DIGESTO ECONÔMICO - MAIO/JUNHO 2014 - ANO LXIII - Nº 478
MAIO/JUNHO 2014 – ANO LXIII Nº 478 – R$ 4,50
ENERGIA Setores buscam caminhos para desviar das armadilhas criadas pelo governo
Apagão no setor energético brasileiro
E
Masao Goto Filho/e-SIM
nergia é o que move o desenvolvimento de um país. Sem energia as fábricas não produzem, os carros não andam, as pessoas não compram eletrodomésticos. O Brasil é rico em recursos naturais, temos abundância em rios para as hidrelétricas, terras para o cultivo da cana-de-açúcar, que produz o etanol, vento para a energia eólica, sol para a energia solar e petróleo na Plataforma Continental e pré-sal. Mesmo assim, o País está à beira de uma crise energética. Em 2008, o então presidente Lula anunciou com estardalhaço que o Brasil se tornaria a Arábia Saudita verde, incentivando o investimento no etanol. Muitos acreditaram, investiram, se endividaram e agora estão se dando mal. Este ano, entre 10 e 12 usinas devem fechar suas portas e 33 estão em recuperação judicial, dos quais 14 em São Paulo. A informação foi dada por Elizabeth Farina, presidente da Unica - União da Indústria de Cana-de-açúcar, que proferiu uma palestra na Associação Comercial de São Paulo (ACSP) no fim de maio e fez uma ampla radiografia do setor. Segundo ela, vários fatores contribuíram para este cenário negativo, como a crise financeira de 2008, o endividamento das usinas e fatores climáticos que afetaram as safras. Mas o pior inimigo hoje é o próprio governo, que para não impactar a inflação, vem concedendo subsídios à gasolina, afetando negativamente o setor de etanol e também a Petrobras, que compra gasolina a preços internacionais e vende mais barato no mercado interno. Este subsídio é explicado detalhadamente por Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e um dos maiores especialistas em energia do Brasil. Em seu artigo, ele conta que a partir de 2010 o governo aprofundou o uso da política de preços da energia com o objetivo de controlar a inflação e assegurar a sua popularidade. Entre 2011 e 2013, as perdas com o represamento dos preços da energia no País somaram R$ 105,80 bilhões. Somente em 2013, ano em que se iniciou o aporte de recursos do Tesouro no setor elétrico, em função da MP 579, as perdas totais foram de R$ 50,39 bilhões, 174% superiores as de 2011, que foram da ordem de R$ 18,37 bilhões. Outro grande especialista desta área de energia que participa desta edição é o professor José Goldemberg. Segundo ele, uma das razões para a atual crise no setor elétrico é que desde 1985 houve a opção por reservatórios menores nas novas hidrelétricas, por causa de pressões ambientais. Com a escassez de chuva em 2013 e este ano, só não está havendo racionamento porque o governo acionou as termoelétricas, cuja energia é mais cara. Goldemberg lembra que Itaipu inundou vários municípios e ela agora se transformou em um fator de progresso, pois os municípios recebem royalties da energia vendida pela usina. Boa leitura.
Rogério Amato Presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (FACESP) e da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB).
MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
3
ÍNDICE
6 Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3180-3737 CEP 01014-911 - São Paulo - SP home page: http://www.acsp.com.br e-mail: acsp@acsp.com.br
Quem é o Exército do Povo Paraguaio e qual sua relação com o Brasil? Graça Salgueiro
Presidente Rogério Amato Superintendente Institucional Marcel Domingos Solimeo
12
O Foro de São Paulo, a Esquerda real e a Nova esquerda Antonio Sánchez
ISSN 0101-4218 Diretor de Redação Moisés Rabinovici Editor-Chefe José Guilherme Rodrigues Ferreira Editores Carlos Ossamu e Domingos Zamagna
16
A economia e a política do Brasil nos tempos do “nunca antes” Paulo Roberto de Almeida
Chefia de Reportagem José Maria dos Santos Editor de Fotografia Agliberto Lima Pesquisa de Imagem Mirian Pimentel Editor de Arte José Coelho Projeto Gráfico Evana Clicia Lisbôa Sutilo
28
A energia que move o desenvolvimento Carlos Ossamu
Diagramação Evana Clicia Lisbôa Sutilo Artes Max e Zilberman Gerente Executiva de Publicidade Sonia Oliveira (soliveira@acsp.com.br) 3180-3029 Gerente de Operações Valter Pereira de Souza Impressão Log & Print Gráfica e Logística S.A. REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADE Rua Boa Vista, 51, 6º andar CEP 01014-911 PABX (011) 3180-3737 REDAÇÃO (011) 3180-3055 FAX (011) 3180-3046 www.dcomercio.com.br
4
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
CAPA Arte: Max, com fotos AE.
50
34
Tinha tudo para dar certo
Mercado livre: dificuldades para derrubar a fronteira de expansão Elbia Melo
54
44
No meio de um cabo de guerra
Sinais econômicos equivocados Adriano Pires
58
A destruição da inteligência Olavo de Carvalho
46
Setor elétrico em estado de choque
62
O Brasil e o mundo na 2ª Guerra Mundial Ives Gandra da Silva Martins MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
5
Quem é o Exército do Povo Paraguaio e qual sua relação com o Brasil? Mauricio Lima/The New York Times)
Graça Salgueiro
Estudiosa da estratégia e ações da esquerda latino-americana lideradas pelo Foro de São Paulo no continente, com ênfase nos grupos narco-terroristas, edita o blog Notalatina (http://notalatina.blogspot.com.br/), apresenta o programa "Observatorio Latino" na Radio Vox (www.radiovox.org), colaboradora do site Mídia Sem Máscara (www.midiasemmascara.org).
6
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
Soldados do Exército do Povo Paraguaio (EPP) limpam suas armas em um acampamento. Até 2012 o EPP era acusado de ter assassinado 28 pessoas e realizado diversos sequestros.
“O
Banco Nacional de Fomento de Choré salvou-se de um bando de toupeiras”, lia-se no título de uma matéria acanhada que aparecia no jornal Última Hora, em 16 de dezembro de 1997, da cidade de Choré, dando conta de que a Polícia havia conseguido desarticular um bando de assaltantes que pretendia assaltar o banco. Eles haviam alugado uma casa em frente e, desde lá, começaram a cavar um sofisticado túnel que já estava com 60 metros de extensão e 1,75 de diâmetro, com exaustor de ar e refletores, quando foram detidos. A Polícia chegou ao bando ao deter Gilberto Chamil Setrini que transportava no carro sacos com terra extraída do túnel, e a partir deste à casa onde foram detidos Carmen María Villalba Ayala, Alcides Omar Oviedo Brítez, Gustavo Lezcano, Lucio Silva e Pedro Maciel Cardozo. Na residência encontraram 9 pistolas 9 milímetros, com 24 cartuchos, uma escopeta Winchester calibre 12, com 50 cartuchos, além de perucas, exaustores de ar e lanternas. O bando se preparava para assaltar o banco que no fim daquela semana iria receber 700 milhões de guaranis para pagar salários de aposentados, ex-combatentes e professores. Naquela altura, nem os policiais nem a imprensa sabiam que não se tratava de um bando de delinquentes comuns, mas de uma organização guerrilheira clandestina que começou a se formar cinco anos anos antes, em uma reunião secreta em Asunción, e que aquele frustrado golpe serviria para financiar a luta armada. Tampouco sabiam que aquele grupo inicial viria a se chamar, em 1º de março de 2008, o Exército do Povo Paraguaio (EPP), que há décadas vem banhando de sangue e terror o país vizinho. Em janeiro de 2012, enquanto estava presa na Colônia Penal de Mulheres do Bom Pastor, Carmen Villalba concedeu uma entrevista a Mina Feliciángeli, diretora da Radio 1000, e confessou que o EPP é o braço armado do Partido Patria Libre: “Nos iniciamos lá e formamos o braço armado. Sempre fomos Patria Libre, por mais que sejamos negados
publicamente pelos dirigentes do partido”, conta ressentida. Villalba foi condenada a 18 anos de prisão pelo sequestro de María Edith de Debernardi, ocorrido em 2001 e nessa entrevista contou a origem do bando. Pedro Maciel, Alcides Oviedo e Gilberto Setrini eram amigos e haviam ingressado no Seminário da Congregação do Verbo Divino, em Encarnación, nos anos 80, sendo transferidos em 1990 para o Seminario Mayor de Asunción para cursar teologia e se preparar para a etapa final da ordenação sacerdotal. Em Asunción conheceram Juan Arrom que era dirigente universitário e militante de esquerda, que junto com outros amigos frequentavam esse seminário. Dessa amizade, os três seminaristas passaram a se politizar e reivindicar a ideologia marxista, resultando da expulsão, junto com outros colegas, por participar de atividades políticas. Juan Arrom vinha de uma trajetória contra o governo do General Alfredo Stroessner e já liderava a “Corrente Patria Libre”, movimento de esquerda que logo depois se converteria no Partido Patria Libre (PPL). Carmen provinha de uma família numerosa da ala progressista da Igreja Católica da Diocese de Concepción, e já em Asunción, onde frequentava também o mesmo seminário que Alcides Oviedo, com quem veio a casar-se, conheceu Juan Arrom. Nas reuniões que faziam estabeleceu-se que o Patria Libre seria um partido com existência legal e participação plena no sistema eleitoral, mas com um braço clandestino. Alcides Oviedo e Carmen Villalba realizaram viagens secretas ao Chile em 1995 e 1996, onde fizeram contato com o bando terrorista Frente Patriótico Manuel Rodríguez, e com quem tiveram seu primeiro treinamento em técnicas de guerrilha urbana e rural, inclusive sequestro de pessoas, construção de esconderijos, ataques a postos policiais, manejo de armas e explosivos. Após sair da prisão, pelo frustrado assalto ao banco, os membros do grupo deram seu primeiro golpe exitoso: o sequestro de María Edith Bordón de Debernardi, esposa de um MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
7
engenheiro pertencente a uma família rica e poderosa. María Edith foi sequestrada em 16 de novembro de 2001, no Parque Ñu Guasu de Asunción. Foi mantida em cativeiro e libertada em 19 de janeiro de 2002, após o pagamento do resgate no valor de um milhão de dólares. Foi considerado o início da “indústria do sequestro” no Paraguai e um dos maiores escândalos do país, quando a Polícia e o Ministério Público descobriram que entre os autores encontravam-se os conhecidos líderes do Partido Pátria Libre, Juan Arrom, Anuncio Martí e Victor Colmán Ortega, que foram declarados desaparecidos quando se decretou sua captura. Arrom, Martí e Colmán foram a julgamento nessa ocasião mas não ficaram detidos, quando resolveram fugir para o Brasil. Segundo eles relatam, foram torturados em seu país para confessar um crime que não cometeram e com ajuda de familiares conseguiram fugir para o Brasil atravessando, sem nenhum problema, a Ponte da Amizade. Aqui chegando não procuraram ajuda do governo, mas sim do advogado Marcos César Santos Vasconcelos, que na ocasião trabalhava como assessor técnico da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, em Brasília, presidida pelo então deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. Greenhalgh e Marcos César de imediato abraçaram a causa e levaram o caso ao CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados). Segundo Marcos César, “ouvi a história deles e procurei a versão do Estado paraguaio. Depois de três dias de conversa, decidi ajudá-los porque acreditei neles”. A justiça paraguaia apresentava provas testemunhais dadas por Marco Alvarez, pessoa que entregou o dinheiro do resgate a Arrom; Francisco Griño, que reconheceu Victor Colmán que também estava presente no recebimento do dinheiro; além das cópias das notas pagas pelo resgate que eram as mesmas dos US$ 50 mil apreendidos com Arrom. Entretanto, Greenhalgh e seu assessor preferiram acreditar apenas na palavra dos criminosos.
8
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
Valter Campanato/ABr
O ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh presidia na época a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados
O CONARE aceitou os argumentos de Marcos César e concedeu o refúgio aos três criminosos em dezembro de 2003, malgrado todos os esforços do então procurador-geral do Ministério Público do Paraguai, Osmar Germán Latorre. A Procuradoria do Paraguai contestou tais refúgios e pediu uma revisão, alegando que não se tratavam de perseguidos políticos, mas de criminosos comuns, enviando documentos ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil em maio de 2004, em julho de 2005 e finalmente em 2006. Nesta última solicitação, o CONARE alegou que “os argumentos estabelecidos pelo Paraguai não justificavam a revisão” e manteve o status. Latorre queixou-se de que passado todo este tempo, as autoridades do Paraguai sequer foram informadas dos fundamentos utilizados para a concessão do refúgio. O caso porém não se resume a apenas isto. Com a morte de Raúl Reyes e as descobertas dos seus computadores, encontrou-se várias correspondências trocadas entre os membros do Secretariado, uma das quais em 10 de outubro de 2003 entre Rodrigo Granda e Reyes, em que Granda dava a conhecer o destino de US$ 300 mil que fazia parte do resgate de María Edith Bordón, cuja negociação foi feita em território brasileiro. No item 3 da mensagem, diz Granda: “Tino ajudou a trazer 60 mil e RT 20. Com Camilo deixaram 20, outros 20 ficaram em Asunción e os 30 para novo trabalho no futuro com os 'contadores de piadas'. Na caixa de segurança onde mora Albertão ficaram 150”. Ocorre que “Camilo” é Oliverio Medina, o “embaixador das FARC no Brasil”, e também protegido pelo CONARE, e “Albertão” é o vereador Edson Albertão, ex-PT e posteriormente do PSOL, que “guardou” 150 mil dólares resultantes de um sequestro que fora planejado no Brasil. Apesar de ter conhecimento desses fatos, e de saber que no Brasil crime de sequestro é inafiançável, o CONARE não vê motivo para a revogação do refúgio, mesmo estando provado que foram os três paraguaios que realizaram o sequestro com ajuda das FARC.
/Rafael Urzua /Reuters
Em 21 de setembro de 2004 outra notícia comoveu o Paraguai quando Cecilia Cubas, filha do ex-presidente da República, Raúl Cubas, foi sequestrada ao chegar em casa. Seus familiares pagaram o resgate exigido pelo EPP, mas Cecilia não foi libertada. Em 16 de fevereiro de 2005 seu corpo foi encontrado depois de um mês de assassinada, em estado de decomposição. Foi cobrado e pago um resgate de US$ 3 milhões e Arrom ficou com U$ 1,3 milhão. O CONARE confirma que Arrom pediu autorização para viajar à Foz justo no segundo semestre de 2004 e, ainda assim, não crê nas provas. Em diligências realizadas na casa de Osmar Martínez, presidente do PPL, para investigar o envolvimento de Arrom, Martí e Colman no sequestro e assassinato de Cecilia Cubas, encontrou-se duas coisas muito curiosas. Um e-mail escrito por Arrom a Martínez, pedindo para enviar US$ 2 mil para arcar com as despesas dos três no Brasil, onde os dados para depósito são a conta bancária de Marcos César Vasconcelos – o assessor de Greenhalgh –, inclusive seu CPF e endereço residencial em Brasília. E noutro e-mail, um encontro que houve entre estes três personagens com
Osmar Martínez, mais um colombiano e ao menos um brasileiro, em Foz do Iguaçu (PR), em agosto de 2004. O envolvimento do EPP e do PPL com as FARC vem desde fins de 2004, quando um grupo de aproximadamente 20 pessoas, incluindo homens e mulheres, recebeu treinamento guerrilheiro nos montes de Sidepar 3000, Canindeyú. Segundo Rubén Dario Bernal, um jovem camponês que afirma ter sido recrutado nessa data pelo grupo armado, e que em abril de 2006 desertou e se entregou às autoridades. Ele afirma que a coluna armada com uniforme militar tipo camuflagem e armamento de combate moderno (fuzis de assalto AK 47, FAL, M 16, AR 15, metralhadoras Uzi, pistolas 9 mm e lança-granadas), foi treinada e assessorada por dois guerrilheiros das FARC. O Ministério Público acredita que os membros das FARC eram Orlay Jurado Palomino e Rodrigo Granda, os mesmos que circulavam livremente no Brasil com o conhecimento da Polícia Federal e da ABIN e que planejaram, em nosso território nacional, o sequestro e assassinato de Cecilia Cubas.
O ex-presidente do Paraguai Fernando Lugo é tido por muitos como um dos ideólogos do Exército do Povo Paraguaio, o EPP.
MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
9
Desde então, os sequestros não pararam mais. Em 31 de julho de 2008, o criador de gado e ex-intendente de Tacuatí, Luis Alberto Lindstron, foi sequestrado, e após o pagamento de 130 mil dólares foi libertado em 12 de setembro de 2008. Em 31 de maio de 2013, entretanto, Lindstron foi assassinado por haver “desobedecido” as “leis revolucionárias” do pagamento de um “imposto revolucionário”, prática sem dúvida alguma adquirida das FARC, que obriga os estancieiros e grandes produtores da região a pagar mensalmente uma quantia estipulada pelo bando terrorista. Quem descumpre com a “lei”, paga com a vida. Em 16 de outubro de 2009, outro fazendeiro foi sequestrado. Fidel Zavala foi sequestrado na fazenda Mabel, de sua propriedade, e libertado em 17 de janeiro de 2010, após o pagamento de 550 mil dólares. Desde que o ex-presidente Fernando Lugo assumiu o governo do Paraguai, os assassinatos, justiçamentos e sequestros promovidos pelo EPP se incrementaram no país e, hoje a luta contra o bando guerrilheiro se vê bastante debilitada pela força que adquiriu durante seu governo. Em maio de 2012 a fazenda “Campos Morombi” foi invadida por uma centena de delinquentes que se diziam “camponeses”, que protestavam pela reforma agrária prometida e até então não cumprida por Lugo. Depois de três semanas de ocupação, o Ministério do Interior ordenou a desocupação pela força, resultando em enfrentamentos que deixaram um saldo de 17 mortos (onze camponeses e seis policiais), provocando fortes críticas dos socialistas. Lugo destituiu o ministro do Interior Carlos Filizzola e o Comandante da Polícia Paulino Rojas, dando apoio aos invasores. Esta foi a gota d’água para a sua destituição da presidência da República, em 22 de junho de 2012, cumprindo com o que reza a Constituição Nacional. Lugo é tido por muitos como um dos ideólogos do EPP, inclusive seu vice-presidente Federico Franco, que aceitou participar da chapa sem saber de seus vínculos com o bando terrorista, o acusou publicamente várias vezes, e depois,
10
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
já como presidente, atribuiu à lassidão no combate ao EPP por parte de Lugo, o crescimento da guerrilha que naquela altura contava com 100 membros ativos. Até 2012 o EPP era acusado de haver assassinado umas 28 pessoas (17 civis e 11 policiais), e de haver realizado mais de vinte ataques, queimar propriedades, postos policiais e militares, estâncias e estabelecimentos rurais. A Polícia AntiSequestro havia dado baixa em alguns guerrilheiros e prometeu segurança para uma informante, Eusebia Maíz, que era tia de três integrantes do EPP. Através do parentesco com os guerrilheiros, Eusebia forneceu informações sobre o sequestro de Fidel Zavala, mas a Polícia não cumpriu com sua parte. Em setembro de 2012 seus sobrinhos, Bernardo Bernal Maíz “Coco” e Antonio Ramón, foram à sua casa à noite e a assassinaram explodindo sua cabeça com uma bomba, deixando sete filhos menores órfãos como vingança pelas delações. Em 4 de abril de 2014, depois de ficar desaparecido por vários dias quando saiu para caçar, foi encontrado o corpo sem vida de Isaac Arce, em Paso Tuyá, no estado de Concepción, um município onde vivem umas 75 famílias de emigrantes brasileiros dedicados à agricultura. Segundo o laudo forense, ele foi justiçado pelo EPP: primeiro foi posto de joelhos e depois deram três tiros, dois na nuca e um no ombro. No dia 2 de abril, na mesma localidade, os guerrilheiros do EPP sequestraram o brasileiro Arlan Fick Bremm, de 16 anos. Durante o sequestro houve um enfrentamento, deixando um saldo de dois guerrilheiros e um policial mortos. No mesmo dia do sequestro, o EPP exigiu da família de Arlan o pagamento de 500 mil dólares, que foi prontamente realizado. No momento da entrega do dinheiro os terroristas impuseram outras condições: que entregassem à imprensa um CD com um vídeo de propaganda do bando e que distribuíssem 50 mil dólares em alimentos pelas comunidades pobres. Tudo foi cumprido no prazo de uma semana, mas há quase 70 dias do sequestro não há qualquer
Jo‹o Wainer/Folha Imagem
notícia sobre Arlan, nenhuma prova de vida foi entregue. O assessor de Luis Alberto Figueiredo, ministro de Relações Internacionais do Brasil, disse em entrevista que o governo brasileiro pôs a estrutura da Polícia Federal à disposição do governo do Paraguai, mas o Ministério Público, o Ministério do Interior e Justiça e a Polícia do Paraguai dizem que solicitaram e estão dispostos a aceitar a ajuda brasileira, pois reconhecem que nós temos mais recursos e tecnologia mais avançada, dando a entender que a oferta não chegou a eles até o momento. Mais de 60 vídeos gravados pelos membros do EPP ao longo de cinco anos, foram encontrados no dia 9 de junho em decorrência da investigação do sequestro de Arlan. Não se sabe como esses vídeos vazaram para a imprensa, o que causou grande mal estar no Ministério Público, pois um dos vídeos divulgados ia ser usado no julgamento oral de “Matungo”, um dos acusados do sequestro de Fidel Zavala. O ministro do Interior, Francisco de Vargas, entretanto, não vê qualquer inconveniente mas o fato é que, com essa divulgação, não se sabe o que pode vir a acontecer com Arlan, caso ele ainda esteja
vivo, pois todas as exigências foram cumpridas há dois meses e nenhuma prova de vida foi dada. Agora, o deputado federal pelo PSDB do Paraná, Luis Carlos Hauly, ao tomar conhecimento do caso Arlan, pôs o dedo na ferida. Solicitou ao Ministério de Relações Exteriores e Defesa Nacional, que convoque o chanceler Luis Alberto Figueiredo e o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, para esclarecer questões relativas ao Paraguai. A principal delas é a concessão de refúgio dada aos terroristas Juan Arrom, Anuncio Martí e Victor Colmán, membros do PPL e EPP que vivem comodamente no Brasil, e desde nosso território nacional continuam comandando operações de sequestro, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas. O Brasil não pode continuar refém de bandos terroristas como FARC, EPP e PCC que, ademais de se declararem marxistasleninistas, anti-capitalistas e antiimperialistas, atuam conjuntamente no nosso continente, sem que o Parlamento brasileiro tome uma atitude enérgica de denunciar e cooperar com os países vizinhos para o fim do terrorismo na região.
