Revista Eixo 1/2014

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v. 03 - no 01 janeiro - junho de 2014

Revista Técnico-Científica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília




Revista Eixo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília

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Revista Técnico – Científica Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília

v.3, nº 1 janeiro  –  junho de 2014


Revista Eixo. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília/IFB. v. 3, n.1, (jan-jun. 2014). – Brasília, DF: Editora IFB, 2014. Semestral

ISSN 2238-9504

1. Pesquisa Científica: Periódicos. I. Instituto Federal de Brasília CDU 377


Editorial

É com enorme satisfação que apresentamos mais um número da Revista Eixo: a Revista TécnicoCientífica do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília. Os artigos publicados neste número foram selecionados entre 25 (vinte e cinco) artigos encaminhados no período de janeiro a abril do corrente ano. A avaliação e seleção dos artigos obedecem à metodologia double blind review, cujos avaliadores são exclusivamente doutores nas respectivas áreas do conhecimento abordadas pelos artigos apresentados. Os primeiros artigos tratam de contextos étnicos. No artigo “Eu, menina negra”, o racismo é apresentado como uma violação de direitos das pessoas negras, enquanto no texto “Sou negra, ponto-final: a construção identitária negra feminina na poesia de Alzira Rufino”, a literatura é destacada como forma e função social de denúncia de grupos excluídos. Reconhecer a realidade é também o ponto de partida para a busca de soluções e melhorias. Nesse contexto, o artigo “Levantamento Histórico e Relatos de Inundações do Córrego do Gregório na Região Central do Município de São Carlos – SP” evidencia o efeito dessa problemática na vida de comerciantes e moradores da região e demonstra a eficácia das respostas oriundas dos órgãos públicos locais. Os artigos “Épocas de Aplicação de Regulador de Crescimento e de Sombreamento Artificial em Cultivares de Trigo” e “Dessecação em Pré-Semeadura e Modos de Aplicação de Herbicida em Pós-Emergência Combinado ou Não a Regulador de Crescimento em Híbridos de Milho” exibem levantamentos e sugestões para melhoria das lavouras de trigo e milho, respaldados pela pesquisa tecnológica aplicada à produção. Trata-se da contribuição da pesquisa à eficiência produtiva de grãos para o país. Da eficiência produtiva da lavoura para a eficiência educacional, a Revista Eixo traz o artigo “A Matemática no Universo da Música”. O objetivo desse artigo é contribuir para motivar professores do ensino fundamental e proporcionar aos educandos a utilização da música como instrumento de sensibilização, concentração e percepção de detalhes, ampliando-lhes a capacidade de abstração e de melhor aprendizagem. O artigo “O Trabalho do pedagogo nos IFs: uma busca pela qualidade da Educação Profissional Tecnológica” lista as competências, conhecimento e habilidades que um supervisor educacional precisa possuir para orientar e contribuir com a construção da identidade dos IFs. O número 1 do Volume 3 da Revista EIXO apresenta-se, portanto, como um retrato fidedigno do que somos, na qualidade de instituição: somos a diversidade de formação, somos o somatório de múltiplas cargas étnicas e culturais. Desta base, navegamos por discussões filosóficas e consideramos a aplicabilidade dos pensamentos às realidades sociais e organizacionais, mas, acima de tudo, somos formadores de um mundo melhor. Profa. Katia Guimarães Sousa Palomo Brasília, junho de 2014



Sumário

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Eu, menina negra – reflexões pós-simpósio Sernegra

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“Sou negra, ponto-final”: a construção identitária negra feminina na poesia de Alzira Rufino

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Levantamento histórico e relatos de inundações do córrego do Gregório na região central do município de São Carlos - SP

39

Dessecação em pré-semeadura e modos de aplicação de herbicida em pós-emergência combinado ou não a regulador de crescimento em híbridos de milho

47

Épocas de aplicação de regulador de crescimento e de sombreamento artificial em cultivares de trigo

61

A Matemática no Universo da Música

67

O trabalho do pedagogo nos IFs: uma busca pela qualidade da educação profissional tecnológica



Eu, menina negra – reflexões pós-simpósio Sernegra I, black girl – reflections after being black seminar Zora Yonara Torres Costa, Instituto Federal de Brasília – Campus Gama, zora.costa@ifb.edu.br

Resumo: Este ensaio é o resultado do trabalho apresentado no Seminário Sernegra, em 2013, que foi organizado pelo Instituto Federal de Brasília – IFB. Propõe refletir se é possível uma pessoa negra viver, diante do racismo no modelo de sociedade vigente. Sendo assim, a abordagem teórico-metodológica utilizada neste trabalho foi catalogar casos de racismo e fazer uma reflexão acerca da violação de direitos das pessoas negras. Destaca-se que as ações afirmativas da Universidade de Brasília – UNB registraram dados que demonstram a importância das cotas raciais, pois nos últimos quatro anos, cerca de 41% dos novos alunos e alunas que ingressaram na UNB são negros e negras. Existe também uma pesquisa realizada em 2010 pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana – RITLA, com quase dez mil estudantes de escolas públicas do Distrito Federal, que demonstrou que infelizmente o racismo impera e é naturalizado no espaço da escola. Cerca de 55,7% dos alunos admitiram ter assistido a situações de discriminação racial dentro do colégio. O presente trabalho também propõe refletir sobre as violações de direitos, como racismo, as implicações em relação à exploração sexual e trabalho infantil, e estabelecer um debate da atuação dos IF’s nesta desconstrução do racismo por meio da educação. Palavras-Chave: Criança Negra; Racismo; Identidade; Violência. Abstract: This essay is the result of the work presented at the Being Black Seminar in 2013, which was organized by the Federal Institute of Brasilia - IFB. It proposes to reflect whether it is possible for a black person to live with the racism of the current social model. Thus, the theoretical-methodological approach used in this work was cataloging the racism cases and making a reflection about the violation of the black people’s rights. It is noteworthy that affirmative actions at the University of Brasilia - UNB reported data that demonstrate the importance of racial quotas, because in the past 4 (four) years, about 41% of the students who joined the UNB are black men and women. There is also a research made in 2010 by the of Latin American Technological Information Network - RITLA, with almost 10 (ten) thousand students from public schools at Federal District, which proved that unfortunately the racism prevail and it is naturalized in the school’s space. Approximately 55.7% of the students confess they have seen situations of racial discrimination in the school. This article also intends to consider about the rights violations, like racism, the implications of the sexual exploitation and child labor and establish a discussion about the IF’s performance in this racism deconstruction by the education. Keywords: Black child; Racism; Identity; Violence.

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ste ensaio estabelece um diálogo acerca da visão que foi naturalizada ao longo dos tempos acerca do racismo, bem como os discursos velados que sutilmente são disseminados nos espaços privados e públicos com o intuito de destituir a identidade negra. Logicamente os conteúdos racistas atingem subjetivamente e coletivamente este “eu” que aqui significa a diversidade como classes sociais, identidades de gênero e as orientações sexuais, bem como adolescentes e adultos que são públicos dos Institutos Federais – IF’s.

Certamente, quando o racismo toca o “eu”, esse contato é devastador. Um mal que é invisível e tem um poder destruidor. Este pode retirar a capacidade de reconhecimento da identidade negra. Quantas vezes se identificam discursos e ideias em que o racismo parece não estar presente? E quantas outras vezes esse mal é propagado pelos meios de comunicação – jornais, programas de TV – e nos espaços públicos, como algo muito comum e aceitável. A exemplo, a personagem Adelaide, do Programa Zorra Total, da Rede


EU, MENINA NEGRA – REFLEXÕES PÓS-SIMPÓSIO SERNEGRA

Globo, em uma fala disse: “durante a enchente não pude ficar sem minha palha de aço, daí corri atrás para pegá-la, e quando vi, eram os cabelos da minha filha''. Para além dos programas de entretenimento, existem outras obras e também pesquisas que marcaram a história com conceitos às vezes controversos e permeados de contradições, muitas vezes carregados de conteúdo racista. O romance “Casa Grande & Senzala”, publicado em 1933, de Gilberto Freire, sustenta o conceito de democracia racial. Esse conceito é considerado por alguns estudiosos da temática como um mito, pois identifica a miscigenação entre as raças como a principal demonstração de que no Brasil não tem racismo. E é visível que há racismo; basta ver os noticiários e os fatos. Assim, deve-se estar atento(a) para os diversos discursos que mascaram e naturalizam o racismo. Muitas vezes o pensamento perpetuado de que o Brasil por ser um país multirracial e plural não tem racismo está equivocado. O modelo de sociedade vigente cria estruturas naturalizantes que propagam o que Hannah Arendt (19061975) denomina de banalidade do mal, utilizado aqui para descrever o racismo. O conceito criado por Arendt em seu livro Eichmann em Jerusalém, neste ensaio, refere-se às práticas e falas racistas. A expressão banalidade do mal chamava a atenção para a maneira pela qual o mal pode se tornar um assunto apenas burocrático que domina o fazer político. E isso significa que para a intervenção Estatal é primordial o rompimento com o fazer meramente burocrático quando se trata do racismo. Para tanto é necessário o combate a esse mal, de forma assertiva, nos aspectos técnico, operacional e político das Políticas Públicas, devendo superar a burocracia. De fato, existe uma banalidade das crueldades e violência a que a população negra foi submetida. O racismo é cruel, como mostra a frase pichada em um muro de uma escola em São Paulo: “Vamos cuidar do futuro de nossas crianças brancas” – esta acompanhada da suástica nazista. Facilmente se encontram na internet e nos jornais casos de pessoas que vivenciaram momentos violentos – em que sofreram racismo ou injúria racial, a exemplo de um garoto que teve sua matrícula impedida na escola, em Guarulhos, São Paulo, porque tinha um cabelo grande e crespo. Esse caso ocorreu no ano de 2013; a escola ainda registrou na agenda do aluno que o “corte não é usado aqui no colégio”, impedindo o acesso da criança à escola e, consequentemente, ao direito à educação. Como enfrentar o racismo na escola, espaço que deveria ser de respeito à diversidade? O modelo de sociedade vigente construiu formas que discriminam e exclui quem está fora do padrão, como foi no caso citado, em que um garoto é impedido de se matricular.

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Desse modo, o enfoque da questão racial no Brasil é urgente, e é preciso abordagens que possam dar conta de combater o racismo e ao mesmo tempo alcançar a realidade atuando de modo a enfrentar esse mal. Para tanto, é preciso tratar e abordar nos Institutos Federais – IF’s o tema e assim possibilitar uma construção assertiva para combater o racismo por meio de ações de inclusão social. Desse modo, a Lei 10.639/2003, que contém as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), tem em sua finalidade nos artigos 26-A e 79-B inserir nos currículos da rede de ensino como nos Institutos Federais a temática racial – ampliando o debate e diálogos acerca da questão. Importa destacar que o artigo 26-A coloca que o ensino deve conter a cultura e história afro-brasileiras e especifica que deve também ter o estudo da história da África e dos africanos, a luta e a cultura dos negros no Brasil. Já o artigo 79-B inclui no calendário escolar o Dia Nacional da Consciência Negra, em 20 de novembro. Observa-se que ainda existe certa complexidade na incorporação desses conteúdos nos currículos escolares. Essa é uma realidade aquém do desejado, pois muitas vezes a experiência tem demonstrado uma escola que mitifica o Dia Nacional da Consciência Negra, criando ainda mais abismos acerca da identidade negra afro-brasileira, passando apenas pelo que se define como alegórico – não aprofundando o sentido dessa importante data e, infelizmente, sem um real aprofundamento da questão racial e étnica. Destaca-se que as ações afirmativas da Universidade de Brasília – UNB registraram dados que demonstram a importância das cotas raciais, pois nos últimos 4(quatro) anos, cerca de 41% dos novos alunos e alunas que ingressaram na UNB são negros e negras. Existe também uma pesquisa realizada em 2010 pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana – RITLA, com quase 10 mil estudantes de escolas públicas do Distrito Federal, que demonstrou que, infelizmente, o racismo impera e é naturalizado no espaço da escola. Cerca de 55,7% dos/as alunos/as admitiram ter assistido a situações de discriminação racial dentro do colégio. A pesquisa mostrou que o racismo reverbera nas instituições escolares e revela o preconceito, mesmo com ações afirmativas implantadas. Esse é um espaço marcado ainda pela intolerância, e, diante disso, pergunta-se como desenvolver ações e atividades nos espaços de aprendizagem, por exemplo, nos Institutos Federais, a partir da reflexão sobre a temática do que significa ser negro e negra no Brasil, e como construir ações no dia da consciência negra nos IF’s. De fato, ao elaborar essas ações e atividades, é interessante questionar sobre os percalços históricos do antes e os reflexos no agora em relação à questão racial e étnica.


COSTA, Z. Y. T

Conhecer também as potencialidades e os formatos que envolvem o ensino, a aprendizagem e a assistência estudantil e inclusão social, quando se trata das questões identitárias raciais e étnicas. A relevância deste levantamento é conhecer melhor o fenômeno do racismo que aparece intimamente relacionado à formação da sociedade brasileira e a constituição cultural e social que foi disposta e impressa em nossa sociedade pela população negra, que constatemente sofreu e ainda vive discriminações. A escravidão, a exclusão, a negação das identidades negra e indígena, todo tipo de violações naturalizadas que nos dias atuais se repetem e os discursos anticotas raciais nas universidades baseados no senso comum fazem parte desse cenário. E esse legado de violações é uma herança maldita que atravessou os mares, deixando a população negra à própria sorte. Confome d‘Adesky colocou em sua obra “Pluralismo Ético e Multiculturalismo: Racismos e Anti-racismos no Brasil” é preciso entender que, Para melhor entender o mecanismo das relações raciais, é de grande ajuda a análise do ideal de branqueamento. Ele não somente nos permite entrever uma complexa realidade racial que confirma o racismo como causa essencial das disparidades entre brancos e negros, como também nos revela, acima de tudo, o singular modelo das relações raciais no Brasil. (D’Adesky, 2001, p. 67)

O racismo pode ser visível e também aparecer nas entrelinhas, invisibilizado e naturalizado. Pode também surgir com formas diversas, trazendo uma ideia de superioridade de uma raça sobre outras, noção esta que imprime uma existência de raças humanas distintas e superiores frente a outras. O racismo atinge todas as pessoas – crianças, adolescentes, adultos e pessoas idosas, sendo suas raízes historicamente construídas. As implicações dessas raízes são diversas. Uma adolescente negra também fica refém da massiva ideia e padrões considerados belos e aceitos socialmente, da vestimenta ao estilo de cabelo. O racismo pôde gerar o processo de despertencimento e de negação da sua identidade. Para tanto é necessário que as políticas educacionais inclusivas estejam incorporadas nos currículos, conteúdos, programas e projetos, no sentido de atender e incluir essa diversidade existente nos Institutos, contemplando ações afirmativas, como está descrito na Lei 10.639/2003.

DOS CASOS Existem muitas infâncias, muitas adolescências, muitas fases adultas; muitas pessoas quando reféns do racismo passam por processos de negação da própria imagem – olham para o próprio “eu” e não se veem. Para tanto é preciso compreender o significado do racismo, pois muitas vezes não se reconhece esse mal. Sendo assim, esse “eu” é constituído por uma autoimagem, que é a forma de se ver e estar no mundo. Nesse contexto, quando uma menina de 4 (quatro) anos tem sua imagem destruída, sua identidade desqualificada, o que fazer? Em Contagem, Minas Gerais, uma menina de 4 anos estava na escola dançando quadrilha com um garoto, e foi ofendida pela avó do menino, a qual a chamou de “preta horrorosa”. A agressora, a avó, ao ver o neto dançando com a menina, usou todo o seu ódio para agredi-la. A autoimagem da menina foi destruída pelo comportamento racista dessa senhora. Casos como esse são comuns. Outro relato disponibilizado foi o de uma blogueira que, aos 13 anos de idade, enfrentou o racismo de um médico. Ela relatou que foi ao clínico geral para fazer uma consulta de rotina. Estava com o uniforme da escola e com tranças no cabelo – o detalhe é que ela tinha aprendido a fazer tranças naquele dia: Eu entrei na sala junto com a minha mãe (que é negra também). O médico era branco e logo quando entrei, ele já me mediu da cabeça aos pés. Me examinou e tudo mais. E antes de eu sair da sala, me deu recado: “Como você sai de casa desse jeito, com esse cabelo, com essas tranças malfeitas, não passa um batom, não usa brincos? As meninas da sua idade não são assim, elas se vestem bem, são melhores. Como quer conseguir um namorado desse jeito?”(GELEDES, 2013).

Depois de escutar tudo, ela não conseguiu dizer absolutamente nada, e sua mãe apenas se rendia aos comentários do médico, concordando com aquela insanidade. Com certeza sua mãe também tinha uma ideia de que para ser negra ou negro era preciso estar dentro de um padrão aceito socialmente. Nesses casos relatados há o discurso referente à aparência da menina e da adolescente negra, que de forma negativa vivenciaram a negação da sua identidade negra, em que o discurso estético indicou o que é considerado feio ou belo.

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EU, MENINA NEGRA – REFLEXÕES PÓS-SIMPÓSIO SERNEGRA

O ANTES

O AGORA

O corpo negro foi e ainda é objeto e mercadoria muitas vezes segregado e oprimido pelo discurso racista, como visto nos casos descritos. Certamente que não existem fatos, falas e práticas racistas a-históricos; as pessoas negras são parte do contexto social estabelecido. Para as pessoas negras a história é cercada de momentos violentos, a exemplo da escravatura, cercada de torturas e punição. Destaca-se aqui especialmente a situação das crianças. Segundo a pesquisadora Luciana Esmeralda Ostetto, a criança da casa-grande poderia ser caracterizada como "anjo", "menino diabo" e "homenzinho”. A criança-anjo, que corresponde à idade de 0 a 5 anos, andava nua. O menino-diabo, com 5 a 10 anos, tem um pouco mais de força e mobilidade; silenciava quando via o “senhor”. Apanhava e estava sempre prestativo e solícito às vontades de seu senhor. O homenzinho, de 9 a 10 anos, é feito para o trabalho; de aspecto sisudo e porte estático – invisível e emudecido. Logicamente que as crianças carregam para a fase adulta sua história. Segundo pesquisa de Valentim, denominada de Crianças Escravas no Brasil Colonial, as meninas escravas eram submetidas ao trabalho de cuidadoras dos filhos(as) das senhoras brancas; logo que cresciam poderiam ou não ser exploradas sexualmente pelos seus senhores. O abandono de bebês negros pelos senhores, a venda de crianças escravas que eram separadas de seus pais, as violências cotidianas – os abusos sexuais, as doenças, queimaduras e fraturas que sofriam no trabalho escravo – são parte desse antes, da história que se carrega até os dias atuais. A história nos revela uma dinâmica perversa deste mal denominado de racismo, que está impregnado nos corpos dos negros e das negras. Conforme nos coloca Arendt, “Quanto menos agimos, quanto menos ativos nos mostramos, tanto mais este processo biológico se afirma, impõe sobre nós sua intrínseca necessidade, e nos intimida (...)” (Arendt, 1963:47). Mas a luta de Zumbi e de Lélia Gonzalez mostrou a ruptura com a passividade. Houve o rompimento com a intimidação; cada vez mais negros e negras lutaram pela libertação por meio de estratégias de guerra, atacando de surpresa engenhos e libertando os escravos e escravas. A palavra também foi um meio para contruir outras estratégias para o enfrentamento ao racismo. Essas práticas ajudaram a concretização da revolução.

Agora aparecem os reflexos dessa história de escravatura e abandonos – as marcas de exclusão que foi imposta à população negra nos dias atuais são visíveis. E essas representações podem ser facilmente identificadas: o trabalho infantil doméstico, que, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), afeta aproximadamente 15,5 milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo. Destes, quase metade, 7,4 milhões, são trabalhadores domésticos com menos de 18 anos – entre 5 e 14 anos. Entre os que têm menos de 18 anos ocupados no trabalho doméstico, 73% são mulheres e 67% são negros/as que estão no trabalho infantil doméstico. Em 2012, segundo dados do Disque Direitos Humanos, o Disque 100, foram 130.029 denúncias de violência contra crianças e adolescentes. Segundo pesquisa do Ministério da Saúde, também em 2011, foram mais de 14.600 notificações de violência doméstica, sexual, e física contra crianças abaixo de 10 anos. Para Milton Santos,

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Por isso, talvez ironicamente, a ascensão, por menor que seja, dos negros na escala social sempre deu lugar a expressões veladas ou ostensivas de ressentimentos (paradoxalmente contra as vítimas). Ao mesmo tempo, a opinião pública foi, por cinco séculos, treinada para desdenhar e, mesmo, não tolerar manifestações de inconformidade, vistas como um injustificável complexo de inferioridade, já que o Brasil, segundo a doutrina oficial, jamais acolhera nenhuma forma de discriminação ou preconceito (SANTOS, 2000).

Como transformar essa herança histórica, uma realidade tão viva nos dias atuais? Para Lélia Gonzalez “(...), temos de arregaçar as mangas e fazer alguma coisa para mudar isso”. De fato, a posição defendida por essa grande ativista reafirmou que é preciso fazer acontecer, para que haja o acesso às riquezas deste país, de forma equitativa, com uma real redistribuição e reconhecimento em contextos universais e locais. A riqueza de um país é a Educação; por isso é preciso ofertar uma educação de qualidade e inclusiva, para que o acesso e a permanência ocorram de verdade. Só por meio da educação se faz uma revolução, e a ação afirmativa tem esse caráter transformador. Segundo Santos, “Ação Afirmativa é uma iniciativa pública cujo objetivo principal é adotar medidas que reparem e compensem os grupos que sofreram no passado perdas em razão de abusos de quaisquer tipos” (SANTOS, 2003, p. 89). Desse modo, importa destacar que os Institutos Federais – IF’s, em todo Brasil, vêm desenvolvendo uma política de


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entrada por meio das cotas, conforme a Lei 12.711/2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Os critérios são por meio das linhas de corte socioeconômico, alunos e alunas com renda familiar de até 1,5 salários mínimos per capita; a outra linha está relacionada à cor do candidato e candidata e sua etnia, com reservas para quem se declara negra, parda, ou indígena.

OSTETTO, Luciana Esmeralda. Imagens da Infância no Brasil Escravocrata. Revista Perspectiva; r. CED, Florianópolis, 9(16):133-169, Jan/Dez. 1991.

CONSIDERAÇÕES

VALENTIM, Silvani do Santos. Crianças escravas no Brasil Colonial. Edu. Ver, Belo Horizonte, (11): 30-38, julho, 1990.

Este ensaio poderia enumerar diversos acontecimentos que as pessoas negras já sofreram por conta do ódio racial. Mas os casos aqui relatados são suficientes para mostrar que o racismo pode destruir a identidade de uma pessoa. Servem, também, como exercício do diálogo sobre a importância em se realizar ações assertivas dentro das escolas, universidades e Institutos Federais, de modo que seja enfrentado o racismo nesses espaços. Para tanto, o envolvimento do corpo discente e docente nos IF’s é a chave para uma atuação assertiva no enfrentamento ao racismo. Uma das estratégias pensadas nos IF’s para uma educação inclusiva é a criação de Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas. Esse é um ponto de partida para que as questões relacionadas às pessoas negras e indígenas estejam resguardadas em suas especificidades, de modo que haja entendimento histórico da realidade e que se implante a Lei 10.639/2010. Por fim, a estratégia seria criar meios que potencializem a entrada e a permanência das pessoas negras e indígenas nos espaços do IF’s por meio da Assistência Estudantil e Inclusão Social, tendo como premissa o apoio aos discentes, para superarem as situações de vulnerabilidade pessoal e socioeconômica.

REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. Eichmman em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do mal. Tradução: José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. D'ADESKY, Jacques. Pluralismo étnico e multiculturalismo: racismos e anti-racismos no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2001. FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Record. 1998.

SANTOS, Sales Augusto. Açao Afirmativa e mérito individual: In: LOBATO, Fátima; SANTOS, Renato Emerson dos (Orgs.) Açoes Afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades sociais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

INTERNET FOLHA. Site: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/12/1381174-penteado-black-power-impede-aluno-de-fazer-rematricula-em-escola-de-guarulhos-sp. shtml>. Acessado em 14 de janeiro de 2014. GELEDES. Site: <http://www.geledes.org.br/areas-de-atuacao/questoes-de-genero/20394-nao-nasci-pra-ser-bonita-a-autoestima-da-mulher-negra>. Acessado em 15 de Janeiro de 2014. LEI 10.639/2010. Site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.639.htm>. Acessado em 15 de janeiro de 2014. LEI 12.711/2012. Site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm>. Acessado em 15 de janeiro de 2014. R7. Site: <http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/ muro-de-escola-e-pichado-com-frase-racista-na-zonanorte-20111018.html>. Acessado em 13 de janeiro de 2014. RAÇA BRASIL. Site: <http://racabrasil.uol.com.br/culturagente/155/artigo219403-3.asp>. Acessado em 15 de Janeiro de 2014. SANTOS, Milton. Ser negro no Brasil Hoje. 07 de maio de 2000. Folha de São Paulo. Site: <http://www1.folha.uol. com.br/fsp/mais/fs0705200007.htm>. Acessado em 15 de Janeiro de 2014. UOL. Site: <http://televisao.uol.com.br/noticias/redacao/2012/09/04/adelaide-personagem-do-zorra-total-edenunciada-por-racismo.htm> . Acessado em 20 de janeiro de 2014.

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“Sou negra, ponto-final”: a construção identitária negra feminina na poesia de Alzira Rufino “I am black, period”: the construction of black women identity in Alzira Rufino's poetry Douglas Rodrigues De Sousa, doug.rsousa@gmail.com

Resumo: Nas últimas décadas, o tema “literatura e identidade” tem ganhado maior notoriedade nos espaços de produção literários e acadêmicos. Isso inclui a renovação e o papel da nova poesia do século XX, em que se destaca o papel da poesia identitária. Vozes dos grupos excluídos da literatura utilizam-na como forma e função social de denúncia e apresentação das temáticas que revelam os preconceitos, lutas, anseios e percalços de quem está posto à margem das ordens estabelecidas. Nesse âmbito, empreendemos neste trabalho a leitura de alguns poemas do livro Eu, mulher negra, resisto (1988) da escritora afro-brasileira Alzira Rufino. Para tanto, percorremos vieses pelos quais a própria poesia da autora nos guiou, como o tema da literatura afro-brasileira, as relações identitárias, a memória negra e os elementos da cultura afro-brasileira. Como arcabouço teórico utilizamos autores como Bhabha (2010), Fanon (2008), Du Bois (1999), Munanga (1988), dentre outros, a fim de embasar a presente discussão. Palavras-chave: Literatura Afro-Brasileira. Poesia Negra. Identidade. Alzira Rufino. Abstract: On the last decades the theme “literature and identity” has acquired more notoriety in the areas of literary and academic production. This includes renovation and the function of the new poetry of 20th century, highlighting the poetry of identity. The voices of the excluded groups from Literature use it as social way and function to complain and present the themes that reveal the prejudices, fights, yearnings and difficulties of those who are putted aside of the established orders. In this context, in this study we did read some poetry from the book “I, black woman, resist” (1988) of the Afro-Brazilian writer Alzira Rufino. To do that, we traveled through the trends where the author’s poetry guided us, like the Afro-Brazilian literature, the identity relationships, the black memory and the Afro-Brazilian culture elements. For the theoretical basis of this discussion we used authors like Bhabha (2010), Fanon (2008), Du Bois (1999), Munanga (1988) among others. Keywords: Afro-Brazilian literature; Black poetry; Identity; Alzira Rufino.

