Pelo mercado a fora, ela ia bem sozinha... Comprar alguns doces para a
subordinadas substantivas; uso do “que�
Texto desenvolvido pelas professoras Adriana Gibbon, Cibele da Costa, Priscila do Amaral e Trícia do Amaral para ser utilizado na disciplina de Língua Portuguesa IV, no curso de Letras Espanhol oferecido pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG.
Pelo mercado a fora, ela ia bem sozinha... Comprar alguns doces para a
Ainda no restaurante, a turma comia sobremesa ao mesmo tempo em que dava uma última olhadinha nos materiais que o Uso havia acessado. Do modo como todos participaram das leituras e de alguns exercícios que o Uso propôs, parecia que as orações coordenadas estavam mais do que entendidas. Obviamente, Dona Sintaxe não se conformava com esse fato, pois achava que uma boa aula de gramática tradicional seria mais promissora. Foi neste momento que ela resolveu provocar o Uso: - Muito bem, Uso. Devo admitir que suas explicações sobre as coordenadas foram bastante frutíferas. No entanto, eu gostaria de vê-lo com esta mesma desenvoltura explicando orações subordinadas. Tudo o que você disse até agora é que são orações dependentes, em que uma está subordinada à outra para fazer sentido. Contudo, você deve convir comigo que há muito mais que isso para ser dito... Por exemplo: como você explicaria as orações subordinadas substantivas, principalmente aquelas ligadas pelo “que”? De que forma você faria todos aqui entenderem, para começo de conversa, a diferença entre um “que” pronome relativo e um “que” conjunção? - Ora, Dona Sintaxe. Explicar essa diferença é muito simples: um “que” pronome relativo, como o próprio nome já faz lembrar, faz referência a algo já mencionado anteriormente. Por outro lado, o “que” conjunção serve como meio de acréscimo de alguma informação. Na verdade, o “que” conjunção, mais a informação que aprece após o seu uso, podem ser substituídos pelo termo “isto”. - Ah, que explicação boa! É mais simples do que parece! – Observa Pedrinho,
lembrando das suas aulas de gramática. - De fato, Pedrinho – prossegue o Uso – é mais simples do que aprece. O maior segredo é buscar entender como os termos da sentença se comportam. Tudo depende do que exatamente queremos dizer, ou de quais relações nós pretendemos estabelecer. No caso do “que” conjunção, ocorre o mesmo com a conjunção “se”, quer dizer, após o emprego do “se” há sempre uma nova informação. A diferença reside no verbo, que normalmente os antecede... Se for interrogativo, usamos “se”, com a ideia de firmarmos hipóteses. - Uso, compartilhando de seu raciocínio, as conjunções “que” e “se” definem orações subordinadas à outra, principal. E, se observarmos bem, veremos que desempenham a função de um substantivo. – Acrescenta o Burro Falante. - É isso mesmo, Burro. Na verdade, as orações subordinadas que cumprem o papel de um substantivo (sujeito, objeto direto, objeto indireto e complemento do substantivo) são, justamente, chamadas de substantivas. Com o tempo, à medida que vamos compreendendo a função dos termos, vamos aprendendo a identificar a dinâmica da língua. Dona Sintaxe teve que disfarçar sua cara de espanto enquanto o Uso dava explicações. Sem querer admitir, ela estava encantada sobre como ele conseguiu simplificar tanto algo que ela, durante anos, tentou manter sob a aura da dificuldade. Quindim, por sua vez, estava maravilhado. Já Narizinho, embora estivesse prestando atenção à conversa, não pôde deixar de reparar em uma menina super fashion que passava na rua e que parecia cantarolar algo. Ela usava um chapéu vermelho de dar inveja a qualquer produtor de moda e, à medida que se aproximava do restaurante, a cantoria ficava mais clara: - Pelo mercado afora eu vou bem sozinha comprar alguns doces para a vovozinha... Neste instante, todos voltaram o olhar para a menina e disseram: - Chapeuzinho Vermelho! No mesmo momento, Narizinho já estava na porta do restaurante chamando a menina, e indagando sobre onde ela estava indo. Chapeuzinho, então, respondeu: - Narizinho! Que saudades, minha amiga. Estou indo no mercado. Vou comprar uns doces pra levar pra minha avó. E vocês, o que fazem aqui? Quem é aquele moço de dreads, tão bonito? Ao mesmo tempo em que sorriu por ver a amiga Chapeuzinho interessada pelo Uso, Narizinho lhe disse: - É o Uso. Estamos aprendendo sintaxe com ele... Uma nova perspectiva sobre o que a Dona Sintaxe nos explicou quando fomos ao País da Gramática. - Puxa, se eu não tivesse que comprar os doces, ficaria por aqui... – suspirou Chapeuzinho. - Mas nós já terminamos! Quem sabe não vamos com você? – Falou Narizinho com ares de cupido. Chapeuzinho respondeu, cheia de alegria:
- Eu iria adorar! A turma do sítio parecia até que tinha ouvido de tuberculoso... Escutaram tudo o que as duas meninas estavam conversando e já trataram de dizer que iam, sim, ao mercado com Chapeuzinho. E como a vida tem das suas... O Uso, quando viu aquela menina de chapéu vermelho reluzente, logo pensou: “Nossa, que personalidade!”. Foi um encantamento mútuo, interrompido pelo rompante da boneca malcriada: - Como assim, você vai COMPRAR doces? Até onde eu sei, sua mãe os FAZIA e mandava numa cesta pra você levar pra sua avó. Bateu o bicho preguiça, por acaso? - Olá pra você também, Emília. – Disse chapeuzinho e, depois, prosseguiu – Minha mãe agora está sem tempo para preparar os doces, pois voltou a estudar. Está fazendo um curso na modalidade à distância e tem estado muito ocupada com as tarefas. - Que inspirador, voltar a estudar! – Disse o Burro. E Quindim logo completou: - Verdade! E por falar em estudar... Quem sabe vamos indo, pessoal? Acompanhamos a Chapeuzinho e depois voltamos a falar de orações substantivas, né? Uso havia até esquecido sobre o que estavam falando e, mais que imediatamente, ofereceu o braço para Chapeuzinho para seguirem até o mercado. A menina de chapéu vermelho sorriu, engatou no braço do rapaz, e os dois começaram a caminhar. Todos seguiram o promissor casal, inclusive Dona Sintaxe – apesar de fazê-lo um tanto contrariada. Quindim, sensível, também ofereceu o braço à senhora de lornhão e os ânimos foram se acomodando. Quando chegaram ao mercado, surpreendentemente Dona Sintaxe foi a primeira a se manifestar: - Disque aqui há muita variedade de produtos naturais. Ach'que vou aproveitar! – Fazendo olhos compridos para as gôndolas do mercado, buscando os itens que lhe interessavam. Ninguém acreditou no que estava ouvindo. “Disque”? “Ach'que”? Que palavras eram estas? Claro que, enquanto todos se perguntavam isso em silêncio, Emília não travou a língua: - Dona Sintaxe!!! Que raios de palavras são estas que a senhora acabou de dizer? “Disque”? “Ach'que”? Neste instante, Dona Sintaxe suava às bicas. Tanto que seu lornhão escorregou do nariz. Mais que depressa ela remendou: - Eu falei “dizem que”. E tenho certeza de que disse “Acho que” – aliás, devo ter dito “penso que”, porque nunca acho nada, sempre estou certa de tudo. O Uso prontamente rebateu: - Não, Dona Sintaxe. A senhora disse “disque” e “ach'que”. E não precisa ficar nervosa... Seus modos de dizer refletem o que venho tentando expor durante todo o tempo
em que estamos juntos. A língua é dinâmica! Fazemos adequações o tempo todo! A senhora acabou de mostrar, na sua fala, um processo chamado “Gramaticalização”, neste caso sofrido pelos verbos “Diz que” e “Acho que”. - Como é? – Perguntou Chapeuzinho, já interessada no assunto. - “Gramaticalização”, minha doce Chapeuzinho. O verbo e a conjunção dão origem a uma nova unidade, “conjunção-advérbio”. - Que seja! – Resmungou Dona Sintaxe. – Certo, eu admito. Às vezes tenho minhas escorregadelas... Mas foi mais uma questão fonológica... Na fala, acontece, afinal. Estou muito admirada que vocês, tão moderninhos que são, estejam me repreendendo. - Calma, Dona Sintaxe! – disse Quindim com a doçura que lhe é peculiar – Não precisa ficar irritada. Como bem disse nosso amigo Uso, o que aconteceu em sua fala foi um processo normal. E não é só fonológico, creio eu. Além da senhora, outras pessoas fazem isso na fala o tempo todo e, por isso, muitas já veem “disque” e “ach'que” como uma palavra única. Não é assim, Uso? E o Uso responde: - Exato, Quindim! Era aí que eu queria chegar. Essa nova unidade, “conjunçãoadvérbio”, propõe mudanças morfológicas. Em razão disso, sintaticamente os itens “diz que” e “acho que” desativam seu estatuto de sentença, funcionando como uma conjunçãoadvérbio que pode se movimentar livremente. - Então Dona Sintaxe poderia ter dito “aqui há muita variedade de produtos naturais, disque”, mudando o “dique” de lugar, por exemplo? – Perguntou o Burro Falante. - Sim! – Respondeu o Uso. Chapeuzinho, neste momento, já havia esquecido os doces da avó. Estava encantada vendo o Uso dar explicações. Narizinho não cabia em si ao ver a amiga com ares de apaixonada. Pedrinho, vendo tudo isso, lembrou-se de Alice (será que ela iria ligar?). Já Emília, não podia deixar de ser provocativa: - Então, Dona Sintaxe! O que nos diz agora? “Ach'que” a senhora ficou sem palavras... – Concluiu a boneca, ironicamente. E Dona sintaxe, realmente, não disse nada. Pensou que qualquer coisa que falasse só prejudicaria mais seu status de pessoa regrada em tudo, principalmente na língua. Postou-se muito dona de si e seguiu por entre os corredores, buscando seus produtos naturais. No entanto, todos ali, inclusive Chapeuzinho que nem a conhecia, perceberam que algo estava diferente... Como se um coração – e uma cabeça! – de pedra estivessem, surpreendentemente, amolecendo. Narizinho lembrou a amiga sobre os doces para a avó. No entanto, Chapeuzinho queria muito saber mais sobre o assunto das subordinadas substantivas. Por isso, Uso ofereceu mandar-lhe um material por e-mail, o mesmo que mostraria para a turma assim que saíssem do mercado e fossem para um lugar mais tranquilo. Foi uma ótima oportunidade para que os dois mantivessem contato... Enfim, a aventura da turma parecia estar mexendo, de várias maneiras, com os corações.
Queridos (as) alunos (as), Vamos ler o material que o Uso enviou à Chapeuzinho?! Estamos curiosas para ler? E vocês?! Assim convidamos vocês para a leitura do “Trocando em Miúdos” dessa semana!