O envolvimento do EPP e do PPL com as FARC vem desde fins de 2004. Na foto, guerrilheiro das FARC aponta um fuzil AK 47.
MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
11
Ricardo Stuckert/PR
O Foro de São Paulo, a Esque A catalepsia ideológica e política induzida a partir do Foro de São Paulo encontra trágicos ecos numa classe dirigente inexperiente e fácil presa de mentiras e trapaças.
12
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
credito
O sindicalista Lula da Silva (foto à esq.), Fidel Castro e o Partido Comunista de Cuba foram os criadores d o chamado Foro de São Paulo.
Antonio Sánchez
É historiador, filósofo, professor e colunista de vários órgãos de imprensa venezuelanos. Dentre outros títulos, é autor de: “Dictadura o democracia: Venezuela em la encrucijada” e “La isquierda real y la nueva isquierda en America Latina”. (Tradução: Domingos Zamagna)
rda real e a Nova esquerda
C
orria, no Brasil, o ano de 1990. Pouquíssimos analistas políticos se deram conta, no momento de fundação do PT (Partido dos Trabalhadores), das verdadeiras intenções do sindicalista Lula da Silva, ao organizar, conjuntamente com Fidel Castro e o Partido Comunista Cubano, o chamado Foro de São Paulo. O desmanche da União Soviética, consumado após a queda do Muro de Berlim, conduziu à precipitada e insólita convicção de que com o desaparecimento da URSS e a presumida hegemonia sem contrapesos dos Estados Unidos como única grande potência no cenário mundial, poriam fim como num passe de mágica
aos conflitos entre as Nações e, o que beirava o absurdo, ao desaparecer os conflitos, desapareceria o motor da história. Foi o que levou o analista Francis Fukuyama a declarar oficialmente o fim da história num best seller altamente polêmico, com o mesmo nome. Quais seriam esses propósitos? Preencher o vazio escatológico deixado pelo desaparecimento da União Soviética como principal sustentáculo material do comunismo mundial e do PCUS, seu partido, como farol ideológico e político dos partidos afins na América Latina. Uma operação de alto calibre, orientada a dar resposta à freguesia dos partidos, centrais sindicais, movimentos de massa, organizações MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
13
da sociedade civil e movimentos armados procedentes da esquerda marxista até então administrados pelo eixo Havana-Moscou e órfãos de toda orientação estratégica. Tal crise foi agudizada pela derrota sofrida desde os anos 60/70 pela política expansionista do regime cubano e seu controle dos fatores mais radicalizados da esquerda socialista latino-americana. A importância de Lula da Silva e sua equipe de assessores provenientes do trotskismo, enraizava-se na compreensão de um fenômeno crucial imposto pela derrota da via armada: a necessidade de impor uma via pacífica, constitucional e eleitoral aparentemente anticomunista e imanente ao sistema, flexível e adequada às características específicas de cada nação, de modo a apoderar-se dos respectivos Estados, a partir de suas instituições, e atuar em função do campo de manobra deixados pelas crises dos respectivos sistemas de dominação que previam ou haviam decidido precipitar. Lula o deixou expresso sem rodeios, ao indicar em algumas entrevistas que – mesmo sendo comunista, aliás, como seu irmão – que tinha perfeitamente a consciência de que, como comunista, seria imediatamente recusado pela sociedade brasileira: criou então o Partido dos Trabalhadores. Fantasiou-se de democrata impoluto, independente e progressista. Distante do marxismo e herói da pobreza, de onde provinha. Procurou pautar todas as suas ações de modo a não avançar, nas reivindicações populares, nem um centímetro a mais das coordenadas ditadas pelas instituições fortemente estabelecidas após a queda da ditadura, particularmente as Forças Armadas e o poderoso empresariado. Pelo menos no Brasil, baluarte do Foro e, desde há muito, centro de ambições sub-imperiais de sua elite dominante, o PT não ousaria reclamar de imediato o controle absoluto, unidimensional e tendencialmente totalitário do aparelho estatal. Outra seria a cantilena para as nações do subcontinente nas quais o esforço forista se encaminharia para subverter as estruturas e avançar para uma nova roupagem de socialismo: a revolução bolivariana. A primeira peça do xadrez regional a ser conquistada pelo Foro de São Paulo seria a Venezuela. Era a joia da coroa de ambições de Fidel Castro devido à sua posição geoestratégica privilegiada em relação aos Estados Unidos e ao Caribe. Venezuela é também o corredor natural para as regiões andina e amazônica. Ela é, ainda, dona de recursos petrolíferos que servem para financiar a grande operação conquistadora planejada há tanto tempo, antes mesmo
14
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
A primeira peça do xadrez regional a ser conquistada pelo Foro de São Paulo seria a Venezuela. Era a joia da coroa das ambições de Fidel Castro devido à sua posição geoestratégica privilegiada em relação aos Estados Unidos e ao Caribe. Venezuela é também o corredor natural para as regiões andina e amazônica.
do assalto ao Poder em 1959, em situação suficientemente crítica para nocauteá-la com um golpe mortal ao seu sistema político e assenhorear-se dela, como foi feito em Cuba com uma dúzia de aventureiros. O golpe de Estado de 4 de fevereiro de 1992 veio preencher seus pantagruélicos apetites de poder imperial com os clássicos lances fortuitos que acompanham os tiranos. Inconsciente do pano de fundo filo-castrista de seu principal protagonista, começou por desautorizar o golpe, considerando-o uma piada dos cara-pintadas, dando respaldo ao socialdemocrata Carlos Andrés Perez, com quem forjara discreto relacionamento depois de décadas de antagonismos Mas bem depressa se revelariam as gigantescas perspectivas que se abririam, a Fidel e ao Foro, se o coronel de plantão fosse cooptado para a nova causa. Bastou um encontro em Havana para rapidamente decidir-se pela soltura do golpista venezuelano para que, não só fosse cooptado, mas para que se convertesse num filho putativo, graças aos seus megalomaníacos transtornos psicopáticos, manipulável até ao delírio, irresponsável e irracional, e disposto a entregar-lhes não só o petróleo venezuelano, mas a Venezuela por completo, incluída a soberania. Até mesmo sua vida, como se efetivou. Nasceu assim o projeto estratégico do que alguns analistas chamaram de “Cubazuela”, ou “Venecuba” Pouco importa se a concretização do rocambolesco engenho, inclusive constitucional, resultasse num irremediável fracasso. A oposição venezuelana a tão delirante arremedo de refundação nacional foi obrigada a transitar pelos verdes caminhos do neofascismo forista. As decadentes elites políticas, artísticas e intelectuais do castrismo, congênito ao estamento venezuelano, foram usadas para a defenestração de Carlos Andrés Pérez; promovendo o afundamento do sistema político em questão: o assalto ao Poder da cria mais promissora do seu criador Nem um segundo foi desperdiçado por Castro e pelos líderes do Foro, inclusive Lula, chefe da suposta “nova esquerda", na cabeça de uma esquerda real comprometida com a estratégia castro-comunista, em apoderar-se, em primeiro lugar do petróleo venezuelano, em segundo lugar das instituições jurídico-políticas e em terceiro lugar das Forças Armadas venezuelanas. Foi montada uma ditadura com novo uniforme, disfarçada de democracia da nova esquerda, para dar as braçadas consecutivas, seguindo o mesmo esquema, convertido em assalto ao Poder continental: produzir graves
crises de governabilidade, quebrar a estabilidade institucional, dominar as alavancas do poder mediante eleições plebiscitárias, estabelecer assembleias constituintes, terminando pela construção de um sistema de poder continental: partindo da conquista do Poder na Venezuela, graças ao uso de seus gigantescos recursos petrolíferos, expandi-lo à Bolívia, Nicarágua, Equador, Brasil, Argentina e Uruguai. Prestes a conquistar México, Peru e Colômbia. Inclusive, pelas mãos do socialista chileno José Miguel Insulza, chegando a controlar a OEA, principal organismo multinacional da região desde 1947, marginalizando-a para implantar seu próprio balcão de poder regional; a UNASUR e a CELAC. Esta vasta operação de alta política geoestratégica desmente da forma mais categórica a suposta existência das duas esquerdas e as diferenças de fundo que se lhes pretende atribuir: uma democrática, lulista, e progressista; e outra ditatorial, repressiva, conservadora, real e castro-chavista. É mais que isso, o que se reveste de uma gravidade absolutamente ignorada ou menosprezada pelos grandes poderes do hemisfério. Essa realidade bifronte, que é a esquerda latino-americana em qualquer das suas duas caras (cada qual inerente à outra, mas aparecendo de acordo com os requisitos de oportunidades e circunstâncias), hoje absolutamente dominante na região, conseguiu lixar as arestas, temores e inibições dos partidos autenticamente democráticos – de centro ou de direita –, uma vez que permitiram serem ideologicamente manipulados e marginalizados do contexto regional. De bom grado eles aceitaram conviver sem hiatos e contradições com regimes tão abertamente ditatoriais e antidemocráticos como os de Cuba, Nicarágua e Venezuela. Frente a eles, qualquer invocação à Carta Democrática da OEA, da UNASUR ou da CELAC é risível e letra morta. O insólito e absurdo dessa operação geoestratégica é o que expressa uma das mais rocambolescas e sufocantes situações da história recente da América Latina. Enquanto Cuba e Venezuela (esta convertida em colônia dos Castro) se preparavam para enfrentar os gravíssimos fatos que hoje sacodem toda a Venezuela, que aliás bem poderiam convergir para uma escalada sem precedentes de tensões pré-bélicas num país latino-americano, tornando mais brutal e implacável a subordinação ditatorial do país petroleiro pelas forças cu-
Reprodução
banas de repressão, francamente interventoras em território venezuelano, 32 presidentes latino-americanos eleitos democraticamente em processos regulares, justos, equitativos e transparentes, abraçavam-se em Havana com Raúl Castro e o homem do governo cubano em Caracas, lugar-tenente de Fidel Castro para todos os efeitos, que escrevia no GRANMA sem a menor dissimulação: “Sem o petróleo venezuelano a revolução fracassaria. Maduro é nosso homem em Caracas...” O abraço entre Sebastián Piñera e Raúl Castro por ocasião da Cúpula dos presidentes da Espanha, América Latina e Caribe celebrado em Santiago do Chile após 40 anos do letal antagonismo que levou o país austral à pior tragédia vivida em sua história, pareceu apagar esse sórdido e paradigmático capítulo de enfrentamentos entre a tirania cubana e a democracia chilena. Selou um acordo de imensas implicações: Cuba parecia encaminhada à reconciliação com as democracias latinoamericanas. Entretanto, bastou um soluço da oposição venezuelana para que despertasse o tirânico monstro caribenho, mais totalitário, mais repressivo e mais brutal do que antes. Mas ele o faz diante de um continente controlado pela tirania, subserviente a todos os abusos totalitários do regime castrista, cego, surdo e mudo em face dos trágicos acontecimentos de Caracas. Com a exceção dos ex-presidentes Uribe, Arias e Toledo, o resto parece ignorar a dimensão do que está em jogo. A apatia regional é tão desconcertante quanto a apatia europeia diante do assalto de Hitler ao Poder na Alemanha. Não houve diferença alguma entre as reações dos governos abertamente autocráticos, representante da esquerda real e os supostamente democráticos da nova esquerda, desarmando as supostas diferenças de fundo entre as duas faces da mesma moeda. O trágico é o silêncio daqueles em que um sensato observador de nossas penúrias poderia encontrar ideias de centro, de centro-direita ou diretamente de direita. Esta práxis de catalepsia ideológica e política induzida pelo Foro de São Paulo encontra trágicas reverberações nas práticas de governos inexperientes, ignorantes e presas fáceis de mentiras e trapaças: os mais importantes líderes da oposição venezuelana escolheram o trotskista Lula da Silva como exemplo a ser seguido. Não perceberam ainda que ele é o carrasco que os leva ao cadafalso. MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
15
A economia e a política do Brasil nos tempos do “nunca antes”
Paulo Whitaker/Reuters
16
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
Enfim, em pouco mais de meio século, a economia brasileira deu uma volta completa, e hoje podemos proclamar com orgulho que o Brasil é, sim, um país essencialmente agrícola. Para sua sorte, aliás...
MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
17
Divulgação
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata de carreira e professor universitário; autor do livro: Nunca antes na diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Editora Appris, 2014)
N
Na economia, a herança bendita da agricultura
o período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial, quando se falava que o Brasil era um país essencialmente agrícola, se tratava quase de uma expressão de culpa, algo como um humilde pedido de desculpas. De fato, era com certo sentimento de vergonha que reconhecíamos essa condição, pois nossa agricultura era extremamente atrasada. Toda a nossa economia, aliás, se encontrava numa situação bastante precária, com mais de 60% da população espalhada em zonas rurais dispersas, milhões de Jecas Tatus mal sobrevivendo às endemias, ao paludismo, ao bicho do pé. Na indústria, a despeito do grande esforço feito nos anos 1950, persistia certo “complexo de vira-lata” quanto às suas chances de competir com parceiros poderosos. A crer num panfleto muito popular nessa época, Um Dia na Vida de Brasilino – que ainda pode ser encontrado no site do PCdoB –, parece que devíamos tudo o que consumíamos às companhias estrangeiras, e pagávamos caro por isso. Esta era a mensagem do panfleto nacionalista: da manhã até a noite, ininterruptamente, Brasilino pagava royalties aos imperialistas, acordando e dormindo com a Light, escovando os dentes com Kolynos, tomando banho com Palmolive, fazendo a barba com Williams e Gillette, comendo cereais americanos, sua comida era feita com óleo americano, ele se movimentava em carros americanos, consumia filmes de Hollywood e ainda lia a edição brasileira da Reader’s Digest, Seleções, justificando a dominação imperialista. Nessa concepção, nossa indústria estava fatalmente condenada a viver sob a dominação do capital estrangeiro e praticamente não se vislumbrava nenhuma salvação do lado da agricultura, que no entanto ainda representava boa parte da economia nacional. Vale lembrar, a propósito, que até essa época o café ainda representava mais da metade das exportações nacionais. O grande impulso industrializador ocorreria sob o regime militar, a um ritmo tão intenso que se chegou a falar de stalinismo para os ricos. A indústria subiu, chegou a representar quase dois quintos do PIB, para depois refluir na grande perda de competitividade e de produtividade do Brasil no período recente. Meio século depois, isto é, agora, o único setor verdadeiramente moderno da economia brasileira parece ser a agricultura, exportando milhões de toneladas de todos os tipos de produtos, garantindo o equilíbrio das transações correntes, com seus saldos anuais de dezenas de bilhões de dólares, compensando assim, pelo menos em parte, os crescentes déficits do se-
18
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
tor manufatureiro. De fato, os agricultores no Brasil são modernos, conectados permanentemente aos mercados de futuros de Chicago e a outras bolsas de mercadores, para decidir, quase um ano antes o que plantar, quando plantar e, sobretudo, quando vender, no melhor momento dos picos de preços. Cabe registrar que a agricultura não chegou a essa posição praticando o tipo de stalinismo industrial, protecionista e introvertido, a que esteve entregue, para o bem e para o mal, o setor secundário. A modernização das atividades agrícolas e pecuárias do primário resultou de uma feliz combinação de pesquisa agrícola de alta qualidade – consolidada gradualmente sob os cuidados da Embrapa – com o tino empresarial dos próprios agricultores, que souberam se inserir nos mercados mundiais sem as amarras ou o apoio do governo. Sim, ocorreu aqui uma circunstância infeliz, que resultou ser eminentemente positiva para a agricultura: as grandes crises inflacionárias, cambiais, de descontrole fiscal e de virtual paralização das políticas setoriais do governo, desde meados dos anos 1980 até meados da seguinte. Em consequência, a própria camisa de força que o Estado colocava sobre as atividades agrícolas – supostamente para evitar novos focos de pressão inflacionária – teve de ser suspensa, o que liberou o setor para exercer suas melhores qualidades competitivas, sem todas as amarras de políticas equivocadas que vigoraram durante décadas. Sem controles de preços e abrindo-se com mais vigor ao comércio internacional, a agricultura brasileira avançou como nunca e prosperou pelos anos seguintes, até ganhar preeminência internacional, tanto no plano da produtividade e da tecnologia, quanto na conquista de novos mercados. Atualmente, os únicos atrasados no campo são os militantes ignaros do MST, na verdade, quase totalmente urbanos, ou suburbanos, que são enganados criminosamente, usados como massa de manobra por reacionários de um partido neobolchevique que não tem nenhuma intenção de fazer reforma agrária, pois o que lhe interessa, de verdade, é viver das verbas do governo ou extrair dinheiro das ONGs estrangeiras ingênuas, que pensam estar financiado um movimento que se preocupa com a justiça social. De fato, a última coisa que interessa o MST é a reforma agrária, já que ele é um dos muitos movimentos autoproclamados sociais, que sobrevivem graças às riquezas produzidas pelo capitalismo; o MST– que dispõe de amplo apoio no próprio governo – se dedica apenas a dificultar a vida do agronegócio, que é, cabe repetir, o único setor verdadeiramente avançado do Brasil atual. Enfim, em pouco mais de meio século, a economia brasileira deu uma volta completa, e hoje
Monalisa Lins/AE
podemos proclamar com orgulho que o Brasil é, sim, um país essencialmente agrícola. Para sua sorte, aliás... Na política, a mentalidade sempre atrasada das elites Não foi fácil essa volta às origens, pois as elites, sempre de mentalidade atrasada, tentando mimetizar o que nos vinha do exterior, se contentaram apenas em abolir a escravidão, aliás, tardiamente, e acharam que já tinham feito muito. Elas desprezaram as recomendações de Joaquim Nabuco, que queria os negros libertos, mas com distribuição de terras e com educação, o que não havia sequer para brancos pobres. Nabuco foi um derrotado, como já o tinha sido, desde a independência, José Bonifácio, e depois Irineu Evangelista de Souza, que conseguiu apenas o título de Barão de Mauá, mas não a concretização de suas ideias de progresso industrial e financeiro. Rui Barbosa também tentou, à sua maneira, fazer o Brasil avançar, como o gigante do norte, mas tudo o que conseguiu foi estimular o espírito rentista das elites parasitárias. Nada do que pregavam esses estadistas se fez, e os negros libertos, os mestiços e todos os brasileiros pobres continuaram a vegetar no interior do Brasil, ou às margens das grandes cidades, se empregando precariamente, sem educação e sem capacidade de se inserir produtivamente numa economia que recém começava a se industrializar, aos soluços, aos trancos e barrancos, ao sabor das políticas comerciais, que visavam mais
Sem controles de preços e abrindo-se com mais vigor ao comércio internacional, a agricultura brasileira avançou como nunca e prosperou.
defender as receitas do Estado do que propriamente estimular uma indústria nacional. Sim, as elites preferiam importar agricultores brancos da Europa, e foram estes que, dotados de uma ética que Max Weber pensava encontrar unicamente nos protestantes, verdadeiramente modernizaram o Brasil. A modernidade se espalhou gradativamente pelo Brasil, ao ritmo da urbanização e da industrialização, mas também com a expansão das fronteiras agrícolas, graças ao trabalho de novos bandeirantes. Aqui é preciso fazer uma homenagem aos gaúchos, filhos de imigrantes, que levaram a agricultura moderna para os mais diversos rincões do interior brasileiro. Os novos bandeirantes civilizaram o interior atrasado do Brasil, onde quer que eles tenham tocado, com seu vigor no trabalho, seu espírito cooperativo, suas máquinas agrícolas e suas churrascarias. Foram eles que venceram a linha de Tordesilhas econômica, que fazia a atividade produtiva do Brasil depender de uma estreita faixa atlântica de não mais de 200 quilômetros a partir da costa. Mas as elites, em geral, continuaram atrasadas, o que é manifestamente patente na política e na educação. Incapazes de se entender sobre os rumos do País, os políticos provocaram mais de uma vez, aliás incontáveis vezes, intervenções dos militares na vida política. Militares são típicos representantes da classe média, amantes da ordem, inimigos da corrupção política – que eles desprezam fundamentalmente –, encarregados constituMAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
19
Divulgação
Folhaimgem
À esquerda, o presidente Jânio Quadros recebe em Brasília o guerrilheiro Che Guevara; à direita, solenidade de posse do presidente Humberto de Alencar Castello Branco.