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os últimos anos a literatura “afro-brasileira”, “literatura negra”, “afrodescendente” ou “negro-brasileira” 1 tem ganhado maior notoriedade e discussão nas academias e diversos eventos científicos realizados pelo país. Desde a aprovação da lei 10.639/03, durante esses anos de implantação, temos experimentado e ouvido falar com maior frequência de um segmento de literatura que antes parecia totalmente desconhecida do quadro de leitura dos brasileiros. 1   Todas essas são nomenclaturas que podemos encontrar para caracterizar a literatura escrita por negros, sendo que a crítica literária brasileira ainda não chegou a um consenso de qual termo utilizar para referir-se a essas produções.

Essa lei, aprovada no então governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no ano de 2003, serviu para revalidar e acentuar ainda mais o panorama das questões afrodescendentes em nosso país. Com a criação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2003) passa a ser obrigatório o ensino da História, Cultura, Educação Artística e a Literatura dos africanos e seus descendentes. Foi pensando a partir do sistema de políticas de reparação que essas diretrizes foram elaboradas e estão em processo de implantação no Brasil. Em uma das passagens desse documento podemos ler:


“SOU NEGRA, PONTO-FINAL”: A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA NEGRA FEMININA NA POESIA DE ALZIRA RUFINO

O parecer procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da população afrodescendente, no sentido de políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura, identidade. [...] Nesta perspectiva, propõe à divulgação e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial – descendentes de africanos [...] para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade valorizada (BRASIL, 2004, p. 10).

Porém, é importante salientar que o tema da negritude no Brasil e suas produções literárias não nascem no ano de 2003 com a criação da referida Lei. Pelo contrário, esta só torna obrigatório o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas, sendo resultado das lutas e movimentos anteriores, que, inclusive, serviram para hoje desembocarem na construção de diretrizes como esta que utilizamos no introito deste trabalho. A literatura dos negros e seus descendentes originase de tempos bem mais antigos, ou melhor, desde o início do processo de colonização, desde o aprisionamento e escravização dos povos africanos trazidos para as Américas. Esses povos, ao serem capturados e arrancados de suas terras de origem, trouxeram consigo as memórias, histórias, crenças e cultura. Os navios não transportaram apenas os negros, mas todas as suas tradições e histórias de vida, elementos que, mais tarde, fosse no formato primeiro da oralidade, ou depois no plano da escrita, formariam a literatura afro-brasileira. Na esteira dos escritores negros, neste trabalho realizamos uma leitura da produção poética da escritora afro-brasileira, Alzira Rufino. Nascida na cidade de Santos – SP, em 1949, Alzira dos Santos Rufino é negra, escritora e ativista política dos direitos da mulher na sociedade, sobretudo das mulheres negras. Desde cedo, Alzira Rufino destacou-se na luta contra a discriminação de raça e gênero, participando de várias organizações políticas e congressos nacionais e internacionais de discussões sobre a temática. Coordenou a Rede Feminista Latino-Americana e do Caribe contra a Violência Doméstica, Sexual e Racial, na sub-região do Brasil, sendo uma das responsáveis pela criação de diversas leis que positivam os direitos das mulheres. Tem artigos sobre a militância negra e o movimento das mulheres publicados em âmbito nacional e internacional. O nome da santista e escritora negra já figurou entre os 52 brasileiros indicados ao Prêmio Nobel da Paz, no ano 2005. É uma das mulheres negras mais premiadas do Brasil. Conquistou títulos, que vão desde troféus a diplomas

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ofertados pelos diversos segmentos da sociedade, e recebeu importantes homenagens, como, em 1991, o prêmio “Mulher do Ano – 1990” no Rio de Janeiro e outro pelo Poder Legislativo municipal de Santos – SP, e também da cidade de Cubatão, só para especificar algumas dessas homenagens atribuídas à escritora. Por esses aspectos da trajetória de Alzira Rufino, ela tornou-se uma das mais importantes referências do movimento negro e de mulheres do Brasil, além da prestação de trabalho como fundadora de diversas ONGs, e na luta ao combate das práticas racistas e discriminatórias contra os afrodescendentes. Para além do trabalho como militante política e de ações em trabalhos sociais, na vida de Alzira Rufino existiu, desde muito cedo, um elemento indispensável e fundamental na sua sustentação, enquanto sujeito, e que lhe permitiu ter seu trabalho divulgado: a palavra. Em especial, a palavra escrita. Na bibliografia da escritora encontramos livros, que vão de poesias a textos em prosa, ou mesmo ensaios e cartilhas que versam sobre as questões da negritude brasileira, como mobilidade social, violência e discriminação contra a mulher negra, direitos humanos e cultura afro-brasileira. As obras individuais que formam o conjunto literário da autora seguem-se na seguinte ordem de publicação: Eu, mulher negra, resisto (1988), livro de poesias; em seguida vieram Muriquinho, piquininho (1989), literatura infantil afrodescendente; Qual o quê (2006), livro de contos; A mulata do sapato lilás, romance; Bolsa poética (2010), livro de poesias. Rufino tem ainda poemas publicados nos Cadernos Negros, nos números 19, de 1986, e 21, de 1998. Encontramos também textos poéticos seus na coletânea “Finally us. Contemporary Black Brazilian Women Writers Colorado: Three Continent Press”, (1995). Trata-se de uma antologia de poetisas negras brasileiras, editada por Mirian Alves e Carolyn R. Durham, edição bilíngue português/inglês. Foram encontrados também poemas e diversos textos no site da Casa de Cultura da Mulher Negra2 e na revista Eparrei 3. Foi a primeira escritora negra a ter seu depoimento registrado pelo Museu de Literatura Mário de Andrade, de São Paulo Desse modo, Alzira Rufino tem uma vida aliada à palavra escrita em versos e prosa e atuante, como mulher negra, militante e combativa das injustiças sociais. Por sua 2  Endereço do site: http://www.casadeculturadamulhernegra.org.br. Nesse site, encontra-se um amplo material de textos poéticos e ensaísticos da autora, além de dados bibliográficos e das ações realizadas pela ONG. 3  Revista com publicação semestral tem como editora Alzira Rufino. Publicação do Programa de Educação e Comunicação da Casa de Cultura da Mulher Negra localizada em Santos – SP, a revista aborda especialmente temas da negritude e afirmação identitária dos afro-brasileiros.


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preocupação com a situação da mulher negra brasileira, escreveu ensaios teóricos importantes, tais como: Mulher negra, uma perspectiva histórica (1987); A mulher negra tem história (1987); Articulando (coletânea de artigos, de 1987); O poder muda de mãos, não de cor (1996). E ainda publicações em anais de seminários, como os artigos Violência contra a mulher – uma questão de saúde pública (1998) e Violência contra a mulher – um novo olhar (2000), dentre outros trabalhos relevantes sobre a temática abordada. Seja escrever para entender a sociedade brasileira na perspectiva das lutas pelos direitos humanos, dos movimentos sociais, ou para discursos de abertura de simpósios e congressos, ou escrever para manifestar um eu-lírico negro em seus poemas ou numa ficção voltada para a literatura negra, Alzira Rufino faz uso da palavra, sobretudo, no combate às práticas racistas e discriminatórias contra os negros e as negras brasileiras. Como escritora afro-brasileira, manifesta em suas obras um caráter de afirmação e revelação da literatura negra brasileira, sendo porta-voz dos sentimentos e anseios de uma cultura e de uma história abafadas e negadas por outra, dominante e excluidora. Rufino situa-se como uma autêntica escritora da literatura afro-brasileira, rasgando os véus do silêncio e afirmando os sujeitos negros em uma literatura engajada e construída a partir dos elementos da cultura e história dos povos negros, dos anseios, sentimentos e lutas dos povos da diáspora africana. Para tanto, empreendemos aqui uma breve leitura da poesia de expressão negra feminina da escritora contemporânea Alzira Rufino, da manifestação do “eu” negro mulher em seu fazer poético. Procuramos entender como ocorre a construção identitária dos sujeitos negros femininos expressos em seus versos, partindo de um objetivo geral, que é analisar o processo de construção da identidade negra feminina na sua poesia. Para a realização deste estudo, comungamos do conceito de literatura afro-brasileira e da constituição dos seus escritores a partir do pensamento de Moema Augel (1997), que se posiciona da seguinte maneira: “São escritores que se querem intérpretes e porta-vozes dos anseios, das dores, dos sentimentos da grande maioria anônima dos brasileiros de origem africana” (AUGEL, 1997, p. 01). A autora aponta que para ser escritor de literatura afro-brasileira é preciso um comprometimento com a causa negra, com as questões da negritude. Querendo-se, portanto, intérpretes e porta-vozes de uma literatura que representa um determinado segmento, é necessário um comprometimento etnicorracial de seus escritores; em decorrência disso existirá um devir negro na escrita dessas produções.

Entendemos ainda que só é possível esse comprometimento por meio de uma identidade negra construída e estabelecida, quando esses sujeitos se rebelam contra as opressões, as discriminações e as espoliações sofridas na sociedade, frutos de uma origem escravocrata. Sendo assim, corroboramos da conceituação de Munanga (1988) sobre a identidade negra, e aqui adotamos para conduzir a leitura dos poemas, para ilustrar nossas análises. Para Munanga (1988, p. 44), “A identidade consiste em assumir plenamente, com orgulho, a condição de negro, em dizer, cabeça erguida: sou negro. A palavra foi despojada de tudo o que carregou no passado, com desprezo, transformando este último numa fonte de orgulho para o negro”. É com este orgulho, cabeça erguida, apontando a condição negra e despojada de preconceito que Alzira Rufino constrói seu sujeito negro poético, como veremos nos textos a seguir.

A poética alziriana: o ser negro feminino em questão

As marcas identitárias são logo perceptíveis na poesia de Alzira Rufino; o ser negro manifesta-se integralmente em seu devir poético, sendo um dos grandes motes de sua produção. No poema “Resisto”, que abre seu livro de poesias Eu, mulher negra, resisto (1988), já esclarece ao leitor a proposta de seus versos poéticos. Nesse poema encontramos uma espécie de epígrafe que anuncia os textos que virão, um pórtico de entrada por onde o leitor atravessará até os demais poemas do livro, sendo ainda uma explicação ao título da obra. RESISTO De onde vem este medo? sou sem mistério existo busco gestos de parecer atando os feitos que me contam grito de onde vem esta vergonha sobre mim? Eu, mulher, negra, RESISTO.

(RUFINO, 1988, p. 14).

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No poema “Resisto”, o eu feminino começa questionando um medo - “De onde vem este medo?” - para em seguida apontar sua existência de forma monossilábica, por meio de um enunciado curto e categórico: “sou”. Este “sou” anuncia a voz e, consequentemente, a autoafirmação de um sujeito afrodescendente que se reconhece como tal. Nos versos seguintes podemos ler: “sem mistérios existo/ busco gestos/ de parecer/ atando feitos/ que me contam”. Nesse ponto o eu lírico apresenta-se como simples, no fato de sem mistérios existir e com isso buscar gestos, pareceres que os contam que aos poucos e gradativamente vai se construindo. Depois dessa encadeação de verbos sucessivos – existir, buscar, parecer, atar e contar – que indicam a ação do sujeito, temos a quebra de mais um enunciado de bastante valor no poema, “grito”. A palavra “grito”, precedida pelos versos “de onde vem/ esta vergonha/ sobre mim?”, assume um expressivo valor semântico-poético, demostrando a busca de si, do questionamento desse sujeito, de certa vergonha, existente ou criada, imposta a si. Existe, pois, uma necessidade de se autoquestionar para se reconhecer. Nesse aspecto, podemos dizer que “é colocando a violência do signo poético no interior da ameaça política que podemos compreender os poderes da linguagem” (BHABHA, 2010, p. 97, grifos do autor). O poema em tela revela um sujeito feminino que, por meio dessa violência do signo poético, manifesta os poderes da linguagem no sentido de sua existência, gestos, pareceres, feitos e seu grito de rebeldia. Todos esses questionamentos são diluídos a uma conclusão ou resposta que esta brada para si: “Eu, mulher, negra, RESISTO”. Nestes versos finais lê-se, entre vírgulas, as palavras eu, mulher e negra, cada uma representando um sujeito que assim se concebe; cada uma representando as identidades do eu poético, e, principalmente, a consciência de si diante dos questionamentos anteriormente feitos do eu que se manifesta no poema. Algo por fim é preciso ser dito, que ela é mulher negra que resiste, enfatizado nas letras em maiúsculo. O autorreconhecimento e o encontro de si, revelados nos versos lidos, retratam o comportamento de diversos descendentes de negros audazes na sua busca como sujeitos e de seu lugar no mundo e consigo mesmos. Acerca disso, Fanon (2008, p. 108) explica que “Desde que era impossível livrar-me de um complexo inato, decidi me afirmar como Negro. Uma vez que o outro hesitava em me reconhecer, só havia uma solução: fazer-me conhecer”. Esse “fazer-se reconhecer enquanto negro”, conforme suscita Fanon, é assumido pelo sujeito poético do poema “Resisto” quando após interrogar-se, questionar-se do medo de sua existência, por fim, de forma pausada, explica quem é, e a que grupo pertence: mulher, negra que resiste.

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Essa necessidade de autoafirmação não ocorre por acaso nos versos de “Resisto”; esse poema surge como resposta ao processo de depreciação que a imagem do negro sofreu e vem sofrendo desde a época da escravidão, das tentativas gradativas de desmantelar a identidade desses sujeitos, criando, entre alguns sentimentos, o de inferioridade. A esse respeito, Neusa Souza (1983), em seu livro Tornar-se negro, analisa as relações do sujeito negro com o meio da ideologia branca e racista, que procura anular e negar a presença do negro. Segundo a autora, essa anulação e essa negação vão acontecer a partir do desmantelar da identidade afrodescendente, e uma vez essa identidade fragmentada, perde-se o sentimento de solidariedade do ser negro. A autora explica que: Incentivos e bloqueios a esse projeto eram engendrados pela estrutura das relações raciais que se comportavam de modo ambíguo – ora impondo barreiras, ora abrindo brechas à ascensão social do negro – mas que, dentro dessa ambivalência, cumpria as mesmas e inequívocas funções de fragmentar a identidade, minar o orgulho e desmantelar a solidariedade do grupo negro (SOUZA, 1983, p. 21).

Dessa forma, autoafirmar-se, reconhecer-se e resistir são estratégias na construção da identidade negra para imporse diante das ideologias do branco colonizador, dos projetos engendrados para embranquecer e fraturar sua identidade, conforme Souza (1983). Essa solidariedade apontada pela autora é uma espécie de “sentimento que nos liga secretamente a todos os irmãos negros do mundo, que nos leva a ajudá-los e a preservar nossa identidade comum” (MUNANGA, 1988, p. 44). Quando esse sentimento de solidariedade é rompido, os vestígios dos descendentes da África, de seu passado comum, de suas ancestralidades e das mazelas vividas no passado e no presente são diluídos em partes, e com isso, enfraquecem os movimentos de organização do sentimento negro em torno de uma causa comum. Rufino, nos poucos versos do poema “Resisto”, apresenta a resistência e determinação de um sujeito lírico negro que busca sua identidade e se firma como tal. Nesse texto poético temos o grito indignado de um sujeito feminino que quebra todas suas vergonhas, seus medos e mistérios para assumir a simplicidade de ser mulher e negra, que mediante todas as circunstâncias, resiste. Na linha do poema “Resisto”, nos versos de “Resgate” é possível ler um sujeito negro feminino que apresenta e afirma sua identidade negra. Nesse texto podemos perceber um sujeito feminino mais categórico e também rebelde, um sujeito que se diz “sem reticências, sem vírgulas, sem ausências”, que é negro, e se pontua da seguinte maneira:


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sou negra ponto final devolvo-me a identidade rasgo minha certidão sou negra sem reticências sem vírgulas sem ausências sou negra balacobaco sou negra noite cansaço sou negra ponto final

(RUFINO, 1988, p. 88).

Já pelo título “Resgate” a voz lírica que se expressa no poema resgata não somente sua história, bem como, e, principalmente, sua identidade e origens. A voz lírica procura resolver de uma vez por todas qualquer dúvida ou especulação em torno de sua identidade negra. Rufino, por meio de elementos poéticos, a começar pela ausência do uso de qualquer pontuação, buscando uma retomada incisiva em torno de sua identidade, assume uma ordem direta dentro do tecido poético. Com este recurso – o da ausência de vírgulas, reticências, ponto-final – a voz lírica marca o território da sua ancestralidade, do seu espaço como sujeito e de como quer ser tratada. Esse exercício realiza-se por meio dos caminhos da consciência de si e de seu espaço como sujeito negro. Nos três primeiros versos, “sou negra ponto final/ devolvo-me a identidade/ rasgo minha certidão”, o sujeito enunciativo elabora uma espécie de recuperação de seu passado primeiro, e com um ponto-final dá fim às especulações sobre sua ancestralidade, seguida de um devolver de si, decorrido de uma certidão rasgada. Esse gesto simbólico de “rasgar a certidão” funciona como forma de negação às leis e dominação do branco colonizador, uma vez que os negros vindos da África, quando aqui chegavam, eram batizados com outros nomes e iniciados na religião do colonizador, ocorrendo uma perda de sua identidade originária. Nesse aspecto, Bhabha (2010, p. 73) explica que “os olhos do homem branco destroem o corpo do homem negro e nesse ato de violência epistemológica seu próprio quadro de referência é transgredido, seu campo de visão é perturbado”. Para tanto, percorrendo os caminhos de revisão do olhar do branco sobre o corpo negro, é forçoso afirmar que o ato simbólico de rasgar a certidão e dizer-se negra sem reticências, sem vírgulas e sem ausências é recuperar seu passado, sua identidade e suas origens.

Diante da constante luta travada pelo negro para atingir seu lugar na humanidade e seu espaço na sociedade, Du Bois (1999, p. 54) explica que: A história do Negro americano é a história desta luta – este anseio por atingir a humanidade consciente, por fundir sua dupla individualidade em um eu melhor e mais verdadeiro. Nessa fusão, ele não deseja que uma ou outra de suas antigas individualidades se percam. Ele não africanizaria a América, porque a América tem muitíssimas coisas a ensinar ao mundo e à África. Tampouco desbotaria sua alma negra numa torrente de americanismo branco, porque sabe que o sangue negro tem uma mensagem para o mundo. Ele simplesmente deseja que alguém possa ser ao mesmo tempo Negro e americano sem ser amaldiçoado e cuspido por seus camaradas, sem ter as portas da Oportunidade brutalmente batidas na cara.

É, pois, a partir dessa histórica luta na busca por respeito e lugar de aceitação diante do outro, que o sujeito negro tem aspirado no seio das relações que o cercam seu espaço e aceitação. Como elucida Du Bois (1999), este não deseja que suas antigas individualidades se percam. Por isso entendemos a necessidade, muitas vezes, do “resgate” empreendido pelo eu lírico do poema de Alzira Rufino, esse “resgate” que vem ainda acompanhado da ideia de “rasgar os véus do medo”, como também fala Du Bois. Assim, em consonância com Elio Ferreira de Souza (2006, p. 196), entendemos que “é preciso o poeta negro se dizer negro nos seus próprios versos, falar dos nossos sentimentos, contar nossa história, invocando o poder da Palavra em todos os tempos e lugares do mundo negro”. Esse dizerse negro, apontar-se como sujeito autoral na escrita poética, como o detentor da sentimentalidade que manifesta em palavras, funciona mais que o ato puro e legítimo de poetizar ou versificar seus sentimentos; nessa compreensão temos o próprio ato de uma construção identitária e ideológica que se desfia na escritura do poeta e da poetisa afrodescendente. Existe, com isso, sua produção na condição de sujeito autoral e identitariamente consciente. O que fica marcado na poética de Alzira Rufino, a partirg da análise desses dois poemas, é que os sujeitos afrofemininos que falam nos textos buscam se projetar numa escrita para além dos desafios do “entrelugar”, como proposto por Bhabha (2010), e travam essa luta em se autoafirmarem diante de suas individualidades e desafios, como propõe Du Bois (1999). A consciência de si, um sujeito autoral identitariamente reconhecido, o véu da indiferença rasgado, o estágio da resignação superado e a necessidade de se manifestar enquanto sujeito negro feminino são características que marcam esses dois textos poéticos da escritora Alzira Rufino. Nessas produções, os sujeitos enunciativos são

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bem similares: no primeiro, por meio da resistência, mostra sua força e consciência de mulher negra que resiste; e no segundo, pelo resgate e uma identidade devolvida, afirma-se também como mulher negra. E, por fim, ambas convergem ao mesmo ponto: são identitariamente conscientes de sua afrodescendência e se declaram negras e ponto-final.

Mulheres negras que resistem: imagens femininas A proposta do livro que tomamos como objeto de estudo, Eu, mulher negra, resisto, já pelo título anuncia a que veio. A autora, como ativista política, aliou sua estética literária ao ideal político do coletivo negro, especificamente das figuras femininas. Desse modo, encontramos a personificação de mulheres negras que fizeram história no campo da luta contra o racismo e contra a discriminação de gênero e cor presentes na sua obra. Por meio dos seus antepassados, do coletivo negro e das imagens do povo da diáspora negra, Rufino elabora a memória e a identidade de sua poesia afrodescendente. Em dois poemas é prestada uma homenagem a duas mulheres negras que tiveram uma importante participação na luta contra os sistemas racistas e sexistas de suas épocas. A primeira delas é a figura de Luíza Mahin, mãe do poeta Luís Gama, um dos precursores da literatura afro-brasileira. A segunda seria a imagem da contemporânea sul-africanense Winnie Mandela, ex-esposa do ativista Nelson Mandela. Seja na Bahia do século XIX ou na África do século XX, Rufino resgata, na particularidade de cada uma dessas mulheres, suas posições e importância no contexto das lutas das mulheres negras. Cada uma, a seu modo, embasa o movimento militante de mulheres negras como referências de resistências que travaram no cenário de ideologias racistas e sexistas de suas épocas. Em “Luíza Mahin”, Rufino traz à cena poética a emblemática figura de uma das negras que tiveram maior destaque no século XIX na histórica Revolta do Malês, na Bahia. Mahin participou na luta contra a escravidão e na busca pelos direitos dos negros. Segundo Lopes (2004, p. 399), Mahin foi uma revolucionária baiana de origem daomeana. Tornou-se livre por volta de 1812 e, trabalhando como quituteira e quitandeira, deu suporte a várias revoltas de escravos, principalmente fazendo circular mensagens contra os insurgentes. Na repressão à grande Revolta dos Malês, em 1835, teria conseguido fugir para o Rio de Janeiro, onde foi presa e provavelmente deportada para a África.

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Fazendo alusão à histórica Revolta dos Malês e de uma das suas principais figuras negras, Alzira Rufino mais uma vez contempla a memória, a identidade e a história do povo negro de forma positiva e valorativa. Tomando a figura da revolucionária e mãe do poeta Luiz Gama como seu embalo de composição literária, no poema “Luiza Mahin”, Rufino desvela uma sucinta história e pontos marcantes das características dessa mulher: Luiza Mahin

Filha de gêge na escravidão Luiza Mahin sofria os negros

Luiza de gêge mulher em luta todo dia toda noite em espadas

Mahin dos Malês posição ao sol couraça

Luiza revolta a noite vermelho o chão da Bahia

(RUFINO, 1988, p. 17).

Nesses versos, como em outros da autora, a memória do coletivo negro é mais uma vez acionada como forma de homenagear uma simbólica figura negra e de resgatar a história e identidade dos afro-brasileiros. Por meio de construções poéticas simples, girando em torno do nome da heroína negra, repetidos em cada estrofe, Rufino vai caracterizando Luíza Mahin e tecendo a poesia da vida dessa insurgente. No verso “Filha de gêge” a autora se remete à origem de Mahin, sendo os gêges originários do antigo povo de Daomé (daomeanos), onde hoje é atual República do Benin. Os gêges é uma das linhas herdadas pelos afrodescendentes das matrizes de religiões de origem afro (VERGER, 1997). Novamente a imagem da escravidão é retomada nos versos da poetisa como lembrança do passado e dos sofrimentos – “sofria os negros”. Porém, mediante todo o contexto de sofrimento, Luíza de gêge apresenta-se como uma “mulher em luta/ todo dia toda noite/ em espadas” (RUFINO, 1988, p. 17).


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Por fim, a imagem da guerrilheira negra do século XIX, associada a uma das mais importantes revoltas desse período, é retomada no poema de Rufino de modo a homenagear Luíza Mahin e a contribuir no espaço da memória coletiva do povo negro. Dialogando com o poema “Luíza Mahin”, nos versos de “Winnie”, que também logo pelo título já demonstra a quem se dirige o texto, encontramos outra importante personalidade do movimento negro, agora contemporâneo, no contexto de lutas e igualdade em torno da causa da negritude. No poema “Winnie”, Rufino presta uma homenagem a uma das mulheres negras de maior destaque no cenário internacional na luta contra o racismo, Winnie Mandela. Ativista política na África do Sul nos anos 60 e 70 do século XX, Winnie ficou conhecida internacionalmente não apenas por ser a esposa do grande líder político sul-africano Nelson Mandela, mas, principalmente, pela sua luta contra o regime de segregação, o apartheid, que imperava na África do Sul. Além disso, Winnie Mandela foi a primeira Assistente Social negra em seu país, desenvolvendo importantes ações nesse setor. Por esse importante papel e destaque de Winnie para o coletivo negro, e de suas ações realizadas em contextos tão adversos na África do Sul, Alzira Rufino em Eu, mulher negra, resisto, tece fios poéticos em torno da figura dessa mulher negra que resistiu. O eu lírico que fala nos versos estabelece uma espécie de diálogo sem a presença a quem se destina o texto, no caso Winnie Mandela, encorajando-a e pedindo que resista, assim como Nelson Mandela. Na esperança que diante da neblina o outro dia amanheça, o eu poético compara a dor da luta à dor do câncer, mas que, mesmo assim, Winnie resista. Winnie, não perca a garra porque Mandela resiste

Nos últimos versos, como um apelo, o sujeito poético levanta votos de esperanças anunciando “a chegada da manhã”. Por fim, “Winnie, mulher, seja/seja” temos nesses versos o destaque para o vocábulo “mulher”, que está entre vírgulas, como forma de caracterizar ainda mais a figura de Winnie Mandela enquanto mulher negra que luta e resiste, destacando, portanto, a condição da feminilidade da sul-africana, no incentivo para que esta “seja/ seja”, na voz imperativa, como uma forma de estar sempre presente, autoafirmando-se e lutando por aquilo em que ela acredita. Nas figuras de Luíza Mahin, no século XIX, e de Winnie Mandela, no século XX, mesmo pela aparente diferença no tempo histórico de cada uma dessas mulheres e de seus contextos políticos e sociais de suas épocas, ambas rompem com a linha do tempo e se aproximam. Luíza Mahin e Winnie Mandela foram mulheres negras, militantes de uma causa e resistiram, ao seu modo, ao sistema racista e sexista de suas épocas e regiões. Por meio dessas imagens negras femininas, Alzira Rufino dá formas em sua poesia ao ideal de luta que essas mulheres empreenderam, buscando, nessas heroínas do presente e do passado, modelos e virtudes para a construção da identidade das mulheres negras nos dias de hoje e na reconstrução do coletivo negro como um todo. Sobre os elementos acionados pelos autores negros como impulso para as suas construções textuais, Florentina Souza (2006, p. 68) explica que: Os elementos da etnicidade negra, como cor da pele, passado histórico, ancestralidade africana, tradição religiosa e linguagem ritual aparecem e fixam-se como componentes dos textos impulsionados pelas experiências e dramas vivenciados no cotidiano e na história dos afro-brasileiros que, em vários momentos, expressam o desejo de incluir outros excluídos e de interferir nos sistemas de determinação de valor. Pretendem instalar uma outra pedagogia, munida de símbolos e histórias que permitam a construção de outro discurso valorativo e de outros paradigmas críticos e de análise.

