma lição que a turma aprendia: contemplar o uso não significa esquecer a gramática. E brigas não levam a lugar nenhum. Mas e a poção? E a Cuca? E Dona Benta? E Tia Nastácia?
Referências: CASTILHO, Ataliba T. de. Gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014. LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. São Paulo: Brasiliense, 1994.
Ufa!! Quanta aventura esta semana, né? O Uso e a Dona Sintaxe foram fabulosos com a receita da Cuca, assim como todos da turma que ajudaram a completar as lacunas da receita da poção. Foram tão bem, que nem precisaram consultar os materiais do Uso. No entanto, conhecimento nunca é demais... Por isso, convidamos vocês a lerem um pouco mais sobre o assunto da semana, conhecendo, inclusive, algo que não foi contado na aventura da turma: as orações reduzidas. Então, que tal irmos lá fuxicar no material? Ah, será que a tal poção dará certo? E como estarão tia Nastácia e Dona Benta! Vamos torcer para que dê tudo certo!