cionalmente da segurança da pátria e diretamente interessados num país poderoso, dotado de uma indústria moderna, que seja capaz de assegurar a autonomia nacional no abastecimento prioritário e nos equipamentos que lhes são necessários. Foi por causa das desordens civis, da inflação destruidora das poupanças dos cidadãos, do caos administrativo e da incapacidade da classe política em resolver, sem corrupção, os problemas básicos da nacionalidade, que os militares intervieram tantas vezes na vida civil, alegadamente para colocar o Brasil nos trilhos do desenvolvimento, como eles não se cansam de dizer. A República começou com um golpe militar, porque o Império já estaria carcomido, segundo se dizia. Depois de muitas turbulências, e revoltas militares e civis, foi a República que ficou carcomida em muito pouco tempo. Os militares voltaram a se envolver nos assuntos públicos desde o início dos anos 1920, em ondas sucessivas, até culminar, com apenas uma parte das Forças Armadas, na revolução de 1930, que de fato alterou o padrão das intervenções militares, como seria o caso novamente em 1964. A despeito de uma fratura em 1932, a vigilância contra a desordem civil e no caso de ameaças ao Estado continuaram a constituir prioridades da agenda política dos militares. A Intentona Comunista de novembro de 1935 selou definitivamente o anticomunismo como doutrina oficial do Estado brasileiro, estabelecendo um dos critérios básicos para a intervenção dos militares na política. A história virtual das tentativas comunistas e do autoritarismo brasileiro Uma suposição plausível é cabível nessa conjuntura da história nacional: se não tivesse havido a Intentona Comunista de novembro de 1935, provavelmente não teria havido a Lei de Segurança
20
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
Nacional do ano seguinte, e logo em seguida o golpe de novembro de 1937 e a implantação da longa ditadura do Estado Novo, bem mais repressiva e autoritária do que o regime militar dos anos 1960 e 70. Devemos esses oito anos de ditadura completa, sem Congresso e sem partidos políticos, aos ingênuos dirigentes da Internacional Comunista e aos equivocados bolcheviques tupiniquins, entre eles o idiota do líder comunista Luis Carlos Prestes. Da mesma forma, se não tivesse havido ações de guerrilha urbana e rural, estimuladas pelos comunistas cubanos e chineses, provavelmente não teríamos tido a descida numa verdadeira ditadura militar a partir de 1968, com todos os excessos da repressão policial e militar, muita tortura e muitos mortos e desaparecidos (mas muito longe dos números chilenos e argentinos). Devemos isso, mais uma vez, a “patriotas equivocados” – como o Partidão chamava os comunistas que foram para a guerrilha – e a um punhado de maoístas deslocados no tempo e no espaço. Os atentados da guerrilha, a mobilização para a luta armada, as provocações aos militares, tudo isso antecedeu, não sucedeu, à descida para a ditadura e o pior da repressão durante o longo regime militar de 1964 a 1985 (que não foi uno, não foi uniforme, sobretudo não foi planejado para ser dessa forma). É simplesmente mentira alegar agora, como fazem os herdeiros daqueles que foram derrotados na luta armada, que, por meio da guerrilha, se estava levando uma luta de resistência contra uma ditadura militar para trazer o Brasil de volta à democracia. Eu estava dentro desses movimentos e posso dizer que não é verdade: ninguém ali estava lutando para trazer de volta a democracia burguesa, que desprezávamos. O que queríamos mesmo era uma bela ditadura do proletariado, ao estilo cubano ou chinês, que inevitavelmente teria de começar fuzilando burgueses e latifundiários, para dar o exemplo, e talvez até alguns acadêmicos de direita. Esse era o nosso projeto, e foi
Domicio Pinheiro/AE
ele que afastou o Brasil durante vários anos da redemocratização, trazendo sofrimentos inúteis, por culpa de elites alternativas, também atrasadas e até mesmo anacrônicas. Obviamente, antes da guerrilha, seguida da repressão violenta por parte dos militares, nessa ordem, tínhamos tido o golpe militar de 31 de março de 1964, aqui também por culpa das elites tradicionais. Incapazes de se entenderem sobre como encaminhar, pela via parlamentar e democrática, os muitos problemas do processo de modernização –a rápida urbanização, a industrialização, a incorporação das massas no jogo político, as reformas a serem feitas para colocar o Brasil na nova ordem global, pós-colonial, as agruras da inflação, o caos administrativo criado por um presidente inepto, e vários outros problemas mais – as elites novamente apelam aos militares para resolver suas diferenças políticas. Havia militares de esquerda, poucos, havia militares de direita, também poucos, pois a maioria dos militares, como da população civil, queria apenas ordem, crescimento, baixa inflação, essas coisas corriqueiras e banais. Muitos deles se preocupavam com os comunistas, bastante assanhados nesses tempos de Guerra Fria e de aparente ascensão da União Soviética. Mais uma vez, o idiota do Prestes, secretário-geral do comitê central do Partido Comunista, ainda teoricamente proibido, mas na prática fora da clandestinidade, mostrava seu atrevimento, clamando que “ainda não somos governo, mas já estamos no poder”. O mesmo idiota, ao fugir da repressão que se abateu mais uma vez sobre os comunistas, deixou para trás, de presente para os militares, suas famosas cadernetas, onde estavam anotadas todas as discussões mantidas com seus colegas do comitê central. Também é mentira que o golpe começou em Washington, como alegam muitos ainda hoje, a partir de um livro publicado pouco depois do golpe militar. Obviamente que depois da “perda da China” para Mao Tsé-tung, depois que Fidel Castro proclamou o caráter marxista-leninista da Revolução Cubana, em abril de 1961, e sobretudo depois do episódio dos mísseis soviéticos em Cuba, em outubro de 1962, quando o mundo quase chegou à beira de
Os militares pretendiam apenas limpar o terreno, colocar o Brasil em ordem e se afastar, como sempre o fizeram das vezes precedentes.
uma confrontação nuclear entre os dois gigantes da Guerra Fria, depois de tudo isso, é evidente que os americanos estavam preocupados com a possibilidade de uma nova Cuba no hemisfério, de uma nova China no mundo, logo ali abaixo. Eles conspiraram com os militares brasileiros, por certo, vigiaram, espionaram, se alarmaram e se prepararam, mas não foram eles que deram o golpe, nem o sinal de partida. Aliás, mesmo sem qualquer conspiração americana, sem qualquer estímulo do exterior, os militares brasileiros tinham motivos de sobra para dar o golpe, de qualquer jeito; entre esses motivos, havia a quebra da hierarquia militar pelo próprio presidente. Não foi apenas o medo do comunismo e o temor da inflação que os moveu, e sim todo o caos político criado por elites incompetentes e por dirigentes ineptos. Do golpe à ditadura: acidentes de percurso Não era a intenção inicial dos militares se instalar no poder e instaurar uma ditadura militar. Chamados pelos civis – inclusive três governadores candidatos a presidente nas eleições de 1965 – os militares pretendiam apenas limpar o terreno, colocar o Brasil em ordem, e se afastar, como sempre o fizeram das vezes precedentes. Só que desta vez, as coisas não aconteceram como no passado. Como eles pretendiam fazer um serviço completo, antes de entregar o poder novamente aos civis, eles tiveram de se esforçar mais um pouco, ao se deparar com um quadro ainda mais caótico do que imaginavam anteriormente, tanto na frente interna, quanto na externa, aqui, inclusive, bem mais ameaçador, do ponto de vista da segurança nacional, um dos mais sagrados princípios da doutrina militar. Na frente interna, os militares estavam fartos dos políticos incompetentes e corruptos, que eles viam como o principal obstáculo a que o Brasil pudesse empreender o grande projeto MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
21
Passei boa parte dos anos de chumbo na Europa, sempre lutando contra o regime militar, mas lendo, estudando, visitando todos os socialismos, refletindo sobre tudo aquilo, e aprendendo.
de desenvolvimento que eles tinham em mente, que sempre tiveram, desde os anos 1930, quando foram chamados pela primeira vez para participar realmente dos destinos do País (excluindo-se a fase inicial da República, quando eles não sabiam exatamente o que fazer e se dividiram quanto aos rumos do País). Na frente externa, a ameaça foi representada pela luta armada, de inspiração cubana e maoísta. Os militares tratariam desses dois problemas à sua maneira, isto é, com a mão forte, nem sempre bem dirigida. Atentados aos direitos democráticos e, mais tarde, violações dos direitos humanos se tornaram inevitáveis num contexto em que a extrema esquerda se lançou equivocadamente à luta armada. Eles começaram por eliminar alguns dos líderes que eles julgavam corruptos (como Adhemar de Barros, por exemplo, o inventor da expressão “rouba mas faz”), outros por demais ambiciosos (Carlos Lacerda, dito “o corvo”, o homem que esteve atrás de todas as crises políticas da República de 1946), e alguns até desejosos de voltar ao poder (JK era candidatíssimo nas eleições previstas para 1965, jamais realizadas). Vários deles tinham incitado os militares ao golpe, esperando depois recolher os frutos de suas conspirações. Por um conjunto de circunstâncias fortuitas, e também pela amplitude da reação, dos cassados e dos novos opositores do governo militar, tornou-se difícil manter o projeto original, ou seja, limpar o terreno e depois voltar aos quartéis. A presidência Castello Branco foi prolongada, reformulou-se totalmente o sistema partidário, com a criação pelo alto de apenas dois partidos – um obrigatoriamente do governo, a Arena, o outro artificialmente de oposição, o MDB – e se elaborou uma nova Constituição, a de 1967, eliminando-se o voto direto para presidente (e domando, de maneira conveniente, a escolha para os demais cargos executivos na Federação). Radicais de ambos os lados começaram então a se movimentar, nas esquerdas (pois havia muitas) e na direita, também bastante dividida, mas comprometida com o regime militar que então surgia com sua nova institucionalidade formal, isto é, autoritária. Os militares estavam unidos no combate à luta armada, mas atenção, não foram eles que começaram a brincadeira. Não nos esqueçamos que logo em seguida ao golpe, Carlos Marighella viaja a Cuba e de lá volta com a nova palavra de ordem: criar dois, três, muitos Vietnãs, como proclamava Che Guevara, em suas frustradas aventuras guerrilheiras na África e no coração da América Latina, na Bolívia mais precisamente. Os comunistas cubanos deram todo o apoio logístico e financeiro ao empreendimento guerrilheiro, não apenas de Marighella, como de outros líderes comunistas também. Isto precisa ficar bem
22
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
claro, para que não se confundam as coisas e não se invente uma falsa história da resistência ao regime militar. O grosso da repressão, as torturas bárbaras que foram impostas à maioria dos guerrilheiros, ou simples “subversivos” capturados, os desaparecimentos, os assassinatos cometidos contra os guerrilheiros não vieram antes, mas bem depois que os atentados da luta armada começaram de forma algo improvisada e bastante ingênua: assaltos a bancos, atentados a quartéis, eliminação de “inimigos da revolução” e de “agentes do imperialismo”, mortes a sangue frio, cabe relembrar. Não estou aqui escrevendo a história, apenas testemunhando o que vi, o que assisti, como aprendiz de guerrilheiro que nunca chegou a entrar em ação. Quando vi a precariedade de meios, a insanidade do projeto armado, a profunda debilidade política de todos esses movimentos, o total descolamento dos grupos guerrilheiros de qualquer base social que eles pretendiam representar – e eu conheci três, a ALN, a VPR e a VAR-Palmares – decidi auto-exilar-me voluntariamente. Passei boa parte dos anos de chumbo na Europa, sempre lutando contra o regime militar, mas lendo, estudando, visitando todos os socialismos, refletindo sobre tudo aquilo, e aprendendo. Mas não pretendo oferecer agora um depoimento pessoal sobre o que se passou nos anos da luta armada. Vamos voltar ao nosso assunto principal. Nossas elites continuaram seu percurso de atraso mental As melhores elites que o Brasil teve, durante algum tempo em seu processo de modernização, foram as militares, tanto nos anos 1930, quanto nos 60 e 70, mas com alguns pecados veniais, e alguns outros mais graves. As elites civis, com poucas exceções – que se contam nos dedos superiores – se voltavam, como já mencionado, para os militares, cada vez que tinham contradições internas, como diriam os marxistas. Os militares vinham, com seus cavalos ou tanques, e depois se entendiam com os tribunos civis, os latifundiários, os burgueses mais destacados. Mas essas elites também eram atrasadas sociologicamente falando, sobretudo porque se acostumaram a delegar ao Estado funções e atribuições que poderiam, talvez, ter sido melhor encaminhadas pela via da própria sociedade civil e no âmbito dos mercados livres, como o financiamento da produção, da realização de obras de infraestrutura, de muitos serviços coletivos, como comunicações, transportes, energia, saneamento urbano, etc., como aliás vinha se fazendo desde o Império e até o começo da República. Não se diga, justamente, que tais serviços e empreendimentos não poderiam ser realizados por capitais privados, e que só um Estado forte, centralizado, dispondo de vastos recursos, teria de assumir o encargo exclusivo de fazê-los. Durante todo o Império e na velha República, todas, repito TODAS, as obras de infraestrutura, de comunicações, de serviços urbanos, de transportes foram realizadas em regime de concessões públicas, ou seja, por capitais privados, geralmente estrangeiros, e na base de joint undertakings, ou seja, em regime de PPPs, as famosas parcerias público-privadas, que alguns imaginam ser uma novidade inventada recentemente. O Império contraía esses empreen-
dimentos já que carecia dos capitais e da capacidade técnica para fazê-los, geralmente dando a partida em alguma companhia constituída na City de Londres, com alguns conselheiros brasileiros no board da empresa. Desde a ferrovia pioneira de Mauá, a Rio-Petrópolis, até as últimas railways pelo interior do Brasil já nos anos 1920, todos esses empreendimentos se constituíam ao abrigo de contratos de direito comercial, mercantil ou privado, regulando a concessão – algumas por até 99 anos – para os quais o Império oferecia a famosa garantia de juros, em média de 6% ao ano, bem mais do que a média histórica do capitalismo, de apenas 3 ou 3,5%. O Brasil era um bom negócio para a globalização da belle époque, junto com a Argentina, que o superou amplamente, e o México, pelo menos até 1912 (quando os zapatistas mergulharam o país novamente no atraso). Depois as coisas se complicaram um pouco: os capitais se retraíram (teve o calote argentino da crise do Barings, em 1891), o protecionismo comercial se instalou, os financiamentos internacionais se tornaram mais difíceis, os investimentos secaram um pouco, mas o desastre mesmo veio com a Primeira Guerra Mundial, quando se suspende a conversibilidade e o padrão-ouro, e o Estado, ou melhor, os políticos, aprenderam a fabricar inflação e a intervir na economia. Os tempos nunca mais seriam os mesmos. Tudo mudou então, na política, mas sobretudo na economia. Os mercados se fecharam, as moedas se desvalorizaram, e a inflação se instalou, inclusive porque os governos, depois de esgotarem todas as possibilidades de financiamento voluntário e compulsório, começaram a emitir moeda sem lastro metálico. Eles nunca mais pararam desde aqueles tempo, apenas refreados por surtos repentinos de hiperinflação, quando então se trocava a moeda e se seguia adiante, no mesmo ritmo. A América Latina, mesmo sem guerra, fez melhor do que qualquer governo dos demais continentes: os países produziram inflação praticamente em moto contínuo. E as nossas elites? Não se pode culpar inteiramente as elites brasileiras por esses pecados veniais, partilhados igualmente com os militares. Elas estavam acostumadas, desde sempre, a viver sob a sombra d’El Rey, o que começou nas sesmarias, passou pela confirmação do tráfico e do escravismo na época da Independência, continuou sob a Lei de Terras de 1850 e se prolongou no nascimento da República. Não se pode dizer que elas não tenham sido correspondidas nesse amor involuntário por um Estado que ainda não era o ogro famélico que conhecemos atualmente. O Estado brasileiro do início do século 20 deveria se apropriar de no máximo 4 ou 5% do PIB (noção que ainda não era conhecida nessa época, obviamente). A carga fiscal já tinha subido para 12%, quando os militares deram o golpe e chegou a 24% ao final do seu regime, e continuou subindo sempre, inapelavelmente: deve andar na casa de 35 a 38% do PIB, dependendo da metodologia aplicada. Na prática, o Estado gasta mais de dois quintos do produto, aqui incluídos os acréscimos ao estoque da dívida pública, não cobertos pelos juros liberados pelo superávit primário (uma invenção conveniente para esconder uma contabilidade mais elementar). Não se deve acreditar, por outro lado, quando adeptos da contabilidade criativa disserem que a dívida pública líquida é de apenas 43% do PIB, e que a bruta não supera 70%, uma vez
Reprodução
Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil entre 1956 e 1961, era candidatíssimo nas eleições previstas para 1965, jamais realizadas.
que estes dados não medem toda a amplitude do problema, tanto o seu custo, de mais de 10% ao ano – quando os japoneses, por exemplo, que exibem uma dívida total de mais de 250% do PIB, a financiam internamente e a um custo próximo de zero – como o fato de que um quarto dela está de posse do Banco Central. Mas retornemos às nossas elites. E as novas elites: quem são elas, o que fazem elas? Qual a diferença entre as velhas elites, hoje submissas, e as novas elites? As antigas elites brasileiras viviam SOB o Estado, ao passo que as novas elites, vivem DO Estado, PARA o Estado, PELO Estado, COM o Estado. A nova classe, a Nomenklatura do partido neobolchevique, parece ter a intenção de manter indefinidamente o controle do Estado, se possível exclusivamente, se não der, em coalizão, desde que ela mantenha a hegemonia do processo decisório e dos mecanismos pelos quais fluem os recursos. As antigas elites obtiveram do Estado o que necessitavam para sobreviver e prosperar: proteção à indústria infante, subsídios setoriais generosos, políticas acomodatícias, como a lei do similar nacional, tarifas comerciais sempre defensivas, em todo caso muito elevadas, fechamento quase completo da economia e, como consequência de tudo isso, um grande mercado interno cativo, passivo, ao seu inteiro dispor. Elas desfrutaram do Estado varguista, que foi também o Estado dos militares, os mesmos que derrubaram Vargas, mas que continuaram a sua obra econômica, aperfeiçoaram o Estado interventor e o levaram aos seus extremos. Tem gente que adora esse tipo de coisa. Os militares, tanto nos anos 1930-45, quanto no período 196485 fizeram no Brasil aquilo que Stalin estava fazendo na União Soviética com o seu socialismo num só país: eles praticaram o MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
23
Mesmo marxista, nunca fui fundamentalista, e sempre li meu Raymond Aron ao lado de Marx e Sartre, e Roberto Campos para compensar os economistas estruturalistas e keynesianos a que estávamos acostumados na faculdade.
nos a que estávamos acostumados na faculdade. Ou seja, fiz o meu dever de casa, aquilo que os camaradas do Partido Soviético chamavam de autocrítica, algo que os companheiros atuais nunca fizeram. Isso me habilitou a tirar certas conclusões, não apenas sobre o sentido da História, como gostam de dizer os marxistas, mas também sobre as políticas públicas, macroeconômicas ou setoriais, que funcionam e as que não funcionam. Minhas conclusões são muitas, mas eu vou me ater às características das novas elites. Nova classe, novo pensamento, nova língua, como nunca antes...
que pode ser chamado de stalinismo industrial, e construíram um sistema integrado verticalmente, pouco dependente do exterior, com um índice de nacionalização da oferta interna poucas vezes visto em outras experiências desse tipo: ao final do regime militar, o “made in Brazil” representava provavelmente perto de 95% dos produtos de consumo. Os militares praticaram esse capitalismo num só país em benefício de grandes grupos nacionais, de algumas multinacionais integradas a esse espírito industrial e em benefício do próprio Estado, obviamente. E as nossas novas elites? Quem são, o que fazem, como vivem, do que vivem? Elas não são mais, obviamente, aqueles coronéis de chapelão, aqueles burgueses de cartola e charuto (mas as novas não dispensam os charutos cubanos), elas não são mais os industriais que se beneficiaram do stalinismo industrial praticado tanto pelo Estado varguista quanto pelo regime militar. As novas elites, quando ainda não eram tão ricas quanto hoje – mas elas já eram, de certa forma, elites, ainda que do tipo da aristocracia operária que conhecemos bem, ou como guerrilheiros reciclados que também sabemos quem são –, nos velhos tempos do Ancien Régime burguês (desculpem a contradição nos termos), essas novas elites que se tornaram velhas antes do tempo viviam às turras com o Estado burguês, com a sociedade capitalista, imaginem vocês. Antes desses tempos de fim da História, elas pretendiam – vejam que pretensão – derrocar o Estado burguês, aplastar o capitalismo perverso, e colocar em seus lugares respectivos o glorioso Estado proletário e o modo de produção socialista, com algumas loucuras maoístas em complemento. Patriotas equivocados, como diria o Partidão – e eu fui um deles –, ou ainda, guerrilheiros improvisados, brincando de mocinho e bandido com os gorilas da ditadura militar. Fomos derrotados, obviamente, embora eu continuasse a lutar contra o regime militar até o final, ainda pensando em construir o socialismo, mas já numa feição mais democrática, à face humana como se dizia na ocasião, para distinguir do sovietismo já esclerosado, não mais dos tempos do stalinismo com Gulag, que funcionava apenas na base da repressão a dissidentes e internação em clínicas psiquiátricas. Eu já tinha feito minhas observações ao vivo, tendo morado num dos socialismos reais durante breve tempo, mas visitado todos os outros socialismos, do real ao surreal, e conhecia bastante bem os diversos capitalismos, do ideal ao perverso, como se encontra na periferia. Mesmo marxista, nunca fui fundamentalista, e sempre li meu Raymond Aron ao lado de Marx e Sartre, e Roberto Campos para compensar os economistas estruturalistas e keynesia-
24
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
Para simplificar, pode-se retomar o padrão já descrito: as novas elites vivem do Estado, para o Estado, com o Estado, pelo Estado, e sem ele não conseguiriam mais sobreviver, já que não se pode mais contar com mensalão cubano ou mesada chavista. A verdade é que elas agora não mais precisam disso, pois possuem meios próprios, inclusive uma vaca petrolífera para ordenhar à vontade. À diferença das antigas elites, que viviam em contubérnio com o Estado, mas que também produziam alguma coisa – que fossem produtos rústicos para o mercado interno, ou um pouco de inteligência jurídica ou acadêmica –as novas elites não produzem nada, sequer um grama de conhecimento, só marxismo rastaquera e gramscismo de fancaria. Elas são, como já disse um jornalista, a burguesia do capital alheio, a nossa Nomenklatura, a nova classe que vive sugando o Estado e extorquindo a verdadeira burguesia, muitas vezes com a conivência da própria. Elas sequer pensam em construir o socialismo; para quê? Nem o PCdoB acredita mais nisso, e seus panfletos só servem para enganar estudantes ingênuos e já iludidos. O capitalismo é muito melhor, já vem pronto para desfrutar: iPhone, iPad, fast food, viagens à Disneyworld, filmes de Hollywood e, sobretudo, não tem aquela pobreza igualmente distribuída – menos para a Nomenklatura – de todos os regimes socialistas; os companheiros só precisam visitar a miséria cubana nas reverências rituais que eles prestam regularmente aos patrões ideológicos (com alguma parada em paraísos fiscais). Essa coisa de prateleiras vazias, cartões de racionamento, penúria de dólares, isso é só para socialista estúpido economicamente, não para os companheiros da nova elite. De fato, as novas elites companheiras não precisam mais viver de mensalão cubano, como ocorria nos primeiros tempos; são elas, agora, que ajudam os hermanos da ilha caídos na lata de lixo da História, por serem tão estúpidos a ponto de acreditar que uma economia socialista poderia funcionar. Não foi por falta de aviso: Ludwig von Mises já tinha dito que seria como fazer uma vaca voar, no seu Cálculo Econômico na Comunidade Socialista, escrito em 1919. Os companheiros aprenderam que, mesmo periférico, deficiente e subdesenvolvido, como o brasileiro, o capitalismo é muito melhor, inclusive porque se pode ter charutos cubanos e vinhos franceses, se pode assinar sem medo manifestos em favor da “democratização da mídia”, e sobretudo se pode ir fazer compras em Nova York ou Paris, sem aquela burocracia socialista, chata, aborrecida, controladora, idiota, como toda burocracia socialista (às vezes nem isso). Tem mais: estando no poder, não precisa mais ficar improvi-
Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
sando maneiras de desviar umas merrecas no recolhimento de lixo ou em transportes públicos de pequenos municípios de interior. Agora, o dinheiro chega sozinho, quase sem precisar fazer força, e por meios quase legais (mas os hábitos da clandestinidade persistem). Nem precisa mais extorquir banqueiros e capitalistas industriais, são eles que agora se oferecem generosamente para financiar campanhas eleitorais e datas festivas. Os mais pródigos, obviamente, são os donos de construtoras: esses possuem a corrupção no DNA, e não conseguem viver sem corromper um funcionário aqui, outro acolá, de preferência nos mais altos escalões. Claro, contrapartidas são de rigor: superfaturamento garantido, com aditivos pré-agendados e rapidamente aprovados, subsídios de mãezona para filhão do BNDES, gordos juros da dívida pública e expedientes do gênero. Nem adianta esses técnicos do TCU apresentarem laudos arrasadores, capazes de impugnar até a compra de um prego; os conselheiros políticos sempre dão um jeito de salvar o pão deles de cada dia. De outra forma, como seria possível explicar a construção de uma refinaria que passa de 2 a 20 bilhões de dólares sem maiores contestações ou surpresas? Como justificar o preço final de uma outra refinaria que, na verdade, entra como Pilatos no Credo, não tem nada a ver com a verdadeira operação, que transcorreu muito bem, deu resultados e constituiu um ótimo negócio para eles? As novas elites foram extremamente bem sucedidas na neutralização mental do País, na operação de lobotomia das outras elites, inclusive a acadêmica, que não vê nada de errado na construção do maior curral eleitoral do mundo, com quase um terço
Nem precisa mais extorquir banqueiros e capitalistas industriais, são eles que agora se oferecem para financiar campanhas eleitorais.