Winnie, se o câncer mata mais que a luta não maltrata

Winnie, a luta é neblina noite também amanhece e o negro mostra pingos não o olhar de mendigo

com o seu toso teça a chegada da manhã Winnie, mulher, seja Seja.

Nessa esteira, entendemos que a autora em questão, ao incluir na sua poética as imagens de mulheres negras que obtiveram destaque na luta contra o racismo e os sistemas de discriminação pelo fator cor, relegando uma raça a condições subalternas, procura, consoante com Souza (2006), instalar uma nova pedagogia, interferindo nos discursos e paradigmas de sua época. Desse modo, Alzira Rufino, ao trazer a seu leitor Luíza Mahin e Winnie Mandela, reforça a proposta central da sua obra poética, que é levar à cena literária as agruras, imposições, situação social, passado histórico e resistências do povo da diáspora negra, simbolizados pelas imagens dessas mulheres históricas. Com isso, concordamos com Pollack (1992, p. 204) quando afirma que:

(RUFINO, 1988, p. 21). Revista EIXO, Brasília - DF, v.3 n.1, Janeiro – Junho de 2014

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a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua própria representação, mas também para ser percebida da maneira como quer ser percebida pelos outros.

Partindo de leituras próprias, do contexto de sua memória individual e coletiva, Rufino, em sua literatura, reescreve a imagem do negro e da negra brasileiros, rompendo espaços, desfiando os discursos canônicos e revelando a memória histórica de um grupo relegado a participar da história oficial de maneira positiva. Sendo assim, percebemos a identidade negra sendo ressignificada, rediscutida e construída no âmbito da literatura, por meio de seus próprios elementos históricos, culturais e de seus heróis e heroínas, não mais pelo olhar do outro, mas pelo do próprio negro, dono da pena e da palavra, apropriando-se do seu discurso, ora de dor, ora de louvor, sobre si e seus descendentes, como é o caso da literatura de Alzira Rufino.

Considerações sobre uma poética A leitura do livro Eu, mulher negra, resisto nos direciona ao universo negro-feminino e abre caminhos para discussões sobre gênero e etnia. Portanto, os desdobramentos literários e políticos somam-se no devir poético de Rufino, dando contornos e nuances a uma literatura que descreve os costumes, as relações pessoais e individuais, a história, a memória, os dramas, as complexidades sociais envolvendo a vertente e as questões de raça e gênero, marcas primeiras da literatura da autora. A incursão pela poesia de Alzira Rufino nos conduz à compreensão acerca do entendimento da identidade negra do sujeito poético que se manifesta em seus versos, de modo a entendermos como ocorre a construção positiva e de como se dá a autoafirmação do ser negro em seus versos. Com poemas que em sua maioria são eu poéticos femininos que se expressam, Rufino tece uma poesia que levanta a história, a memória e o sentimento do coletivo negro. O ativismo político da escritora é reflexo direto na sua literatura, sendo a sua própria história e atuação como militante política e engajada em movimentos sociais e sensível à causa da diversidade motes para a sua poética. Por se tratar de uma literatura que em grande parte aborda dois delicados temas: gênero e etnia, as discussões sociais e políticas sobre as mulheres negras é a principal proposta que gira em torno do livro que ora analisamos, sem pretensões de apresentarmos uma única leitura. Desse modo, um dos principais mecanismos encontrados pela autora para superar essas barreiras da dupla discriminação é desenvolvido a partir da construção positiva dessa identidade negra. O sujeito negro feminino que se

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manifesta nos versos de Alzira Rufino é assumidamente negro e cônscio de suas origens e passado histórico. Nessa obra temos, além da autopresença, a mulher negra que se autoescreve, conforme Bhabha (2010), o próprio relato poético das relações etnicorraciais existentes em nosso país. A mulher negra, que resiste por meio de seus versos, fala pelas gerações do presente e do passado e, por que não dizer, pelas gerações futuras também. A miríade de temas abordados por Rufino na sua poética ultrapassa os limites literários e atinge o seio, as histórias, as lutas e a resistência dos povos negros, a maneira de como estes se autorrepresentam, querem ser vistos e como se reconstroem frente a uma sociedade racista e excludente. Em alguns versos é perceptível a sutileza lírica da autora, o trato poético bem organizado de sua poesia; em outros encontramos um tom mais diretivo e categórico da representação e denúncia dos problemas raciais e de gênero enfrentados. Nesse aspecto podemos dizer que a obra de Alzira Rufino consubstancia-se numa atmosfera literária e política, enviesada a partir da perspectiva de uma mulher negra militante, defensiva e voltada às condições históricas e sociais dos sujeitos negros, sendo estes eleitos como mote principal de sua escrita, matéria viva e pulsante da qual provém grande parte de seus versos. Portanto, procuramos, com nossas análises em torno da poética da escritora negra Alzira Rufino, traçar uma leitura sobre as questões de identidade e etnicidade presentes no conjunto poético da autora e, além disso, apresentar aos leitores a vida e produção literária dessa escritora ainda pouco conhecida no cenário literário, a fim de que, daqui, quem sabe, novas pesquisas sobre o tema da literatura afro-brasileira, e novas leituras da poesia de Alzira Rufino possam surgir. E com isso... Nesses versos negros que não seja o meu poema apenas um grito escrito com a negritude da tinta, Mas, que neles alguém se sinta espelho do meu inspirar sob a tradução da minha negritude. Busco aqui, não traçar a vil fronteira étnica que faz do ser humano, maestro/algoz da imbecilidade: Muito mais que tudo isso, almejo a conexão da sensatez.

(BAHIA, 1988, p. 18).


SOUSA, D. R

Referências

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Levantamento histórico e relatos de inundações do córrego do Gregório na região central do município de São Carlos - SP Historical survey and reports of flooding of the Gregório stream at the central region of São Carlos municipality Ana Cristina Bagatini Marotti, ana_marotti@hotmail.com Karoline Eduarda Lima Santos, karol.eduarda21@gmail.com Leonardo Gallo Macera, leonardo.macera@hotmail.com Luiza de Lima Neves, luiza.lneves@gmail.com Juliano Costa Gonçalves, juliano@ufscar.br Érica Pugliesi, epugliesi@ufscar.br

Resumo: As inundações frequentes no município de São Carlos têm acarretado diversos danos aos munícipes, sejam eles materiais ou imateriais. O presente trabalho objetivou identificar esses danos a fim de documentar o efeito dessa problemática na vida de comerciantes e moradores da região e analisar quais têm sido as ações dos órgãos públicos nesse âmbito. O histórico levantado mostrou-nos que as enchentes nunca cessaram, mas que de tempos em tempos algumas mais marcantes são as que mais trazem malefícios à população. A pesquisa realizada com os órgãos competentes mostrou que a maioria das obras realizadas são de correção e que, portanto, não resolvem o problema. Pela experiência que possuem, conclui-se que tais órgãos poderiam implantar mais medidas voltadas à prevenção de tais problemas, sendo possível, assim, encontrar uma solução realmente eficaz. Palavras-chave: Inundações; Danos Materiais e Imateriais; Planejamento urbano. Abstract: The frequent flooding at São Carlos municipality has caused several damages to residents, material or immaterial. This study intended to identify these damages in order to document the effect of this problem on the merchants’ life and area residents, and analyze what has been done by the public organs about this. The history showed up that floods never ceased, but that time to time some of the most remarkable are those that bring more harms to the population. The research made with competent agencies showed that most of the works are corrective measures and therefore does not solve the problem. By the experience they have, it is concluded that such agencies could implement more measures aimed to the prevention of such problems, being possible to find a truly effective solution. Keywords: Floods; Material and Immaterial Damage; Urban Planning.

O

crescimento das cidades ocorrido nas últimas décadas transformou o Brasil em um país essencialmente urbano (83% de população urbana) (TUCCI, 2008). Grande parte desse crescimento deu-se, e ainda se dá, de forma desordenada e sem planejamento, em que parte da população acaba ocupando áreas ambientalmente frágeis e com topografia inapropriada para construir (áreas de encosta e de inundação de corpos hídricos, por exemplo).

Nesse contexto, destacamos as inundações, que representam o transbordamento das águas de um curso d’água, atingindo a planície de inundação ou área de várzea (DEFESA CIVIL DE SÃO BERNARDO DO CAMPO, 2013). Vinculadas a um processo natural de cheia dos corpos hídricos, essas áreas de inundação deveriam ser evitadas durante o processo de uso e ocupação do solo; entretanto, devido a processos sociais relacionados com a dinâmica do mercado


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de terras (como segregação social e falta de terra urbanizada a preços acessíveis) e com a ausência de planejamento urbano (GONÇALVES, 2010), a ocupação de áreas inundáveis torna-se a regra, não a exceção. Assim, os problemas gerados por uma inundação dependem fundamentalmente da forma e grau de ocupação das áreas ribeirinhas e da frequência de ocorrência das cheias (MMA et al, 2004). As inundações por vezes são consideradas desastres naturais, mas, para tanto, se faz necessário conhecer um pouco mais os modelos e definições por trás desse conceito. Gilbert (1998) elenca três paradigmas que, para ele, agrupam o conceito de desastre: o desastre como um agente externo ameaçador; o desastre como expressão social da vulnerabilidade; e, por fim, o desastre como um estado de incertezas geradas pelas próprias instituições. O segundo e o terceiro paradigmas nortearão a análise no decorrer deste trabalho. Gilbert (1998) ressalta, no segundo paradigma, que os desastres são processos sociais com uma realidade historicamente construída que as vulnerabilidades revelam, e, no terceiro paradigma, que os desastres nas sociedades complexas seriam criados pelas frágeis articulações entre as especialidades científicas que não permitem uma orientação mais abrangente da rotina da vida social gerando desorientação na sociedade pela ausência e, também, pelo excesso de informação e comunicação. Outro autor que norteia a análise é Beck (2010, p. 23, grifo do autor), que afirma que a “produção social de riqueza é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos”. O fundamento dos riscos está na “transformação de ameaças civilizacionais à natureza em ameaças sociais, econômicas e políticas sistêmicas que representa o real desafio do presente e do futuro, o que justifica o conceito de sociedade de risco” (BECK, 2010, p. 99). Por conta disso é que os problemas ambientais são antes de tudo problemas sociais advindos de uma determinada visão de mundo e de uma relação com a natureza (BECK, 2010). Quando, nesta relação do homem com a natureza, uma ameaça hidrometeorológica (como a chuva, por exemplo) encontra – se realiza sobre – uma vulnerabilidade socioambiental (uma determinada exposição à ameaça derivada de aspectos sociais e ambientais como a ocupação de áreas próximas aos corpos hídricos) temos um desastre. Assim, o desastre significa a disrupção da vida social (VALENCIO, 2009) e está ligado a uma conjuntura de processos sociais, ambientais e tecnológicos. A Sub-bacia do córrego do Gregório, situada no Município de São Carlos – SP, é uma região caracterizada pela frequente ocorrência de inundações. Nessa sub-bacia, os processos sociais, ambientais e tecnológicos podem ser observados no contexto das inundações, as quais, ao atingirem diretamente a população que ali reside ou trabalha,

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se constituem em desastre que afeta a vida social do município, pois se trata de uma região central com predominância comercial. Devido aos enormes prejuízos e danos causados por esses eventos, foi instituída a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC por meio da LEI Nº 12.608, DE 10 DE ABRIL DE 2012. Na PNPDEC, são abrangidas ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação voltadas à proteção e defesa civil, devendo integrar-se às várias outras políticas a fim de se garantir a promoção do desenvolvimento sustentável. Ou seja, trata-se de uma Política que visa não só a ações pós-impacto, mas também preventivas, de forma que se evitem os danos causados à população civil. O presente artigo tem por objetivo descrever e analisar os danos materiais e imateriais das inundações na região central da Bacia do Córrego do Gregório e seus impactos materiais e imateriais 1 sobre a população local. Este artigo está dividido em duas seções com suas respectivas subseções para além desta introdução e da conclusão. A próxima seção versa sobre os procedimentos metodológicos adotados no trabalho.

Metodologia A realização da presente pesquisa deu-se por meio de 3 (três) etapas: 1. delimitação e caracterização da área de estudo; 2.coleta de informações relacionadas ao histórico de inundações ocorridas no município durante o período de 2007-2013; e 3. aplicação de questionários abertos para a identificação dos danos materiais e imateriais sofridos pelos residentes do percurso da região central do Córrego do Gregório. Etapa 1 – Delimitação e caracterização da área de estudo. A Bacia do Córrego do Gregório está localizada no município de São Carlos e possui área total de 15,6 km² (Figura 1). Seu clima é o Tropical de Altitude, com verões chuvosos e invernos secos, com seis meses quentes e úmidos e seis meses frios e secos. A temperatura diária máxima anual é de 26,9ºC e a mínima anual de 16,2ºC. A precipitação pluvial média anual é aproximadamente 1500 mm (RIGHETTO, 2005). Seu principal corpo hídrico, o córrego do Gregório, tem uma extensão de aproximadamente 7 km (SALVADOR et al, 2013), percorre a área urbana no sentido leste – oeste,

1  Os bens culturais imateriais estão relacionados aos saberes, às habilidades, às crenças, às práticas, ao modo de ser das pessoas (PORTAL BRASIL, 2009).


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atravessa a região central e deságua no Rio Monjolinho, na rotatória em frente ao shopping center, conhecida como “Rotatória do Cristo”. Com relação aos corpos hídricos que compõem a bacia, nota-se que os afluentes do córrego do Gregório só estão presentes em um dos lados. Os outros

afluentes foram suprimidos pela ação antrópica, ou estão totalmente canalizados, de forma que não constam nas cartas topográficas. É o caso do Córrego do Simeão, que se une ao Gregório na região central, que também influencia os eventos de enchentes (Figura 2).

Figura 1: Localização da Sub-Bacia do Córrego do Gregório em São Carlos/SP

Figura 2: Hidrografia da Sub-bacia do Córrego do Gregório em São Carlos/SP

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Quanto ao seu aspecto de relevo, consultando bibliografias disponíveis, nota-se que o terreno não apresenta variações muito acentuadas, o que propicia a ocupação dessa área. Segundo Biasi (1992), as classes de declividades < 5% referem-se ao limite utilizado internacionalmente para uso urbano-industrial e em trabalhos de planejamento urbano; 5-12% definem o limite máximo do emprego da

mecanização na agricultura; e as de 12-30% compreendem o limite máximo de acordo com a legislação – Lei 6766/79 – que o define como o limite máximo para urbanização sem restrições. Para efeito didático, foram desconsideradas as duas demais classes citadas pelo autor, visto que a maior taxa de declividade encontrada na área de estudo foi de 22% (Figura 3).

Figura 3: Declividade da Sub-bacia do Córrego do Gregório em São Carlos/SP

Por possuir uma área bastante extensa, fez-se necessário delimitar uma área que seria analisada para a viabilização do projeto. Assim, optou-se por trabalhar com uma das principais áreas afetadas na região, a Av. Comendador Alfredo

Maffei, no trecho que se estende entre a Rua Dom Pedro II e a Rua 9 de Julho, por 515 metros de comprimento, como pode ser observado na figura 4, abaixo.

Figura 4: Localização da área de estudo em trecho do Córrego do Gregório em São Carlos/SP

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Etapa 2 – Coleta de informações relacionadas ao histórico de inundações ocorridas no município durante o período de 2007-2013. Quanto ao apanhado de informações, recorreu-se aos registros presentes na Defesa Civil de São Carlos e aos artigos relacionados. Complementarmente, foi consultada a mídia local, com o objetivo de buscar notícias registradas nesse período referente às inundações. Etapa 3 – Aplicação de questionários abertos para a identificação dos danos materiais e imateriais sofridos pelos residentes do percurso da região central do Córrego do Gregório. Para a identificação dos impactos negativos resultantes (materiais e imateriais), houve a aplicação de entrevistas baseadas em um roteiro específico para cada público que seria entrevistado: Defesa Civil Municipal, Comerciantes próximos ao Córrego do Gregório e Poder Público Municipal, os quais estão presentes no apêndice desta pesquisa. Foram contabilizadas 15 (quinze) entrevistas. As perguntas feitas aos comerciantes visaram identificar as experiências vivenciadas com inundações na área selecionada pelo trabalho. Foram abordados temas, tais como: prejuízos já obtidos (tanto materiais quanto imateriais), hipótese de sair do local devido às situações desfavoráveis e formas de adaptação às circunstâncias. Para a Defesa Civil o intuito era conhecer as reais medidas de prevenção, preparação e resposta perante as ocorrências de inundação, especificadamente na região do mercado. Quanto ao Poder Público,

o objetivo era conhecer as medidas estruturais que foram realizadas, as que estariam por vir, e se havia conhecimento sobre as demandas/os anseios populacionais. Foram feitas duas perguntas em comum para todos os entrevistados, visando comparar suas opiniões com relação a que medidas poderiam ser tomadas para minimizar ou até solucionar a problemática das inundações. Outra pergunta era sobre o hiato temporal de acontecimento de grandes inundações que, recentemente, retornaram; qual seria, na interpretação dos entrevistados, a razão disso. Em relação ao Poder Público Municipal foram entrevistadas as seguintes pessoas: o Chefe de Divisão de Projetos da Secretaria Municipal de Obras Públicas, Fernando Couto Rosa Almeida, e o Arquiteto da Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano, Rogério A. Almeida. Quanto a Defesa Civil foi entrevistado o Diretor de Segurança Pública e Defesa Civil de São Carlos, Pedro Caballero. No que diz respeito às entrevistas com os comerciantes, foram selecionados 12 (doze) pontos no entorno da área de estudo na qual o efeito das inundações foi considerado mais significativo. Os nomes reais dos entrevistados e dos estabelecimentos comerciais não foram colocados para preservar suas identidades, sendo escolhidos, portanto, nomes fictícios. Na figura 5 estão representados os doze pontos visitados, sendo que: Ponto 1 – Toninho Calçados; Ponto 2 – Loja de calçados; Ponto 3 – Loja do ramo de cosméticos; Ponto 4 – Banca de Jornais; Ponto 5 – Floricultura (Mercado Municipal); Ponto 6 – Loja de móveis e eletrodomésticos; Ponto 7, 8, 9, 10 e 11 – Comércio popular e; Ponto 12 – Loja de móveis e eletrodomésticos.

Figura 5: Localização dos pontos de entrevista na área de pesquisa no Córrego do Gregório em São Carlos/SP

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As inundações no Córrego do Gregório: aspectos históricos e danos materiais e imateriais

O Córrego do Gregório, desde a fundação do município, sofreu intervenções humanas que, associadas à crescente urbanização e à impermeabilização da microbacia, acarretaram e ainda acarretam várias enchentes na região central da cidade, no entorno do Mercado Municipal. Esta seção discute a história das inundações no Córrego do Gregório, na primeira subseção, e também os danos a que são submetidos os comerciantes da região central do município de São Carlos, na segunda subseção.

Mendes e Mendiondo (2007) sobre registros de inundações ou alagamentos na área no período de 1940 a 2004, os anos de 1947, 1953, 1955, 1957, 1960, 1965, 1968, 1970, 1972, 1973, 1974, 1976, 1977, 1978, 1981, 1987, 1988, 1989, 1990, 1996, 2002, 2003 e 2004 apresentaram esses eventos. Ou seja, em um período de 64 anos, em 23 deles alagamentos foram registrados, sendo que em alguns desses, foram observados mais de um alagamento, mostrando que a área é bem suscetível de enchentes e que esse é um problema antigo que, mesmo com todos os projetos de contenção e minimização das enchentes, persiste. O recorte de jornal (Figura 6), abaixo, e uma foto (Figura 7) retratam eventos de inundação naquela época.

Histórico de Inundações A história de São Carlos iniciou-se em 1831 com a demarcação da Sesmaria do Pinhal. Contudo, só em 4 de novembro de 1857 é que foi fundado o município, cuja população era composta por algumas pequenas casas ao redor da capela. Hoje, a Matriz da cidade localiza-se a cerca de 2 quarteirões acima do córrego do Gregório (PMSC, s/d). A cidade atualmente conta com um órgão que atua em ações preventivas, de socorro, assistenciais e reconstrutivas destinadas a evitar ou minimizar desastres, sejam estes de causa natural ou não, como, por exemplo, as enchentes. É a chamada Defesa Civil, criada em 2005 por meio da Lei Municipal 13.557 (PMSC, s/d). A Defesa Civil possui arquivos sistematizados desde 1992 e registros que datam desde o ano de 1905. A época em que ela mais atua, sendo acionada mais frequentemente, é no período do verão ou na época mais intensa de chuvas, englobando os meses de dezembro a abril, aproximadamente (BORGES, 2006). Segundo Borges (2006), o primeiro registro de inundação do Córrego do Gregório na área da região central do município data do ano de 1905, o ano em que se começa a registrar esse tipo de evento, ou seja, mesmo antes desse ano é possível que se tenha tido outros casos de enchentes no local. Em 1974, foi realizada a construção de avenidas marginais ao córrego que contou com a adaptação da hidrografia ao sistema de mobilidade urbana, fazendo com que de maneira geral o córrego sofresse várias intervenções e retificação de seus meandros. A intensa ocupação adjacente ocorreu no período de 1950 a 1970. Contudo, já em 1940 as margens já apresentavam considerável ocupação (MENDES; MENDIONDO, 2007). De acordo com um levantamento histórico realizado por

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Figura 6: Inundação na Bacia do Gregório, em 1932 (MENDES E MENDIONDO, 2007).

Figura 7: Pavimento de paralelepípedo da Rua Geminiano Costa destruído por inundação em 1940 (Fonte: FotoArte in MENDES E MENDIONDO, 2007).

O levantamento do histórico das inundações ocorridas no período de 2007 – 2013 foi realizado, em sua maior parte, de pesquisas em portais eletrônicos, uma vez que os dados oferecidos pela Defesa Civil estavam incompletos e muitas vezes indisponíveis para consulta. Para tanto, as principais fontes utilizadas foram o portal de notícias São Carlos Agora e algumas matérias cedidas pela emissora local de televisão (retransmissora da Rede Globo de Televisão) EPTV. A partir da busca no site São Carlos Agora, foram encontradas 14 (catorze) publicações noticiando as inundações


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na região do Mercado Municipal no período mencionado (2007 – 2013). Foi então contabilizado um total de 3 (três) eventos de enchentes no ano de 2013, apenas 1 (um) em 2011, 2 (dois) no ano de 2010 e somente 1 (um) em 2008 e 2007, cada. Abaixo, exemplificaram-se duas notícias, uma datada do ano de 2007 (Figura 8) e outra de 2013 (Figura 9):

Figura 8: Manchete do portal São Carlos Agora (09/12/2007).

da frequência dos eventos de inundação, não permite alegar desconhecimento e despreparo frente a uma chuva maior que a média do período. O desastre passa a ser estrutural, e não conjuntural, e revela que o local está vulnerável à espera da ameaça (as chuvas) que se encontram no território para iniciar um desastre. Já os episódios de inundações e/ou alagamentos que atingiram a região de estudo e que foram transmitidos pela emissora de TV, EPTV, contabilizam, aproximadamente, 9 (nove) grandes eventos durante o período abordado (2007-2013). Um dos acontecimentos que vale destaque foi o ocorrido em 08 de dezembro de 2007, em que as inundações que antes eram constantes voltaram a preocupar os comerciantes da região, como podemos notar com o depoimento de uma vendedora local: “É preocupante porque começa a chover à noite; você fica com medo. Você vem pra cá (loja), mas independentemente de você vir ou não, não tem como você salvar a mercadoria, se vier de uma vez. Toda vez que chove nós temos esse terror” (Reportagem EPTV).

No ano de 2010, no mês de março, choveu cerca de 32 mm em 7 horas; mesmo sendo uma quantia considerada normal de precipitação, foi suficiente para elevar em níveis consideráveis o Córrego do Gregório, deixando os comerciantes em alerta, e causando danos em certos pontos da cidade. Temos também o que aconteceu em 05 de abril do mesmo ano, dia em que, em certas lojas, o prejuízo foi de, no mínimo, R$ 15.000 (quinze mil reais). Mesmo não causando danos materiais, as inundações ocorridas no mês de fevereiro de 2011 causaram transtornos aos comerciantes da região da baixada do Mercado Municipal, levando alguns funcionários a modificarem seu horário de trabalho. Chegavam mais cedo ao local de serviço para poder limpar os estragos provocados pelas inundações, e mesmo assim atrasavam o atendimento ao público. Soma-se a tudo isso o desgaste emocional que envolve os comerciantes da região, como podemos notar por meio da fala de uma responsável por uma loja do ramo de calçados: Figura 9: Manchete do portal São Carlos Agora (04/11/2013).

É importante ressaltar que a conceituação de desastre presente nas figuras 6,8 e 9 coloca a ameaça externa, as chuvas, como o elemento causador do desastre. Sendo assim, aspectos como planejamento urbano, impermeabilização urbana, ocupação de áreas de várzea, segregação urbana e o mercado de terras não seriam alvo de qualquer análise, visto que não causam desastres. No entanto, a recorrência do desastre, como pode ser visto na descrição

“Quando começou aquela chuva de vento a gente ficou atento. Começou a subir, subir, quando nós vimos que a marginal (...), ia vir mesmo a água, nós já sabíamos que o rio já tinha enchido. Ai nós subimos até aquela soleira e esperamos a chuva passar. Fazia 1 (um) ano que nós não tínhamos enchentes” (Reportagem EPTV).

E por fim, um dos últimos grandes eventos que causou grandes prejuízos e pegou os comerciantes da região do Mercado Municipal de surpresa foi o de 22 de outubro de 2013. A força da água arrancou os muros de proteção do

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Córrego do Gregório na altura da Rua Dom Pedro com a Avenida Comendador Alfredo Maffei; um carro que estava no pátio de uma revendedora foi arrastado pra dentro do córrego, por cerca de 3 km, além de outros danos que foram registrados através de câmeras de celular por comerciantes da região, como motos sendo levadas pela correnteza. Temos também os danos causados às lojas da redondeza; uma do ramo de cosméticos precisou se desfazer de grandes quantias de mercadorias que foram prejudicadas e invalidadas devido à inundação. O prejuízo foi de cerca de R$ 50.000 (cinquenta mil reais). Mesmo tendo esses episódios como parte da rotina do seu local de trabalho, muitos vendedores do comércio popular se assustaram com a grandeza dessa última inundação, como podemos perceber com a declaração de uma das comerciantes: “Sempre o rio encheu quando não era fechado ali (referente ao trecho localizado à frente do Mercado Municipal), mas nunca entrou água aqui dentro né; isso daqui alagava mas não entrava água. Dessa vez, chegou pra cima do joelho.” Maria, vendedora do comercio popular.

Relatos dos danos materiais e imateriais e vivências de inundações O Brasil perde anualmente um valor possivelmente maior que US$ 1 bilhão em decorrência das enchentes urbanas (BRASIL, 2001). As enchentes, se comparadas com outras catástrofes naturais, ocupam posição de destaque quanto às perdas em termos econômicos e de fatalidades (Figura 11) (RIGHETTO, 2005), além de serem uma das que ocorrem com mais frequência no mundo, só perdendo para as tormentas como mostra a figura 10.