da população colocada numa condição de assistida, com recursos extraídos da metade que trabalha e paga impostos. Atualmente, para esse tipo de dominação, não se requer nem mesmo alguma doutrina sofisticada, uma ideologia completa, sequer um peronismo de botequim; nada disso é preciso. Basta demonizar o neoliberalismo, vilipendiar as privatizações, atacar os inimigos de classe – as tais das “zelites” – e enganar os incautos com PACs imaginários, fazer muitas conferências nacionais de inclusão (de qualquer coisa) e fazer discursos na base do nunca antes. De fato, pouca gente ficou ao relento: temos uma Argentina inteira vivendo aqui com cartão magnético, um imenso exército de assistidos oficiais; a burguesia ficou com a Bolsa-BNDES e os banqueiros continuam vivendo de déficit público e da dívida que segue junto. E a classe média? Depende: tem uma parte que paga mais impostos – 4 pontos do PIB a mais para cobrir a conta de todos esses favores – e tem a tal de nova classe média, que ainda mora na favela, mas já está em ascensão, ou pelo menos assim dizem, pois comprou uma TV de plasma (em dez vezes sem juros, obviamente) e tem direito a vaga numa Faculdade Tabajara, com subsídio público (ou seja, nosso). As novas elites são realmente espertas: elas estão construindo um tipo de fascismo corporativo, quase consensual, com a ajuda da burguesia e das grandes massas encantadas com o discurso do nunca antes. Tenho a impressão de já ter visto esse filme antes, e de fato já conheço a história, de leituras e visitas a MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
25
museus. Ainda recentemente, morando em Paris para dar aulas na Sorbonne, fomos visitar, Carmen Lícia e eu, o museu dos congressos nazistas em Nuremberg, um prédio impressionante de concreto, aproveitando parte do altar cerimonial de onde um outro guia genial do povo arengava as massas, que carregava tochas e bandeiras. No interior do museu, se pode assistir a documentários da época, filmagens de ocasião: aquilo me relembrou o nunca antes, o mesmo discurso inflamado, as mesmas invectivas contra as “zelites”, contra os inimigos do povo, os exploradores estrangeiros, enfim, todas essas coisas que vocês conhecem bem. Nunca antes eu tinha saído de um museu com tamanha sensação de desconforto, nem mesmo após visitar Auschwitz, ou ao deixar o Museu do Holocausto. Nunca antes mesmo: pode-se imaginar que os companheiros, se pudessem, praticariam o mesmo stalinismo industrial que eles tanto admiravam nos militares, e tentariam construir o mesmo fascismo corporativo que deixou tão amargas lembranças em outros povos. Claro, já não é mais preciso ir à guerra por qualquer espaço vital; este já foi conquistado. O Estado já é deles: a partir do ogro famélico, eles disseminam o mais possível esse gramcismo tupiniquim em todos os níveis de ensino, do jardim de infância ao pós-doc, com apoio naquela pedagogia idiota que as saúvas freireanas instaladas no MEC apresentam sob a forma de diretrizes das educação nacional. Existe saída do fascismo corporativo já instalado entre nós? Não gostaria de terminar por uma nota pessimista, mas, leitor da História, sempre penso nos possíveis paralelos, ou analogias em torno da decadência de certos países, aliás algumas grandes civilizações. Três exemplos contemporâneos me veem à mente – e deixo de lado a Roma dos Césares e o Império Otomano – e me detenho nos casos da China, da Grã-Bretanha e da Argentina. A China foi, outrora, o Estado weberiano mais avançado do mundo, muito antes de Weber obviamente, uns quatro mil anos antes, a civilização mais refinada, na vanguarda das descobertas científicas e das invenções práticas: a bússola, o papel, a pólvora, o spaghetti e várias outras mais, sem esquecer o kung fu. No entanto, a China decaiu, durante dois ou três séculos, sendo humilhada pelas potências ocidentais e esquartejada pelo militarismo japonês. Como isso foi acontecer? Parece que bastou um imperador idiota, que resolveu fechar a China aos estrangeiros, privando-a da revolução industrial e de outras inovações importantes, sobretudo no terreno militar. A cupidez de hordas de mandarins empenhados em assaltar o Estado, e os camponeses, fez o resto. Bem, parece que nós já temos os mandarins, sem ter tido civilização sofisticada... Pensem na Grã-Bretanha, não o império britânico, mas a pequena ilha que Deus na Mancha ancorou, como diria nosso poeta condoreiro. Depois de oferecer ao mundo o know-how da revolução industrial, ela estagnou, e foi ultrapassada pela Alemanha e pelos Estados Unidos, e vários outros, inclusive por sua colônia de Hong Kong. Não foram só os socialistas Fabianos que a inviabilizaram: conservadores também se renderam aos mitos do Estado de bem-estar social, da nacionaliza-
26
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
ção, ou estatização, dos serviços públicos, e por aí veio a decadência. Ela declinou durante o pós-guerra, até que uma dama de ferro conseguisse resgatá-la de uma condição de terceira classe, invertendo um declínio que parecia inevitável. Mirem os hermanos, aqui ao lado, que já foram muito ricos, cem anos atrás, aliás mais ricos do que vários europeus, com 70% da renda per capita dos americanos, já então o povo mais rico do planeta (o que não é o caso atualmente). Primeiro, eles foram sequestrados por um caudilho fascista, depois pela esposa, mesmo mumificada, e ainda hoje são reféns mentais de dois cadáveres, cultivados pelas máfias sindicais e por políticos medíocres, que continuam afundando a Argentina, contra toda lógica e contra toda racionalidade instrumental. Também tem o caso de um outro caudilho fascista, mais acima, que conseguiu destruir a economia do país mais rico da região, mesmo se à base de uma vaca petrolífera que só confirma a maldição do petróleo, que espero não se abata sobre o Brasil. Seriam capazes, os companheiros, de nos arrastar para trás, como o fizeram os mandarins chineses, os Fabianos britânicos, a máfia sindical do peronismo argentino e os socialistas anacrônicos do chavismo moribundo? Talvez! Em todo caso, eles são tão incompetentes economicamente – ainda que espertos politicamente – quanto os êmulos de outras decadências. Eles não apenas sonham, como já praticam o fascismo tropical, qualquer que seja o rótulo sob o qual escondem os seus intentos e instintos. Eles só não conseguiram, ainda, desmantelar o Brasil, como o fizeram esses companheiros de outras paragens, não porque não queiram, mas porque não podem, temporariamente, ao menos. Mas eles já conseguiram arrastar o Brasil para trás, atrasá-lo, em mais de uma vertente. Economicamente, eles conseguiram a proeza de desmentir Keynes, produzindo inflação sem qualquer crescimento: o Brasil cresce hoje menos do que a média da região, e mundial, e três vezes menos do que os emergentes dinâmicos. Politicamente, eles conseguiram submeter vários órgãos do Estado: o Congresso, certamente, várias, ou todas, as agências públicas, sem nenhuma dúvida; eles avançam sobre o Judiciário e desmoralizaram até as Forças Armadas, acusadas de todos os crimes do período militar sem que eles assumam a responsabilidade pela precedência dos ataques a quartéis que provocaram a sanha dos militares contra si. Socialmente, estão criando um Apartheid no País, com suas políticas racistas de divisão do País. Moralmente, também, conseguiram desmoralizar a ética pública, tentando colocar todo mundo na mesma indústria de corrupção que foi aperfeiçoada a partir da corrupção artesanal que era comum nos meios políticos. O retrocesso é mental, por fim, já que a própria burguesia industrial e os banqueiros de pés juntos rendem visitas ao grande chefe, implorando que ele coloque um pouco de ordem na bagunça feita por companheiros menos competentes (e que na verdade tinha sido criada exatamente pelo próprio guia genial dos povos). Lamento ter de terminar assim, mas é um fato que eu vejo sinais profundos de decadência institucional se espalhando por vários poros do Estado, e se disseminando pela sociedade. Nunca antes eu tinha encontrado, nos meus retornos regulares ao País, tal estado de desalento, de desconforto, de falta de rumos. Não existe outra conclusão possível: nosso País continua
Marcello Casal Jr./ABr
servido por elites incompetentes, inclusive na oposição. Nossas elites, as velhas e as novas – aliás aliadas na promiscuidade política – seguem arrastando o Brasil para trás. O Brasil precisaria de estadistas, mas o que temos até agora são apenas políticos tradicionais. Até quando isso será possível? Sinceramente, eu não sei. Toda situação de crise, ou de retrocesso, requer, em primeiro lugar, um diagnóstico correto, para depois se pensar em aplicar as prescrições adequadas. Não pretendi oferecer aqui um diagnóstico científico da situação brasileira, apenas quis transmitir minha percepção sobre o estado atual da nação. Meu diagnóstico, por certo impressionista, é apenas este: nossas elites padecem de atraso mental. Isso se corrige, mas costuma passar por algumas crises e um doloroso processo de reformas. Como as elites empreendedoras parecem ter aderido, pelo menos nos últimos doze anos, aos tempos do nunca antes, quando novas elites, menos produtivas mas altamente extrativas, mantiveram um projeto de submissão das elites tradicionais, segundo linhas bem conhecidas da metodologia gramsciana, se deveria agora esperar que o empresariado brasileiro se unisse para finalmente remeter os partidários do nunca antes para um futuro de nunca mais. Que isso venha o quanto antes! (Em voo, Bradley-Atlanta-Brasília, 17-18 de abril de 2014; revisto em Hartford, 4 de junho de 2014)
Politicamente, eles conseguiram submeter vários órgãos: o Congresso, certamente, várias, ou todas, as agências públicas, sem dúvida.
Outros textos do autor sobre os mesmos temas: “Pequeno manual prático da decadência (recomendável em caráter preventivo...)”, Digesto Econômico (Associação Comercial de São Paulo (ano 62, n. 441, janeiro-fevereiro de 2007, p. 38-47; ISSN: 0101-4218). Revista Espaço Acadêmico (ano 6, n. 71, abril 2007; link: http://www.espacoacademico.com.br/071/71pra.htm). “De la Démocratie au Brésil: Tocqueville de novo em missão”, Espaço Acadêmico (ano 9, n. 103, dezembro 2009, p. 130-138; ISSN: 1519-6186; http://periodicos.uem. br/ojs/index.php/EspacoAcademico/ar ticle/view/ 8822/4947). Revista Espaço da Sophia (ano 3, n. 33, dezembro 2009); disponível no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/07/tocqueville-de-novo-em-missao-o-brasil.html). “A coruja de Tocqueville: fatos e opiniões sobre o desmantelamento institucional do Brasil contemporâneo”, em Espaço Acadêmico (ano 9, n. 107, abril 2010, p. 143-148; ISSN: 1519-6186; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/9800/5484).
MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
27
A energia que move o desenvolvimento Carlos Ossamu
O Bruno Domingos / Reuters
Brasil é abundante em recursos naturais e tem tudo para se tornar uma potência energética. Há o petróleo da Plataforma Continental e do pré-sal, o País desenvolveu o maior programa do mundo de etanol e as usinas ainda produzem energia elétrica a partir da queima do bagaço; temos ainda vento e sol em abundância, principalmente na região Nordeste. Porém, a situação energética do País não é confortável. Para o professor José Goldemberg, as políticas governamentais são muito oscilantes. O programa do etanol, por exemplo, foi apresentado pelo próprio presidente Lula com estardalhaço. Ele dizia que o Brasil seria uma Arábia Saudita de energia renovável, mas hoje muitas usinas que produziam etanol estão fechando as portas. O professor Goldemberg é uma das maiores autoridades quando o assunto é energia. No governo federal, foi secretário de Ciências e Tecnologia, ministro da Educação e secretário de Meio Ambiente; no governo de São Paulo, foi secretário de Meio Ambiente. Nesta entrevista, ele traça um panorama do setor de energia no Brasil, que serve como ponto de partida para as demais matérias e artigos a seguir, que abordarão com mais profundidade segmentos específicos, como etanol, petróleo, eletricidade e energia eólica.
Bacia de Campos (RJ)
28
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
Diário do Comércio – Qual a importância da energia no mundo? José Goldemberg - Energia é como sangue no corpo de uma pessoa, é um insumo absolutamente fundamental para a produção e para o nosso próprio organismo. O organismo humano converte o açúcar que ingerimos em energia, que é o que nos permite usar os músculos.
Tuca Vieira/Folhapress
A quantidade de energia necessária para que o organismo funcione é pequena, está contida em um copo de petróleo. A civilização se desenvolveu de uma maneira tão tecnológica, que hoje nós usamos energia para inúmeras atividades – usamos para nos locomover com automóveis, usamos eletricidade para iluminação, para a geladeira, elevadores etc. Hoje, no mundo, em média, cada pessoa usa cem vezes mais energia do que a necessária para se manter viva e funcionando. Como existem 7 bilhões de pessoas no mundo, imagine a quantidade necessária. Com as fontes de energia foram se desenvolvendo com o passar do tempo? Os países têm, naturalmente, recursos naturais diferentes, então eles não se desenvolveram da mesma maneira. Até o começo do século 19, por volta de 1800, a maior fonte de energia usada no mundo ainda era a madeira, usada para cozinhar, por exemplo, como se faz ainda no interior, ou para aquecimento dos lares em países de climas mais frios da Europa e América do Norte. Mas aos poucos, o carvão foi descoberto e foi sendo utilizado em pequenas quantidades. O petróleo também era conhecido pelos gregos, aquelas lamparinas que os gregos usavam continham petróleo, que jorrava naturalmente, mas as quantidades eram pequenas. O carvão era explorado principalmente na Inglaterra e se tornou uma fonte importante de energia. Como foi o consumo na era industrial? No fim do século 18, começo do século 19, se descobriu os motores da Revolução Industrial e com isso houve uma explosão no consumo de energia. O século 19 foi o século das ferrovias – a Europa e os EUA foram cobertos por ferrovias usando carvão. No fim do século 19 se descobriu a eletricidade. As pessoas não se dão conta que não existia eletricidade antes de 1880. E o Brasil foi um dos primeiros países a usar eletricidade, pois aqui tem muitas quedas d’água. Logo que se começou a construir geradores de energia elétrica na Europa, os empreendedores daqui o adotaram. Em Rio Claro (SP) tem uma pequena usina hidrelétrica, hoje considerada uma mini usina, com capacidade de 15 mil KWh, ainda em funcionamento. O importante disso é que o Brasil, nesta época, com Dom Pedro II e com o Barão de Mauá, estava atravessando uma fase de dinamismo e desenvolvimento, e logo adotou a eletricidade por razões óbvias, pois o Brasil possui muitas quedas d’água para gerar eletricidade.
Por volta de 1930, os canadenses construíram a represa Billings e começaram a gerar eletricidade, que foi a base da industrialização da Grande São Paulo, foi por isso que essa região se transformou na sede do grande desenvolvimento industrial do Brasil.
José Goldemberg: na área de energia, as políticas governamentais são muito oscilantes.
E o petróleo brasileiro? O petróleo está distribuído de uma forma muito estranha no mundo, tem muito no Oriente Médio, no Japão não tem nada e no Brasil também não tem em terra, depende da composição da história geológica do país. O Brasil se tornou um grande importador de petróleo. Por volta de 1973/74 houve uma crise no fornecimento de petróleo e o preço subiu tremendamente, o que afetou o Brasil de maneira dramática. Na balança de pagamentos do Brasil, metade das exportações brasileiras ficou comprometida com a importação de petróleo. Então, temos dois setores no Brasil: o da eletricidade e o do petróleo. O da eletricidade funcionou muito bem, se expandiu - aqui em São Paulo sobretudo com a Cesp e em Minas Gerais com a Cemig, outros Estados com a Eletrobrás. O suprimento de eletricidade no Brasil foi sempre moderno e muito eficiente. O de petróleo não, por mais que as campanhas nacionalistas fizessem propaganda, não se encontrou petróleo aqui. Todo aquele esforço com Monteiro Lobato, a criação da Petrobras com Getúlio Vargas, não teve consequências importantes. Em 1973 se criou uma situação dramática, metade do que se exportava era gasto com importações de petróleo. Era preciso fazer alguma coisa e foi feito. Primeiramente, a Petrobras MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
29
passou a procurar petróleo na Plataforma Continental, onde teve mais sucesso. O programa do álcool (Proálcool) ajudou um pouco também, reduzindo as importações. Foi uma resposta a este desafio. E depois disso? A situação do Brasil no que se refere à eletricidade e ao petróleo acabou ficando razoavelmente satisfatório até o ano 2000. Energia não era a causa de grandes problemas até o ano 2000. A Petrobras conseguiu a autossuficiência de petróleo, mas havia problemas com refinarias, que tem até hoje, mas pelo menos tinha petróleo. Mas com a eletricidade começou a surgir um problema: para que as usinas hidrelétricas forneçam eletricidade de maneira confiável, é preciso ter reservatórios, pois há períodos em que não chove. Os engenheiros que construíram as grandes usinas do passado sabiam bem disso – quando se construiu esses reservatórios em São Paulo era para permitir que as usinas funcionassem, mesmo que não chovesse por dois Caio Coronel/Divulgacao
A hidrelétrica de Itaipu inundou vários municípios, mas ela agora se transformou em um fator de progresso, pois os municípios recebem royalties da energia vendida pela usina.
30
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
ou três anos. Mas a partir de 1985, os reservatórios novos ficaram cada vez menores, pois começaram as objeções de caráter ambiental. Além disso, construir reservatório custa caro, pois é preciso desapropriar pessoas. A consequência é que em 2001 houve uma grande seca e a população foi lançada no racionamento de energia. Só não houve o corte de energia mesmo porque a população reagiu e economizou. Mas o fato acendeu a luz amarela no setor. Porém, o governo continuou construindo usinas sem grandes reservatórios e a consequência é que em 2013 também choveu pouco, este ano também, e estamos na iminência de enfrentar uma situação parecida de 2001. A única razão de que a situação é um pouco melhor é porque a Petrobras tem usinas térmicas, onde ela utiliza gás ou óleo diesel. Usinas térmica no Brasil, tradicionalmente, forneciam menos de 10% da eletricidade, hoje elas estão produzindo 30%, sendo que esta energia é muito mais cara que as produzidas por hidrelétricas. Esta é a situação que estamos passando, e se não chover até o fim do ano, vamos enfrentar problemas graves,
não só de energia, mas de abastecimento de água, sobretudo em São Paulo. Os reservatórios foram calculados de forma pequena para o tamanho da população. A opção por pequenos reservatórios se deve à pressão de ambientalistas, indigenistas etc. Se a opção fosse por grandes reservatórios, com o grande número de ações, as obras não andariam. Como resolver isso? É preciso coragem para se enfrentar isso. Eu acho que uma boa parte dos problemas se origina nos ambientalistas, mas há outro lado da moeda, em que as empresas não querem gastar dinheiro. Dá trabalho, é preciso compensar as pessoas. Mas quando é bem-feito, não tem problema nenhum: Itaipu inundou vários municípios e ela agora se transformou em um fator de progresso, pois os municípios recebem royalties da energia vendida pela usina. Aqueles municípios que ficam em torno do lago de Itaipu são todos municípios prósperos, então, os problemas podem ser equacionados.
Como o senhor vê a área de petróleo? Na área de petróleo, o governo enveredou um caminho, que é promissor, mas é cheio de ameaças: ele entrou em um caminho de ir cada vez mais fundo na Plataforma Continental e agora está no pré-sal. É uma área em que a maioria das empresas de petróleo internacionais está entrando agora, não existe experiência. Quando se fazia poços em terra ou em pequenas profundidades, a tecnologia estava disponível, pois se utilizava a experiência de outros, os engenheiros eram treinados aqui ou no exterior e aprendiam com a experiência dos outros. Agora estamos enfrentando um terreno que é virgem, estamos enfrentando problemas complicados, novos e o petróleo é muito mais caro para ser extraído do pré-sal e ser trazido para terra. Esses poços do pré-sal estão a mais de 300 Km da costa. Toda a logística fica mais complicada. Qual a sua avaliação sobre o pré-sal? O Brasil se envolveu em um caminho estreito. O petróleo do pré-sal responde hoje por 22% da produção, que é um quinto do que o Brasil precisa para consumo interno. Aquele sonho de exportar 4 milhões de barris por dia ainda está muito distante, porque ele é caro – a gente nunca sabe com certeza quanto custou produzir, sabemos que em Londres o barril custa cem dólares. Na Arábia Saudita é muito barato, pois o petróleo é muito abundante lá e o custo de produção está em torno de 10 dólares o barril. É por isso que os países do Oriente Médio são tão ricos, pois produzem a 10 dólares e vendem a 100 dólares. Estima-se que o petróleo do pré-sal deva estar entre 40 e 50 dólares o barril, a margem é muito menor. E se o petróleo, no plano internacional, começar a ficar muito abundante, pois os EUA estão consumindo menos petróleo e importando menos, o seu preço irá cair. Há riscos de que a produção de petróleo no pré-sal fique inviabilizado ou pouco atraente. A Petrobras está endividada em um caminho só e se houver problemas com o petróleo, a situação ficará muito difícil.