Figura 11: Perdas Financeiras com desastres (MÜNCHENER RÜCKVERSICHERUNGS-GESELLSCHAFT, 1997 apud RIGHETTO, 2005, p. 16)

De acordo com Righetto et al (2003), na Sub-bacia do Córrego do Gregório, as inundações ocorrem rapidamente, de 15 a 30 minutos, atingindo de 50 cm a 150 cm no interior das lojas. As inundações mais frequentes afetam mais de 300 estabelecimentos comerciais da região, com perdas estimadas em até R$ 550.000 por inundação, e atingem uma área potencial inundável de 5 hectares aproximadamente (FINEP / FIPAI / EESC-USP / DAEE-SP, 2003). Já em relação aos bens imateriais, que como mencionado são aqueles relacionados aos saberes, às habilidades, que não têm consistência material, podemos notá-los quando analisamos as entrevistas realizadas. A maioria dos entrevistados, tanto lojistas quanto comerciantes populares, trabalham no local há muitos anos, chegando até a 25 anos, e alguns deles já tiveram prejuízos materiais ocasionados pelas inundações, como podemos observar pelos relatos a seguir: Entrevistador: “Que tipo de prejuízo as inundações já trouxeram para o senhor?” “Pra mim, mais de 1.000 reais só essa última vez... Essa chuva não foi só aqui que deu, nas loja também! Até carro rodou. Se você ver o tanto que foi até que a gente perdeu pouco.” Jorge, comerciante popular.

“Prejuízo de bastante mercadoria, geladeira, computadores. Nessa última enchente, né.” Bianca, funcionária de loja do ramo de calçados.

“Dois funcionários meus tiveram as motos levadas pela enxurrada...” Cristine, gerente de loja de móveis e eletrodomésticos. Figura 10: Percentual de Catástrofes Naturais no Mundo (MÜNCHENER RÜCKVERSICHERUNGS-GESELLSCHAFT, 1997 apud RIGHETTO, 2005, p. 16)

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“...a gente tem o prejuízo de que a loja fecha, não pode trabalhar, a gente perde cliente, entendeu? E se, por


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exemplo, dá de manhã, a gente não pode abrir a loja depois do meio dia com a loja toda suja; a loja tem que estar em ordem pra gente abrir. Perder produto, não, mas... ela fica fechada.” Rita, funcionária de loja do ramo de cosméticos.

“Já perdi mercadoria. Dessa vez não porque tava tudo no alto” (referente à forte chuva do dia 22 de outubro de 2013) Cíntia, comerciante popular.

Também nos foi narrada a ocorrência de perda de automóveis e motos estacionados próximos à região, contabilizando as perdas materiais não só dos comerciantes quanto aos seus produtos mas também de seus veículos e os de outras pessoas que lá circulavam. E muitos prejuízos imateriais foram percebidos durante a narrativa dos entrevistados, quando a questão foi: “Quando começa a chover, isso o remete a alguma experiência ruim sua ou não? Algum medo de perder suas mercadorias?”. “...depende muito da chuva; é tipo aquelas doenças que você tem que saber como controlar... Não é uma coisa pra perder a cabeça. Muita gente perde porque marcou, entendeu?” Rodrigo, comerciante de banca de jornais e revistas.

“...foi horrível, não tem nem como descrever. Era gente chorando, gente gritando, foi muito feio” (referente à forte chuva do dia 22 de outubro de 2013). Cristine, gerente de loja de móveis e eletrodomésticos.

“E ai saímos os comerciantes dessa área e vai fazer uma piscina aquática?” Toninho, lojista do ramo de calçados.

Entrevistador: “Apesar de tudo ainda compensa ficar aqui?” “Mas não tenha dúvida que compensa, com toda esse problema que você tem os prejuízos, você tem que permanecer. Você sai e outro entra, aí o prejuízo continua pro outro…Não tem como pensar em sair de uma área comercial como essa daqui; isso aqui é a área principal da cidade, do comércio. Não pode se pensar assim, acho que é um pessimismo pensar em sair da área comercial.” Toninho, lojista do ramo de calçados.

Entrevistador: “Já pensou em sair?” “Não, a gente ama aqui.” Flor, comerciante popular.

A noção de lugar, como pertencimento e identidade, permite perceber que os comerciantes consideram o centro o seu lugar e, por conta disso, desejam continuar ali a despeito do problema com as inundações. Em meio à continuidade das inundações e à permanência dos comerciantes na região, várias maneiras foram criadas por eles para se adaptarem à cheia das águas. Foi possível constatar algumas: “Em períodos de chuva nós já temos o costume de manter as coisas um pouco mais alta pra prevenir de acontecer alguma coisa. Mas a estrutura que eu tenho aqui já foi feita voltada pra prevenir danos mesmo. Então eu uso o que tenho aqui que já é bem estruturado pra evitar danos ou sujeira.” Cássio, comerciante popular.

“O prejuízo não é só financeiro, é meu trabalho também... Então você tá lá na sua casa, e tá vendo essa chuva forte, você já tem que ficar de aviso e vim pro seu comércio, e na maioria das vezes que você se preocupa lá e vem pra cá, e na maioria das vezes, aconteceu o fato. Isso aí é normal, o emocional é sempre assim.” Toninho, lojista do ramo de calçados.

“Vai enchendo você vai erguendo, vai enchendo você vai erguendo. É o que todo mundo faz aqui.” Rodrigo, comerciante de banca de jornais e revistas.

“Começa a chover já fico apreensiva, pelos outros também.” Cíntia, comerciante popular.

“É, a gente vê que vai chover, a gente já fecha tudo.” Rita, funcionária de loja do ramo de cosméticos.

Apesar dos bens perdidos e das situações difíceis relatadas, os comerciantes da região entrevistados nunca cogitaram deixar o local. Como podemos observar no depoimento de Jorge e Toninho: “Não, não porque não tem outro lugar também, né. Se nós sair daqui pra onde que nós vai? É o lugar que nós temos pra trabalhar.” Jorge, comerciante popular.

“Se nós tiver aqui, nós levantamos as coisas. E se nós não estivermos? Aí perde...” Jorge, comerciante popular.

“Já foi providenciado aumentar a altura do piso, as proteções nas portas. Tudo ajuda, mas nada resolve. Então sempre que tem enchente você tem o prejuízo, mas você tem que tomar suas precauções se não o prejuízo é cada vez maior.” Toninho, lojista do ramo de calçados.

As dificuldades dos comerciantes em lidar com as enchentes estão, justamente, em suas soluções individuais para um problema que necessidade de um enfoque coletivo.

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A tentativa de adaptar soluções como a elevação de pisos, por exemplo, será sempre paliativa. Contudo, é relevador observar a dificuldade do poder público em criar políticas e ações de prevenção e preparação para diminuir as perdas materiais e imateriais dos afetados pelas enchentes. A percepção dos entrevistados a respeito do aumento da frequência de inundações (2012 e 2013), frente a um período anterior com poucos eventos (2007-2008), revela que muitos acreditam ser da própria intensidade de precipitação; outros têm diferentes opiniões: “Ah... porque é muitas construções, né, ao redor do rio. Então isso vai acarretando mesmo; tá cada vez pior, devido ao crescimento da cidade mesmo.” Sandro, proprietário de floricultura.

“Acredito que seja muito lixo que as pessoas estão jogando no córrego, a gente via muita coisa boiando na água; era até perigo pra quem estava com os pés dentro d’água, e em volta é tudo cheio de cimento, não tem pra onde a água infiltrar, não tem a mata ciliar que tinha que ter, tudo isso provocou isso daí...” Cristine, gerente de loja de móveis e eletrodomésticos.

“Porque isso aí, que eu saiba, a chuva de 1970 já enchia, e não tinha nada aqui, só tinha mato e já chegou a ter enchente, quer dizer, então imagina agora que tá tudo asfaltado... A tendência é piorar, porque a hora que eles começarem a lotear esses terrenos aqui na frente, que todo mundo vai começar a fazer uma casa no terreno inteiro, aí já era.” Rodrigo, comerciante de banca de jornais e revistas.

Para finalizar, alguns entrevistados acreditam não haver mais solução para minimizar as ocorrências de enchentes na área; outros sugeriram formas para que isso ocorra: “Ah, ação é da defesa civil, de orientar as pessoas de quando ver já pedir pra retirar os carros. Se chover, vai chover, aí até passar. Mas o certo é a defesa civil que tem que fechar a avenida São Carlos...” Rodrigo, comerciante de banca de jornais e revistas.

“Teriam que arrumar esse rio aqui, porque o rio, ele tem um buraco, que é pra água sair, e ele é muito pequeno, ele não é grande, então não escoa muito a água, então a água não vai embora rápido, então até ele subir e a água escoar, demora...e os bueiros: tem esse bueiro aqui e só aquele ali, então só esses dois bueiros não dá conta, teria que ter mais.” Patrícia, funcionária de loja do ramo de cosméticos.

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“Primeira coisa que tem que fazer é na parte do shopping; tem que afundar aquela parte pra poder escoar melhor as águas. Aí é o primordial. E outra coisa, precisaria fazer, nas duas partes do rio, dos dois lados, uma canalização aqui na Rua Conde do Pinhal, e a outra pegando desde lá de cima da cidade, pra escoar bem na frente, ali perto do shopping.” Sandro, proprietário de floricultura.

“Olha, eu acho que pra poder minimizar, ou eles teriam que... – aqui como já é tudo cimentado e não tem mais o que fazer – aprofundar ou fazer mais largo os dutos, pra poder ter mais vazão pra água ou aprofundar o riacho um pouco mais pra dar maior vazão pra água. Porque não tem mais o que fazer aqui; vai destruir o centro da cidade? Nós é que estamos no lugar errado; o rio é que está certo. Então já não tem mais o que fazer; acho que é só isso, aprofundar o lago e aumentar os dutos pra vazão da água, eu acredito.” Cristine, gerente de loja de móveis e eletrodomésticos.

“Eu acho que o principal é a conscientização da população em termos de como manipular o lixo. Acho que o principal problema de causar inundação é o mau manuseio do lixo que a própria população faz, não só por parte da administração da cidade.” Cássio, comerciante popular.

“Pensar em obras contra enchente, não tem dúvida... Assim como foram feitas obras no passado que foram melhorando gradativamente, tem que continuar fazendo pra melhorar sempre. Porque, se não cuidar, a cidade cresce, vem asfalto e não tem onde a água desaparecer; então ela vem pelo asfalto e cai na baixada.” Toninho, lojista do ramo de calçados.

"...eu vejo muito a falta de conscientização do povo, porque hoje você vê grandes quantidades de lixo na beira dos rios, das nascentes, ou na própria via pública você vê uma grande quantidade. Quando o povo tiver uma conscientização do que ele tá causando, evitaria esse tipo de problema também." Marcelo, funcionário de loja do ramo de calçados.

Há uma grande extensão de medidas para redução das enchentes apresentadas pelos comerciantes afetados por esse problema ambiental, desde soluções técnicas, como obras contra inundações, até soluções que envolvem educação ambiental para realizar uma abordagem mais sistêmica. De acordo com o Diretor de Segurança Pública e Defesa Civil, Pedro Caballero, as ações de prevenção que estão sendo desenvolvidas, em relação às inundações no centro, são:


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“O que está construído neste momento nós não podemos mexer. A única coisa que podemos fazer de forma imediata é criar um sistema de alerta, porque o risco, o perigo está lá, a vulnerabilidade das pessoas que circulam; essa vulnerabilidade é que temos que eliminar. Se eu tenho o conceito que a ONU me diz que risco é perigo vezes, ou mais a vulnerabilidade, se eu eliminar um desses dois eu já elimino o risco (...). Então a minha ideia e da equipe é trabalhar com sistema de alerta. É preciso ter um bom sistema de hidrometeorologia. Então eu tenho que pegar vários dados; não posso confiar em um só (...) “

O diretor Pedro Caballero comenta que é necessário um trabalho em conjunto de vários órgãos. Cita que a USP tem um equipamento que mede a quantidade de água precipitada por satélite (por meio de um satélite europeu), que muitas vezes é mais eficiente que pluviômetros convencionais, pois seriam necessários, no mínimo, três pluviômetros, um na cabeceira, um no meio e um no final do córrego, segundo o entrevistado. Com relação às ações de preparação que a Defesa Civil vem desenvolvendo, há um plano de contingência para verão, por meio do qual já foram iniciados plantões de meteorologia e observação. Além disso, eles estão interligados ao sistema de câmeras da polícia civil. Assim, dependendo do nível de precipitação, são acionados agentes municipais de trânsito, a guarda municipal e os bombeiros para atuarem nas áreas afetadas. Como resposta às inundações do Córrego do Gregório na região do Mercado Municipal, Caballero explicou que o primeiro passo é saber os locais específicos que estão sendo atingidos para então começarem os trabalhos. Ele ainda ressaltou que o problema só é realmente considerado quando as pessoas dão visibilidade ao fato, sugerindo que se ninguém o vê, ele não existe. Entrevistador: “Por que o senhor acha que as inundações voltaram?” “Olha, vou te dizer uma coisa, o que não se tinha era chuva de dia; você tinha chuvas à noite. Então, chuva à noite no Mercado ninguém vê; se é de madrugada, cinco ou seis pessoas veem; se a imprensa não for chamada, ninguém vê.”

Novamente as chuvas aparecem como o elemento causador do desastre. Contudo, uma solução mais sistêmica começa a ser aventada pelo diretor da Defesa Civil municipal ao responder sobre o que ser feito para minimizar essa situação: “Eu acho que se há uma decisão política, né, que é importante uma decisão política; você tem que ter medidas estruturais e não estruturais, né, se não vai mexer no leito,

no centro mesmo; você vai ter todo um sistema hidráulico de macro e micro drenagem, ou seja, desvio de água, retenção de água, tudo isso daí. Por quê? Porque hoje você está jogando assim, né, então ou você desvia pra frente a jusante, né, pois você ainda tem o problema lá do gargalo (referindo-se ao estrangulamento que o córrego sofre quando passa por debaixo do aterro que sustenta a linha férrea) ainda que não está resolvido, ou seja, você tem, é possível, sim; se quiserem, é possível, sim.”

Quando o Poder Público foi questionado sobre as inundações na região do Mercado Municipal de São Carlos, Rogério Almeida, arquiteto da Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano, relatou que nenhuma medida está sendo ttomada e que existe, porém, a intenção pessoal de destamponamento do Córrego do Gregório. Fernando Almeida, arquiteto da Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano, salienta que é algo que já vem ocorrendo há algum tempo devido ao tamponamento da praça, que é um reflexo do problema do shopping, a jusante do centro da cidade, local onde existe um aterro que impede a saída da água, e também ao formato da seção pela qual o rio passa, que em certo local se torna mais estreito, provocando um remanso e inundando o Mercado, e ainda completa: “Quanto às medidas que estão sendo feitas, sempre, quando tem essas enchentes, por enquanto, estão sendo tomadas medidas emergenciais, as obras contra inundação. O problema é conseguir recurso; então resolvemos pontualmente o problema.” Fernando Couto Rosa Almeida, arquiteto da Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano de São Carlos.

Com relação à área próxima ao shopping, ele nos contou que existem estudo, projeto aprovado e verba destinada à obra que abrirá o aterro existente resolvendo a problemática da região do Mercado, apenas restando “acertar umas pontas” para que se inicie. Porém o projeto voltado à seção do córrego ainda é inexistente. Com relação à periodicidade das inundações e do suposto período de ausência de inundações de grande porte na região, Fernando nos diz que praticamente todo ano tem ocorrido e que isso varia de acordo com a intensidade de chuva e do período de retorno. Rogério comentou que a causa do retorno desse tipo de inundações é a retirada de cobertura vegetal, a construção de novas ruas, impermeabilizando o solo e a quantidade de lixo presente dentro do córrego. Quando questionados se é possível acabar com as inundações da região em questão, ambos responderam de forma positiva, como exemplificado pela fala de Fernando:

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“Sim, sim, a abertura do canal na frente (referente à área próxima ao shopping) é uma solução.” Fernando Couto Rosa Almeida, arquiteto da Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano de São Carlos.

Conclusão As inundações ocorrem desde os primeiros relatos de 1905 até os dias de hoje e provocam danos materiais e imateriais; apesar de sua longevidade histórica e das obras hídricas realizadas para "acabar com problema", há uma persistência do fenômeno. Na sociedade de risco, as ameaças operam de forma silenciosa e estão ligadas à própria forma como a sociedade atual busca desenvolver seu bem-estar e seu progresso. Os usos dentro da bacia do Córrego do Gregório é que geram as ameaças que deixam uma parte da população vulnerável aos desastres. Vários pontos são citados em comum acerca das possíveis causas das enchentes, como: (1) o encontro do córrego do Gregório com seu afluente Simeão (que é totalmente tamponado) na região Central, unindo águas de duas microbacias na região crítica; (2) o estrangulamento que o córrego sofre no aterro que sustenta a linha férrea, que não é grande o suficiente para a passagem de todo volume de água que chega em eventos de chuva intensas; (3) a mudança da seção interna do córrego, pois também houve um estrangulamento; (4) o lixo depositado pelas próprias pessoas que trafegam na região, que prejudica o fluxo da água; e (5) O próprio volume de chuva, considerado ‘alto’ nas vezes de ocorrência de inundações. Porém, ao conjunto de soluções técnicas citado acima, há a necessidade de ir além. Isso significa a busca de soluções mais sistêmicas e com um alcance maior, tendo em vista que as inundações estão relacionadas com a macro e a micro drenagem de toda bacia do Córrego do Gregório e com a utilização do ecossistema próximo. A inobservância do conjunto de relações existentes no evento das inundações é o que fortalece a insistência em soluções pontuais ou individuais que, ao não serem tratadas holisticamente, estão fadadas ao fracasso ao dispender recursos em obras onerosas que minimizam, mas não resolvem o problema. Nesse sentido, é preciso, também, modificar e fortalecer a relação da população com o Córrego do Gregório, por meio de programas de educação ambiental que permitam uma mudança voluntária de comportamento em relação a como o citado córrego é tratado.

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Dessecação em pré-semeadura e modos de aplicação de herbicida em pós-emergência combinado ou não a regulador de crescimento em híbridos de milho Dessication in pre-seeding and modes since aplication of herbicide in combinated post-emergence or not to growth regulate in corn hibrids Camila Ferreira, cferreira87@hotmail.com Jeferson Zagonel, jefersonzagonel@uol.com.br Marina Senger, marina_senger@hotmail.com Allan Christian de Souza, allan.uepg@gmail.com

Resumo: O trabalho objetivou avaliar os efeitos da dessecação em pré-semeadura, do modo de aplicação de herbicida em pós-emergência e da aplicação de trinexapac-ethyl na cultura do milho, em dois anos consecutivos. O delineamento experimental foi em blocos ao acaso, com esquema fatorial 2 x 2 x 2 (com e sem dessecação em pré-semeadura x aplicação única e sequencial de herbicida em pós-emergência x com e sem aplicação de regulador de crescimento), com quatro repetições. Os tratamentos constaram da dessecação ou não em pré-semeadura com 400 g ha-1 de paraquate, do modo de aplicação, única ou sequencial, do herbicida em pós-emergência mesotriona + atrazina para o híbrido Status TL e glifosato para o Maximus TLTG, além da aplicação ou não de trinexapac-ethyl. Avaliaram-se características morfológicas, componentes de rendimento e produtividade. Na safra 2010/11 a dessecação causou aumento da altura de plantas e maior produtividade para ambos os híbridos. A aplicação sequencial de herbicidas ocasionou maior número de fileiras por espiga para o Status TL e a aplicação do trinexapac-ethyl não promoveu alterações nas características avaliadas nessa safra. Na safra 2011/12, a dessecação em pré-semeadura promoveu maior produtividade no Maximus TLTG. Para o Status TL a dessecação em pré-semeadura resultou em maior número de espigas por planta. O modo de aplicação de herbicidas não alterou de maneira substancial as características avaliadas nos dois híbridos. A aplicação do trinexapac-ethyl resultou na diminuição da área foliar e do índice de área foliar do Maximus TLTG. Palavras-chave: Zea mays L.; trinexapac-ethyl; glifosato; mesotriona. Abstract: The study intended to evaluate the effects of desiccation in pre-seeding, of the herbicide application’s mode in post-emergence and the application of trinexapac-ethyl of corn, in two consecutive years. The experimental design was made in randomized block with factorial scheme 2 x 2 x 2 (with and without desiccation in pre-seeding x single and sequential application of herbicide in postemergence x with and without application of growth regulator), with four repetitions. The treatments consisted of the desiccation or not in pre-seeding with 400 g ha-1 paraquat, the mode of application, single or sequential, of herbicides in post-emergence mesotrione + atrazine for hybrid Status TL and glyphosate for Maximus TLTG, besides the application or not of trinexapac-ethyl. Morphological characteristics, yield components and grain yield were evaluated. In 2010/11 crop the desiccation promoted an increase in plant height and greater yield for both hybrids. The sequential application of herbicides caused greater number of rows per ear for Status TL and the application of trinexapac-ethyl did not cause changes in the characteristics evaluated in this crop. In 2011/12 the desiccation in pre-seeding promoted a grain yield increase in Maximus TLTG. To Status TL the desiccation on the day of seeding resulted in a greater number of ears per plant. The application’s mode of post-emergence herbicides did not affect substantially the characteristics evaluated in the two hybrids. The application of trinexapac-ethyl resulted in decrease of leaf area and leaf area index of Maximus TLTG. Keywords: Zea mays L.; trinexapac-ethyl; glyphosate; mesotrione.


DESSECAÇÃO EM PRÉ-SEMEADURA E MODOS DE APLICAÇÃO DE HERBICIDA EM PÓS-EMERGÊNCIA COMBINADO...

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manejo das plantas daninhas compreende uma série de aplicações, desde o manejo em pré-semeadura até o controle em pós-emergência. A introdução de culturas resistentes a herbicidas no mercado tem afetado o modo de controle das plantas daninhas, especialmente no caso da soja e do milho (PHIPPS; PARK, 2002). Quando se comparam culturas como o milho convencional e o transgênico, constata-se que o crescimento é similar, devendo, portanto, receber o mesmo manejo cultural, seja no que tange à época de semeadura, ao manejo de pragas e de doenças e à densidade de plantas, entre outros, sendo imprescindível o conhecimento da fenologia da cultura. Isso não é diferente em relação à época de aplicação dos herbicidas em pós-emergência, visto que os períodos de matocompetição são os mesmos para o milho transgênico ou não, devendo o controle ser iniciado num período de 5 a 19 dias a partir da semeadura conforme as condições do local (KOZLOWSKI, 2002; NORSWORTHY; OLIVEIRA, 2004). Para o manejo das plantas daninhas em pré-semeadura alguns aspectos devem ser considerados. Primeiro, o estádio das plantas daninhas e, segundo, a época em que a dessecação será realizada em relação à semeadura. A época de aplicação dos herbicidas em pré-semeadura não é bem definida, pois varia com os fatores de campo, como espécies presentes, população, cultura anterior, entre outros. No entanto, o procedimento pode ser realizado em aplicação única de 5 a 10 dias antes da semeadura ou sequencialmente com a primeira antecipada e a segunda próxima da semeadura, quando em cada uma delas pode se optar pelo herbicida mais adequado às plantas daninhas predominantes (ZAGONEL; MAROCHI, 2004). Para o controle antecipado em geral utiliza-se o glifosato, e na aplicação próxima da semeadura utiliza-se o paraquate (SOUZA et al., 2000). O controle em pós-emergência do milho RR é realizado com glifosato, combinado ou não a outros herbicidas, aqueles recomendados para o milho convencional. Essa técnica permite a rotação de herbicidas, evitando-se a resistência. Em milho convencional, em geral são utilizados herbicidas do grupo das tricetonas, entre os quais o mesotriona, um dos mais utilizados, que controla espécies de folhas estreitas, mas também é eficaz sobre algumas espécies de folhas largas. No entanto, a eficiência máxima desse herbicida é obtida quando em mistura com a atrazina (ARMEL et al., 2003). Almejando sempre alcançar altas produtividades, além do controle de plantas daninhas há também a adoção de altas populações de plantas e elevadas doses de nitrogênio. Porém, com o uso dessas técnicas a cultura fica mais suscetível à ocorrência de acamamento, devido ao aumento da estatura de plantas. Para possibilitar o uso de maiores

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densidades de semeadura e doses de nitrogênio sem que ocorra o acamamento, pode-se utilizar cultivares de porte baixo ou reguladores de crescimento, os quais são utilizados na cultura do trigo com excelentes resultados (ZAGONEL; FERNANDES, 2007). O trinexapac-ethyl é um regulador de crescimento que atua reduzindo a elongação celular no estádio vegetativo das plantas, interferindo no final da rota metabólica da biossíntese do ácido giberélico (RAJALA, 2003) pela inibição da enzima 3β-hidroxilase, reduzindo drasticamente o nível do ácido giberélico ativo (GA1) e assim aumentando acentuadamente seu precursor biossintético imediato GA20 (DAVIES, 1987). A queda no nível do ácido giberélico ativo é a provável causa da diminuição do crescimento das plantas (RADEMACHER, 2000; WEILER; ADAMS, 1991). Nesse sentido, realizaram-se dois experimentos, em dois anos consecutivos, com o objetivo de avaliar os efeitos da dessecação em pré-semeadura, do modo de aplicação de herbicidas de pós-emergência e da aplicação do regulador de crescimento trinexapac-ethyl na cultura do milho.