O Brasil se envolveu em um caminho estreito. O petróleo do pré-sal responde hoje por 22% da produção, que é um quinto do que o Brasil precisa para consumo interno. Aquele sonho de exportar 4 milhões de barris por dia ainda está muito distante, porque ele é caro – a gente nunca sabe com certeza quanto custou produzir, sabemos que em Londres o barril custa cem dólares.
Quais as alternativas? A saída é diversificar. Até o fim do século 20, o Brasil tinha eletricidade e petróleo produzido na Bacia de Campos. Agora, a eletricidade precisa ser produzida na Amazônia, e fazer reservatório lá é complicado, e para produzir petróleo é preciso ir para o pré-sal. Assim, é preciso diversificar, colocar na matriz energética outras fontes de energia que ocupem o lugar da hidroeletricidade e do petróleo. Quais são as MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
31
que existem? Tem a energia eólica, mas que não é possível produzir em qualquer lugar, em São Paulo não tem. Tem no Nordeste, no Rio Grande do Norte, Piauí, Maranhão, e no Sul, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Mas tem havido problemas de interligação – um parque eólico fica pronto e não há maneiras de trazer a energia para o consumo. Isso vai acabar se resolvendo e eu acho que a energia eólica vai representar um papel importante na matriz energética brasileira. Outra contribuição importante é com relação aos produtos da cana. O etanol, que substitui a gasolina, estava expandindo no Brasil, mas a partir de 2010 começou a regredir, com o fechamento de várias usinas. Isso por causa da política adotada pelo governo, que congelou os preços dos derivados do petróleo – com medo da inflação, o governo congelou, o preço da gasolina de hoje é igual o de 2007. Acontece que, para produzir etanol é preciso usar óleo diesel e outros insumos do petróleo, cujos preços foram reajustados. A equação econômica para o etanol ficou muito prejudicada. Se esse problema fosse resolvido, o etanol poderia representar um papel mais importante. Houve um momento aqui no Brasil em que o etanol estava substituindo metade da gasolina usada, agora é menos que isso. E tem a eletricidade produzida da biomassa, não é mesmo? Sim, isso é outra coisa que está sendo feito pouco. Na produção do etanol sobra muito bagaço, que é praticamente lenha. Ele é usado atualmente para produzir eletricidade e energia-motor para as moendas. Só que esses equipamentos foram instalados há 40 ou 50 anos e são muito ineficientes. Muitas usinas mais antigas estão, na verdade, incinerando bagaço ao invés de utilizar todo o potencial que o bagaço tem. Se isso fosse feito, ajudaria muito na produção de eletricidade. A atual matriz energética brasileira tem 120 milhões de KW. A produção de eletricidade com bagaço poderia adicionar 15 milhões de KW. Vento (eólica) poderia adicionar outros 15 milhões de KW. Ou seja, há saídas. Em relação à energia eólica, os leilões que o governo têm feito mostraram que a energia eólica é competitiva. Para os leilões de biomassa, usando bagaço, o governo fixou o preço muito baixo. Isso desencorajou toda a cadeia do álcool e do açúcar. Para resolver os problemas de energia elétrica no Brasil, o governo precisaria tirar a indústria sucroalcooleira da situação difícil que ela se encontra hoje.
32
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
Não é uma defesa aos usineiros, que muitas vezes são vistos como conservadores. É usar os produtos agrícolas envolvidos para produzir eletricidade e etanol.
Alexandre Brum/Ag. O DIA/AE
A atual matriz energética brasileira tem 120 milhões de KW. A produção de eletricidade com bagaço poderia adicionar 15 milhões de KW. Vento (eólica) poderia adicionar outros 15 milhões de KW. Ou seja, há saídas. Em relação à energia eólica, os leilões que o governo têm feito mostraram que a energia eólica é competitiva.
E as outras fontes de energia disponíveis? A energia fotovoltaica é outra possibilidade, mas a quantidade de energia gerada ainda é muito pequena, precisamos continuar a desenvolver essa tecnologia, pois a medida que ela se desenvolve, os custos vão caindo. Hoje ainda é cara, mas daqui a alguns anos poderá ser mais acessível. A energia nuclear tem seus problemas próprios. Apesar de ter virado uma energia limpa, pois não emite CO2, tem outros problemas, por exemplo, ninguém sabe o que fazer com o lixo radioativo. Se isso é lançado na atmosfera, como ocorreu em Fukushima, seria um desastre. Não que não ocorram acidentes em hidrelétricas e plataformas de petróleo, há acidentes, mas eles são limitados. Acidentes nucleares, quando ocorrem, atingem milhões de pessoas. A cada dez a quinze anos têm ocorrido acidentes de grande porte e os custos estão aumentando, porque é preciso melhorar os sistemas de controle de segurança. Mais segurança, maior o custo. Todos dizem que o Brasil é um país privilegiado, que aqui tem recursos naturais em abundância. O que está faltando então? A brincadeira que fazem é que o Brasil é o país do futuro, mas já era há cem anos. De fato, as políticas governamentais são muito oscilantes. O programa do etanol foi apresentado pelo próprio presidente Lula como um fato extraordinário, o Brasil seria uma Arábia Saudita renovável, mas até mesmo no fim de seu governo o programa começou a ser abandonado com esse congelamento do preço da gasolina. É o maior programa de energia renovável do mundo, cujo potencial está sendo abandonado. Qual a sua opinião sobre os subsídios do governo em alguns setores de energia? No setor elétrico, com esses problemas das usinas não terem reservatórios e ter de acionar as térmicas, o cálculo que foi feito é que do ano passado para cá o governo teve de injetar R$ 20 bilhões e esse valor não será suficiente para segurar o sistema até o fim do ano. A Petrobras, pelo o que vem sendo noticiado, deve perder cerca de R$ 2 bilhões por mês, pois ela importa gasolina e diesel a preços internacionais e vende mais barato aqui. Todos esses recursos saem do Tesouro e isso é ruim para o País.
Marcos de Paula/AE
No fim de 2012, o governo decretou a MP 579, que antecipava as concessões das empresas elétricas. Qual a sua opinião sobre isso? Foi uma medida demagógica, pois você não pode baixar o preço em 20% em uma época em que se sabia que estava chovendo pouco. E o governo estava encorajando o consumo de produtos da linha branca, como geladeira e máquina de lavar roupa, reduzindo o IPI. Ao que tudo indica, o governo fez isso por razões eleitorais. Era só esperar mais um pouco que as concessões terminavam. Ele antecipou o fim das concessões. Elas foram concedidas há 30 anos. Depois de 30 anos, volta para o governo, que licita de novo, que é o que o governo deveria ter feito. Ele antecipou em dois anos, obrigando as empresas a baixarem os preços. Isso desorganizou completamente o setor, que era relativamente organizado. E ainda ficou uma insegurança jurídica, e com isso os investidores estrangeiros ficam mais receosos. E para piorar, faltou chuva. Como o senhor enxerga o futuro do setor de energia no Brasil? Qualquer que seja o governo no ano que vem, será necessário reajustar o preço do pe-
tróleo em nível internacional para salvar a Petrobras. E com isso se vai salvar também o programa do etanol. Isso vai ter impacto na inflação, mas tudo tem impacto na inflação, até a falta de água tem impacto. O governo precisa enfrentar o problema e tentar reduzir a inflação com outros mecanismos. No caso da eletricidade, é preciso abrir novos leilões para atrair mais energia eólica e de biomassa. Com preços competitivos de etanol, as usinas vão plantar mais. No caso do pré-sal, o governo endividou terrivelmente a Petrobrás, que está tendo dificuldades em conseguir mais empréstimos. É preciso abrir mais o setor para as empresas estrangeiras para elas fazerem parcerias com a Petrobras. No momento, são falsas parcerias, pois é a Petrobras quem faz a obra – a Petrobrás não está conseguindo fazer a obra, é grande demais. O governo fez recentemente um leilão, seria preciso fazer mais leilões para atrair as empresas internacionais. O último leilão atraiu poucas empresas. O petróleo que está no pré-sal seria extraído não só pela Petrobras, mas também por outras empresas em associação com a Petrobras, e o governo cobraria imposto sobre a produção.
Qualquer que seja o governo no ano que vem, será necessário reajustar o preço do petróleo em nível internacional. Petrobras. E com isso se vai salvar também o programa do etanol.
MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
33
TINHA TUDO PARA DAR CERTO
Tina Cezaretti/Hype
Elizabeth Farina, presidente da Unica - União da indústria de Cana-de-açúcar.
34
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
N
a metade de seu segundo mandato, em 2008, o presidente Lula previu que o Brasil se transformaria em uma “Arábia Saudita” verde, uma superpotência em energia renovável. Eram tempos em que o Cristo Redentor aparecia decolando na capa da revista britânica The Economist. Em setembro do ano passado, a mesma revista publicou em sua capa o Cristo Redentor despencando e o título perguntava: “O Brasil estragou tudo?”. Da mesma forma, o sonho da Arábia Saudita verde está se tornando um pesadelo. Este ano, entre 10 e 12 usinas podem fechar e 33 estão em recuperação judicial, dos quais 14 em São Paulo. As usinas estão endividadas, o que reduziu a capacidade de investimentos e consequentemente a produtividade. Além disso, a quatro safras o setor enfrenta problemas climáticos. Mas o pior inimigo vem do próprio governo, que para não impactar a inflação, vem concedendo subsídios à gasolina, afetando negativamente o setor de etanol e também a Petrobras, que compra gasolina a preços internacionais e vende mais barato no mercado interno. Para explicar tudo o que vem ocorrendo com este setor, Elizabeth Farina, presidente da Unica (União da indústria de Cana-de-açúcar) proferiu uma palestra na Associação Comercial de São Paulo (ACSP) no fim de maio. Veja a seguir os principais trechos desta palestra.
Um panorama do setor sucroenergético no Brasil Paulo Lieber/AE
A indústria brasileira da cana-de-açúcar é composta hoje por 389 usinas, organizadas em cerca de 200 grupos econômicos. MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
35
A entidade A Unica é a maior organização representativa do setor produtor de açúcar, etanol e bioeletricidade do Brasil, representamos a produção de 60% da cana-de-açúcar, açúcar e etanol. Embora a Unica tenha nascido no Estado de São Paulo, que é o maior produtor e consumidor de etanol do País, as usinas paulistas têm se expandido para outros Estados. Isso fez com que a Unica passasse a atuar em outras regiões – nossas associadas têm usinas em Mato Grosso do Sul, em Goiás e outros Estados. Basicamente, a nossa atuação é de relações institucionais, fazemos representação junto a órgãos públicos, seja no Brasil ou no exterior. Para tanto, produzimos estatísticas, informações técnicas, fazemos divulgação e comunicação para a sociedade. Panorama do setor A indústria brasileira da cana-de-açúcar é indutora de desenvolvimento econômico, social e ambiental. Temos hoje 389 unidades produtoras, organizadas em cerca de 200 grupos econômicos. Então, é um setor muito pulverizado e extremamente competitivo. Temos por volta de 70 mil fornecedores independentes, dos quais 14 mil estão em São Paulo. Um grande número desses fornecedores está no Nordeste, que tem uma estrutura produtiva bastante diferente do que temos aqui. Os postos formais de trabalho, segundo a RAIS, somam mais de 1 milhão de empregos diretos. A receita na safra 2013/14 é estimada em US$ 35 bilhões. No ano passado, as divisas externas geradas foram de US$ 15 bilhões. Nós representamos 15,7% da matriz energética nacional, combinando combustível e energia elétrica. É uma indústria que produz 38 milhões de toneladas de açúcar, somos o maior produtor e exportador mundial, respondemos por 22% da produção global e 45% das exportações mundiais. Produzimos 28 bilhões de litros de etanol, somos o segundo produtor global – o primeiro são os EUA –, respondemos por 25% da produção e 37% das exportações mundiais. Esta indústria foi se sofisticando e hoje a gente exporta para a rede 15 milhões de MWh, o que representa 3,3% do consumo total de energia elétrica no Brasil, ou 38% da geração anual prevista para a usina de Belo Monte, portanto, uma produção respeitável. Este é um exemplo de fonte energética que poderia ajudar na situação que estamos passando hoje de muita seca, pois o pico de produção é justamente na seca, quando se está colhendo a safra da cana, moen-
36
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
do e produzindo bagaço e palha, que irão alimentar as caldeiras. Em termos internacionais, somos o terceiro segmento na pauta de exportações do agronegócio, depois da soja e das carnes, mas basicamente exportamos açúcar, com US$ 12,8 bilhões – o etanol responde por apenas US$ 1,9 bilhão em exportação. Competitividade Temos vantagens comparativas e competitivas importantes. A primeira são as condições de solo e clima, que são adequadas ao cultivo da cana-de-açúcar e com muita disponibilidade de terra. Hoje, menos de 2% das terras aráveis no Brasil são utilizadas para cultivo da cana-deaçúcar. Às vezes parece que o Brasil é um grande canavial, mas são apenas 2%, a maioria para a produção de etanol. Este sistema funciona com base no Zoneamento Agroecológico da Canade-Açúcar, desenvolvido pelo Ministério da Agricultura. Segundo este zoneamento, nós podemos utilizar 64,7 milhões de hectares (7,5% do território nacional) de áreas autorizadas ao cultivo da cana. Além disso, temos um know-how respeitável, adquirido nestes últimos 30 anos – na verdade, adquirido desde que o Brasil foi descoberto, pois a primeira grande atividade comercial produtiva brasileira foi a cana-de-açúcar, com os engenhos no Nordeste. Mas na história moderna, nestes últimos 30 anos desenvolvemos muito conhecimento. Nos fóruns internacionais, as pessoas sempre perguntam se plantamos cana na Amazônia e se nós vamos desmatar a floresta para abastecer os carros. No mapa de produção, o Nordeste responde por 10% da produção e moagem da cana e 90% se concentra no Estado de São Paulo e parte do Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais – a região fica a 2.500 Km da Floresta Amazônica. Lembrando que estas questões de desmatamento e preservação do meio ambiente é bem recente e a cana-de-açúcar está no Brasil desde o seu descobrimento. Se fosse bom plantar cana na Amazônia ela já estaria lá, sem dúvida. Hoje, a gente tem regras bem claras sobre onde e como a gente pode plantar cana. Este fato é importante para a nossa competitividade, pois o acesso aos mercados melhora quando a gente mostra essas informações. O Brasil tem 852 milhões de hectares de terra, dos quais 65% (554 milhões de hectares) de vegetação nativa, um número bastante alto, e 30% para agricultura e pastagem, ou 258 milhões de hectares – deste, apenas 1% (9,6 milhões) é destinada a cana – para etanol é metade disso, 0,5%
Nos fóruns internacionais, as pessoas sempre perguntam se nós plantamos cana na Amazônia e se nós vamos desmatar a floresta para abastecer os carros. No mapa de produção, o Nordeste responde por 10% da produção e moagem da cana e 90% se concentra em São Paulo e parte do Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais.
(4,9 milhões). Nós ainda temos muito chão para plantar cana. E uma questão importante: a cana cresceu sem substituir culturas alimentares ou desmatando a Amazônia. A cana tem crescido basicamente em áreas de pastagem, com uma densidade de utilização baixíssima e em terras degradadas – ela é uma boa cultura para recuperação do solo. Esta preocupação de substituir área de cultivo de alimentos que se tem na Europa, nos EUA e outros países nós não enfrentaremos por um bom tempo. Mesmo em São Paulo, que é a região mais densamente utilizada para o plantio da cana. Isso acaba nos dando vantagens competitivas. Modelo vencedor A cana-de-açúcar tem um estigma de monocultura, de ser destrutiva. É preciso entender que nós desenvolvemos uma cultura, um sistema de produção e um modelo de negócio brasileiro que é vencedor. Se a gente mesmo não destruir este sistema, ele é vencedor. Este Zoneamento Agroecológico se pode achar que é mais um regulamento, mais um custo Brasil. Ele é formal, exclui o cultivo em biomas sensíveis como a Amazônia e o Pantanal, ele exclui a expansão em tipos de vegetações nativas, como cerrado e campos, e permite a expansão da cana em 64 milhões de hectares – autoriza excluindo essas áreas e também identificando as áreas mais adaptáveis a esta cultura. Isso acaba orientando as decisões de órgãos ambientais para licenciamentos e condiciona o financiamento público para a construção de novas usinas – não se consegue ter uma usina e produzir etanol sem o registro na ANP, a gente está dentro do Ministério das Minas e Energia, regulado pela Agência Nacional do Petróleo. É muito fácil monitorar as condições do plantio, porque você tem que plantar cana no máximo até 60 Km da usina, pois em 48 horas a cana precisa ser processada, pois ela tem uma perda de qualidade muito rápida. É um processo just in time do agronegócio, porque você põe o etanol entre a colheita e a produção em 14 horas. Ninguém faz estocagem de cana, não existe isso. É uma dinâmica própria e isso faz com que o monitoramento de onde se está plantando seja muito fácil, pois a área onde se faz o suprimento é restrita e você tem todo ano que renovar as suas autorizações. Vantagens da cana A cana é uma cultura muito boa para regenerar a terra, o balanço energético da cana é 9,3 – a energia que eu uso para produzir e a energia que
tiro dessa cultura, é muito maior do que o do milho, trigo e beterraba, que são os nossos concorrentes mundiais em termos de produção de etanol. Olhando a produtividade, hoje a gente tem 6.900 litros por hectares – em milho é de 3.800 litros, trigo de 2.500 e beterraba, 5.500. Nos EUA se tem feito progressos importantes com o milho, eles realmente aumentaram a produtividade. Na Europa, a beterraba não é mais o primeiro feedstock (matéria-prima) de etanol, o primeiro é trigo. Então, a discussão alimento é muito forte lá, pois hoje é trigo, milho e depois beterraba, nesta ordem. Mas eles ganharam uma competitividade enorme com a beterraba, tanto para produção de etanol, como de açúcar, e eles vão entrar pesado em exportação de açúcar em 2017, quando acabam as limitações da reforma agrícola – o etanol eles não vão exportar, eles produzem pouco e o mercado é muito pequeno. O açúcar a gente está de olho. Além disso, o etanol de cana é reconhecido pelas metodologias dos EUA e da Europa como o que mais reduz as emissões de gases de efeito estufa, quando comparado à gasolina, isso em todo o ciclo de vida, desde a hora que se produz, colhe, usa o trator etc. A gente tem ainda um espaço enorme para ganhar produtividade, na verdade, a gente anda patinando nos últimos anos, mas existem perspectivas de ganhar produtividade, tanto no etanol de primeira geração, que é o que a gente produz hoje a partir do caldo da cana, com 6.900 litros por hectare hoje e passando para 7.200 litros por hectare, mas especialmente se a gente for bem no 2G, o etanol de segunda geração, que é produzido a partir do bagaço, da palha e da ponta, ou seja, da celulose. Então, a gente pode ter produtividade de 10 mil litros por hectare. Nós crescemos muito a produtividade, 3% ao ano ou até mais – nos anos 70 eram 2,5 mil litros, hoje são 6.900 por hectare. Mas tem oito anos que a gente anda patinando na produtividade por várias razões, em parte associadas a razões de perda de recursos para investimento.
É um processo just in time do agronegócio, porque você põe o etanol entre a colheita e a produção em 14 horas. Ninguém faz estocagem de cana, não existe isso. É uma dinâmica própria e isso faz com que o monitoramento de onde se está plantando seja muito fácil, pois a área onde se faz o suprimento é restrita e você tem todo ano que renovar as suas autorizações.
Investimentos Chegamos até aqui com muito investimento e que é uma das razões do endividamento que as usinas enfrentam hoje. Estes investimentos são para otimização do processo produtivo, que incentivou os investimentos em mais de cem novas usinas que foram feitas entre 2002 e 2010. Tem dois tipos de investimentos fundamentais: uma de uma usina greenfield (usina nova) e outra para explorar este ativo no qual se investiu – não dá para fazer uma usina nova e MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
37
Joa Souza / Ag. A Tarde
Tivemos um avanço na colheita mecanizada por determinações ambientais, pois a colheita manual (foto) exige que se faça a queima da palha.