Material e métodos Os experimentos foram conduzidos nas safras 2010/11 e 2011/12, na Fazenda Escola da Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG, situada no município de Ponta Grossa, Paraná, geograficamente localizado na latitude 25°5´49” e longitude 50°3´11”, a uma altitude de 1.025 m. O solo no local dos experimentos foi caracterizado como Cambissolo Háplico distrófico típico de textura argilosa. A análise química do solo, em amostragem de 0 a 10 cm, revelou os resultados: pH (CaCl2) = 5,0; Ca++ = 4,0 cmolc dm-3; Ca + Mg = 6,5 cmolc dm-3; K = 0,52 cmolc dm-3; P = 11,1 mg dm-3; C = 38 g dm-3; H + Al = 6,21 cmolc dm-3, Al+++ = 0,0; CTC = 13,23; V% = 53, e a análise granulométrica, em g kg-1: argila – 460; silte – 179; areia – 361. O clima da região é correspondente a Cfb, segundo a classificação de Köppen, possui clima temperado propriamente dito, o qual se caracteriza por possuir verões frescos, com ausência de estação seca definida. O delineamento experimental utilizado nas duas safras foi de blocos ao acaso, em esquema fatorial 2 x 2 x 2 (com ou sem dessecação da área no dia da semeadura x aplicação única ou sequencial de herbicida em pós-emergência x com ou sem aplicação de trinexapac-ethyl junto ao herbicida em pós-emergência), com quatro repetições. Nos dois anos as parcelas continham área total de 24,0 m2 (6,0 x 4,0 m) e área útil de 12,0 m2 (5,0 x 2,4), sendo as fileiras espaçadas em 0,8 metros. Os tratamentos constaram da dessecação ou não da área de cada experimento com 400


FERREIRA, C; ZAGONEL, J; SENGER, M; SOUZA, A. C

g ha-1 de paraquate no dia da semeadura; da aplicação única, no estádio vegetativo V4, ou sequencial, nos estádios V2/V3 e V5/V6 do milho, segundo escala fenológica de Hanway (1966); da aplicação ou não do regulador de crescimento trinexapac-ethyl na dose de 250 g ha-1 combinado à aplicação de herbicida em pós-emergência. Nas duas safras os tratamentos foram aplicados nos híbridos Status TL e Maximus TLTG, os quais foram considerados experimentos separados. O sistema de plantio direto foi o adotado nos dois anos de cultivo, sendo a cultura antecessora o trigo. Em ambos os anos as áreas foram dessecadas vinte dias antes da semeadura, com a aplicação de 1240 g ha-1 de glifosato. Nas duas safras a adubação foi realizada aplicando-se 300 kg da fórmula química 10-20-20 (30 kg ha-1 de ureia, 60 kg ha-1 de superfosfato simples e 60 kg ha-1 de nitrato de potássio). Na adubação de cobertura aplicou-se 112,5 kg ha-1 de ureia, na fase V3 da cultura do milho. No híbrido Status TL a aplicação única de herbicida foi realizada com 1200 g ha-1 de atrazina + 120 g ha-1 de mesotriona. No milho resistente ao glifosato, Maximus TLTG, a aplicação única foi realizada com glifosato na dose de 1240 g ha-1. Na aplicação sequencial utilizou-se, em cada aplicação, 800 g ha-1 de atrazina e 60 g ha-1 de mesotrione no milho convencional (Status TL) e 744 g ha-1 de glifosato no milho RR (Maximus TLTG). A dose de trinexapac-ethyl foi de 250 g ha-1, aplicada em combinação ao tratamento de aplicação única de herbicidas e de 125 g ha-1 em cada aplicação sequencial. O trinexapac-ethyl e os herbicidas foram aplicados utilizando-se um pulverizador costal, à pressão constante de 206,85 kPa, pressurizado por CO2 comprimido, com bicos munidos de pontas de jato plano “leque” XR 110-015. Aplicou-se o equivalente a 150 L ha-1 de calda. No florescimento do milho foram determinadas altura de plantas e de inserção da primeira espiga inferior; comprimento da folha acima e da folha oposta à espiga superior, considerando-se da inserção da folha até a sua ponta; largura da folha acima e da folha oposta à espiga superior, medida na parte mediana de cada folha; a área foliar por planta, a qual avaliou todas as folhas de cinco plantas por parcela utilizando-se o determinador de área foliar da marca Li - COR Biosciences LI - 3100 C area meter. Não houve avaliação de acamamento devido a sua não ocorrência. As avaliações dos componentes de rendimento foram realizadas na época da colheita. O número de espigas por planta foi determinado por meio da contagem do número de espigas e de plantas presentes em dois metros de fileira. O número de fileiras por espiga e de grãos por fileira foram determinados a partir das espigas coletadas em dois metros

de fileira. A determinação da produtividade foi realizada a partir da colheita de toda a área útil de cada parcela (12,0 m2). A massa de mil grãos e a produtividade foram determinadas com a correção da umidade para 13%. Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância pelo teste F, e as diferenças entre as médias, quando significativas, foram comparadas pelo teste de Tukey (P<0,05).

Resultados e discussão Não ocorreram interações significativas entre os tratamentos para todas as variáveis analisadas. A altura de plantas e de inserção da espiga na safra 2010/11 foram maiores com a dessecação realizada em pré-semeadura para os dois híbridos. Na safra 2011/12, a dessecação em pré-semeadura não causou efeito sobre a altura de plantas de ambos os híbridos, havendo diferença somente para a altura de inserção de espiga do híbrido Maximus TLTG (Tabela 1). Constantin et al. (2008), avaliando os efeitos de doses do herbicida glifosato aplicadas na dessecação de manejo de Brachiaria decumbens no sistema aplique e plante sobre o desenvolvimento inicial do milho, observaram que o sombreamento promovido pela presença da palha ereta de B. decumbens causou estiolamento no milho. Assim, são confirmados os prejuízos que a matocompetição causa no desenvolvimento inicial da cultura, fase do ciclo de suma importância para o estabelecimento da mesma. O modo de aplicação de herbicidas não alterou significativamente a altura de plantas e de inserção de espiga em ambos os híbridos nas duas safras (Tabela 1). Apesar de não ter ocorrido diferença estatística entre a aplicação única e sequencial do herbicida em pós-emergência, a aplicação sequencial é uma opção de manejo interessante para o controle de plantas daninhas, pois o parcelamento da dose resulta no aumento da seletividade dos herbicidas sobre as culturas, além de reduzir o banco de sementes das invasoras na área de cultivo. Burke et al. (2008), em pesquisa, comparando a aplicação única e a sequencial de herbicidas na cultura do milho, verificaram que a aplicação sequencial foi mais eficiente no controle de plantas daninhas do que a aplicação única, mas também não se refletiu em diferença na altura das plantas de milho, como observado na presente pesquisa. A altura de plantas e de inserção de espiga do milho também não foram afetadas pela aplicação do regulador de crescimento para ambos os híbridos e nos dois anos agrícolas (Tabela 1). Para Zagonel e Fernandes (2007), em trigo, a resposta da altura de plantas em relação a aplicação de trinexapac-ethyl varia de acordo com a cultivar, com o ano de cultivo e com a época e a dose do

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DESSECAÇÃO EM PRÉ-SEMEADURA E MODOS DE APLICAÇÃO DE HERBICIDA EM PÓS-EMERGÊNCIA COMBINADO...

regulador de crescimento. Portanto, as prováveis causas para os resultados observados no presente trabalho podem ser atribuídas à baixa resposta da cultura do milho, à dose insuficiente ou à época precoce de aplicação, visto que não

há estudos relatando a eficiência deste regulador de crescimento para a cultura do milho, assim como dose e época de aplicação adequada.

Tabela 1: Altura de plantas (AP) e altura de inserção de espiga (AE) dos híbridos de milho Status TL e Maximus TLTG, em função da dessecação ou não no dia da semeadura, da aplicação única ou sequencial de herbicida em pós-emergência e do uso ou não do regulador de crescimento trinexapac-ethyl, nas safras 2010/11 e 2011/12. Ponta Grossa – PR

Status TL

Maximus TL TG 2010/11

AP

AE

Maximus TL TG

Status TL

2011/12 AP

AE

AP

AE

AP

AE

-----------------------------------m----------------------------------Dessecação Com

2,6 a

1,4 a

2,6 a

1,3 a

2,9 a

1,4 a

3,0 a

1,6 a

Sem

2,5 b

1,3 b

2,4 b

1,2 b

2,9 a

1,4 a

3,0 a

1,5 b

Aplicação de herbicidas Única

2,5 a

1,3 a

2,5 a

1,3 a

2,9 a

1,4 a

3,1 a

1,5 a

Sequencial

2,6 a

1,4 a

2,5 a

1,2 a

2,9 a

1,4 a

3,1 a

1,5 a

Regulador de crescimento Com

2,5 a

1,3 a

2,4 a

1,2 a

2,9 a

1,4 a

3,0 a

1,5 a

Sem

2,6 a

1,3 a

2,6 a

1,3 a

2,9 a

1,4 a

3,0 a

1,5 a

C.V. (%)

3,6

7,4

5,1

6,5

3,5

5,1

2,6

4,4

Médias seguidas da mesma letra minúscula na coluna não diferem significativamente pelo teste de Tukey (P<0,05); C.V.: coeficiente de variação.

Em relação à dessecação em pré-semeadura, na safra 2010/11 a ação negativa das plantas daninhas se refletiu na área foliar e no índice de área foliar (IAF) do híbrido Maximus TLTG, o que não aconteceu com o Status TL (Tabela 2). Diferenças entre híbridos quanto à área foliar também foram observadas por outros autores (SANGOI et al., 2002). Como o IAF é função de fatores como estado fitossanitário e nutricional das plantas, a matocompetição ocorrida no início do ciclo das plantas de milho do Maximus TLTG interferiu no normal desenvolvimento dessas plantas, uma vez que as invasoras e a cultura competiram tanto por espaço como por nutrientes. Já na safra 2011/12, a dessecação em pré-semeadura não afetou significativamente a área foliar e o IAF de ambos os híbridos (Tabela 2). Tal resultado pode ser atribuído ao reduzido número de invasoras que havia na época. O modo de aplicação dos herbicidas de pós-emergência também não afetou a área foliar e o IAF dos híbridos nas duas safras (Tabela 2). No ano agrícola

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2010/11, com a aplicação do trinexapac-ethyl houve redução do IAF do híbrido Maximus TLTG, porém não houve diferença significativa em ambos os híbridos para a área foliar. Na safra 2011/12 a aplicação do trinexapac-ethyl ocasionou diminuição da área foliar e o IAF do híbrido Maximus TLTG (Tabela 2). Porém, a redução da área foliar constatada no presente trabalho e também relatada por Lima et al. (2010) não refletiu em alteração significativa da produtividade da cultura do milho. Dessa forma, tal consequência pode depender da proporção com que a redução da área foliar ocorre. Na cultura do trigo, a aplicação do regulador de crescimento proporciona redução da área foliar da planta, mudando sua arquitetura, de maneira que se aumenta a eficiência fotossintética, o que pode ocasionar maior produtividade da cultura. Porém tal resultado não foi observado neste trabalho, sendo um dos fatores a se considerar na diferença da estrutura das plantas de trigo e milho. Além


FERREIRA, C; ZAGONEL, J; SENGER, M; SOUZA, A. C

disso, como constatado neste trabalho, a cultura do milho não responde de forma significativa à aplicação do trinexapac-ethyl, como ocorre com a cultura do trigo; entretanto,

mais pesquisas sobre o tema devem ser feitas para a confirmação do resultado.

Tabela 2: Área foliar por planta (AF) e índice de área foliar (IAF) dos híbridos de milho Status TL e Maximus TLTG, em função da dessecação ou não no dia da semeadura, da aplicação única ou sequencial de herbicida em pós-emergência e do uso ou não do regulador de crescimento trinexapac-ethyl, nas safras 2010/11 e 2011/12. Ponta Grossa – PR

Status TL

Maximus TL TG

Status TL

2010/11 Dessecação

AF (cm2)

IAF

Maximus TL TG 2011/12

AF (cm2)

IAF

AF (cm2)

IAF

AF (cm2)

IAF

Dessecação Com

5669,4 a

3,7 a

6123,8 a

4,0 a

6065,5 a

4,5 a

6777,0 a

5,1 a

Sem

5031,5 a

3,4 a

5015,0 b

3,3 b

6376,4 a

4,8 a

6272,1 a

4,7 a

Aplicação de herbicidas Única

5472,8 a

3,5 a

5560,9 a

3,6 a

6134,6 a

4,6 a

6637,8 a

4,9 a

Sequencial

5228,1 a

3,7 a

5577,9 a

3,8 a

6307,4 a

4,7 a

6411,2 a

4,8 a

Regulador de crescimento Com

5455,5 a

3,7 a

5462,0 a

3,3 b

6041,0 a

4,5 a

6170,5 b

4,6 b

Sem

5245,4 a

3,4 a

5676,7 a

4,0 a

6401,0 a

4,8 a

6878,6 a

5,2 a

C.V. (%)

18,4

22,0

14,4

20,9

11,8

11,9

11,8

11,9

Médias seguidas da mesma letra minúscula na coluna não diferem significativamente pelo teste de Tukey (P<0,05); C.V.: coeficiente de variação.

Com relação aos componentes de rendimento, a dessecação no dia da semeadura não afetou significativamente nenhum dos componentes nos dois híbridos, em ambos os anos (Tabelas 3 e 4). Tal resultado ocorreu provavelmente porque a quantidade de plantas daninhas presente na área não foi suficiente para interferir nos componentes de rendimento. O modo de aplicação de herbicidas somente causou alteração significativa sobre a massa de mil grãos e o número de fileiras por espiga do híbrido Status TL na safra 2010/11, com valores significativamente maiores com a aplicação sequencial (Tabela 3). Os demais componentes de rendimento não obtiveram efeito significativo com o modo de aplicação de herbicida em pós-emergência, para ambos os híbridos nas duas safras (Tabelas 3 e 4). O fato de não haver resposta significativa com a aplicação sequencial não indica que essa forma de manejo não seja eficaz, uma vez que com a sua realização pode haver redução do banco de sementes de invasoras na área, assim aumentando-se a eficácia no controle das plantas daninhas, como constatado por diversos autores, a exemplo de Constantin et al. (2008),

que relatam que a aplicação sequencial proporciona melhores resultados do que a aplicação única em várias culturas, inclusive na do milho. A aplicação do trinexapac-ethyl não alterou significativamente nenhum componente de rendimento avaliado em ambos os híbridos, nos dois anos agrícolas (Tabelas 3 e 4). Tal resultado pode ser atribuído à falta de resposta da cultura do milho à aplicação do regulador de crescimento ou à baixa dose aplicada. Para o Status TL, a dessecação no dia da semeadura resultou em maior produtividade somente na safra 2010/11(Tabela 3). Já para o Maximus TLTG, a dessecação em pré-semeadura resultou em maior produtividade nos dois anos de pesquisa (Tabela 4). Na safra 2010/11, houve maior área foliar com a dessecação no dia da semeadura, o que provavelmente refletiu em maior produtividade para o híbrido Maximus TLTG, devido à maior eficiência fotossintética das plantas. Constantin et al. (2008) afirmam que mesmo considerando a total ausência de controle de plantas daninhas em pós-emergência, a simples adoção de um sistema de manejo mais efetivo no controle inicial das plantas

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daninhas proporciona ganhos na produtividade da cultura do milho, o que corrobora os resultados do presente trabalho para o híbrido Maximus TLTG nos dois anos e para o Status TL no ano 2010/11. O modo de aplicação de herbicidas não causou efeito significativo sobre a produtividade dos híbridos, nas duas safras (Tabelas 3 e 4). Oliveira Neto et al. (2011), estudando modalidades de aplicação herbicida na cultura do milho, também não observaram diferença significativa entre a aplicação sequencial e a única na produtividade da cultura. Apesar de no presente trabalho a aplicação sequencial não ter diferido da única quanto à produtividade da cultura, na aplicação sequencial há a possibilidade de controlar fluxos mais tardios de infestação, além de reforçar o controle obtido pela primeira aplicação em espécies de difícil controle, aumentando assim a eficiência de controle, consequentemente podendo proporcionar maior produção. A ausência de diferença nesse tratamento pode ser explicada pela abundante matéria orgânica presente na superfície do solo, o que pode

ter controlado de forma cultural as plantas daninhas. A aplicação do trinexapac-ethyl também não afetou significativamente a produtividade dos híbridos em ambos os anos (Tabelas 3 e 4). Segundo Lima e Lovato (1995), a não resposta da produtividade à aplicação de reguladores de crescimento pode estar relacionada à falta de acamamento da cultura, porém, outros autores (ZAGONEL; FERNANDES, 2007) observaram maior produtividade com a aplicação de regulador de crescimento mesmo não havendo acamamento das plantas de trigo. A ausência de resultados significativos quanto ao tratamento com a aplicação do trinexapac-ethyl e a falta de interação com os demais, indicam que a cultura do milho responde de maneira pouco acentuada à aplicação do trinexapac-ethyl, porém, devido ao reduzido número de pesquisas referentes ao assunto, os resultados alcançados neste trabalho podem ser utilizados como referência para novas pesquisas sobre o tema, que são fundamentais para a confirmação dos efeitos desse regulador em milho.

Tabela 3: Número de espigas por planta (EP), massa de mil grãos (MMG), número de fileiras por espiga (FE), número de grãos por fileira (GF) e produtividade (PROD) do híbrido de milho Status TL, em função da dessecação ou não no dia da semeadura, da aplicação única ou sequencial de herbicida em pós-emergência e do uso ou não do regulador de crescimento trinexapac-ethyl, nas safras 2010/11 e 2011/12. Ponta Grossa – PR

2010/11 EP

MMG (g)

FE

2011/12 GF

PROD (kg.ha-1)

EP

MMG (g)

FE

GF

PROD (kg.ha-1)

Dessecação Com

1,9 a

366 a

15 a

25 a

9457 a

0,9 a

466 a

17 a

26 a

7854 a

Sem

0,8 a

360 a

15 a

25 a

8503 b

0,8 a

441 a

17 a

27 a

7339 a

Aplicação de herbicidas Única

1,7 a

342 b

15 b

25 a

8546 a

0,7 a

447 a

17 a

27 a

7697 a

Sequencial

1,9 a

386 a

16 a

25 a

9533 a

1,3 a

460 a

17 a

27 a

7497 a

Regulador de crescimento Com

2,2 a

358 a

15 a

25 a

9009 a

0,9 a

454 a

17 a

27 a

7703 a

Sem

1,8 a

370 a

15 a

25 a

9071 a

1,2 a

453 a

17 a

27 a

7490 a

C.V. (%)

32,0

9,9

5,1

7,7

18,0

15,0

9,0

5,0

5,0

10,1

Médias seguidas da mesma letra minúscula na coluna não diferem significativamente pelo teste de Tukey (P<0,05); C.V.: coeficiente de variação.

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FERREIRA, C; ZAGONEL, J; SENGER, M; SOUZA, A. C

Tabela 4: Número de espigas por planta (EP), massa de mil grãos (MMG), número de fileiras por espiga (FE), número de grãos por fileira (GF) e produtividade (PROD) do híbrido Maximus TLTG, em função da dessecação ou não no dia da semeadura, da aplicação única ou sequencial de herbicida em pós-emergência e do uso ou não do regulador de crescimento trinexapac-ethyl, nas safras 2010/11 e 2011/12. Ponta Grossa – PR

2010/11 EP

MMG (g)

FE

2011/12 GF

PROD (kg.ha-1)

EP

MMG (g)

FE

GF

PROD (kg.ha-1)

Dessecação Com

1,8 a

392 a

17 a

26 a

9452 a

0,8 a

432 a

18 a

29 a

8894 a

Sem

2,2 a

394 a

17 a

27 a

8516 b

0,6 a

422 a

17 a

28 a

7838 b

Aplicação de herbicidas Única

1,9 a

406 a

17 a

26 a

8873 a

1,3 a

426 a

18 a

28 a

8562 a

Sequencial

1,7 a

380 a

17 a

27 a

9095 a

0,9 a

427 a

17 a

28 a

8169 a

Regulador de crescimento Com

1,6 a

398 a

17 a

26 a

8986 a

1,1 a

431 a

18 a

28 a

8449 a

Sem

1,7 a

388 a

17 a

27 a

8982 a

0,9 a

422 a

17 a

28 a

8282 a

C.V. (%)

25,0

10,0

7,0

10,0

11,5

25,0

3,0

3,0

5,0

9,5

Médias seguidas da mesma letra minúscula na coluna não diferem significativamente pelo teste de Tukey (P<0,05); C.V.: coeficiente de variação.

Conclusão O tratamento em que consta a dessecação ou a falta dela em pré-semeadura foi o que promoveu mais efeitos significativos sobre as variáveis avaliadas, comprovando o prejuízo que a falta dessa prática de manejo proporciona, devido à presença de plantas daninhas na área no início de seu desenvolvimento da cultura. Em relação ao modo de aplicação dos herbicidas, tanto a aplicação única quanto a sequencial promoveram algumas alterações significativas para a cultura do milho, porém sem efeito sobre a produtividade. A aplicação do regulador de crescimento foi o tratamento que causou menos alterações nas características analisadas.

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DESSECAÇÃO EM PRÉ-SEMEADURA E MODOS DE APLICAÇÃO DE HERBICIDA EM PÓS-EMERGÊNCIA COMBINADO...

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Épocas de aplicação de regulador de crescimento e de sombreamento artificial em cultivares de trigo Application times of growth regulator and of artificial shading in wheat cultivars Lorena Müller Martins, lo_muller@hotmail.com Jeferson Zagonel, jefersonzagonel@uol.com.br Camila Ferreira, cferreira87@hotmail.com Marina Senger, marina_senger@hotmail.com

Resumo: O uso do regulador de crescimento trinexapac-ethyl visa reduzir a altura das plantas de trigo evitando assim o acamamento e as perdas ocasionadas por ele. Além disso, o regulador modifica a arquitetura foliar fazendo com que a planta tenha um melhor aproveitamento da radiação solar. Com o objetivo de avaliar os efeitos de épocas de aplicação do regulador de crescimento trinexapac-ethyl, associado ou não ao sombreamento artificial em diferentes estádios de desenvolvimento do trigo, realizaram-se três experimentos na Fazenda Escola da Universidade Estadual de Ponta Grossa, no município de Ponta Grossa, Paraná, dois no ano de 2010 e um no ano de 2011. O delineamento experimental foi de blocos ao acaso com quatro repetições em esquema fatorial, sendo que no ano de 2010 foi 4 x 3 (épocas de aplicação do trinexapac-ethyl x épocas de sombreamento) nas cultivares de trigo Quartzo e Supera, e no ano de 2011 no esquema 4 x 4 (épocas de aplicação do trinexapac-ethyl x épocas de sombreamento), na cultivar Quartzo. Os tratamentos consistiram de quatro épocas de aplicação do trinexapac-ethyl (sem aplicação, no perfilhamento, entre o 1o e o 2o nó perceptível e entre o 2o e o 3o nó perceptível) na dose de 100 g.ha-1 em ambos os anos e de quatro épocas de sombreamento artificial (sem cobertura, da fase de emborrachamento ao espigamento, do espigamento + 15 dias (x) e x + 15 dias) no ano de 2011 de três épocas (sem cobertura, do espigamento + 15 dias (x) e x + 15 dias) no ano de 2010. Não houve interação entre os tratamentos para as características avaliadas. Nos dois ensaios realizados não foram observadas diferenças para diâmetro do colmo, área foliar, e índice de colheita. O sombreamento artificial não afetou o número de espigas por metro, de grãos por espigueta e de perfilhos por planta nos dois anos, e o menor peso de grãos ocorreu quando o sombreamento foi realizado no final da antese e enchimento de grãos (X + 15). O número de espiguetas por espigas não foi influenciado pelo sombreamento na safra 2010, porém na safra 2011 o sombreamento no final do espigamento + 15 dias aumentou o número de espiguetas por espiga. O trinexapac-ethyl não influenciou a maioria dos componentes de produção avaliados. O sombreamento não interferiu na altura de plantas. Na safra 2011, com a aplicação do regulador de crescimento entre o primeiro e segundo nó e entre o segundo e terceiro nó perceptível a altura de plantas foi menor. A produtividade não foi afetada pelas épocas de aplicação do trinexapac-ethyl. Na safra 2011 o sombreamento artificial efetuado no final da antese e enchimento de grãos (X + 15 dias) resultou em menor produtividade. Palavras-chave: Triticum aestivum; trinexapac-ethyl; sombreamento. Abstract: The use of the growth regulator trinexapac-ethyl intends to reduce the height of wheat plants, avoiding lodging and losses caused by it. In addition, it causes changes on the leaf architecture making the plant have a better use of solar radiation. Intending to evaluate the effects of application times of the growth regulator trinexapac-ethyl with or without artificial shade at different growth stages of wheat, three experiments were made in the Farm School of Ponta Grossa State University, in the municipality of Ponta Grossa, Parana, two in 2010 and one in 2011. The experimental design was made with randomized blocks of four repetitions in a factorial design, where in 2010 it was 4 x 3 (times of application of trinexapac-ethyl x shading time) in Quartzo and Supera wheat cultivar and in 2011 it was made in 4 x 4 schedule (time of application of trinexapac-ethyl x shading time), in Quartzo cultivar. Treatments consisted in four periods of application of trinexapac-ethyl (without application, in the sequence, between first and second


ÉPOCAS DE APLICAÇÃO DE REGULADOR DE CRESCIMENTO E DE SOMBREAMENTO ARTIFICIAL EM CULTIVARES DE TRIGO

perceivable knot and between second and third perceivable knot) with the dose of 100 g.ha-1 in each years and four seasons of shading (without coverage, in the rubbery to earing stage + 15 days (x), X + 15 days) in 2011 and three seasons (without coverage, the earing stage + 15 days (x) and X + 15 days) in 2010. There was not any interaction observed between the treatments for the evaluated characteristics. There were no differences observed for stem diameter, leaf area and harvest index in both trials. The artificial shade did not affect the number of spikes per meter, grains per spikelet, number of sequences per plant in two years and the lowest grain yield occurred when the shading was done at the end of anthesis and grain filling (X + 15). The number of spikelets per spike was not affected by shading in the 2010 harvest, but in the 2011 harvest the period of shading done at the end of earing stage + 15 days increased the number of spikelets per spike. The trinexapac-ethyl did not affect most of the yield components evaluated. Shading did not affect the plant height. In the 2011 harvest, with the application of growth regulator between the first and second knot and between the second and third knot visible made the plant height lower. The yield was not affected by trinexapac-ethyl applications timing. In the 2011 harvest the shading done at the end of anthesis and grain filling (X + 15 days) resulted in lower productivity. Keywords: Triticum aestivum; Trinexapac-ethyl; Shading.

O trigo (Triticum aestivum L.) é um dos cereais mais cultivados e importantes do mundo, representando aproximadamente 30% da produção mundial de grãos. É uma cultura de grande importância para o Brasil, havendo no país uma demanda crescente por derivados desse cereal (SEAB/ DERAL, 2013). No entanto, a falta de incentivo à produção de trigo, as baixas produtividades e a qualidade inferior, são fatores que estão diretamente relacionados ao deficit anual (CARNEIRO, 2005), sendo o grande desafio, para o Brasil, para sair da condição de importador e alcançar a autossuficiência (SMANHOTTO et al., 2006). A diminuição da produtividade do trigo, entre outros fatores, está muitas vezes relacionada à suscetibilidade ao acamamento de alguns cultivares, o que acarreta também a redução da qualidade dos grãos e o aumento das perdas na operação de colheita (RODRIGUES et al., 2003). Uma alternativa para contornar esse problema é a aplicação de reguladores de crescimento. Os redutores de crescimento possibilitam o uso de maiores doses de nitrogênio, mesmo em cultivares de porte mais alto, atuando como sinalizadores químicos na regulação do crescimento e no desenvolvimento de plantas, pois podem impedir o alongamento de raízes e caules, a germinação de sementes e o brotamento de gemas, conforme o estádio fenológico de aplicação e a dose utilizada (MATYSIAK, 2006). Reguladores de crescimento são compostos sintéticos que podem ser utilizados para reduzir o crescimento longitudinal indesejável da parte aérea das plantas sem diminuição da produtividade (RADEMACHER, 2000). O trinexapac-ethyl é um regulador de crescimento utilizado em cereais de inverno, que promove redução acentuada do comprimento do colmo com redução da altura da planta, evitando o acamamento. O trinexapac-ethyl é absorvido pelas

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folhas, sendo translocado até os nós do colmo, atuando no balanço das giberelinas e afetando a elongação dos entrenós (COSTA et al., 2010). A aplicação do trinexapac-ethyl muda a arquitetura da folha de trigo, o que provavelmente faz com que a planta tenha um aproveitamento mais eficiente da radiação solar, que pode resultar em aumento de produtividade. O efeito do trinexapac-ethyl pode ser observado em média de 15 a 20 dias após a aplicação, sendo que a inclinação da folha pode variar de acordo com a cultivar e pode explicar os ganhos de produtividade em cultivares de porte baixo, mesmo sem a ocorrência de acamamento (PENCKOWSKI et al., 2010). A produção de biomassa pelas culturas está relacionada à quantidade de radiação fotossinteticamente ativa interceptada e absorvida pelas folhas, e à eficiência com que estas convertem a energia radiante em energia química, pela fotossíntese, a qual é responsável pelo enchimento de grãos (HEINEMANN et al., 2006). Willey e Holliday (1971) concluíram que períodos de alta nebulosidade ocasionam deficiência fotossintética, resultando em menor peso de grãos na cultura do trigo. O baixo índice de radiação solar incidente na Região Sul do Brasil pode ser responsável pela menor produtividade da cultura do trigo em relação a outras regiões (ZAGONEL; FERNANDES, 2007). Nesse sentido, o sombreamento artificial associado à aplicação do regulador de crescimento trinexapac-ethyl pode indicar se há relação entre o aumento da produtividade causada pelo uso do regulador, conforme observam vários autores (BERTI et al., 2007; PENCKOWSKI et al., 2009), com a melhor absorção da radiação solar causada pela mudança da arquitetura foliar ocasionada pelo uso do produto.