38
parar o investimento, tem de continuar. Tivemos um avanço na colheita mecanizada por determinações ambientais, pois a colheita manual exige que se faça a queima da palha. Tem uma legislação que determina o fim da queima. Em São Paulo, esta legislação foi antecipada por um protocolo entre as usinas e o governo do Estado. Em São Paulo, nas áreas mecanizadas, já não há mais queima – 90% da produção paulista é sem queima, com a colheita mecanizada, que exige investimentos. A colheitadeira é uma máquina com cinco metros de altura e que custa na ordem de R$ 1 milhão, tem GPS, joystick, é toda moderna. Foram colocados US$ 4,5 bilhões em equipamentos entre 2006 e 2012. Em 2012, a região Centro-Sul investiu mais de US$ 4 bilhões em renovação e expansão do canavial, que é uma cultura semiperene, leva seis anos, cada ano se planta uma parte, depois de seis anos é preciso fazer a renovação do primeiro ano. Se renova mais ou menos 18% do canavial por ano, de forma a ter um canavial jovem e produtivo, com uma curva de produtividade alta. Quando não se faz investimento em renovação por algum problema, como climático, a produtividade cai, porque envelhece o canavial. Mas
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
em 2012 foram investidos US$ 4 bilhões em renovação e expansão de canavial, uma parte com recursos do BNDES com taxa equalizada, que foi uma luta para conseguir, mas saiu e foi muito importante para financiar as usinas. Houve investimento estimado de US$ 4,5 bilhões em cogeração de energia elétrica para venda de excedentes à rede em mais de 80 unidades produtoras. Não tem nenhuma usina que não seja autossuficiente e 40% delas exportam para rede o excedente, 60% não, dá ainda para crescer muito. Ainda há investimentos em infraestrutura da ordem de US$ 1,5 bilhão e um investimento que vamos ver se vai se concretizar até 2017 – uma parte já foi entregue e está sendo usado –, que é o etanolduto, que vai ligar Jataí (GO) aos portos de Santos e Rio de Janeiro – tem uma parte que é hidrovia e o resto é etanolduto. A parte inaugurada fica entre Paulínia e Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Isso vai tirar mais de 95 mil caminhões de circulação e vai tornar ainda mais sustentável essa produção, porque não vai usar o diesel para transportar o etanol. A parte inaugurada está em operação, ainda tem ociosidade, pois foi inaugurada este ano. Quando for para o Rio de Janeiro, ainda está em discussão
Caetano Barreira/Fotoarena/Folhapress
questões tributárias, que é sempre uma preocupação para melhorar a infraestrutura. Ascensão e queda De 2002 a 2010 houve um crescimento vertiginoso no número de usinas. O que estava acontecendo, o que era o back stage dos investimentos? Primeiro, tinha um preço do petróleo em alta no começo dos anos 2000 e isso levanta a bandeira do abastecimento, que sempre está atrás das energias renováveis – começa com o abastecimento e depois vai para a questão ambiental. Para aproveitar isso e superar a experiência negativa que o consumidor teve com o carro a álcool – eventualmente ele ficava sem combustível para abastecer –, foi lançado o carro flex, que foi importante para superar esse trauma, pois aí ninguém fica refém de ninguém, nem a usina é refém do consumidor e vice e versa. Acho que somos o único país no mundo em que o consumidor decide qual o combustível quer usar, olhando o preço relativo na bomba. Houve o incentivo com a redução de IPI para a indústria automobilística para o carro flex, foi um empurrão importante. Houve também uma decisão forte
do governo de chamar as montadoras, dar incentivo e cobrar colaboração. Neste período também, no início dos anos 2000, foi estabelecida esta Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). Este imposto é interessante, porque tem um diferencial tributário entre a gasolina e o etanol. É um imposto específico, pode ir até 89 centavos por litro, mas chegou a ser aplicado a 28 centavos por litro da gasolina, e o etanol zero. Este diferencial tributário funciona bem quando tem uma fonte de energia renovável que não é poluente e é redutora de emissão, gera uma externalidade positiva para a sociedade, que não é capturada no preço de mercado. Este diferencial tributário corrige isso, tributando aquele que gera a emissão de gás carbônico, aumentando os custos na saúde pública pela piora das condições ambientais. O diferencial tributário é um bom instrumento no caso. A literatura fala em taxar o carbono, que não é tão trivial, pois precisa saber quanto se está emitindo de carbono, mas no nosso caso acaba sendo fácil porque se tem a gasolina, um combustível fóssil e poluente, e o etanol, uma energia renovável, menos poluente. Quando põe o imposto na gasolina, se faz a taxação de um jeito
De 2002 a 2010 houve um crescimento vertiginoso no número de usinas. Chegamos a ter 400 unidades, hoje estamos com 389.
MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
39
simples. Isso dava uma vantagem competitiva de 28 centavos por litro neste período. Então, tinha a Cide, tinha o preço do petróleo aumentando e tinha uma política de preço interno que refletia as condições de preços do mercado internacional. Em São Paulo houve a redução do ICMS de 25% para 12%, um diferencial tributário que acaba dando competitividade para a energia renovável. E tinha neste período uma explosão de interesse em biocombustível no mundo – nos EUA foi lançado o programa de incorporação de etanol na matriz de combustíveis, na União Europeia também, e o Lula falando que o Brasil ia ser a Arábia Saudita do etanol. O investidor tinha tudo para acreditar que era um bom negócio. Este era o ambiente de investimento de 2002, que colocou cem usinas novas em um período de oito anos – foi incrível a capacidade de resposta, quando se acredita no negócio ele vai. Trouxe autoalavancagem, endividamento e tudo que se tem direito por conta desse entusiasmo e aí veio a trombada de 2008, com uma crise que não tinha nada a ver com etanol, mas o fato é que, com a crise financeira mundial, os recursos ficaram escassos, o custo do dinheiro cresceu e o endividamento explodiu. Controle de preços Veio a reação do governo, de transformar o tsunami em marolinha. Teve o incentivo para a indústria automobilística, zerando o IPI, teve a expansão do crédito para a compra de automóveis, todo um esforço em amparar a indústria automobilística e reduzir o impacto no emprego. E como parte do pacote entrou o combustível e começou o controle do preço da gasolina, que não tinha nada a ver com a inflação na época, tinha a ver com esse incentivo de usar o carro. Pouco tempo depois começou a pressão inflacionária. Isso emendou na pressão inflacionária e para desmanchar o controle do preço da gasolina, que tinha que ficar baixo para estimular o consumo, passou a não dar para corrigir por conta da pressão da inflação. Eu achava que nunca mais veria o uso do controle de preços para baixar a inflação, não precisa ser economista, basta ser brasileiro para saber que isso não dá certo. Quantos planos econômicos nós tivemos e sabemos qual é o fim dessa história? Uma inflação maior, cada vez mais resistente. Você dá os anéis e perde os dedos. Cria-se uma incerteza em relação aos combustíveis fósseis e o etanol hidratado é um competidor direto da gasolina. O consumidor conhece a eficiência energética do etanol, que é 30% menor
40
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
que a gasolina em media, e ele faz a conta –se passar de 70% do preço da gasolina ele sabe que está caro e não consome. Nós competimos diretamente com o preço da gasolina, ninguém precisa controlar o preço do etanol. Cria-se uma incerteza e para suavizar o impacto sobre a Petrobras, a Cide foi sendo reduzida a zero – se dava um pequeno reajuste no preço da gasolina e ao mesmo tempo reduzia a Cide. O preço líquido da Petrobras ficava melhor, mas o preço do etanol que competia na bomba continuava sem poder ser reajustado. A eliminação gradativa da Cide tira 28 centavos de competitividade do etanol. Tempestade perfeita
Então deu a tempestade perfeita: o aumento do serviço da dívida, redução da capacidade de investimento, a renovação do canavial menor do que deveria por incapacidade de fazer o investimento, o canavial envelhece e ainda se tem quatro safras com problemas climáticos.
Este ambiente no Brasil começou a impactar muito negativamente nas usinas, que já estavam endividadas. Se tem um problema de redução de capacidade de investimento naqueles elementos que otimizam o seu ativo. Então deu a tempestade perfeita: o aumento do serviço da dívida, redução da capacidade de investimento, a renovação do canavial menor do que deveria por incapacidade de fazer o investimento, o canavial envelhece e ainda se tem quatro safras com problemas climáticos. É a tempestade perfeita. Tem problema de gestão misturado nisso? Sim, tem problema de gestão, mas tem política econômica, tem problema climático, é um conjunto complicado de análise, mas certamente ele foi tremendamente aprofundado pela perda de competitividade do seu principal mercado, que era o mercado brasileiro, seja pela eliminação da Cide, seja pelo controle de preço da gasolina. E tem mais um elemento que está sempre escondido: tem uma aplicação de PIS/Cofins nos produtos, que é de 9,25% do faturamento. Só que você transforma este imposto, que é ad valorem (conforme o valor) num imposto específico, ad rem, isso lá em 2007, você congela ele. Hoje, o PIS/Cofin recolhido pela gasolina é por volta de 7%. Retirou a Cide, desonerou a gasolina, não só zerando a Cide, mas reduzindo o PIS/Cofins. Nas discussões ano passado conseguimos do governo a desoneração do PIS/Cofins para o etanol, que era de 12 centavos por litro e foi para zero (em maio de 2013). Só que tem alguns detalhes operacionais que não conseguimos implementar até agora, depois de um ano. Por exemplo, acúmulo de crédito. Vário empresários devem ter problemas de acúmulo de crédito de PIS/Cofins, porque não é reconhecido como insumo. Os créditos acumulados no setor de etanol de PIS/Cofins é da ordem de R$ 1,4 bilhão e a gente não consegue recuperar estes créditos. Dentro da MP que desonerou o PIS/Cofins do etanol, tem lá uma
Marcos Peron / Virtual Photo
provisão para dizer vocês podem usar os créditos ou recuperar os créditos inclusive monetizados, só que levou um ano para sair o regulamento. Agora que saiu o regulamento, a gente descobriu que o governo tem um ano para analisar o pedido e cinco anos para pagar. A única vantagem é que ele não caduca – antes, a cada cinco anos se perdiam os créditos. Não tem correção, mas pelo menos para de caducar. Este é o ambiente que leva à crise recente. Não podemos ignorar que houve uma pressão enorme de aumento nos custos do etanol, seja para cumprir as legislações ambientais, entre elas a mecanização e legislações trabalhistas que encareceram o custo de produção da agricultura em geral, mas em particular da cana. E houve um aumento do endividamento das despesas financeiras, além dos problemas climáticos, que fizeram a produtividade cair. Entrada dos gigantes Neste período, primeiramente com investimentos e depois crise, ocorreu a entrada de capital internacional, que não existia anteriormente. Era um setor de usinas adminis-
trada por famílias. Agora é um setor heterogêneo, entram trading como a Bunge que comprou o Grupo Moema; a Glencore; a British Petroleum, uma petroleira; a Tereos, uma cooperativa francesa, que entrou com a Petrobras e a Guarani; entrou a Cargill; a Odebrecht, uma empreiteira. Os horizontes de retorno são completamente diferentes, um enxerga seis meses, outro 20 anos. Hoje é um setor completamente internacionalizado do ponto de vista financeiro e portanto muito sensível em questão de retorno, não é mais patrimônio da família. De 2005 até hoje muitas usinas entraram em operação, mais de uma centena, muitas entraram só como produtoras de etanol porque acreditaram nas promessas, mas hoje também produzem açúcar, pois aprenderam que não dá para ficar só com etanol. Hoje, a configuração típica da usina é açúcar, etanol anidro, etanol hidratado e eletricidade, nessa ordem. Mas existem usinas que só produzem etanol, têm aqueles que produzem mais açúcar, como a Guarani, existem as que produzem mais etanol, como a Odebrecht. Temos então a entrada de cerca de 100 usinas
De 2005 até hoje muitas usinas entraram em operação, mais de uma centena, muitas delas só como produtoras de etanol, porque acreditaram nas promessas.
MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
41
neste período após 2005. Quando chega a crise (2007/08), começa a ter usinas fechando. Até o fim do ano, o número pode chegar a 58 unidades fechadas. Tínhamos mais de 400 usinas, hoje temos 389, e estamos esperando entre 10 e 12 fecharem este ano. Temos ainda 33 em recuperação judicial, dos quais 14 em São Paulo. O nível médio de endividamento equivale ao faturamento anual das indústrias nas safras 2011/12 e 2012/13, antes era de um terço antes da crise. Em termos de serviço da dívida, quase 15% da receita vem sendo absorvida pelo pagamento de juros da dívida.
gasolina, a demanda para veículos leves por esse combustível nos EUA caiu aos níveis de 2001. Eles estão revendo este mandato, mas de qualquer forma se tem um planejamento de consumo garantido de etanol até 2022. Competindo contra o subsídio
O grande rival O mercado mundial está complicado. Os EUA estão revendo para baixo o seu mandato, assim como a União Europeia, por causa das novas fontes de petróleo, que acabaram estendendo o horizonte das reservas – teremos mais tempo para estragar o meio ambiente, a custo mais barato. O sistema americano é de incorporação de energias renováveis na matriz de combustíveis. Eles fizeram uma estimativa da demanda, de como ela iria evoluir, com um cronograma de 2009 até 2022. Mas isso estava sendo discutido no período em que as nossas usinas estavam sendo implantadas. O conjunto das distribuidoras tinham obrigação de comprar, em 2009, 39,7 bilhões de litros de etanol de milho, chamado convencional, e 1,89 bilhões de diesel de biomassa, feito de soja. Ano a ano se tem a entrada do etanol avançado, que é o etanol com menor emissão de CO2 em relação a gasolina, acima de 60%, que é basicamente o etanol brasileiro. No etanol convencional, como eles têm uma visão ambiental, vai crescendo até 2014 e de 2015 em diante ele congela a obrigatoriedade de compra por parte das distribuidoras do etanol de milho americano, pois tem a questão do uso da terra, por ser alimento, e da emissão. Já o etanol avançado vai crescendo – se a gente pegar 2014, nós poderíamos exportar para os EUA 3,79 bilhões de litros, pois lá não tem esse etanol. No ano passado, nós exportamos 2,4 bilhões, poderia ter chegado a 2,84 bilhões, principalmente para a Califórnia, que é o Estado mais verde. Tem o etanol celulósico, que em 2013 deveria ter fornecido 3,78 bilhões de litros, mas está produzindo praticamente zero. Isso foi um dos motivos que levou a rediscussão desta estrutura, com uma pressão das petroleiras – tem um comercial na TV que mostra uma pessoa de manhã tentando ligar o carro, que não pega e ele reclama que a culpa é da porcaria deste etanol misturado na gasolina. Com a mistura de etanol na
42
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
Precisamos trabalhar este mercado, mas depende muito de política pública, não tem como, pois energia renovável, queira ou não queira, precisa disso – tem gente que diz que se não atrapalhar, já ajuda, mas acho ingenuidade achar que não se necessita das políticas públicas em relação aos combustíveis. Qual é o país que não trata combustíveis de maneira estratégica?
Nós acompanhamos o preço de importação da gasolina e o preço líquido na refinaria. Tornamos-nos um importador de gasolina. Só em 2012, a Petrobras teve um prejuízo de US$ 3 bilhões na importação de 3,78 bilhões de litros de gasolina, vendendo abaixo do preço de importação. Em 2013, o prejuízo foi de US$ 2,1 bilhões ao importar 2,88 bilhões de litros de gasolina. O etanol compete contra este subsídio –além de zerar a Cide, de reduzir o PIS/Cofins, ainda vende abaixo do custo de importação. A conta combustíveis na Petrobras é deficitária desde 2010. Se não houvesse este subsídio, o etanol seria mais competitivo aqui. Nós somos a toda hora metralhados com declarações, ou do ministro da Fazenda, ou da presidente, que o setor de etanol não ganha produtividade, é ineficiente em relação aos americanos, não faz investimentos. Quando se tira a capacidade de investimento, fica difícil reagir. Mas mesmo assim, os números de investimentos em otimização são importantes, tivemos ganhos em produtividade, foram desenvolvidos variedades de cana próprios para a colheita mecanizada para as novas fronteiras de produção em Goiás e Minas Gerais. Também tem investimentos em etanol celulósico. Fico muito irritada quando falam que é um setor ineficiente, tradicional, retrógrado, que não investe. O futuro Até por dever de ofício, acredito que o etanol tem futuro, temos de acreditar nisso. As energias renováveis serão necessárias no mundo, pode ter revisão para baixo agora, mas elas serão necessárias. Do ponto de vista ambiental, não resta a menor dúvida de que serão necessárias. Um relatório recente do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) aponta para a necessidade de retomar a questão da substituição dos combustíveis. A questão climática e ambiental sempre é colocada de lado quando se tem uma crise econômica, que foi o que aconteceu na Europa, que abafou a questão do uso do etanol. Nos EUA, teve a entrada do shale gas e shale oil, que fez com que eles recuperassem a competitividade de indústrias que estavam abandonadas. E lá é tudo muito rápido, ninguém atrapalha – se o gás está barato, já tem gente fazendo tecnologia
Sergio Moraes/Reuters
para caminhão a gás rapidamente. Aqui, os estímulos são todos ao contrário. Está com problema de congestionamento e poluição nas metrópoles, se reduz o preço dos carros e dos combustíveis com desonerações de impostos. Mesmo assim, acho que temos muitas oportunidades, todo mundo enxerga isso. Depende do que vai acontecer com o mercado de açúcar, pois no modelo brasileiro, o açúcar é importante. Precisamos trabalhar este mercado, mas depende muito de política pública, não tem como, pois energia renovável, queira ou não, precisa disso – tem gente que diz que se não atrapalhar, já ajuda, mas acho ingenuidade achar que não se necessita das políticas públicas em relação aos combustíveis. Qual é o país que não trata combustíveis de maneira estratégica? Mas é preciso definir uma política para o etanol – se ele vai virar só aditivo, então reduzimos em 30% o tamanho da indústria, acabamos com o etanol hidratado, acabamos com o carro flex. Na safra 2013/14 houve recorde em moagem, nunca se moeu tanta cana neste País. Nós aumentamos a oferta de etanol em 4,5 bilhões de litros, foram 12% de aumento na safra em relação ao ano anterior, que foi todo para o etanol, pois produzimos a mesma quantidade de açú-
car, já que o mercado internacional estava com excesso do produto. Houve aumento na produção e redução das exportações para os EUA. Esse crescimento da oferta de etanol foi suficiente para suprir todo o crescimento da demanda de veículos leves, reduziu a necessidade de importação de gasolina e reduziu os prejuízos da Petrobras, que é a única petroleira que, quanto mais vende, mais perde.
Na safra 2013/14 houve recorde em moagem, nunca se moeu tanta cana neste País. Nós aumentamos a oferta de etanol em 4,5 bilhões de litros, um aumento de 12%.
O que queremos Reivindicamos, como agenda para retomada dos investimentos: - Definição de objetivos claros para a participação do etanol na matriz de combustíveis - Reestabelecimento e manutenção do diferencial tributário entre etanol e gasolina, reconhecendo as externalidades positivas associadas ao biocombustível - Garantia de estímulo, via programa InovarAuto, para ganhos de eficiência dos veículos flex no uso do etanol hidratado e presença do bicombustível nos futuros modelos híbridos - Melhoria das condições dos leilões para a bioeletricidade - Programas de incentivo à inovação tecnológica MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
43
Monalisa Lins/AE
Adriano Pires
Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE)
Sinais econômicos
A
partir de 2010, o governo aprofundou o uso da política de preços da energia com o objetivo de controlar a inflação e assegurar a sua popularidade. Primeiro, foram a gasolina e o diesel, que são vendidos no mercado doméstico a preços inferiores aos do mercado internacional, gerando grandes perdas para a Petrobras e seus acionistas. Desde o ano passado, o setor elétrico foi incluído no conjunto dos instrumentos de política econômica e passou, também, a fazer parte da agenda eleitoral. Entre 2011 e 2013, as perdas com o represamento dos preços da energia no País somaram R$ 105,80 bilhões. Somente em 2013, ano em que se iniciou o aporte de recursos do Tesouro no setor elétrico, em função da MP 579, as perdas totais foram de R$ 50,39 bilhões, 174% superiores as de 2011, que foram da ordem de R$ 18,37 bilhões. Em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), as perdas de 2013 cresceram 0,60 ponto porcentual (p.p.) com relação a 2011, ao sair de 0,44% para representar 1,04%. Para 2014, projetamos que a manutenção do represamento das tarifas de energia elétrica e dos preços da gasolina e do diesel totalizará R$ 80,50 bilhões,
44
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
ou seja, 1,52% do PIB previsto para 2014, valor que será gasto para manter essa política intervencionista e populista. O valor das perdas com "subsídios" ao setor energético previsto para 2014 supera os gastos governamentais em programas sociais. Em 2013, o governo investiu R$ 63,2 bilhões em programas sociais, incluindo o Minha Casa, Minha Vida. As perdas com o setor de energia também são superiores aos programas de assistência social, que incluem o Programa Bolsa Família (R$ 62,5 bilhões), além de superarem os desembolsos com seguro-desemprego e abono salarial (R$ 46,4 bilhões), verificados em 2013. O total de "subsídios" ao setor energético é estimado considerando apenas as perdas com gasolina e óleo diesel, entre 2011 e 2013, e o aporte de recursos do Tesouro Nacional ao setor de energia elétrica. Para os combustíveis, é utilizada a soma das perdas da Petrobras com gasolina e óleo diesel, o valor que o governo deixou de arrecadar com a redução e posterior desoneração da alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e com as variações na tributação referente ao PIS/Cofins no preço da gasolina e do óleo diesel.
Entre janeiro de 2011 e dezembro de 2013, a Petrobras deixou de arrecadar R$ 47,1 bilhões. Desse total, R$ 34,18 bilhões referem-se ao custo de oportunidade com o óleo diesel e R$ 12,96 bilhões, à gasolina. Desde maio de 2008 os preços da gasolina e do óleo diesel recebem o benefício de reduções progressivas da Cide. Em junho de 2012, o governo reduziu a zero a incidência da contribuição nos combustíveis. Dessa forma, as perdas com o fim da Cide foram de R$ 25,5 bilhões, entre janeiro de 2011 e dezembro de 2013. Há ainda as variações da incidência da alíquota de PIS/Cofins sobre o preço da gasolina e do óleo diesel, que totalizaram um saldo negativo de R$ 23,2 bilhões, entre 2011 e 2013. A ausência de planejamento de longo prazo e de soluções de cunho estrutural para o setor energético está claramente refletida na opção política atual, que incentiva uma total má alo-
cação de recursos no setor, fornecendo sinais econômicos completamente equivocados, tanto para investidores como para os consumidores. Isso se reflete na perda de competitividade de outros energéticos, que não recebem tratamento semelhante por parte do governo, como é o caso do gás natural e do etanol. A título de exemplo, a alocação de R$ 1 bilhão no setor de gás natural poderia reduzir a tarifa cobrada da indústria em R$ 0,10. Além disso, por que o governo não volta a cobrar a Cide da gasolina, aumentando a arrecadação governamental e trazendo de volta a competitividade do etanol? Não faz sentido econômico algum a Petrobras, por meio dos seus acionistas, bancar a diferença entre os preços dos combustíveis praticados no exterior e no Brasil nem o Tesouro Nacional injetar um grande volume de dinheiro no setor elétrico para corrigir mais uma barbeiragem do governo.
equivocados
Para 2014, a manutenção do represamento das tarifas de energia elétrica e dos preços da gasolina e do diesel totalizará R$ 80,50 bilhões.
Fabio Motta/Estadão Conteúdo
MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
45
O
setor elétrico brasileiro passa por um período delicado, principalmente as empresas distribuidoras, que não conseguiram contratar nos leilões a quantidade de energia que precisavam e tiveram de recorrer ao mercado de curto prazo, cujos preços estão inflacionados por causa dos reservatórios baixos e o acionamento das termoelétricas. Sem recursos, foi necessário o socorro do governo. A estimativa é que este ano o socorro chegue perto de R$ 20 bilhões. É um dinheiro que as distribuidoras têm para pagar as geradoras e que só podem cobrar do consumidor no ano que vem. Quem explica toda essa situação é Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, nesta entrevista. Digesto Econômico – Após a promulgação da MP 579 no fim de 2012, parece que houve uma desorganização no setor elétrico. Como o senhor vê esta situação? Claudio Sales - A Medida Provisória 579 surpreendeu o setor pela maneira como foi promulgada: sem qualquer transparência, discussão prévia, como até então era a prática do rito regulatório do setor elétrico. É importante observar que em um setor importante como este, com características do que os economistas chamam de monopólio natural, que portanto requer
uma forte regulação, que tem múltiplos agentes nos diversos elos da cadeia e que por isso promovem externalidades que afetam diferentemente cada um deles, em um setor como este, a transparência, a audiência pública, a consulta pública, são instrumentos de trabalho que o regulador ou legislador deve ter para assegurar que todas as novas normas e regulamentos levem em conta todos esses cenários para que as escolhas sejam feitas da melhor forma possível. Isso tudo tinha no setor elétrico até então. Um projeto de lei ou uma medida provisória tem prazos de tramitação em que são submetidas emendas, que supostamente corrigem ou aprimoram o texto original, até que se tome a decisão de implementá-lo na forma de lei, com aprovação no Congresso. Do mesmo jeito, na Aneel, que é a agência reguladora, toda mudança regulatória significativa é submetida a consulta ou audiência pública, na qual os consumidores e agentes do setor apresentam suas análises e contribuições para que só então a diretoria tome a decisão à luz de todas as correções de rumo que eventualmente se faça necessário. No caso da MP 579 nada disso foi feito. Foi um texto produzido intramuros por um número reduzido de pessoas e que deu no que deu: veio cheio de imperfeições, que estão deixando uma conta muito cara para a sociedade brasileira.
SETOR ELÉTRICO EM
46
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
A MP 579 foi votada na Câmara e no Senado e se transformou na lei 12.783 de 11 de janeiro de 2013. Houve a discussão no Congresso. Ela foi para votação com muitas imperfeições. Elementos que atestam o volume de imperfeições são do próprio governo: uma vez promulgada a MP, o governo teve que baixar uma série de outras MPs e decretos para tentar corrigir ou mitigar os efeitos negativos anteriores. No caso da votação no Congresso, não se observou sequer o prazo para que os parlamentares pudessem apreciar as emendas. A medida provisória estabelecia que em uma data X as empresas que fizessem a opção (de renovação de concessões) já teriam de assinar contratos. E essas datas eram anteriores aos prazos de discussão das emendas. Veja o grau de instabilidade que foi jogado o setor em um caso relevante dessa natureza. Sem falar no aspecto de que esta questão da renovação de concessões já estava nos holofotes há anos. O próprio governo disse que teria designado um grupo de trabalho, liderado pelo Ministério de Minas e Energia, para analisar a situação e propor soluções. Nós mesmo, um ano antes da MP 579 – ela foi promulgada em setembro de 2012 –, em novembro de 2011, publicamos um white paper (nº 5) sobre a questão das concessões com diagnósticos, análises e sugestões de caminhos alternativos.
O que dizia este documento? No estudo, explicamos o fenômeno que estaria acontecendo em 2015 – seria a tempestade perfeita do bem, já que muitas concessões estariam vencendo e, portanto, a maioria dos ativos já estariam amortizados e por isso eles não precisariam ser remunerados mais. Este fenômeno é um dado da situação, não foi a MP 579 que criou. No documento, a gente chamava a atenção a isso, quantificava e estabelecia caminhos. O governo teria mais de uma alternativa adequada para tratar esta questão. Nós descrevemos ali as alternativas – licitação, a não licitação, prazos e a conta de cada um, os pontos de passagens obrigatórios, por exemplo estabelecer uma metodologia para definir o valor de reversão, o valor das indenizações. Essa metodologia teria de ser submetida à Aneel, passar pelo crivo das consultas públicas etc., até que o órgão regulador elegesse uma forma definitiva, tendo contemplado todas as externalidades que a sociedade como um todo pudesse apontar, escolher uma e esta ser a definitiva para adoção. A gente colocou tudo isso, como forma de sugestão para o governo. Mas nada disso foi feito, fizeram por conta própria e veio cheio de erros. Como exemplo, as próprias indenizações até hoje estão sendo objetos de judicialização, tem indenizações que não fo-
ESTADO DE CHOQUE
MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
47
ram pagas, se discute o valor delas. A ordem de grandeza desses desvios, para lá e para cá, é sempre na casa de bilhão de reais, coisa inimaginável – como um setor pode conviver com tamanho nível de insegurança?
Divulgação
O senhor poderia explicar melhor a MP 579? É sobre a antecipação da renovação de concessões que valeriam apenas para empresas cujos contratos estão vencendo entre 2015 e 2017. Em empresas de geração, a maioria é do grupo Eletrobrás – Furnas, Eletronorte, Chesf etc., e de empresas de transmissão, também do Grupo Eletrobrás. Em um segundo momento, entravam outras empresas de transmissão, como Cemig, Ceteep. Basicamente era isso. Tem uma ou outra cessão no caso de geração de empresas que não são do Grupo Eletrobrás, mas empresas menores, que também aceitaram. Tiveram grandes empresas que não aceitaram, como Copel, Cemig, Cesp, mas por uma razão objetiva, que do meu ponto de vista, era razão para que empresas do Grupo Eletrobrás também não deveriam ter aceito: a fórmula que foi proposta na MP 579 era absolutamente destrutiva de valor dessas empresas, tirou valor dessas empresas, como demonstrou o efeito sobre a Eletrobrás, que hoje está tendo prejuízos grandes
A Medida Provisória 579 surpreendeu o setor pela maneira como foi promulgada: sem qualquer transparência e discussão prévia.
por causa disso. O gestor responsável, que tem obrigação de zelar para que a empresa gere valor, não poderia ter aceito essa renovação de concessão antecipada nos termos que foram propostos na medida provisória. Quais as consequências para as empresas de geração, transmissão, distribuição, comercializadores e consumidores? Até agora, falamos do texto da medida provisória e a meu ver a maneira totalmente errada como ela foi promulgada. Falando agora das consequências, elas são de várias naturezas: foi um conjunto de atropelos que se seguiu, que serviu de pano de fundo para um problema conjuntural do setor energético de falta de chuva que nos colocou em uma situação de tempestade perfeita, mas no mau sentido – a tempestade perfeita no bom sentido era que várias concessões estavam expirando e se o governo tratasse direito a questão, haveria uma economia para o consumidor sem perda de eficiência. Tratou errado e houve perda de eficiência. Logo em seguida à MP, o governo tomou algumas medidas, partindo talvez de premissas erradas: estou me referin-
48
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
do aos leilões de energia. As empresas distribuidoras de energia só podem comprar energia nos leilões regulados pelo governo, realizados com cinco, três anos de antecedência, exatamente para dar tempo para construir uma usina, ou com um ano de antecedência para as distribuidoras tratarem aquela energia que falta para o ano seguinte, pois ninguém consegue acertar na mosca nas previsões. Pela primeira vez na história desde que foi criado em 2004, o governo em 2012 não fez esse leilão A-1, como é chamado. Ao não fazer, deixou uma série de empresas distribuidoras com enorme quantidade de energia descontratada – antes era energia de contratos que estavam vencendo por aquela época, que ela pagava na ordem de R$ 100 por megawatt/hora nesse contrato, deveria ter havido um leilão naquela época, o preço seria certamente mais caro que os R$ 100 originais, mas ainda um preço razoável por conta da competição do leilão. Mas as distribuidoras não puderam fazer isso porque não teve leilão, isso em 2012. Houve leilões em 2013? Em 2013, o governo fez duas tentativas, mas a meu ver tam-
Alf Ribeiro/AE
Há outros problemas no setor? Outra questão é que, por não ter resolvido de forma definitiva e adequada a questão da indenização das empresas de transmissão que optaram pela renovação antecipada, essas empresas estão deixando de receber bilhões (de reais) a que tinham direito e portanto ficam impedidas de fazer os investimentos que tinham programado. Isso leva a ineficiência e insustentabilidade do setor. Existe também um problema que afeta o elo da geração de energia, que está se defrontando com a realidade anormal de estarmos a tanto tempo com o acionamento pleno das termoelétricas, fazendo com que as hidrelétricas deixem de rodar para poder guardar água nos reservatórios. O efeito financeiro desta situação por um longo tempo, como é o caso, gera um custo para as empresas geradoras, cuja ordem de grandeza pode chegar a R$ 20 bilhões. É um volume de recursos que as empresas não têm. O que tem sido feito para contornar essa situação? Estamos enfrentando uma situação bastante crítica, que vai requerer o esforço da sociedade como um todo para ser contornada. É importante que o governo reconheça isso – o
O que pode ser feito é reconhecer a crise e envolver todos os agentes na construção de soluções, tratando o assunto com transparência.
bém erradas, pois colocou o teto dos preços muito baixos, afastando a oferta. No primeiro leilão, os preços eram tão baixos que não teve sequer uma oferta, ninguém ofereceu e as distribuidoras não conseguiram contratar. No segundo leilão eles melhoraram um pouco, o teto foi para R$ 192 o megawatt/hora, comprovando a tese de que preço baixo demais afasta e a R$ 192 até que teve algumas ofertas. Precisava-se contratar cerca de 6 mil megawatts, se contratou cerca de 2,5 mil. Mesmo assim, as distribuidoras continuaram com um volume grande de energia descontratada. A consequência disso é que durante todo este período de 2012 para cá, as empresas distribuidoras tiveram de contratar essa quantidade enorme de energia ao preço de curto prazo, que está fortemente afetado pelos baixos níveis dos reservatórios no momento. Este volume de dinheiro é gigantesco. A estimativa é que este ano chegue perto de R$ 20 bilhões. É um dinheiro que as distribuidoras não têm para pagar as geradoras e cobrar do consumidor só no ano seguinte. O montante é tão grande que as distribuidoras não têm como adiantar, por isso o governo está se mobilizando, e é importante que o faça, para adiantar este dinheiro de alguma forma.
governo já começou a disponibilizar recursos para as distribuidoras, para que elas possam pelo menos parcialmente atender a sua compra de energia, mas também daqui para frente olhar a questão como um todo, de forma a evitar que o setor entre em colapso. Explique melhor as providências que o governo precisa tomar agora para sair desta crise energética. Primeiramente, ampliar o diálogo. Daqui a até o fim de junho vão acontecer fatos marcantes. Aparentemente, o governo está empenhado em buscar soluções. Até inicio de maio o governo tomou medidas para oxigenar o caixa das distribuidoras para que elas atendessem os compromissos de compra de energia para os primeiros meses do ano. Até o fim do ano, o setor precisaria de mais R$ 8 bilhões. O que pode ser feito nesta situação é reconhecer a crise e envolver todos os agentes na construção de soluções, tratando o assunto com transparência e rigor na observação do rito regulatório, sob pena de somar a uma instabilidade gerada por uma crise o risco regulatório, trazendo consequências muito negativas à economia brasileira. (C.O.) MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
49
A
Mercado livre: dificuldades para derrubar a fronteira de expansão
evolução recente dos investimentos em energia eólica no Brasil tem apresentado importantes resultados em termos de capacidade instalada, uma vez que esta fonte, hoje com 2,8 GW e uma participação de 2% na matriz elétrica, vai chegar ao final de 2017 com 8,8 GW e 5,5% da matriz. Esses representam dados reais de contratos resultantes principalmente dos leilões de energia no ambiente de contratação regulada, ocorridos a partir de 2009. Desse montante, apenas 600 MW correspondem ao mercado livre. O sucesso da fonte eólica nos últimos anos no Brasil é resultado de sua competitividade, que desde o primeiro leilão realizado em 2009, os preços saíram do
Divulgação
50
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
patamar de R$ 180,00/MWh para a média de R$ 100,00/MWh nos leilões de 2011 e 2012. Diante desde quadro, por que razão não tem evoluído também no mercado livre, já que este mercado corresponde a cerca de 30% do mercado elétrico brasileiro e que tem um potencial de crescimento da ordem de 13 GW médios?
Divulgação
Elbia Melo
Economista, doutora pela Universidade Federal de Santa Catarina, é presidente executiva da ABEEólica.
MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
51
Há de se considerar que o mercado livre no Brasil, independentemente da fonte, por natureza encontra entraves importantes para a atratividade de novos investimentos em geração, tendo em vista a financiabilidade reduzida deste mercado. Os contratos no ambiente livre são contratos de curto prazo (5 anos em média), ao passo que os contratos de financiamentos para empreendimentos são de longo prazo (15 anos em média). Neste aspecto, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), principal fonte de financiamento do setor elétrico, oferece poucas alternativas para este mercado, uma vez que nos desenhos propostos há financiamento no mercado livre, mas com uma parte da energia sendo vendida no mercado regulado. No caso da Energia Eólica em particular há um segundo fator e talvez o mais relevante, que é o risco de geração, associada ao risco de exposição aos preços do mercado de curto prazo, o preço spot. Pois de acordo com as regras do setor elétrico, o vendedor tem obrigação de entregar a energia vendida, de acordo com a curva de carga do comprador. Como a curva de geração da fonte eólica apresenta grandes diferenças da curva de carga dos consumidores, o risco de exposição é demasiadamente alto, dada a grande volatilidade dos preços do mercado spot, desestimulando a venda desta energia no ACL. Somado aos desafios acima colocados, hoje há um grande risco para a expansão das eólicas no Mercado Livre e a linha de transmissão, pois as linhas de transmissão são garantidas para o mercado regulado, e quando há atraso nestas linhas, o que tem ocorrido com grande frequência, os empreendedores do mercado regulado têm sua receita garantida, ao passo que os geradores do Mercado Livre ficam expostos aos preços do mercado de curto prazo, que recentemente vem atingindo patamares impagáveis. Em termos de competitividade, não há dúvidas que a fonte eólica é competitiva e que hoje poderia ser comercializada em torno de R$ 140,00/MWh em contratos de prazos de 3 a 5 anos. Em termos de potencial de mercado, como mencionado, este ultrapassa os 13 GW apenas para os consumidores especiais, sem contar os autoprodutores e grandes consumidores. Entretanto, este mercado tem alcançado uma expansão marginal, tendo em vista as dificuldades aqui apontadas, basicamente apenas os geradores pertencentes a grandes holdings tem conseguido entrar neste mercado, por terem uma capacidade de fazer portfólio dos seus contratos com as demais fontes, a hidrelétrica por exemplo, conseguindo mitigar o risco de exposição do mercado de curto prazo. Além disso, essas holdings têm uma capacidade grande de alavancar empréstimos nos bancos na medida que apresentam garantias em modalidade de “corporate finance” para fazer o financiamento. Neste sentido, considerando os entraves acima apresentados, derrubar as barreiras para a expansão do mercado livre para a energia eólica no Brasil, representa hoje um grande desafio. Tempos de rediscutir a Matriz Energética Nacional? Os recentes acontecimentos e as “acaloradas” discussões em torno da oferta de energia elétrica no Brasil podem nos tra-
52
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
zer lições importantes, caso tenhamos a perspicácia e capacidade de percebê-las e aproveitá-las. Desde a formulação e implementação de “um novo modelo para o setor elétrico brasileiro”, no biênio 2003/2004, já se passaram 10 anos. De lá para cá, o Brasil evoluiu consideravelmente no sentido de propiciar um setor elétrico adequado, com um marco regulatório estável e sinais positivos aos investimentos. Os três pilares preconizados pelo modelo proposto: segurança no abastecimento, modicidade tarifária e universalização do serviço vêm sendo perseguidos pelo governo e têm alcançado sucesso. A partir da realização dos leilões de energia para novos empreendimentos, foram realizados 14 leilões de energia nova, dois leilões de fontes alternativas, quatro leilões de energia de reserva, além dos leilões das hidrelétricas de Jirau, Santo Antonio e Belo Monte. Foram contratados 63,6 GW de capacidade instalada, sendo 43% de hidrelétrica, 40% de térmicas, 12% de eólica e 5% de biomassa. O preço destes recursos vem apresentando preço marginal da ordem de R$ 135,00/MWh, em média. Nestes 10 anos, o País acrescentou 42 GW de capacidade instalada de geração e 14.870 Km de linhas de transmissão. Além disso, o Programa Luz para Todos incluiu nos últimos anos cerca de 3 milhões de lares brasileiros, o que corresponde a 14,7 milhões de pessoas. A recente queda no nível de reservatórios e a necessidade de despacho de usinas térmicas acendeu uma luz amarela para os rumos em que a matriz energética nacional vem seguindo. Tais fatos demonstram a importância de repensar o modelo elétrico brasileiro sob uma perspectiva mais ampliada. O modelo de leilões, implementado a partir de 2004, está se mostrando muitíssimo eficiente na medida em que permitem um alto grau de competição entre os players e, portanto, preços de suprimento módicos para a energia elétrica. Tal modelo vem sendo “copiado” por muitos outros países e vem influenciando o modo de pensar inclusive na contratação das energias renováveis não convencionais que, historicamente, foram contratadas por meio de subsídios. O setor eólico no Brasil é emblemático, na medida em que esta fonte tem apresentado resultados importantes desde 2009, quando inserida no modelo competitivo de contratação, e atingiu patamares de preços equivalentes a metade do que havia sido pago inicialmente no PROINFA, em 2004. Tal feito sinalizou o potencial de crescimento desta fonte no mercado e, desde então, os sucessivos leilões consolidaram sua competitividade, quando essa a energia eólica atingiu patamares de preços da ordem de R$ 100,00/MWh, tornando-se a segunda fonte mais competitiva do Brasil. Neste período, no qual a fonte participou de sete leilões, foram contratados 7,1 GW de novos projetos, os quais elevarão o volume de instalações de energia eólica para 8,8 GW até 2017. A experiência do Brasil com a crise de suprimento no biênio 2001-2002 trouxe lições importantes quanto à necessidade de diversificação da oferta de energia. Desde então houve uma busca para a transformação da matriz elétrica, ora fortemente fundamentado em bases hidrelétricas, para um sistema hidrotérmico, além da introdução do PROINFA, que teve o objetivo de inserir na matriz as fontes renováveis não convencionais de energia, como eólica, biomassa e PCHs.
Divulgação
O Brasil é o país mais renovável do mundo, pois a geração de energia efetiva provem de cerca de 90% de energia renovável.
Hoje o Brasil apresenta uma matriz elétrica com 123 GW instalados, composta por 69% de hidrelétricas, 27% de termelétricas, 2% de eólicas e 1,6% de nucleares. O País dispõe de diversas opções de geração de energia limpa para sua expansão, incluindo a hidroeletricidade, a energia eólica, a cogeração, a biomassa e a energia solar. Brasil é o país mais renovável do mundo, pois a geração de energia efetiva provem de cerca de 90% de energia renovável, com 452 TWh de geração de energia elétrica em 2011 e 444 TWh em 2012. Essa grande participação das fontes renováveis na matriz elétrica (e energética), nos permite buscar, no longo prazo, uma matriz diversificada e segura em termos de suprimento. Neste sentido é primordial calibrar a matriz de forma limpa, renovável e segura. Contudo, é fundamental levar em conta, em um processo de decisão otimizada e racional, a importante participação dos empreendimentos termoelétricos como componente da segurança energética, uma vez que os recursos renováveis por si só não são capazes de suprir as necessidades do sistema em situações adversas da natureza. Ademais, por questões de política ambiental, o Brasil está, cada vez mais, abrindo mão de expandir o sistema hidrelétrico com reservatórios, o que torna o País dependente, de forma crescente, das termelétricas, não podendo se eximir de uma importante dis-
cussão da matriz energética nacional, uma vez que um dos insumos para esta fonte, o gás natural, tem outros usos importantes para a economia. Do lado da demanda, o desenvolvimento tecnológico permite novos modelos de negócio, onde o consumo racional de energia elétrica pode ser um importante componente do equilíbrio de longo prazo da matriz, na medida em que sistemas como Smart Grid e Net Metering podem permitir, por parte do consumidor, o gerenciamento do consumo e, portanto, o uso racional desse escasso recurso. A experiência recente do Brasil ao gerenciar a situação de baixo nível dos reservatórios, demonstra a grande importância de uma boa combinação de todas as fontes de geração de energia disponíveis e deixa claro a importância de se levar em conta a complementariedade entre essas fontes. Por isso, o País não pode abrir mão de nenhuma fonte, mas deve sim calibrar e equilibrar sua matriz com o objetivo de alcançar o ótimo de longo prazo, traduzido em eficiência econômica e sustentabilidade socioambiental. Neste contexto, observa-se atualmente uma forte sinalização por parte do governo em rediscutir a matriz energética brasileira e o atual modelo de contratação de energia, que vinha sendo pautado, nos últimos três anos, essencialmente em preços. Tal discussão, salutar para o País, se mostra sensata e oportuna. MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
53
EFE
NO MEIO DE UM
A Newton Santos / Hype
Gunther Rudzit: a instabilidade na Ucrânia está longe de terminar. A população do leste do país se considera russa e dificilmente aceitarão ficar sob o comando de Kiev.
54
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
Ucrânia, uma ex-república soviética, que declarou independência em 1991, vem ganhando o noticiário desde novembro passado, inicialmente por conta das gigantescas manifestações populares, especialmente na capital Kiev, depois que o então presidente Viktor Yanukovich decidiu não assinar um acordo de cooperação com a União Europeia, preferindo se aproximar da Rússia de Vladimir Putin. Em fevereiro, Yanukovich foi deposto, se refugiou na Rússia e um governo interino foi empossado e novas eleições foram convocadas. Em março, as atenções se voltaram para a região da Crimeia, de maioria russa. O parlamento local foi dominado por um comando pró-Rússia, que nomeou Sergei Axionov como premiê. Esse novo governo, considerado ilegal pela Ucrânia, aprovou sua adesão à Federação Russa e a realização de um referendo sobre o status da região no dia 16 de março.
EFE
CABO DE GUERRA
Posteriormente, o Parlamento se declarou independente da Ucrânia, sendo apoiado por russos e criticado por ucranianos, europeu e norte-americanos. Os Estados Unidos e a União Europeia impuseram medidas relativamente brandas como reação à anexação da Crimeia pela Rússia, como proibições de viagem e congelamentos de bens de autoridades russas. O G7 (grupo formado por Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Canadá, EUA e Japão) vem ameaçando impor sanções econômicas mais duras contra a Rússia. Nas eleições de 25 de março, o magnata Petro Poroshenko, conhecido como "rei do chocolate", foi eleito presidente de uma Ucrânia dividida: a população do oeste querendo uma aproximação com a União Europeia e a região leste pró-Rússia. Na região leste do pais vem ocorrendo combates sangrentos entre soldados ucranianos e separatistas.