MARTINS, L. M; ZAGONEL, J; FERREIRA, C; SENGER, M

Assim, realizaram-se três experimentos, nos anos 2010 e 2011, com o objetivo de avaliar os efeitos de épocas de aplicação do regulador de crescimento trinexapac-ethyl associado ou não ao sombreamento artificial em diferentes estádios de desenvolvimento do trigo.

Material e métodos Foram instalados três experimentos nos anos de 2010 e 2011, na Fazenda Escola “Capão da Onça” da Universidade

Estadual de Ponta Grossa (UEPG), município de Ponta Grossa–PR. O clima de Ponta Grossa é classificado como Cfb, segundo Köppen. O solo das áreas experimentais foi classificado como um Cambissolo Háplico Tb distrófico típico (EMBRAPA, 2006), de textura argilosa. Os resultados das análises químicas encontram-se na Tabela 1. A análise granulométrica do solo forneceu as quantidades de areia – 361g.kg-1, silte – 179 g.kg-1 e argila – 460 g.kg-1. Dados das características climáticas temperatura e precipitação encontram-se nas Figuras 1 e 2.

Tabela 01: Características químicas do solo. Ponta Grossa, UEPG, 2010/11.

Profundidade

pH

cm

H + Al

Ca

Mg

K

cmolc. dm-3

CTC1

V2

(pH 7,0)

M3 %

P

C

mg. dm-3

g. dm-3

ANO 2010 0 - 10

5,2

6,69

5,5

1,9

0,36

14,45

53,7

0,0

19,4

36

10 - 20

5,0

7,20

3,9

1,5

0,29

12,89

44,1

0,0

6,8

29

ANO 2011

1

0 - 10

5,6

4,96

6,4

2,0

0,53

13,89

64,3

0,0

34,4

33

10 - 20

5,6

4,96

4,2

1,9

0,40

11,46

56,7

0,0

7,1

23

CTC = Capacidade de troca catiônica do solo a pH 7,0; 2V = Saturação por bases; 3M = Saturação por alumínio. Métodos de extração: pH = CaCl2, H + Al = Solução tampão SMP, Ca e Mg = KCl 1 mol. L-1, P e K = Mehlich -1 e C - orgânico = Walkley-Black.

Figura 01: Dados de temperatura e precipitação em Ponta Grossa – PR no decorrer da safra de trigo (2010).

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ÉPOCAS DE APLICAÇÃO DE REGULADOR DE CRESCIMENTO E DE SOMBREAMENTO ARTIFICIAL EM CULTIVARES DE TRIGO

Figura 2: Dados de temperatura e precipitação em Ponta Grossa – PR no decorrer da safra de trigo (2011).

Os experimentos diferiram-se conforme a cultivar semeada nos anos 2010 e 2011. Em 2010 semearam-se as cultivares Quartzo e Supera sob o sistema de “plantio direto na palha”, sendo milho a cultura antecessora. A dessecação da área foi realizada com glifosato + 2,4-D (720 + 670 g e.a. ha-1) aos 25 dias antes da semeadura, e, um dia antes da semeadura do trigo, realizou-se uma dessecação com paraquate + diuron (300 + 150 g e.a. ha-1) para eliminar as plantas daninhas presentes na área. A adubação de base foi realizada com 300 kg ha-1 da fórmula comercial 05-25-25, o que equivale a 15 kg ha-1 de nitrogênio, 75 kg ha-1 de P2O5 e 75 kg ha-1 de K2O, sendo aplicados na forma de ureia, superfosfato simples e nitrato de potássio respectivamente. Em cobertura foram utilizados 67,5 kg ha-1 de N, na forma de ureia, aplicados no início do perfilhamento. O controle de pragas e doenças no tratamento de sementes consistiu de 35,0 g de thiamethoxam e da mistura pronta de 50 + 50 g de carboxim + tiram por 100 kg de sementes. O controle de doenças foi realizado com a aplicação de 56,25 + 24,00 g.ha-1 de trifloxistrobina + ciproconazol no início da elongação do colmo, aos 43 dias após a emergência das plantas (DAE); e de duas aplicações de 60 + 120 g.ha-1 de óleo metilado de soja, uma no final da elongação/ início do espigamento (65 DAE) e outra no final do florescimento (84 DAE). O controle de pragas foi realizado com uma aplicação de 62,0 g.ha-1 de thiamethoxam + lambdacialotrina aos 22 DAE e uma de 160 g.ha-1 de dimetoato aos 43 FAE. Para o controle das plantas daninhas em

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pós-emergência, utilizou-se 3,0 g.ha-1 de metsulfuron-metílico adicionado de óleo mineral a 0,5% v.v-1 aos 43 DAE. O volume de calda utilizado em todos os tratamentos foi de 150 L.ha-1. O delineamento experimental utilizado foi de blocos ao acaso em esquema fatorial 4 x 3 (épocas de aplicação do trinexapac-ethyl x épocas de sombreamento) com quatro repetições. No ano de 2011, a semeadura da cultivar Quartzo também foi realizada em sistema de “plantio direto na palha”, sendo milho a cultura antecessora. A adubação de base foi realizada com 300 kg.ha-1 da fórmula comercial 14-34-00, o que equivale a 42 kg.ha-1 de nitrogênio e 102 kg.ha-1 de P2O5, aplicados na forma de ureia e superfosfato simples. Em cobertura se utilizou 50 kg.ha-1 de N e 50 kg ha-1 de K2O na fórmula comercial 25-00-25, na forma de ureia e nitrato de potássio, aplicados no início do perfilhamento. Tanto o tratamento de sementes quanto o manejo de controle de plantas daninhas, pragas e doenças foram realizados da mesma forma que no ano anterior. O delineamento experimental utilizado foi de blocos ao acaso em esquema fatorial 4 x 4 (épocas de aplicação do trinexapac-ethyl x épocas de sombreamento) com quatro repetições. Nas duas safras as parcelas foram compostas de 16 linhas de 6,0 m de comprimento espaçadas de 0,17 m, totalizando 16,32 m². Como área útil foram consideradas as 8 linhas centrais eliminando 1 metro em cada extremidade da parcela (5,44 m²).


MARTINS, L. M; ZAGONEL, J; FERREIRA, C; SENGER, M

Os tratamentos consistiram de quatro épocas de aplicação do trinexapac-ethyl (sem aplicação, no perfilhamento, entre o 1o e o 2o nó perceptível e entre o 2o e o 3o nó perceptível) na dose de 100 g.ha-1. No ano de 2010, o sombreamento foi realizado em três épocas (sem cobertura, do espigamento + 15 dias (x) e x + 15 dias) e no ano de 2011, o sombreamento artificial foi realizado em quatro épocas (sem cobertura, da fase de emborrachamento ao espigamento, do espigamento + 15 dias (x) e x + 15 dias). O trinexapac-ethyl foi aplicado por meio de pulverizador costal, a pressão constante de 206,85 kPa, pelo CO2 comprimido, com barra de 3,0 m de largura munida de seis bicos com pontas jato plano “leque” XR 110-02, distanciados de 0,50 m um do outro e volume de calda de 150 L.ha1 . Na aplicação a cultura estava no estádio 22 da escala de Zadoks et al. (1974) no momento da primeira aplicação, estádio 31 na segunda aplicação e 33 na terceira aplicação. O sombreamento artificial foi simulado pelo uso de sombrite, com redução de 35% da radiação, colocado a uma altura de 1,30 m do solo com a utilização de estruturas de ferro no formato de “L”, sendo ligada uma a outra por bambu, em que foram amarrados os sombrites com a utilização de abraçadeiras de nylon. Na fase da antese foram colhidas as plantas de um metro de linha, e dessas retiradas aleatoriamente 10 plantas de trigo por parcela para as avaliações de área foliar, altura da planta, largura e comprimento da folha bandeira. A área foliar foi avaliada por meio do aparelho digital integrador óptico de área, o qual possui uma precisão de 0,01 cm². Para a determinação da área foliar foram somadas as áreas de todas as folhas de dez plantas por parcela. A altura de plantas foi determinada medindo-se o comprimento da planta desde o solo até a base da espiga. Na planta-mãe foram medidos o comprimento e a largura da folha bandeira. O comprimento foi determinado na parte central da folha, da base até a ponta da folha e a largura no centro da folha, fazendo-se uso de uma régua graduada. Antes da colheita foram colhidas as plantas de dois metros de linha de cada parcela para determinar o número de espigas por metro. Dessas plantas foram selecionadas aleatoriamente dez, as quais foram utilizadas para determinação do número de grãos por espiga e comprimento do pedúnculo. Grãos, folhas, colmos e ráquis das plantas utilizadas para determinação dos componentes de produção foram colocados em estufa de ventilação, forçada a uma temperatura de 65oC por 48 horas para determinação do Índice de Colheita Aparente (IC). O IC foi calculado por meio da fórmula:

Nas duas safras se colheu a área útil das parcelas para a determinação da produtividade, sendo corrigida a umidade para 13%. Dos grãos colhidos foi determinada a massa de mil grãos. Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância pelo teste de F, e quando significativas as diferenças entre as médias, foram comparadas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade.

Resultados e discussão Não ocorreram interações significativas entre o sombreamento e o trinexapac-ethyl para as variáveis estudadas. Nos experimentos realizados no ano 2010, não ocorreram diferenças significativas para o comprimento e largura da folha bandeira com o sombreamento e com a aplicação do regulador de crescimento nas diferentes épocas e em ambas as cultivares (Tabela 2). Esse resultado pode ter ocorrido devido à deficiência hídrica observada na safra 2010, uma vez que o efeito do redutor de crescimento é minimizado nessas condições (MATYSIAK, 2006; RODRIGUES et al., 2003). Na safra 2011, ano de características climáticas normais para a época da condução do experimento, não houve diferença significativa para as épocas de sombreamento; já a aplicação do trinexapac-ethyl afetou significativamente o comprimento e a largura da folha bandeira, sendo que o comprimento foi menor quando aplicado o regulador de crescimento entre o primeiro e o segundo nó, e a largura diminuiu em todas as épocas de aplicação do regulador de crescimento (Tabela 3). Segundo Fernandes (2009), tanto o comprimento como a largura da folha bandeira são características de cada cultivar, mas que podem ser alteradas de acordo com as condições climáticas ou técnicas de manejo empregadas, como o uso de regulador de crescimento. Ainda, em cereais de inverno, folhas compridas são mais decumbentes, sendo que folhas curtas são mais eretas, estando associadas a uma melhor distribuição no dossel, fazendo com que a interceptação solar seja melhor.

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ÉPOCAS DE APLICAÇÃO DE REGULADOR DE CRESCIMENTO E DE SOMBREAMENTO ARTIFICIAL EM CULTIVARES DE TRIGO

Tabela 2: Comprimento (CFB) e largura (LFB) da folha bandeira em função de épocas de aplicação de regulador de crescimento e de sombreamento artificial nas cultivares de trigo Supera e Quartzo. Ponta Grossa, PR, 2010.

SUPERA SOMBREAMENTO

CFB

QUARTZO LFB

CFB

LFB

-------------------------cm---------------------------Sem

12,89 a

0,79 a

11,18 a

0,74 b

Fim espigamento + 15 dias (X)

12,26 a

0,76 a

11,63 a

0,79 a

X + 15 dias

13,62 a

0,77 a

12,48 a

0,79 a

TRINEXAPAC-ETHYL

Sem

13,20 a

0,78 a

11,47 a

0,77 a

Perfilhamento

12,65 a

0,78 a

12,39 a

0,77 a

1˚ e 2˚ nó

13,25 a

0,77 a

11,52 a

0,76 a

2˚ e 3˚ nó

12,60 a

0,75 a

11,68 a

0,79 a

CV

12,45

7,31

13,77

7,32

Médias seguidas por letras distintas na coluna diferem entre si ao nível de significância Tukey 5%.

Tabela 3: Comprimento (CFB) e largura (LFB) da folha bandeira em função de épocas de aplicação de regulador de crescimento e de sombreamento artificial na cultivar de trigo Quartzo. Ponta Grossa, PR, 2011.

SOMBREAMENTO

CFB

LFB

------------cm-------------

Sem

19,90 a

1,30 a

Emborrachamento/Espigamento

20,07 a

1,31 a

Fim espigamento + 15 dias (X)

19,71 a

1,31 a

X + 15 dias

19,91 a

1,32 a

TRINEXAPAC-ETHYL

Sem

21,24 a

1,37 a

Perfilhamento

20,33 a

1,29 ab

1˚ e 2˚ nó

17,49 b

1,33 ab

2˚ e 3˚ nó

20,53 a

1,25 b

CV

7,69

7,12

Médias seguidas por letras distintas na coluna diferem entre si ao nível de significância Tukey 5%.

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MARTINS, L. M; ZAGONEL, J; FERREIRA, C; SENGER, M

As épocas de sombreamento artificial não interferiram no comprimento do pedúnculo e na altura das plantas para ambas as cultivares na safra 2010 (Tabela 4). Quanto a épocas de aplicação do trinexapac-ethyl, houve diferença significativa somente para o comprimento do pedúnculo da cultivar Supera, quando o trinexapac-ethyl foi aplicado no perfilhamento, entre o primeiro e segundo nó e entre o segundo e terceiro nó perceptível em relação à não aplicação (Tabela 4). Aplicações tardias reduzem sensivelmente o tamanho das plantas, pois o efeito ocorre sobre os entrenós superiores, mais longos, como o pedúnculo, e podem retardar o espigamento (RODRIGUES et al., 2003). Assim, aplicações após o terceiro nó podem resultar em encurtamento acentuado do pedúnculo, fazendo com que a espiga fique retida na bainha da folha bandeira, o que resultará em problemas na antese e, consequentemente, na produtividade do trigo (PENCKOWSKI et al., 2009). A ausência de resposta da altura das plantas para a aplicação do trinexapac-ethyl, em ambas as cultivares no ano de 2010, pode ser em razão da baixa precipitação pluvial no

decorrer do experimento, um fator importante para a atuação do redutor de crescimento que tem sua ação minimizada em anos de poucas chuvas (RODRIGUES et al., 2003). Na safra 2011, o sombreamento artificial em todas as épocas não afetou o comprimento do pedúnculo nem a altura das plantas (Tabela 5). No entanto, observou-se que o trinexapac-ethyl promoveu redução da altura de plantas e comprimento do pedúnculo em todas as épocas de aplicação, mais acentuadas quando o produto foi aplicado entre o primeiro e o segundo e entre o segundo e o terceiro nó perceptível (Tabela 5). Segundo Zagonel e Fernandes (2007), o moento recomendado de aplicação do trinexapac-ethyl é entre o primeiro e o segundo nó perceptível. Berti et al. (2007) comentam que aplicações mais tardias do trinexapac-ethyl deveriam promover uma maior redução da altura das plantas em relação à aplicação mais precoce, visto que a aplicação tardia afeta o comprimento dos entrenós que se formam mais tarde, que são os mais longos, como ocorreu neste trabalho no experimento realizado em 2011.

Tabela 4: Comprimento do pedúnculo (CP) e altura (ALT) de plantas em função de épocas de aplicação de regulador de crescimento e de sombreamento artificial nas cultivares de trigo Supera e Quartzo. Ponta Grossa, PR, 2010.

SUPERA SOMBREAMENTO

CP

QUARTZO ALT

CP

ALT

-----------------------cm----------------------Sem

27,5 a

60,7 a

29,1 a

65,3 a

Fim espigamento + 15 dias (X)

27,3 a

60,3 a

28,2 a

65,2 a

X + 15 dias

28,2 a

62,4 a

28,7 a

65,6 a

TRINEXAPAC-ETHYL

Sem

29,2 a

63,3 a

28,5 a

65,0 a

Perfilhamento

27,0 b

60,3 a

29,5 a

66,3 a

1˚ e 2˚ nó

27,3 b

60,0 a

28,4 a

64,9 a

2˚ e 3˚ nó

27,1 b

60,3 a

28,2 a

65,3 a

CV

4,62

5,72

5,63

3,67

Médias seguidas por letras distintas na coluna diferem entre si ao nível de significância Tukey 5%.

Revista EIXO, Brasília - DF, v.3 n.1, Janeiro – Junho de 2014

53


ÉPOCAS DE APLICAÇÃO DE REGULADOR DE CRESCIMENTO E DE SOMBREAMENTO ARTIFICIAL EM CULTIVARES DE TRIGO

Tabela 5: Comprimento do pedúnculo (CP) e altura (ALT) das plantas em função de épocas de aplicação de regulador de crescimento e de sombreamento artificial na cultivar de trigo Quartzo. Ponta Grossa, PR, 2011.

CP

SOMBREAMENTO

ALT --------cm-------

Sem

33,4 a

65,1 a

Emborrachamento/Espigamento

33,6 a

64,1 a

Fim espigamento + 15 dias

34,9 a

62,8 a

X + 15 dias

34,3 a

63,7 a

TRINEXAPAC-ETHYL

Sem

37,6 a

73,3 a

Perfilhamento

35,4 b

69,1 b

1 e 2 nó

30,9 c

54,8 c

2 e 3 nó

31,7 c

58,6 c

CV

4,64

6,54

Médias seguidas por letras distintas na coluna diferem entre si ao nível de significância Tukey 5%.

Na safra 2010, a aplicação do trinexapac-ethyl interferiu significativamente apenas no número de espigas por metro na cultivar Supera (Tabela 6). No entanto, na safra 2011, para a cultivar Quartzo (Tabela 7), a aplicação do trinexapac-ethyl não influenciou apenas a massa de mil grãos; assim, os demais componentes de produção foram influenciados pela época de aplicação do regulador de crescimento. O maior número de espigas por metro foi observado quando o trinexapac-ethyl foi aplicado entre o segundo e terceiro nó, seguido da época de aplicação entre o primeiro e segundo nó. Quando não foi aplicado o regulador de crescimento, foi observado um menor número de espigas por metro. O

número de grãos por espigueta foi menor quando da não aplicação do produto. Zagonel e Fernandes (2007) não observaram efeito do trinexapac-ethyl sobre o número de espigas por metro e de espiguetas por espigas em três cultivares de trigo. Porém, Zagonel et al. (2002) verificaram que a aplicação de trinexapac-ethyl promoveu efeito positivo no número de espigas por metro, número de espiguetas por espiga e massa de mil grãos. Esses autores atribuem essa variabilidade dos resultados dos componentes da produção em relação à aplicação do trinexapac-ethyl ao conjunto das variações edafoclimáticas de cada local e à cultivar utilizada.

Tabela 6: Número de espigas por metro (EP), número de grãos por espigueta (GR) e massa de mil grãos (MM) em função de épocas de aplicação de regulador de crescimento e de sombreamento artificial nas cultivares de trigo Supera e Quartzo. Ponta Grossa, PR, 2010.

SUPERA

SOMBREAMENTO

QUARTZO

EP

GR

MM (g)

EP

GR

MM (g)

Sem

65,31 a

1,88 a

28,03 b

55,93 a

1,52 a

33,00 a

Fim espigamento + 15 dias (X)

61,05 a

1,78 a

29,90 a

54,15 a

1,33 a

33,30 a

X + 15 dias

60,35 a

1,86 a

26,37 c

55,26 a

1,43 a

30,82 b

TRINEXAPAC-ETHYL

Sem

64,19 ab

1,83 a

27,72 a

53,51 a

1,40 a

32,78 a

Perfilhamento

57,07 b

1,88 a

29,01 a

56,33 a

1,42 a

32,64 a

1 e 2 nó

68,08 a

1,82 a

27,30 a

55,89 a

1,39 a

32,53 a

2 e 3 nó

59,60 ab

1,82 a

28,36 a

54,73 a

1,50 a

31,54 a

CV

14,98

16,1

5,96

16,24

15,64

6,08

Médias seguidas por letras distintas na coluna diferem entre si ao nível de significância Tukey 5%.

54

Revista EIXO, Brasília - DF, v.3 n.1, Janeiro – Junho de 2014


MARTINS, L. M; ZAGONEL, J; FERREIRA, C; SENGER, M

Com os resultados obtidos para as épocas de sombreamento artificial, verificou-se que apenas a massa de mil grãos foi influenciada pelo tratamento em ambas as cultivares na safra 2010 (Tabela 6). A época de sombreamento que corresponde ao final da antese e enchimento de grãos (X + 15 dias) foi a que mais influenciou na redução do peso de grãos, tanto na cultivar Supera como na Quartzo. Na safra 2011 (Tabela 7), a massa de mil grãos também foi influenciada pelas épocas de sombreamento, sendo que assim como na safra 2010, a época que mais afetou corresponde ao final da antese e enchimento de grãos (X + 15 dias). De acordo com Gent (1994), isso pode ser devido a condições de estresse, em que os assimilados armazenados, antes do início do enchimento dos grãos, podem contribuir

com mais de 50% da sua massa final. Assim, a maior disponibilidade de assimilados próxima à antese pode resultar em mais flores férteis e, consequentemente, em maior número e tamanho de grãos, com mais capacidade de formar grãos cheios (RODRIGUES et. al., 2003). Em trabalho realizado por Willey e Holliday (1971), foi verificado que períodos de alta nebulosidade ocasionam deficiência fotossintética, resultando em menor peso de grãos na cultura do trigo. Plantas submetidas à deficiência luminosa após o florescimento reduziram em 20% o peso de grãos (JUDEL; MENGEL, 1982). Vários autores verificaram que a baixa luminosidade reduz o número de perfilhos por planta de trigo (FRIEND, 1965b; RICKMAN et al., 1985), fato não observado neste trabalho.

Tabela 7: Número de espigas por metro (EP), número de grãos por espigueta (GR) e massa de mil grãos (MM) em função de épocas de aplicação de regulador de crescimento e de sombreamento artificial na cultivar de trigo Quartzo. Ponta Grossa, PR, 2011.

SOMBREAMENTO

EP

GR

MM ---g---

Emborrachamento/Espigamento

67,37 a

2,33 a

46,66 a

Fim espigamento + 15 dias (X)

66,43 a

2,27 a

46,73 a

X + 15 dias

66,12 a

2,33 a

43,52 b

Sem

61,81 c

2,10 b

46,85 a

Perfilhamento

64,93 bc

2,36 a

46,03 a

1 e 2 nó

67,87 b

2,37 a

44,85 a

2 e 3 nó

74,37 a

2,28 ab

44,99 a

CV

8,47

5,47

5,48

TRINEXAPAC-ETHYL

Médias seguidas por letras distintas na coluna diferem entre si ao nível de significância Tukey 5%.

Não foi observada diferença significativa na área foliar e no índice de colheita, tanto para as épocas de sombreamento artificial como para as épocas de aplicação do trinexapac-ethyl para todas as cultivares nos dois anos de pesquisa (Tabelas 8 e 9). Resultados similares foram observados por Fernandes (2009) nas cultivares Safira, OR-1 e BRS 208, nas quais a aplicação de trinexapac-ethyl não influenciou a área foliar. Fernandes (2009) comenta que a aplicação do trinexapac-ethyl influencia de forma indireta a área foliar de plantas

de trigo, pelos efeitos no número, comprimento e largura das folhas, sendo que esse efeito ocorre em intensidades diferentes conforme a cultivar. Em trabalho realizado por Berti et al. (2007), foi verificado que o aumento da dose de trinexapac-ethyl elevou o índice de colheita das cultivares Supera e CD-104, mas o mesmo não foi observado nas cultivares Vanguarda e CEP-24. Assim, tais resultados indicam que na resposta do índice de colheita a aplicação do trinexapac-ethyl é variável conforme a cultivar.

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ÉPOCAS DE APLICAÇÃO DE REGULADOR DE CRESCIMENTO E DE SOMBREAMENTO ARTIFICIAL EM CULTIVARES DE TRIGO

Tabela 8: Área foliar (AF) e índice de colheita (IC) em função de épocas de aplicação de regulador de crescimento e de sombreamento artificial nas cultivares de trigo Supera e Quartzo. Ponta Grossa, PR, 2010.

SUPERA SOMBREAMENTO

QUARTZO

AF cm

-2

IC

AF

cm

IC

-2

Sem

26,72 a

0,50 a

20,23 a

0,50 a

Fim espigamento + 15 dias (X)

29,42 a

0,52 a

19,64 a

0,48 a

X + 15 dias

30,35 a

0,50 a

20,60 a

0,48 a

TRINEXAPAC-ETHYL

Sem

31,81 a

0,49 a

19,19 a

0,50 a

Perfilhamento

28,36 a

0,50 a

21,99 a

0,50 a

1 e 2 nó

27,61 a

0,52 a

17,99 a

0,47 a

2 e 3 nó

27,53 a

0,50 a

21,48 a

0,49 a

CV

23,85

16,47

24,34

10,41

Médias seguidas por letras distintas na coluna diferem entre si ao nível de significância Tukey 5%.

Tabela 9: Área foliar (AF) e índice de colheita (IC) em função de épocas de aplicação de regulador de crescimento e de sombreamento artificial na cultivar de trigo Quartzo. Ponta Grossa, PR, 2011.

SOMBREAMENTO

AF

IC -----------cm-2----------

Sem

16,15 a

0,50 a

Emborrachamento/Espigamento

16,57 a

0,52 a

Fim espigamento + 15 dias (X)

16,79 a

0,50 a

X + 15 dias

17,46 a

0,44 a

TRINEXAPAC-ETHYL

Sem

17,37 a

0,52 a

Perfilhamento

16,52 a

0,50 a

1 e 2 nó

18,23 a

0,45 a

2 e 3 nó CV

17,85 a 36,96

0,50 a 18,61

Médias seguidas por letras distintas na coluna diferem entre si ao nível de significância Tukey 5%.

Não foram observadas diferenças de produtividade para as épocas de sombreamento artificial e também para as épocas de aplicação do trinexapc-ethyl nas cultivares Quartzo e Supera safra 2010 (Tabela 10). Na safra 2011, não ocorreram diferenças significativas para as épocas de aplicação do regulador de crescimento, mas, para as épocas de sombreamento, observou-se que houve redução de produtividade quando o sombreamento artificial foi realizado na época correspondente ao final da antese e enchimento de grãos (X + 15 dias) em relação a não simulação de sombreamento (Tabela 11).

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Matysiak (2006) relata que em anos de alta precipitação o uso do trinexapac-ethyl promove aumento da produtividade, resultado não observado em anos de deficit hídrico. Essa resposta não foi observada neste trabalho, tanto na safra 2010, quando ocorreu deficit hídrico, como na safra 2011, que foi um ano com elevada precipitação pluvial. Lima e Lovato (1995) comentam que a falta de resposta da produtividade e de seus componentes à aplicação de reguladores de crescimento pode estar relacionada à ausência de acamamento, propiciada pelas condições climáticas e de fertilidade do solo. Já Zagonel e Fernandes (2007)


MARTINS, L. M; ZAGONEL, J; FERREIRA, C; SENGER, M

observaram que, independentemente da ocorrência do acamamento, o trinexapac-ethyl promove aumento da produtividade na cultura do trigo, decorrente da melhor distribuição de fotoassimilados para os grãos, já que a altura e a massa das plantas diminuem. Lozano e Leaden (2001) atribuem o aumento de produção causado pelo trinexapac-ethyl às mudanças na arquitetura foliar das plantas, especialmente da angulação da folha-bandeira, que fica mais ereta.

A menor produtividade obtida pela cultivar Quartzo (Tabela 11), para o sombreamento na fase de antese ao início de enchimento de grãos (X+15 dias), pode estar relacionada à menor massa de grãos (Tabela 7), pois a redução da radiação solar no início do enchimento de grãos (X + 15 dias) tem maiores efeitos na massa de grãos, visto que nessa fase o número de grãos já está definido.

Tabela 10: Produtividade em função de épocas de aplicação de regulador de crescimento e de sombreamento artificial na cultivar de trigo Supera. Ponta Grossa, PR, 2010.

SUPERA

SOMBREAMENTO

QUARTZO

-------------------kg.ha -----------------1

Sem

1825 a

2563 a

Fim espigamento + 15 dias (X)

1861 a

2286 a

X + 15 dias

1656 a

2270 a

TRINEXAPAC-ETHYL

Sem

1825 a

2294 a

Perfilhamento

1766 a

2497 a

1 e 2 nó

1641 a

2247 a

2 e 3 nó

1972 a

2456 a

CV

27,22

23,99

Médias seguidas por letras distintas na coluna diferem entre si ao nível de significância Tukey 5%.

Tabela 11: Produtividade em função de épocas de aplicação de regulador de crescimento e de sombreamento artificial na cultivar de trigo Quartzo. Ponta Grossa, PR, 2011.

QUARTZO

SOMBREAMENTO

kg.ha-1

Sem

3032 a

Emborrachamento/Espigamento

2974 ab

Fim espigamento + 15 dias (X)

2815 ab

X + 15 dias

2718 b

TRINEXAPAC-ETHYL

Sem

2779 a

Perfilhamento

2933 a

1 e 2 nó

2966 a

2 e 3 nó

2859 a

CV

9,53

Médias seguidas por letras distintas na coluna diferem entre si ao nível de significância Tukey 5%.

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ÉPOCAS DE APLICAÇÃO DE REGULADOR DE CRESCIMENTO E DE SOMBREAMENTO ARTIFICIAL EM CULTIVARES DE TRIGO

Conclusão 1. Na safra 2010, apenas o pedúnculo foi reduzido com as aplicações do regulador de crescimento na cultivar Supera. 2. Na safra 2011, com a aplicação do regulador de crescimento, houve redução do comprimento do pedúnculo e da altura das plantas de trigo em todos os tratamentos, comparando-se com a testemunha. 3. Em ambas as safras, com o sombreamento artificial na fase correspondente ao final da antese e início do enchimento de grãos (X + 15), houve redução na massa de grãos nas duas cultivares. 4. O sombreamento artificial, na fase correspondente ao final da antese e início do enchimento de grãos (X + 15 dias), reduziu a produtividade da cultivar Quartzo na safra 2011, mas na safra de 2010 não houve essa redução. 5. O trinexapac-ethyl não interferiu na produtividade em ambas as safras, tanto na cultivar Quartzo como na cultivar Supera, independentemente da época em que foi aplicado.

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A Matemática no Universo da Música Mathematics in the music universe Rosa García Márquez, Universidade Federal do Rio do Janeiro, rosagmarquez@yahoo.com.br Andréa Zander Vaiano, andreazanderv@yahoo.com.br Rosana de Oliveira, rosanamusica@oi.com.br Resumo: A Música é a arte mais popular do conhecimento humano. Desde 2011, tornou-se parte obrigatória da grade curricular do Ensino Básico das escolas públicas e privadas do Brasil. Porém, deixou-se a critério de cada instituição decidir o conteúdo a ser desenvolvido. Professores das séries iniciais optam por não trabalhar a Música por se sentirem inseguros. Por outro lado, quando a utilizam como recurso pedagógico, valorizam mais seus aspectos extramusicais. Nesse contexto, foi desenvolvido este trabalho no qual se pretende descrever as relações existentes entre a Matemática e a Música, enriquecer o conhecimento do professor, bem como apresentar maneiras de abordar a Música por meio dos conteúdos de Matemática. Palavras-chave: Música; Matemática; Ensino Básico; Multidisciplinaridade. Abstract: Music is the most popular art of the human knowledge. Since 2011, it became an obligatory part to the curriculum of Basic Education of public and private schools in Brazil. However, each school can resolve the content that will be developed. Teachers of the early grades choose not to work Music content because they feel insecure. On the other hand, when they choose to use Music as a teaching resource, they valorize its extra musical aspects more. In this context, this work was developed intending to describe the relationships between Mathematics and Music, enrich the teacher’s knowledge, as well as provide ways to approach Music through the Mathematics contents. Keywords: Music; Mathematics; Basic Education; Multidisciplinary.

N

a década de 1970, a Música era uma disciplina obrigatória do currículo escolar e objetivava desenvolver a criatividade da criança. Porém, era feito de forma despreparada, indiscriminada e desvinculada de um projeto coletivo pela maioria dos professores, perdendo o sentido. O projeto de lei no 11.769, que incluiu a Música nas aulas de Educação Artística, foi proposto pela atual governadora do Maranhão, Roseana Sarney, e sancionado pelo ex-presidente Lula em agosto de 2008. A lei, que deveria entrar em vigor nas instituições escolares, públicas e particulares até final de 2011, teve a sua inclusão obrigatória no Ensino Básico prorrogada para 2012. Da creche ao quinto ano deve ser implementada uma iniciação musical que objetiva aumentar a criatividade (Figueiredo, 2007), desenvolver as habilidades motoras, a capacidade de concentração e a memorização do aluno, bem como a capacidade de interação em grupo, o que ajudará no processo de alfabetização e no raciocínio lógico em Matemática (BRASIL, 2006). O currículo do ensino da Música não tem ementa definida, ficando, desse modo, a critério de cada escola a

elaboração do programa a ser desenvolvido. Entretanto, pressupondo que nem todas as escolas têm infraestrutura adequada para a realização do trabalho, cabe ao docente adaptar-se às diferentes situações, usando a sua criatividade. Como ainda há carência de professores capacitados para essa tarefa, o MEC (BRASIL, 2006) oferece cursos de formação para incentivar e habilitar esses profissionais.

A Música na Educação Ações que podem ser observadas, combinando a música com o ensino de disciplinas, estão relacionadas a seguir.

Projeto MPB nas Escolas Antecipando-se à lei no 11.769, o Instituto Cultural Cravo Alvim, em parceria com a Secretaria Estadual de Educação (SEEDUC), elaborou o projeto MPB nas Escolas, que objetiva apresentar ao aluno a origem da música popular, a


A MATEMÁTICA NO UNIVERSO DA MÚSICA

influência dos compositores na formação cultural do país e o contexto das canções de maneira interdisciplinar, através de DVDs, cartazes, livros e um CD, explicando como se deu a formação da MPB.

Projeto Drummath Em 1999, Carlos Eduardo Mathias, professor do Instituto Benjamin Constant, situado na Urca, Rio de Janeiro, elaborou uma metodologia para o ensino de Matemática nas séries iniciais de crianças que têm deficiência visual. Por meio de atividades rítmicas, o aluno aprende números pares e ímpares, números primos e múltiplos. A ideia do professor Mathias foi fundamentada na teoria do médico e psicólogo francês Henri Wallon (1879-1962) (MOTTA, 1999), que se baseava na ligação entre os aspectos cognitivos, motores e afetivos de um indivíduo.

Ligações entre a Música e a Matemática A Matemática esteve presente em toda a história da Música, seja na fundamentação teórica ou na composição musical. Provavelmente, uma das primeiras tentativas de organizar e compreender o espectro sonoro no ocidente foi na Grécia antiga, há mais de 500 anos a.C. O matemático grego Pitágoras (570 a.C - 497 a.C.) foi o protagonista dos estudos matemáticos-musicais, ao perceber que o som de uma corda esticada produzia sons graves e agudos, segundo sua divisão. Na acústica se estudam as vibrações, oscilações, tipos de onda que são produzidos por um som. A forma de onda pode ser descrita matematicamente pela função seno ou senoide, em termos de sua amplitude, frequência e comprimento de onda. Na afinação dos instrumentos é por vezes necessário usar as proporções entre as frequências e definir ajustes, chamados temperamentos. Na teoria, a divisão da Música em compassos, a representação em forma de frações (Schaefer et al. 1991), o número de valores (figuras de som) a serem utilizados para preencher os tempos dos compassos (Morais, 1983), são praticamente, na sua totalidade, explicados por meio da Matemática. Na composição musical erudita, usam-se, há muito tempo, propriedades de alguns números ou proporções especiais e transformações geométricas. Alguns compositores modernos recorrem a teorias matemáticas mais complexas, como, por exemplo, a dos processos estocásticos.

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Atividades Propostas O mundo vive numa profusão de ritmos, vivenciados sob diversos aspectos: no relógio, no andar das pessoas, no voo dos pássaros, nos pingos de chuva, nas batidas do coração, num motor, numa banda, num piscar de olhos, nas brincadeiras e nos trabalhos manuais. Mesmo as crianças de pouca idade que mal conseguem falar já acompanham, a seu modo, uma música, seja tentando balbuciar palavras, batendo palmas ou dançando. Por isso, há uma necessidade de desenvolver nas crianças pequenas o senso de ritmo (Ferreira et al., 2010). Se o saber é construído a partir da interação da criança com o ambiente, e o ritmo é parte primordial do mundo que a cerca, cabe a nós, educadores, levá-la a descobrir, observar, analisar e compreender os ritmos do mundo através da música, do canto, do contato com instrumentos musicais, da dança e do teatro. São encontrados alguns exemplos de brincadeiras e cantigas em composições, no universo do cancioneiro popular infantil, que estimulam a percepção de ritmo e som e podem ser usadas em sala de aula pelo professor. Como, por exemplo, brincadeiras de pular corda, bater com a bola no chão, entre outras. Nesta seção apresentamos alguns métodos e atividades que podem ser realizadas em sala de aula na relação entre Música e Matemática (Simonato, 2005). ◆◆ Realizar experimentos de ritmo e som, introduzindo conceitos musicais básicos e as notas musicais. ◆◆ Brincar com as músicas do cancioneiro infantil, com o intuito de testar a concentração dos participantes. ◆◆ Usar o compasso simples no ensino da contagem e da escrita dos primeiros numerais. ◆◆ Extrair conteúdos matemáticos, implícitos ou explícitos, de diferentes canções. ◆◆ Construir sequências músico-corporais.

Ritmo e Som: Atividades Práticas Serão apresentadas atividades práticas, de caráter coletivo, que podem ser desenvolvidas em sala de aula com as devidas adaptações.


MÁRQUEZ, R. G; VAIANO, A. Z; OLIVEIRA. R

Atividade 1: Propriedades do Som (altura) Caranguejo

Público-Alvo – Educação Infantil

(Folclore Brasileiro)

Objetivos – Diferenciar som grave de agudo; estimular a memorização. Desenvolvimento Cantar a música (Fig. 1) realizando o que ela propõe, ou seja, o bater de palmas e pés. O choque entre as mãos abertas produzirá um som mais agudo que a batida dos pés, que, consequentemente, produzirá um som mais grave que as palmas.

Atividade 2: O Barquinho Público-Alvo – Educação Infantil (5 – 6 anos) Objetivos – Vivenciar o pulso e a divisão do compasso binário, o ritmo, a concentração; trabalhar com as figuras geométricas, quantidade e conjuntos. Desenvolvimento 1. Cantar com as crianças a música “O Barquinho”(Fig. 2). 2. Dividir a turma em duplas. Os pares sentados no chão de pernas cruzadas de frente um para o outro darão as mãos e realizarão o movimento rítmico de ir e vir, enquanto cantam a música.

Palma, palma, palma (bate palmas) Pé, pé, pé (bate o pé no chão) Roda, roda, roda (roda em torno de si) Caranguejo, peixe é (no "é" se agacha) Figura 1: Letra da música “Caranguejo”

3. Cada aluno deve confeccionar seu barquinho de papel. 4. Desenhar no chão (com giz ou fita crepe) quatro figuras geométricas planas que esteja trabalhando com os alunos. Designe uma figura para cada conjunto dos integrantes da turma. Exemplo: triângulo para os meninos, quadrado para as meninas e círculo para o professor. 5. Reforçar com o grupo as figuras desenhadas, solicitando que todos os meninos deixem seus barquinhos dentro do triângulo, as meninas no quadrado e o professor no círculo. 6. Trabalhar a quantidade de elementos em cada conjunto; conjunto unitário (professor); escrita do numeral que representa a quantidade do conjunto dos meninos e das meninas.

O Barquinho O Barquinho

(autor: Zélia B. Moraes) (autor: Zélia B. Moraes) Está chovendo Está chovendo

Vouccolocar meu barquinho de papelde papel Vou olocar meu barquinho Pra enxurrada levar (BIS)

Pra enxurrada levar (BIS) Não sei pra onde vai Nem como vai parar Não sei pra onde vai Talvez pare ali Talvez cheguevao Nem como ai mar parar Talvez pare ali Talvez pare aaoli mar! Talvez chegue

Talvez chegue ao mar Talvez pare ali

Figura 2: Letra e partitura da música “O Barquinho”

Talvez chegue ao mar! Revista EIXO, Brasília - DF, v.3 n.1, Janeiro – Junho de 2014

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A MATEMÁTICA NO UNIVERSO DA MÚSICA

Atividade 3: Trabalhando a concentração

Praticar a fala ritmada do contracanto:

Público-Alvo – Turmas a partir do 6o ano do Ensino Fundamental – 11 anos em diante. (Não há limite máximo de idade).

samba, sambalelê, pisa, barra da saia; samba, sambalelê, pisa, barra da saia!

Objetivos – Trabalhar o ritmo e a concentração. Desenvolvimento Praticar o canto coletivo com a música Sambalelê (Fig. 3). Andar pela sala cantando a música e percebendo a divisão binária (1- 2; 1- 2)

Dividir a turma em dois grupos. Designar um grupo para o contracanto. No refrão: "(...) samba, samba, sambalelê(...)" o grupo 2 entra com a fala ritmada sob a mesma letra. Ambos se encontrarão ao final. Ressaltar a concentração para que os grupos não se percam. Inverter os grupos para que ambos experimentem o contracanto.

Sambalelê Sambalelê (Folclore brasileiro) (Folclore Brasileiro) Sambalelê tá doente Tá com a cabeça quebrada Sambalelê tá doente Sambalelê precisava Tá com a cabeça quebrada é dSambalelê e umas precisava oito lambadas. é depumas lambadas. Pisa, isa, poito isa, mulata Pisa, pisa, pisa, mulata

Pisa da saia, Pisa nana barrabarra da saia, mulata! mulata! Pisa, pisa, pisa, mulata Pisa na barra da saia. Pisa, pisa, pisa, mulata

Pisa na barra da saia.

Figura 3: Letra e partitura da música “Sambalelê”

Atividade 4: O jogo Público-Alvo – Turmas a partir do 5o ano do Ensino Fundamental (não há limite máximo de idade). Objetivo – Vivenciar o pulso, 1o tempo do compasso, com a música de divisão binária (compasso binário).

Desenvolvimento 1. Dividir a turma em duplas. Cada dupla recebe uma pedrinha ou caixa de fósforos vazia. 2. Organizados em duplas, um de frente para o outro, deverão cantar a música Escravos de Jó, (Fig. 4) trocando entre si a pedra de acordo com o ritmo que a música propõe.

Escravos dEscravos e Jó (versão Zambelê) de Jó (versão Zambelê) Escravos de Jó, jogavam caxangá

Escravos de Jó, jogavam caxangá deixa foicar... Zambelê ficar... Tira, bota, deixa Tira, o Zbota, ambelê Guerreiros com guerreiros fazem zigue zá Guerreiros com gzigue uerreiros fazem zigue zigue Guerreiros com guerreiros fazem zigue zá zigue zá.

Guerreiros com guerreiros fazem zigue zigue Figura 4: Letra e partitura da música “Escravos de Jó” zá. Observação – O toque da pedra sobre a mesa caracteriza o pulso da música. 64

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MÁRQUEZ, R. G; VAIANO, A. Z; OLIVEIRA. R

Atividade 5: Tabuada de Multiplicação Público-Alvo – Turmas a partir do 3o ano do Ensino Fundamental Objetivo – Praticar a tabuada de multiplicação do número “cinco”. Desenvolvimento Cantar a tabuada de 5 (cinco) usando a melodia da música.

Escravos de Jó (Modificada) De 5 em 5 vamos saltear Pense, cante, deixe rolar É 5, é 10, é 15, é 20, depois 25! (bis) Depois do 25 o que será que tem? (bis) Pense, cante, tente dizer É 30, é 35, como é fácil de aprender! (bis) Depois do 35 o que será que tem? (bis) Pense, cante, tente cantar 40, 45, e 50 pra acabar! (bis) Figura 5: Letra da música “Escravos de Jó”

Conclusões Espera-se que as sugestões feitas neste trabalho possam contribuir para que professores do ensino fundamental se sintam motivados a dar passos na direção de proporcionar, através da Música, meios não só de revisar e reforçar tópicos de diversos conteúdos, mas também de proporcionar aos educandos uma consciência musical. Que a Música deixe de ser apenas um elemento recreador, para tornar-se uma forte aliada de aulas motivadoras, participativas e desafiadoras. A Música torna as crianças mais sensíveis, pacientes, com maior concentração e percepção de detalhes – favorecendo-lhes, assim, o desenvolvimento da capacidade de abstração – e, consequentemente, facilita a aprendizagem.

Referências Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNE/CP n.1, de 15 de maio de 2006. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov. br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2014. Ferreira, Denise Luzia de Amorim. et al. A influência da linguagem musical na educação infantil. Disponível em <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada7/_GT4%20PDF/A%20INFLU%CANCIA%20 DA%20LINGUAGEM%20MUSICAL%20NA%20 EDUCA%C7%C3O%20INFANTI1.pdf>. Acesso em: 01 abr. 2014. Figueiredo S. L. F., Alberti G.C. A Música nas Séries iniciais do Ensino Fundamental: Orientações para seu Ensino em Vitória (ES) e no Distrito Federal. Anais do XIX Seminário de Iniciação Científica. 2007. Disponível em <http://www.ceart.udesc.br/revista_dapesquisa/volume4/ numero1/musica/amusicanasseries.pdf >. Acesso em: 22 mar. 2014. MOTTA, Carlos Eduardo Mathias. Projeto DRUMMATH: uma perspectiva walloniana no ensino da Matemática para o deficiente visual através de sons e ritmos. 1999. Disponível em: <http://www.uff.br/dalicenca/images/stories/caderno/volume5/Projeto_DRUMMATH.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2014. Morais, J. JOTA de. O que é música? Coleção Primeiros Passos. Editora Brasiliense, Rio de Janeiro. 1983. Simonato, Adriano Luis. Relação Matemática e Música. 2006. Disponível em: <http://www.unifafibe.com. br/revistasonline/arquivos/revistafafibeonline/sumario/9/18052011154859.pdf> Acesso em: 22 nov. 2013.

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O trabalho do pedagogo nos IFs: uma busca pela qualidade da educação profissional tecnológica Pedagogue's work in FIs: a search for the quality of professional education technology Andressa Graziele Brandt, andressa@ifc-riodosul.edu.br Franc-Lane Sousa Carvalho Nascimento, franclanecarvalhon@gmail.com Nadja Regina Sousa Magalhães, nadjamagalhaes@yahoo.com.br Marylucia Cavalcante Silva, marynead@yahoo.com.br

Resumo: Neste artigo, discutimos as atribuições, saberes e condições de trabalho do pedagogo da educação profissional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina – IFs, tendo em vista as contribuições desse profissional na implementação de uma educação de qualidade. Delimitamos os seguintes objetivos: investigar as atribuições e contribuições do pedagogo na educação profissional e refletir sobre as condições de trabalho visualizando a qualidade dos serviços prestados pelas supervisões pedagógicas. Nesse sentido, partimos do seguinte problema de pesquisa: Qual a influência da ação da supervisão pedagógica e a contribuição na construção de uma educação de qualidade nos IFs de SC? Fundamentamos esse estudo em pesquisadores, como: Placco (1994); Freire (1979); Orsolon (2003); Kuenzer (1999); e Severino (2003), entre outros. Esta pesquisa, de caráter qualitativo, está definida como um estudo de caso; assim, realizamos uma entrevista para levantar as informações pelos Pedagogos dos IFs. Os resultados apontaram que o supervisor educacional precisa ter conhecimento básico sobre os IFs, conhecimento sobre a legislação e o desenvolvimento humano, além de habilidades e competências, tais como: ser pesquisador da realidade educacional, fazer a releitura do seu cotidiano, promover mudanças necessárias, criar novos horizontes para a instituição, ter competência teórica para orientar o processo pedagógico, abrir possibilidade de diálogo entre o grupo, orientar seus colegas na construção da proposta pedagógica que dará identidade aos IFs, enfim, ser articulador do processo pedagógico e do Projeto Pedagógico. Palavras-chave: Pedagogo; Educação Profissional Tecnológica; Qualidade. Abstract: In this article, we discuss the assignments, contributions, knowledge and working conditions of the vocational education’s pedagogue of the Federal Institute of Education, Science and Technology of Santa Catarina - FIs, considering the contributions of the teacher as a professional who helps in the implementation of quality education. We defined the following goals: investigate the assigns and contributions of the educator in professional education and reflect about the work conditions looking for the quality of services provided by pedagogical supervision. Therefore, we set the following research problem: What is the influence of the pedagogical supervision action and the contribution in building a quality education on Santa Catarina’s FIs? We base this study in researchers as Placco (1994), Freire (1979); Orsolon (2003 ); Kuenzer (1999 ) and Severino (2003 ) among others. This research is defined as a case study of a qualitative character, so we did an interview to elicit information from pedagogues of FIs. The results showed that the educational supervisor needs the basic knowledge about the FIs, the legislation and the human development, as have skills and competencies like: be a researcher of educational reality, make the reading of his daily life, promote necessary changes, create new horizons for the institution, have theoretical competence to guide the educational process, open possibilities of dialogue among the group, guide his colleagues in the construction of a pedagogical proposal that will provide identity to the FIs, lastly, articulate the pedagogical process and the pedagogical project. Keywords: Pedagogue; Vocational Education Technological; Quality.


O TRABALHO DO PEDAGOGO NOS IFS: UMA BUSCA PELA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TECNOLÓGICA

N

o presente trabalho, discutimos “O trabalho do pedagogo, suas atribuições, saberes e condições de trabalho em favor da qualidade da educação profissional dos IFs”. Dessa forma, partimos da investigação sobre as atribuições do pedagogo dos IFs de Santa Catarina (SC), para observar os seus saberes profissionais na educação profissional, a qualidade dos serviços prestados pelos pedagogos de algumas instituições federais de ensino, a influência da ação desses profissionais no desenvolvimento pedagógico nas instituições, verificando sua influência e contribuição na construção de uma educação de qualidade. Nessa perspectiva, constatou-se que o pedagogo dos IFs executa a função de supervisão, com a proposta definida de organizar e sistematizar os diversos conhecimentos, saberes e princípios educativos advindos do processo de ensino e aprendizagem, de modo a contribuir com a transformação de uma educação de melhor qualidade. De acordo com Placco (1994), transformar significa ultrapassar o estabelecido, desmontar os antigos referenciais, adotar novas bases conceituais e metodológicas, construir novas modalidades de ação educativa, estabelecendo objetividade e subjetividade. Assim, o pedagogo necessita acompanhar as atividades educacionais, visando direcionar e qualificar esse processo. Para tanto, é fundamental consolidar uma boa fundamentação teórica, conhecer a legislação educacional e ter capacidade de planejar, pois é por meio de um bom planejamento que a garantia de um trabalho mais qualificado ocorrerá, tendo como base o trabalho em equipe, que depende da interação com as demais pessoas e setores, assim como do envolvimento com a elaboração e/ou reestruturação de documentos que organizem o saber/fazer pedagógico. Este estudo foi realizado nos IFs de SC. Partimos do seguinte problema de pesquisa: Qual a influência da ação do pedagogo e quais as suas contribuições na construção de uma educação de qualidade nos IFs de SC? A pesquisa parte da problemática vivenciada pelos pedagogos que efetivam o trabalho de supervisão nos IFs, tendo como pressuposto as atribuições e os saberes do pedagogo no IF Catarinense e no IF de Santa Catarina e suas contribuições para a educação profissional de melhor qualidade. Para tanto, este estudo teve como base as leituras realizadas acerca do tema delimitado, definindo-se como estudo de caso e pesquisa qualitativa-descritiva, através de um estudo de caso, que utilizou entrevista, com o objetivo de levantar dados fornecidos pelo informante ou pesquisado, sem a assistência direta ou a orientação do investigador. Especificamos o seguinte objetivo geral: investigar as atribuições e as contribuições dos Supervisores Educacionais nos IFs de SC na educação profissional de nível médio. Para

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tanto, buscamos atingir os seguintes objetivos específicos: identificar as atribuições e as contribuições do Pedagogo dos IFs de SC; caracterizar as ações do setor pedagógico das instituições IFs de SC, verificando as necessidades de melhoria; analisar as condições de trabalho, visualizando a qualidade dos serviços prestados pelas supervisões pedagógicas; e propor ações que visem ao aumento das contribuições pedagógicas desses profissionais nos institutos federais de ensino. Essa pesquisa é importante pelas contribuições que serão oferecidas às instituições de ensino após o estudo da influência da ação e atribuições da supervisão pedagógica no nível de satisfação dos colaboradores das instituições de ensino, nas quais será realizado o trabalho. E, ainda, pela relevância acadêmica. Pretendemos também colaborar com as discussões referentes ao setor de supervisão pedagógica dos cursos profissionais dos IFs. Compreendemos que para atingir a qualidade da educação é necessário um projeto de educação que entenda como compromisso de transformação/mudanças e de aprofundamento de conhecimentos objetivos capazes de modificar a vida social e de atribuir-lhe maior sentido e alcance no conjunto da experiência humana. Esta proposta educativa é incompatível com uma visão conservadora de sociedade. A democratização de uma educação de qualidade é fundamental para o desenvolvimento de uma nação. A transformação da educação de qualidade para todos exige ações consolidadas na melhoria das condições de trabalho do professor/supervisor, mais recursos financeiros para melhorar a infraestrutura das instituições, recursos didáticos, bibliotecas, formação docente consolidada em teorias críticas, buscando práticas de excelência que garantem e resultem na efetiva aprendizagem dos alunos. O estudo divide-se em três momentos: o primeiro traz aportes teóricos sobre o trabalho dos pedagogos e as suas práticas pedagógicas; o segundo traz os dados da pesquisa, analisados de acordo com os teóricos investigados; e o terceiro e último momento traz as contribuições da pesquisa e conclusões do estudo.

O pedagogo, suas atribuições e contribuições nas práticas pedagógicas dos IF s de SC

Tendo em vista a história da educação, o profissional Pedagogo que desenvolve a função de Supervisor Pedagógico inicia suas atividades no sistema educacional brasileiro na década de 20, inspiração dos trabalhos realizados nos Estados Unidos e na França. O espaço que o


BRANDT, A. G; NASCIMENTO, F. S. C; MAGALHÃES, N. R. S; SILVA, M. C

Pedagogo possui deve ser preenchido com uma atuação comprometida com as mudanças exigidas pela sociedade, com o papel que a escola deve desenvolver na concretização, transformação, criação, recriação, integração e universalização do saber. Ao refletir sobre as práticas pedagógicas realizadas pela supervisão pedagógica, percebe-se como é necessário trabalhar intensamente com o grupo de professores, pois, à medida que o tempo vai passando, alguns colegas vão se adaptando e pensam que dispõem de um conhecimento completo e satisfatório e que não precisam aperfeiçoar-se, nem mesmo inovar a sua prática pedagógica. Por outro lado, há outros que se comprometem com uma prática pedagógica diferenciada, procurando motivar e auxiliar os colegas para a obtenção de resultados satisfatórios no processo ensino-aprendizagem. Na atualidade, com o comprometimento da qualidade da educação pública, vem ocorrendo um direcionamento de propostas alternativas para a escola associado à urgência; segundo Rios (2001, p.21), de “[...] qualificar a qualidade, refletir sobre a significação de que ela se reveste no interior da prática educativa.” São necessárias iniciativas que possam favorecer a consolidação de uma educação de qualidade, sendo preciso o envolvimento de todos nesse processo, inclusive do professor. Para que o desempenho escolar dos alunos alcancem melhores resultados, são necessários professores que sejam competentes, comprometidos e apoiados pedagogicamente pela direção da escola e pelos órgãos centrais. Portanto, cabe ao poder público estabelecer políticas educacionais de formação de professores associadas à produção de conhecimento reflexivo, crítico, político e transformador, o que somente se conseguirá a partir da melhor qualidade da prática de ensino e aprendizagem, em todos os níveis do sistema público de ensino. À sociedade cabe assumir sua responsabilidade de participação na educação pública, pois essa é a principal forma de controle da qualidade das atividades pedagógicas desenvolvidas e da aplicação de recursos educacionais dentro de cada realidade. Conforme nos diz Severino ( 2003) : Tanto no que concerne à sua formação como à sua atuação profissional, o educador não se confunde com as figuras do pai e da mãe, do sacerdote, do engenheiro, do cientista, do filósofo, do psicoterapeuta. Ele é um “pedagogo”, no sentido originário do termo. Se é verdade que a relação pedagógica tem muitos aspectos em comum com essas outras intervenções, ela não se identifica com nenhuma delas, não se exaure em nenhuma delas. De grande abrangência antropológica, a relação pedagógica envolve a totalidade da condição humana, implica todos os aspectos da existência das pessoas, serve-se de todos

os seus recursos, mas configura-se numa especificidade própria, a da construção histórico-antropológica dos seres humanos, ao mediar a inserção das novas gerações no complexo universo das mediações do existir histórico-social (Severino, 2003, p.86-87).

Para tanto, é necessário que o Pedagogo redimensione o seu papel, fazendo o movimento de abandonar o seu fazer psicologizante, assumindo, assim, um fazer político-pedagógico. Placco (1994) aponta que o supervisor, ao assumir essa nova postura de educador comprometido com a formação do cidadão e a transformação social e da escola, assume uma nova identidade. Assim, a educação profissional deve ser discutida tendo: [...] em vista as novas demandas de acumulação que deram origem a um novo regime fundado na flexibilização, configura-se uma nova concepção de educação profissional que, por conseqüência, traz novas demandas de formação de professores. Temos, portanto, sido solicitados a dar um salto de qualidade nesta formação, entendendo que a concepção da educação profissional e os espaços de atuação, a partir das mudanças ocorridas no mundo do trabalho, trazem novos desafios, tanto para o capital quanto para o trabalho. (KUENZER, FRANCO, MACHADO, 2008, P. 20)

Percebe-se que a tarefa do pedagogo da escola é árdua, pois é o articulador num grupo que mantém tantas diferenças de pensamentos, de caráter, atitudes e ações. Conforme Orsolon (2003, p. 22), “O coordenador, como um dos articuladores desse trabalho coletivo, precisa ser capaz de ler, observar e congregar as necessidades dos que atuam na escola e, nesse contexto, introduzir inovações para que todos se comprometam com a proposta”. Acreditando nessa afirmação, percebe-se como complicada e difícil é a tarefa do pedagogo da escola, sendo a escola um ambiente com tantas diferenças e necessitando realizar um trabalho coletivo. Segundo Orsolon (2003, p. 19): O coordenador é apenas um dos atores que compõem o coletivo da escola. Para coordenar, direcionando suas ações para a transformação, precisa estar consciente de que seu trabalho não se dá isoladamente, mas nesse coletivo, mediante a articulação dos diferentes atores escolares, no sentido da construção de um projeto político pedagógico transformador.

Portanto, cabe ao grupo da escola como um todo romper com paradigmas e engajar-se a uma prática pedagógica problematizadora e consciente, pois mesmo antes de ingressar na escola a criança já possui experiências anteriores e traz consigo uma bagagem de conhecimentos adquiridos na sua vivência, tornando-se impossível ignorá-los. Torna-se complexo, pois permite que o aluno seja o sujeito de sua

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O TRABALHO DO PEDAGOGO NOS IFS: UMA BUSCA PELA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TECNOLÓGICA

história. Baseado nos fundamentos teóricos de Kuenzer, Franco e Machado (2008, p. 31), é “[...] possível compreender que a função dos profissionais da educação profissional é melhorar as condições dessa inclusão concedida, como limite de possibilidade, porém importante na luta pela construção de uma sociedade mais justa e igualitária.” Os estudos sobre formação, profissionalização e qualidade da educação apresentam controvérsias que ainda precisam ser analisadas. Segundo Paro (2001), a escola pública tem baixa qualidade, porque, em seus métodos e conteúdos, não favorece a atualização histórica e cultural do aluno, de modo a que este se construa como sujeito histórico e para a vivência da cidadania. É urgente a necessidade da consolidação de uma política pública que valorize a qualidade em detrimento da quantidade e que se efetivem as oportunidades sociais de forma que todos tenham melhor qualidade de vida. Portanto, fica bem mais fácil transmitir ao aluno um conhecimento já pronto, acabado, com resultados certos. Reconhecer o aluno como um sujeito que constrói o seu conhecimento requer do professor mais estudo, mais pesquisa. Além disso, está sujeito à inquietação, à angústia e à insegurança, pois o aluno tem a oportunidade de questionar e criticar aquilo com que não concorda. Conforme afirma Freire (1979, p. 28-29): A educação, portanto, implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser o objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém [...]. não podemos nos colocar na posição do ser superior que ensina um grupo de ignorantes, mas sim, na posição humilde daquele que comunica um saber relativo a outros que possuem outro saber relativo.

O pedagogo tem um papel fundamental na articulação desse processo – o de motivar os professores para a formação contínua. Essa formação depende das condições de trabalho oferecidas aos educadores, mas, principalmente, das atitudes destes diante do seu desenvolvimento profissional e emocional. Cada professor é responsável por esse processo de formação continuada, sendo extremamente importante o professor refletir sobre suas práticas pedagógicas, buscando fundamentação teórica para concretizar as mudanças. Mas, a mudança só será real se vier de dentro; “aprender” técnicas apenas para ter sucesso torna o processo artificial. Conforme Moraes (2003, p. 189-190): [...] Na realidade, sempre estamos emocionalmente envolvidos e comprometidos com um modelo conhecido, com um velho hábito, com uma prática ou com pessoas com as quais se convive. Velhos modelos, hábitos e tradições persistem o quanto podem, sustentados pela resistência

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que o ser humano tem para mudar, para se desfazer do velho e do conhecido, para abraçar o novo e desconhecido.

Por tanto, é necessário profissional especializado; é preciso que o Estado evidencie sua importância como articulador de políticas educacionais, pois, historicamente, a educação absorveu significados distintos de qualidade, construídos, condicionados pela oferta limitada de escolarização, definidos pela quantidade de alunos aprovados ou não. É a qualidade associada a medidas de desempenho. Concorda com essa posição Beisiegel (2006, p. 160) e acrescenta: “Não foram investidos no ensino os recursos exigidos pela dimensão do processo de democratização das oportunidades.” A expansão da educação desenvolveu-se sob pressão social, o que ocasiona escassez de recursos materiais e humanos. Tendo como base os problemas apresentados, relacionados à formação do professor e à implementação de políticas públicas que têm como prioridade a quantidade em detrimento da qualidade da educação, para Freire (1997, p. 50), é preciso “[...] trabalhar lucidamente em favor da escola pública, em favor da melhoria de seus padrões de ensino, em defesa da dignidade dos docentes, de sua formação permanente.” A transformação dos padrões de quantidade e qualidade da educação para todos é necessária e urgente. Na instituição educativa, devem ser mudadas as relações sociais e a forma de compreender o ato educativo, pois o desenvolvimento se efetiva pelo processo de reorganização e reconstrução da experiência. O ato educativo é contínuo e de transformação ao longo da vida. O pedagogo que exerce a supervisão nos IFs deve estar preparado teoricamente e metodologicamente para que possa superar os desafios e dificuldades. Portanto, a prática pedagógica do Supervisor necessita estar voltada, tanto para o atendimento individualizado a professores, cujo principal objetivo é discutir questões relacionadas à sua prática pedagógica diária, quanto para a discussão de casos específicos trazidos pelos professores. Assim é que as exigências para o exercício da docência nas universidades e Cefets, por exemplo, incluem qualificação específica em mestrado e em doutorado, tendo em vista o desenvolvimento da pesquisa, ou pelo menos em cursos de licenciatura, tendo em vista a capacitação para a docência, além da dedicação integral e exclusiva. Nestes casos, há planos de carreira e condições de trabalho que viabilizam a qualificação continuada, e assim, o exercício profissional qualificado. (KUENZER, FRANCO, MACHADO, 2008, p. 31)

Nesse sentido a supervisão pode contemplar: observação da prática pedagógica com devolutivas e encaminhamentos;


BRANDT, A. G; NASCIMENTO, F. S. C; MAGALHÃES, N. R. S; SILVA, M. C

direcionamento de estudos; orientação para planejamento; estudo e discussão de casos; elaboração de estratégias e objetivos para o trabalho; análise e reflexão da prática pedagógica; orientação em avaliações; indicações de bibliografias para estudo; orientação de projetos; orientação em como realizar o trabalho diversificado, etc. Historicamente, o professor passou a ter no pedagogo um inimigo que inspecionava seu trabalho sem entender do conteúdo, mas que deveria dominar técnicas e metodologias de ensino e aprendizagem (BRZEZINSKI, 1996). Outra crítica direcionada ao pedagogo é a influência da psicologia numa identificação terapêutica, que considera o aluno como único responsável pelo sucesso ou fracasso; essas atribuições são mal definidas e conflitantes. Portanto, a prática do pedagogo poderá partir de uma análise crítica voltada para a compreensão dos problemas. Assim, as soluções devem ser encontradas no coletivo, a partir de uma visão crítica, assumindo uma posição de compromisso ao acompanhar a organização do trabalho na escola. Para Villas Boas (2006), pensar a prática do pedagogo é, sobretudo, examiná-la nas funções em que se desenvolva. É analisá-la desde o planejamento do currículo, procedido por meio de diagnóstico, de acompanhamento e de sua execução, o que representa seu aperfeiçoamento, considerados os recursos humanos, materiais e técnicos empenhados. O papel do pedagogo passa a ser redefinido com base em seu objeto de trabalho, e o resultado da relação que ocorre entre o professor que ensina e o aluno que aprende passa a constituir o núcleo do trabalho do supervisor na escola, sendo que: “[...] o pedagogo parte do esclarecimento a respeito da ação diária que caracteriza o trabalho realizado na escola.” (MEDINA, 1997, p. 34). O pedagogo deve incentivar a participação de todos no planejamento e discutir as diferentes formas de se encaminhar a aprendizagem dos alunos, buscando por meio do diálogo, caminhos próprios na intervenção da qualidade do trabalho realizado pelo professor em sala de aula.

Pressupostos metodológicos da pesquisa

A pesquisa foi realizada a partir de leituras acerca do tema delimitado, seguindo os princípios epistemológicos de um estudo de caso e uma pesquisa qualitativo-descritiva. O estudo de caso deve ser visto como um valor específico; o caso deve ser bem delimitado, tendo seus contornos claramente definidos no desenrolar do estudo. No processo

de recolha de dados, o pesquisador recorre a várias técnicas próprias da investigação qualitativa, nomeadamente o diário de campo, a entrevista e a observação participante. Segundo Yin (2004, p.92), “A utilização de múltiplas fontes de dados na construção de um estudo de caso permitenos considerar um conjunto mais diversificado de tópicos de análise e em simultâneo permite corroborar o mesmo fenômeno”. As características do estudo de caso, segundo Lüdke e André (1986), visam à descoberta; enfatizam a interpretação em contexto real; buscam retratar a realidade de forma completa e profunda; utilizam uma variedade de fontes de informações; revelam experiências e procuram representar os diferentes e, às vezes, conflitantes pontos de vista presentes na situação social; utilizam uma linguagem e uma forma mais acessível do que os outros relatórios de pesquisa.O estudo de caso é um método teórico-prático utilizado nos estudos das diversas áreas do conhecimento. Para Macedo (2006, p. 90), no estudo de caso, mais de uma realidade é estudada pontualmente; lança-se mão do denominado estudo sobre casos ou multicasos. Deve-se “[...] compreender uma instância singular, especial. O objeto estudado é tratado como único, idiográfico – mesmo quando compreendido como emergência relacional –, isto é, consubstancia-se numa totalidade complexa [...]”. A preocupação é em resguardar a natureza idiográfica e relacional desses estudos, evitando a mera comparação dos fatos e buscando relações contrastantes e totalizantes do movimento relacional com os contextos. As questões delimitadas para a entrevista tiveram sustentação nas questões norteadoras. Para André (1995, p. 28), “As entrevistas têm a finalidade de aprofundar as questões e esclarecer os problemas observados.” Através das entrevistas, podemos aprofundar as questões analisadas, já que temos como reelaborar novas questões. As entrevistas configurar-se-ão como uma situação que facilitará o diálogo para uma posterior descrição e análise dos dados coletados ao longo da pesquisa. Dessa forma, a pesquisa foi realizada tendo em vista a análise das atribuições, contribuições, saberes e condições de trabalho do pedagogo pela qualidade da educação profissional no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense – IF Catarinense e no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina – IFSC, tendo como objetivo investigar e refletir sobre as atribuições e contribuições do pedagogo na educação profissional.

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O TRABALHO DO PEDAGOGO NOS IFS: UMA BUSCA PELA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TECNOLÓGICA

Revelações dos pedagogos sobre

as atribuições e contribuições na educação de qualidade nos IF s

Após coletar todas as informações para o desenvolvimento do estudo, faz-se necessário que estas sejam analisadas e interpretadas a fim de se conseguirem respostas ao problema proposto. Ao serem questionados sobre as suas atribuições nos campi, os pedagogos entrevistados responderam ser do cotidiano desse profissional: planejar, organizar e executar ações didático-pedagógicas, visando à otimização dos recursos e à eficiência do processo ensino-aprendizagem e centrar-se no acompanhamento e assessoramento de todas as atividades didático-pedagógicas que envolvem setores e coordenações diretamente ligadas à parte pedagógica, além de docentes e discentes. No caso da assessoria discente: acompanhamento pedagógico (alunos com dificuldades de aprendizagem e outras); planejamento e realização de projetos; elaboração dos Planos de curso; elaboração dos Planos de Trabalho Individual dos docentes; orientações quanto à elaboração dos Planos de Ensino. Os pedagogos também cuidam da organização didático-pedagógica dos cursos; planejamento e execução das Formações Continuadas Docentes; planejamento e organização das Avaliações Pedagógicas (Conselhos de Classe); participação em reuniões pedagógicas e de conselhos de classe; planejamento e organização das reuniões de pais; planejamento e acompanhamento das monitorias voluntárias; acolhimento e orientações aos novos docentes; elaboração de diretrizes para o processo ensino-aprendizagem; elaboração de documentos administrativos; acompanhamento do Livro-Diário; controle dos recursos audiovisuais; atendimento de balcão ao público interno; atendimento externo com informações relativas aos cursos ofertados e demais questões relativas ao ensino. Portanto, envolve planejamento, execução e avaliação das atividades pedagógicas, que incluem formação docente e discente. O projeto político-pedagógico da escola é uma tarefa da própria escola, nunca concluído, pois está constantemente se construindo de acordo com as necessidades da realidade. Os envolvidos na dinâmica do ensino-aprendizagem, participantes na auto-reflexão do trabalho educativo, ato político-coletivo. A escola é, em última análise, uma proposta pedagógica. Trata-se de um aprender a fazer a leitura dessa proposta em sua intencionalidade, como condição de poder dela participar, no sentido de sua provisoriedade, retomando sempre, de novo, as questões substantivas da educação e as questões estratégicas de sua condução pedagógica. (GADOTTI, 2000. p. 68-69).

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Já a respeito das principais contribuições para o desenvolvimento de uma educação profissional de qualidade, as respostas foram: manter o foco nas competências a serem desenvolvidas pelos alunos e acompanhar seu desempenho escolar, buscando a qualidade nos resultados do processo ensino-aprendizagem, e enxergar todo o processo educativo. Destacamos que toda articulação entre os setores envolvidos com a educação profissional é e deve ser do setor pedagógico da instituição, como forma de desencadear ações que estejam interligadas e inter-relacionadas. Contudo, o pedagogo precisa ser um articulador e desencadeador da formação continuada e permanente dos profissionais da educação e preocupar-se com a formação discente – em todos os aspectos: como aluno, indivíduo e cidadão, para que este esteja preparado e obtenha sucesso na vida estudantil, profissional e pessoal. Além disso, também prestar contribuição na agilização de questões técnico-administrativas ligadas à área pedagógica, necessárias à educação de qualidade (construção de Projetos de Criação de Cursos – PCCs, Projetos Pedagógicos de Cursos – PPCs e outros documentos, organização de reuniões). Quando questionados sobre que ações são feitas em seu campus para melhorar o trabalho realizado pelos educadores, obtivemos as seguintes respostas: formação de alunos comprometidos com o processo ensino-aprendizagem e conscientes do seu papel na escola e na sociedade facilita o trabalho dos educadores, avaliação continuada do processo ensino-aprendizagem, por meio de instrumentos como a Avaliação Discente, a Avaliação Pedagógica e o Livro-Diário, além do atendimento diário de pais, alunos e educadores; organização de horários; acompanhamento das viagens técnicas; organização das trocas de aulas; formação docente; formação discente; acompanhamento aos discentes; planejamento e execução de reuniões de pré-conselho, de conselho de classe, de professores e coordenadores, de atendimento aos docentes, de orientações aos pais dos discentes e de estudos de viabilidade de ações, entre tantas outras ações do dia a dia da instituição. A democratização da escola não acontecerá de maneira isolada, mas, sim, paralelamente à democratização da sociedade, à medida que as pessoas buscam a transformação de sua prática cotidiana nos diferentes meios com que convivem. “Talvez se possa dizer: quando o cotidiano se torna democrático, é porque a democracia atingiu nível de cultura popular”. (DEMO, 1999, p. 30). Para alcançarmos o objetivo da democratização da educação de qualidade, é necessária a garantia de políticas públicas favoráveis às reais necessidades das instituições formativas de todos os níveis de ensino, valorizando os ideários pedagógicos críticos. A instituição educativa pública, como parte de um contexto


BRANDT, A. G; NASCIMENTO, F. S. C; MAGALHÃES, N. R. S; SILVA, M. C

social, precisa estar atenta às mudanças relacionadas à construção do processo de democratização de uma educação de melhor qualidade, sendo imprescindível a participação dos envolvidos no processo. A qualidade pode ser entendida como oportunidade de emancipação do trabalho educativo, de forma que o aluno possa aprender. É importante confirmar que a prática pedagógica e a formação de pedagogos devem estar inter-relacionadas, já que o sucesso do trabalho pedagógico depende de uma boa formação, ou seja, de um saber bem elaborado, que corresponda aos desafios e às expectativas da sociedade. A qualidade da educação está associada à aprendizagem e ao desenvolvimento social e emocional do aluno, o que requer do pedagogo/supervisor uma ampla visão sobre as constantes mudanças educacionais. Assim, esse profissional deve estar em permanente formação para que possa aperfeiçoar o seu trabalho. O planejamento do setor pedagógico em relação às atividades realizadas na escola tem papel fundamental, pois é desse planejamento que surge o primordial para o sucesso dos serviços prestados pela instituição. Esse planejamento implicará a organização da própria escola, refletindo-se na organização dos trabalhadores em geral e, “em primeiro lugar, passa pela percepção clara do que é ser trabalhador” (COBRA, 2002, p. 22). Essa tarefa exige do pedagogo/supervisor uma estrutura organizacional eficiente dos dados, de forma que estes possam ser utilizados por todos aqueles que trabalham com os educandos nos IFs. Quando foram questionados em relação às reuniões escolares realizadas e aos assuntos tratados nesses encontros – importantíssimos para os educadores da instituição, pois representam o contato direto entre escola, educadores e pais –, a maioria dos entrevistados disse que os acha péssimos. O supervisor deve estar aberto à mudança e à perspectiva de analisar seu trabalho e colher sugestões dos colegas sobre os assuntos que são importantes para a realidade. Isso é um ponto fraco, pois esse contato entre professores e educadores ou pedagogos e pais é a oportunidade de crescimento coletivo de todos os envolvidos no processo, e quando esse contato não está sendo bem aproveitado, causará insatisfação. Mostra-se aí uma grande falha, pois a oportunidade que se tem de reunir e de conversar com os pais dos educandos não está sendo bem trabalhada. Isso pode gerar um descontentamento maior com a escola. Nesse sentido, o Pedagogo precisa ser um profissional polivalente ao desenvolver sua prática, tornando-a significativa para o desenvolvimento de uma educação de qualidade para todos, tendo em vista o contexto socioeconômico brasileiro.

Enfim, o trabalho do Pedagogo influencia diretamente no dia a dia de educadores e educandos. Saber mediar as práticas do professor não é tarefa fácil; exige do pedagogo uma avaliação sistematizada e constante da atuação do docente, dentre outras questões relevantes para a atividade didático-pedagógica.

Considerações Finais A escola está inserida em conflitos sociais. Necessita-se de um grupo que articule seus diversos segmentos em torno de um ideal de escola que se quer. O pedagogo surge como um elemento mediador e, ao mesmo tempo, instigador de práticas educativas capazes de transformar a educação. O Pedagogo que atua na educação profissional precisa ter, além do conhecimento básico sobre a escola, conhecimento sobre a legislação que a rege e sobre o desenvolvimento humano, além de habilidades e competências, tais como: ser pesquisador da realidade escolar; ser capaz de fazer a releitura do seu cotidiano, de promover mudanças necessárias – enfatizando para isso o trabalho cooperativo, criando novos horizontes e possibilidades para a escola –, de abrir possibilidade de diálogo entre o grupo, de orientar seus colegas na construção coletiva da proposta pedagógica que dará identidade à escola; ter competência teórica para orientar o processo pedagógico na escola; enfim, ser articulador do processo pedagógico e da construção do Projeto Pedagógico dos Cursos. Por fim, cabe ao pedagogo que atua na educação profissional promover e possibilitar um trabalho que garanta a qualidade do ensino, incentivando e motivando todos os segmentos da comunidade escolar, a vivência das práticas pedagógicas significativas, para que o aluno e o professor possam sentir-se satisfeitos com a educação tecnológica e profissional da qual fazem parte.

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O TRABALHO DO PEDAGOGO NOS IFS: UMA BUSCA PELA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TECNOLÓGICA

COBRA, Rubem Queiroz. Boas-maneiras, etiqueta e cerimonial: suas definições e seu lugar na Filosofia. Editora Valci Ltda., Brasília, 2002. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997. _____. Educação e mudança. Trad.: Moacir Gadotti e Linia Lopes Martin. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. BEISIEGEL, Celso de Rui. A qualidade do ensino na escola pública. Brasília: Liber Livro Editora, 2006. LÜDKE, Menga. ANDRÉ, Marli Elisa Dalmazo Afonso de. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MACEDO, Roberto Sidnei. Etnopesquisa-crítica, Etnopesquisa-formação. Brasília:Líber, 2006. MEDINA, Antonia da Silva. Supervisor Escolar: parceiro político pedagógico do professor. In: In: SILVA Jr, Celestino Alves; RANGEL, Mary (orgs.). Nove olhares sobre a supervisão. Campinas: Papirus, 1997. p.09-35. KUENZER, Acácia Zeneida. Formação de profissionais da educação no Brasil: as políticas de formação: A constituição da identidade do professor sobrante. Educação & Sociedade, Campinas, ano 20, n. 68, p. 163-183, dez. 1999. MORAES, Maria Cândida. Educar na biologia do amor e da solidariedade. Petrópolis/RJ: Vozes, 2003. ORSOLON, Luzia Angelina Marino. O coordenador/formador como um dos agentes de transformação da/ na escola. In: PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza e ALMEIDA, Laurinda Ramalho de (org.). O coordenador pedagógico e o espaço da mudança. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2003. PARO, Vitor Henrique. Políticas educacionais: considerações sobre o discurso genérico e a abstração da realidade. In: Paro Vitor Henrique. Escritos sobre educação. São Paulo: Xamã; 2001. p. 121-39. PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza. Formação e prática do educador e do orientador. São Paulo: Papirus, 1994.

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ORIENTAÇÕES PARA SUBMISSÕES DE ARTIGOS NA REVISTA EIXO A Revista EIXO é um periódico semestral do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília - IFB, de caráter multidisciplinar, tem como objetivo a divulgação da produção técnico-científica de instituições de ensino, pesquisa, extensão e desenvolvimento tecnológico; o registro público do conhecimento e sua preservação; a publicação dos resultados de pesquisas envolvendo ideias e novas propostas científicas; e a disseminação da informação e do conhecimento gerados pela comunidade científica. EIXO, nome sugerido pelo Prof. Maurício Goulart, retoma a ideia de Lúcio Costa que remete aos eixos que cortam a Capital Federal e dialoga com os Eixos Tecnológicos do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, uma proposta do Ministério da Educação de organizar a educação profissional em torno dos fundamentos técnico-científicos comuns e das peculiaridades regionais em suas diferentes linhas formativas. A organização de cursos por Eixos Tecnológicos enfatiza, pedagogicamente, as aptidões para a vida produtiva, possibilitando o desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Concentra, em um mesmo eixo, práxis, ações, matrizes e identidades, reunidas em princípios científicos comuns. A Revista EIXO recebeu a sua primeira avaliação pelo Qualis/CAPES e foi classificada em 4 áreas. São elas: Engenharias I - B5; Artes/Música - B5; Letras/Linguística B4; Educação - C. A EIXO tem como política editorial a publicação de trabalhos resultantes de estudos e pesquisas nas diversas áreas do conhecimento científico em português, inglês e espanhol. O foco da revista é técnico-científico e o fluxo de captação é contínuo. As submissões são online pelo Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER) por meio do acesso ao endereço http://revistaeixo.ifb.edu.br. O cadastro no sistema e posterior acesso, por meio de login e senha, são obrigatórios para a submissão de trabalhos, bem como para acompanhar o processo editorial em curso. A avaliação dos trabalhos será realizada por avaliadores, doutores nas diversas áreas do conhecimento. Eventuais sugestões de modificações por parte da editora serão elaboradas com o consenso dos autores. Os textos expressam opiniões de exclusiva responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente o ponto de vista da Editora IFB ou do Conselho Editorial (Consed).

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