Nesta entrevista, Gunther Rudzit, doutor em Ciências Políticas pela USP, mestre pela Georgetown University de Washington (EUA) e coordenador de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco explica as raízes deste conflito na Ucrânia, os interesses de Vladimir Putin na região e o desenrolar desta crise.
Para os russos e muitos ucranianos, essa região leste da Ucrânia sempre foi dos russos, principalmente a Crimeia.
Digesto Econômico – Como entender o conflito que vem se arrastando na Ucrânia desde o início do ano? Gunther Rudzit - O que se imaginou no Ocidente era que, com o fim da Guerra Fria, a adoção do capitalismo, a democratização em muitos Estados, todos já teriam aceitado essa ordem internacional democrática liberal ocidental e que não teríamos mais disputas geopolíticas. Ao longo dos anos 90, a Rússia passou por uma crise profunda de transformação e a China lutava para entrar na OMC (OrMAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
55
ganização Mundial do Comércio). A partir de 2001, quando a China finalmente entrou na OMC, ela passou a crescer na casa dos dois dígitos. É justamente nesse período que temos o boom das commodities, que favoreceu muito o Brasil e também a Rússia. O que tivemos ao longo dos anos 2000 foi uma nova ascensão da Rússia como uma grande potência e a sua tentativa, com Vladimir Putin no poder, de restabelecer a sua zona de influência, o que os russos chamam de exterior próximo. Principalmente naqueles territórios que já haviam sido controlados pela União Soviética. O caso ucraniano talvez seja o mais significativo para a Rússia, porque a Ucrânia sempre fez parte do Império Russo – a primeira capital do que iria se tornar o Império Russo foi Kiev, hoje capital da Ucrânia. Ucrânia e Rússia sempre estiveram ligadas e os russos nunca aceitaram bem a sua independência (em 1991). A aproximação muito rápida da Ucrânia em direção à União Europeia sem haver uma coordenação grande com Moscou é que fez o presidente Putin interferir nesse processo – a Ucrânia em uma grande crise econômica, Putin prometendo 17 bilhões de euros para ajudar na crise e uma grande revolta de uma parte da população contra essa aproximação com a Rússia. Há uma clara divisão entre as regiões oeste e leste, não é mesmo? A Ucrânia é um país dividido. Para os russos, a nacionalidade não é o território em que se nasce e sim os seus ancestrais, diferentemente do que ocorre aqui no Brasil. Para os russos e muitos ucranianos, essa região leste da Ucrânia sempre foi dos russos, principalmente a Crimeia. Em março, a Crimeia foi anexada à Rússia. Por que isso ocorreu? A Crimeia, até 1952/54, fazia parte da República Russa da União Soviética. Nikita Khrushchev, para celebrar os 200 anos de união dos dois povos, transferiu a Península da Crimeia para a República Ucraniana da União Soviética. A região sempre teve muitos russos. E há um grande interesse de Moscou na região, porque a base de Sebastopol é fundamental para a presença russa no Mar Negro e consequentemente a saída dos navios para o Mar Mediterrâneo. Não podemos esquecer que, todos aqueles navios que foram para o litoral da Síria saíram desses portos. Isso mostra a importância geopolítica e militar que tem essa região.
56
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
Essa anexação deu grande popularidade para Putin. No início deste ano, o ministro da Fazenda russo já havia avisado Putin que a economia russa cresceria pouco pelos próximos anos – isso gera um problema de política interna, fazendo com que Putin perdesse popularidade por causa da desaceleração da economia. Com tudo o que houve, ele conseguiu recuperar a Crimeia e hoje tem 90% de aprovação popular. A questão do conflito era: se aproximar da União Europeia ou da Rússia. Não dava para fazer acordos com os dois lados? Primeiramente, tem aquela questão dos russos acharem que a Ucrânia faz parte da Rússia. Se tem uma elite econômica ucraniana também dividida. O que se poderia fazer é talvez é um processo que a Finlândia fez: fazer parte da União Europeia, mas não fazer parte da Otan. O problema é que, em um momento de instabilidade econômica, o interesse imediato prevaleceu, um processo praticamente a toque de caixa, que gerou toda essa desconfiança interna, tanto que a população ucraniana está muito descontente e desconfiada de todo o establishment político. Não foi só uma repulsa ao primeiro ministro (Mykola Azarov) que caiu, tanto que a predecessora dele, Iulia Timochenko, que estava presa e foi libertada, quando foi para a praça discursar foi vaiada também. Há uma antipatia geral contra os políticos na Ucrânia. Quem ganhou a eleição presidencial no fim de maio foi um não político, mas que faz parte dessa elite econômica – o empresário Petro Poroshenko, conhecido como "rei do chocolate". Tem esse quadro interno de muita instabilidade política e econômica, que acabou levando a decisões sem um planejamento de médio e longo prazo. Quais as perspectiva com o novo presidente Petro Poroshenko? Acho difícil retornar a um estado de paz e tranquilidade que havia antes na Ucrânia. Todo esse processo de separação que houve com apoio de Moscou, essa população do leste que se considera russa e não ucraniana, dificilmente eles vão aceitar continuar sob o comando de Kiev. Pode ser até que o governo central ucraniano consiga estabelecer o controle da região, mas já se gerou uma instabilidade grande, que não irá acabar tão cedo. Não podemos esquecer que a Crimeia foi anexada à Rússia, há ucranianos insatisfeitos também
Anton Pedko/EFE
O fato de Putin ter sido agente da KGB explica a forma como governa? Sim e muito. Ele tem uma visão de Estado, diferentemente da Ucrânia e outras ex-repúblicas Soviéticas. Teve a ascensão de oligarcas econômicos, como foi inclusive na Rússia nos anos 90. Nos dois governos de Boris Yeltsin a economia russa estava um caos, dominada pelos grandes oligarcas que hoje tem times de futebol na Inglaterra e em outros países e que não pensavam em Estado, só pensavam em si, no próprio bolso. Putin, com essa visão e cultura de Estado, restabelece o Estado russo. Ele era um agente da KGB que pensava o Estado russo e por isso essa grande diferença.
No início deste ano, o ministro da Fazenda russo avisou que a economia ia crescer pouco. Vladimir Putin conseguiu recuperar a Crimeia e hoje tem 90% de aprovação popular.
Esse aumento na tensão entre a Rússia e o Ocidente pode resultar em um conflito mais grave? Eu não vejo uma guerra entre o Ocidente e a Rússia, da mesma forma que não podia ter uma guerra entre EUA e a União Soviética. As armas atômicas ainda estão lá, os dois países têm quantidades suficientes para destruir a Terra uma vez cada lado. No auge da Guerra Fria, nos anos 70, cada lado podia destruir o planeta sete vezes. Já diminuiu o potencial bélico, mas mesmo assim a capacidade atômica é tão grande que se torna impossível um confronto direto entre o Ocidente e Rússia. na Crimeia. A região toda é complicada. A Moldávia, do lado da Ucrânia, tem uma parte leste que também se declarou independente e age como se fosse um Estado autônomo. Existe uma instabilidade muito grande nesta região. Pode ser até que Moscou não venha reconhecer a independência do leste da Ucrânia, mas também não vai deixar a região se estabilizar, e se precisar, tem os instrumentos para fazer a intervenção que quiser, do mesmo jeito como foi na Georgia em 2008. A rivalidade entre o Ocidente e a Rússia tem crescido. Como o senhor vê isso? Hoje, apesar de todos serem capitalistas, existem diferentes modelos de capitalismo, principalmente o capitalismo de Estado, com um controle forte da economia por parte do governo, como é na China e na Rússia. Apesar de serem capitalistas, há interesses econômicos divergentes. Agora ficou mais explícita a divergência entre os interesses russos e ocidentais. Isso faz com que a cooperação que víamos nos anos 90 e até pouco tempo atrás entre os Estados vai diminuir, e a tensão e crise ente os Estados vai aumentar.
E como o senhor vê o futuro da Ucrânia? Essa instabilidade de quase guerra civil que a Ucrânia está vivendo hoje, infelizmente isso deve continuar por um bom tempo. E a posição da União Europeia? Ficou claro para os europeu que essa visão de cooperação, de que a economia aproxima os países, que todos ganham com o livre comércio, isso foi colocado em xeque. A dependência do gás que a Europa tem da Rússia se tornou uma grande armadilha e por isso eles estão querendo achar alternativas para poderem, se assim desejarem, tomar atitudes que possam desagradar Putin sem o temor de um desabastecimento de gás. A Europa acordou e está vendo que terá de gastar novamente com o setor de defesa. Há outras regiões no mundo onde podem estourar conflitos? Há tensões em várias partes do mundo, mas sem dúvida, devemos ficar de olho no Sudoeste da Ásia. A tensão entre China e seus vizinhos já está estabelecida e é crescente. Ali, com certeza, há chances de estourar um conflito rápido. MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
57
Divulgação
Olavo de Carvalho
SXC
Jornalista, escritor e professor de Filosofia
58
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
A
A destruição da inteligência
prender, imitar e introjetar o vocabulário, os tiques e trejeitos mentais e verbais da escola de pensamento dominante na sua faculdade é, para o jovem estudante, um desafio colossal e o cartão de ingresso na comunidade dos seus maiores, os tão admirados professores. A aquisição dessa linguagem é tão dificultosa, apelando aos recursos mais sutis da memória, da imaginação, da habilidade cênica e da autopersuasão, que seria tolo concebê-la como uma simples conquista intelectual. Ela é, na verdade, um rito de passagem, uma transformação psicológica, a criação de um novo “personagem”, apoiado no qual o estudante se despirá dos últimos resíduos da sentimentalidade doméstica e ingressará no mundo adulto da participação social ativa. É quase impossível que essa identificação profunda com o personagem aprendido não seja interpretada subjetivamente como uma concordância intelectual, ao ponto de que, no instante mesmo em que repete fielmente o discurso decorado, ou no máximo faz variações em torno dele, o neófito jure estar “pensando com a própria cabeça” e “exercendo o pensamento crítico”. A imitação é, com certeza, o começo de todo aprendizado, mas ela só funciona porque você imita uma coisa, depois outra, depois uma infinidade delas, e com a soma dos truques imitados compõe no fim a sua própria maneira de sentir, pensar e dizer. No aprendizado da arte literária isso é mais do que patente. O simples esforço de assimilar auditivamente a maneira, o tom, o ritmo, o estilo de um grande escritor já é uma imitação mental, uma reprodução interior daquilo que você está lendo. A imitação torna-se ainda mais visível quando você decora e declama poemas, discursos, sermões ou capítulos de uma narrativa. Po-
rém nas suas primeiras investidas na arte da escrita é impossível que você não copie, adaptando-os às suas necessidades expressivas, os giros de linguagem que aprendeu em Machado de Assis, Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Balzac, Stendhal e não sei mais quantos. Esse exercício, se você é um escritor sério, continua pela vida a fora. Quando conheci Herberto Sales – que Otto Maria Carpeaux julgava o escritor dotado de mais consciência artística já nascido neste País – ele estava sentado no saguão do Hotel Glória com um volume de Proust e um caderninho onde anotava cada solução expressiva encontrada pelo romancista, para usá-la a seu modo quando precisasse. Já era um homem de setenta e tantos anos, e ainda estava praticando as lições do velho Antoine Albalat (1). É assim, por acumulação e diversificação dos recursos aprendidos, que se forma, pari passu com a evolução natural da personalidade, o estilo pessoal que singulariza um escritor entre todos. T. S. Eliot ensinava que um escritor só é verdadeiramente grande quando nos seus escritos transparece, como em filigrana, toda a história da arte literária. Em outros tipos de aprendizado, a imitação é ainda mais decisiva. Nas artes marciais e na ginástica, quantas vezes você não tem de repetir o gesto do seu instrutor até aprender a produzi-lo por si próprio! Na música, quantas performances magistrais o pianista não aprende de cor até produzir a sua própria! Nas ciências e na tecnologia, o manejo de equipamentos complexos nunca se aprende só em manuais de instrução: o aluno tem de ver e imitar o técnico mais experiente, num processo de assimilação sutil que engloba, em doses consideráveis, a transmissão não-verbal (2). Por que seria diferente na filosofia? Compreender uma filosofia não se resume nunca em ler as obras de um filósofo e julgá-las segundo uma reação imediata ou as opiniões de um professor.
MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
59
É impregnar-se de um modo de ver e pensar como se ele fosse o seu próprio, é olhar o mundo com os olhos do filósofo, com ampla simpatia e sem medo de contaminar-se dos seus possíveis erros. Se desde o início você já lê com olhos críticos, buscando erros e limitações, o que você está fazendo é reduzir o filósofo à escala das suas próprias impressões, em vez de ampliar-se até abranger o “universo” dele. Erros e limitações não devem ser buscados, devem surgir naturalmente à medida que você assimila novos e novos autores, novos e novos estilos de pensar, pesando cada um na balança da tradição filosófica e não da sua incultura de principiante. Não seria errado dizer que, entre outros critérios, um professor de filosofia deve ser julgado, sobretudo, pelo número e variedade dos autores, das escolas de pensamento, das vias de conhecimento que abriu em leque para que seus estudantes as percorressem (3). Não é preciso mais exemplos. Em todos esses casos, a imitação é o gatilho que põe em movimento o aprendizado, e em todos esses casos ela não se congela em repetição servil porque o aprendiz passa de modelo a modelo, incorporando uma diversidade de percepções e estilos que acabarão espontaneamente se condensando numa fórmula pessoal, irredutível a qualquer dos seus componentes aprendidos. Mas o que acontece se, em vez disso, o aluno é submetido, por anos a fio, à influência monopolística de um estilo de pensamento dominante, aliás muito limitado no seu escopo e na sua esfera de interesses, e adestrado para desinteressar-se de tudo o mais sob a desculpa de que “não é referência universitária”? Se durante quatro, cinco ou seis anos você é obrigado a imitar sempre a mesma coisa, e ainda temendo que o fracasso em adaptar-se a ela marque o fim da sua carreira universitária, a imitação deixa de ser um exercício temporário e se torna o seu modo permanente de ser – um “hábito”, no sentido aristotélico. É como um ator que, forçado a representar sempre um só personagem, não só no palco mas na vida diária, acabasse incapaz de se distinguir dele e de representar qualquer outro personagem, inclusive o seu próprio. Pirandello explorou magistralmente essa situação absurda na peça Henrique IV, onde um milionário louco, imaginando ser o rei, obriga os em-
60
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
pregados a comportar-se como funcionários da corte, até que eles acabam se convencendo de que são mesmo isso. Toda imitação depende de uma abertura da alma, de uma impregnação empática, de uma suspension of disbelief em que o outro deixa de ser o outro e se torna uma parte de nós mesmos, sentindo com o nosso coração e falando com a nossa voz. Se praticamos isso com muitos modelos diversos, sem medo das contradições e perplexidades, nossa mente se enriquece ao ponto do nihil humanum a me alienum, daquela universalidade de perspectivas que nos liberta do ambiente mental imediato e nos torna juízes melhores de tudo quanto chega ao nosso conhecimento. Não é errado dizer que o julgamento honesto e objetivo depende inteiramente da variedade dos pontos de vista, contraditórios inclusive, que podemos adotar como “nossos” no trato de qualquer questão. Em contrapartida, o enrijecimento da alma num papel fixo abusa da capacidade de imitação até corrompê-la e extingui-la por completo, bloqueando toda possibilidade de abertura empática a novos personagens, a novos estilos, a novos sentimentos e modos de ver. Habituado a tomar como referência única o conjunto de livros e autores que compõe o universo mental da esquerda militante, e a olhar com temerosa desconfiança tudo o mais, o estudante não só se fecha num provincianismo que se imagina o centro do mundo, mas perde realmente a capacidade de aprendizado, tornando-se um repetidor de tiques e chavões, caquético antes do tempo. Quem não sabe que, no meio acadêmico brasileiro, a receita uniforme, há mais de meio século, é Marx-Nietzsche-Sartre-Foucault-LacanDerrida, não se admitindo outros acréscimos senão os que pareçam estender de algum modo essa tradição, como Slavoj Zizek, Istvan Meszaros ou os arremedos de pensamento que levam, nos EUA, o nome de “estudos culturais”? Daí a reação de horror sacrossanto, de ódio irracional, não raro de repugnância física, com que tantos estudantes das nossas universidades reagem a toda opinião ou atitude que lhes pareça antagônica ao que aprenderam de seus professores. Não que estejam realmente persuadidos, intelectualmente, daquilo que estes lhes ensinaram. Se o estivessem, reagiriam com o inte-
lecto, não com o estômago. O que os move não é uma convicção profunda, séria, refletida: é apenas a impossibilidade psicológica de desligarse, mesmo por um momento, do “eu” artificial aprendido, cuja construção lhes custou tanto esforço, tanto investimento emocional. Justamente, a convicção intelectual genuína só pode nascer da experiência, do demorado contato com os aspectos contraditórios de uma questão, o que é impossível sem uma longa resignação ao estado de dúvida e perplexidade A intensidade passional que se expressa em gritos de horror, em insultos, em afetações de superioridade ilusória, marca, na verdade, a fragilidade ou ausência completa de uma convicção intelectual. A construção em bloco de um personagem amoldado às exigências sociais e psicológicas de um ambiente ideologicamente carregado e intelectualmente pobre fecha o caminho da experiência, portanto de todo aprendizado subseqüente. A irracionalidade da situação é ainda mais enfatizada porque o discurso desse personagem o adorna com o prestígio de um rebelde, de um espírito independente em luta contra todos os conformismos. Poucas coisas são tão grotescas quanto a coexistência pacífica, insensível, inconsciente e satisfeita de si, da afetação de inconformismo com a subserviência completa à autoridade de um corpo docente. No auge da alienação, o garoto que passou cinco anos intoxicando-se de retórica marxistafeminista-multiculturalista-gayzista nas salas de aula, que reage com quatro pedras na mão ante qualquer palavra que antagonize a opi-
nião de seus professores esquerdistas, jura, depois de ler uns parágrafos de Bourdieu para a prova, que a universidade é o “aparato de reprodução da ideologia burguesa”. Aí já não se trata nem mesmo de “paralaxe cognitiva”, mas de um completo e definitivo divórcio entre a mente e a realidade, entre a máquina de falar e a experiência viva. Se, conforme se observou em pesquisa recente, cinquenta por cento dos nossos estudantes universitários são analfabetos funcionais (4) – não havendo razão plausível para supor que a quota seja menor entre seus professores mais jovens – isso não se deve somente a uma genérica e abstrata “má qualidade do ensino”, mas a um fechamento de perspectivas que é buscado e imposto como um objetivo desejável. Não que a presente geração de professores que dá o tom nas universidades brasileiras tenha buscado, de maneira consciente e deliberada, a estupidificação de seus alunos. Apenas, iludidos pelo slogan que os qualificava desde os anos 60 do século XX como “a parcela mais esclarecida da população”, tomaram-se a si próprios como modelos de toda vida intelectual superior e acharam que, impondo esses modelos a seus alunos, estavam criando uma plêiade de gênios. Medindo-se na escala de uma grandeza ilusória, incapazes de enxergar acima de suas próprias cabeças, tornaram-se portadores endêmicos da síndrome de Dunning-Kruger (5) e a transmitiram às novas gerações. Os cinquenta por cento de analfabetos funcionais que eles produziram são a imagem exata da sua síntese de incompetência e presunção.
(1) V. Antoine Albalat, La Formation du Style par l'Assimilation des Auteurs (Paris, Alcan, 1901). (2) V. sobre isso as considerações de Theodore M. Porter em Trust in Numbers. The Pursuit of Objectivity
in Science and Public Life, Princeton University Press, 1995, pp. 12-17. (3) Digo isso com a consciência tranqüila de haver cumprido esse dever. Ao longo dos anos, introduzi no espaço mental brasileiro mais livros e autores essenciais do que todos os corpos docentes de faculdades de filosofia neste país, somados aos “formadores de opinião” da mídia popular. Em vez de me agradecer, ou de pelo menos ter a sua curiosidade despertada pela súbita abertura de perspectivas, estudantes e professores, com freqüência, me acusaram de “citar autores desconhecidos” – dando por pressuposto que tudo o que é ignorado no seu ambiente imediato é desconhecido do resto do mundo e não tem a mais mínima importância. (4)V. http://www.folhapolitica.org/2014/02/pesquisador-conclui-que-mais-da-metade.html. (5) Efeito Dunning-Kruger: incapacidade de comparar objetivamente as próprias habilidades com as dos outros. “Quanto menos você sabe sobre um assunto, menos coisas acredita que há para saber.” V. David McRaney, You Are Not So Smart, London, Oneworld Publications, 2012, pp. 78-81.
MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
61
Reprodução
Os únicos universitários do Brasil enviados para a luta na Itália foram os da Faculdade de Direito da USP, todos do último ano.
O Brasil e o mundo na Luiz Prado/LUZ
Ives Gandra da Silva Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME, Superior de Guerra ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região; Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e da PUC-Paraná, e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal); Presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO - SP; Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária – CEU-Escola de Direito/Instituto Internacional de Ciências Sociais - IICS.
62
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
AFP/Photos
O carismático Adolf Hitler oferecia aos alemães a oportunidade de recuperar seu orgulho nacional.
2ª Guerra Mundial
A
entrada do Brasil no conflito de 1939-1945 deveu-se ao afundamento de navio brasileiro em nossos mares territoriais, no ano 1942, o que levou o Governo Federal a declarar guerra à Alemanha. Tínhamos mantido neutralidade até aquela data, visto que a ditadura Vargas, que abafara uma Intentona Comunista em 1935, não era inteiramente contrária ao regime nazista, à época combatendo a Rússia em suas terras. É bem verdade que Getúlio oferecera a base aérea de Natal para trampolim dos aviões americanos, que assim atravessavam o Atlântico a fim de serem utilizados pelas forças aliadas. Houve, inclusive, um movimento nas escolas nacionais de entrega de donativos para a compra de um “avião patrulha” para as costas bra-
sileiras, o que me assegurou a função de orador da minha classe (tinha então 7 anos), por ter sido, entre os alunos, aquele que mais recursos obtivera, em prol do Governo brasileiro. É que meu pai, português de Braga, já vinha contribuindo com a “Ordem do Fole”, conseguindo, assim, recursos para RAF, “Royal Air Force” da Inglaterra, de tal maneira que me ajudou, apesar da pouca idade, na captação de recursos para o bem do Brasil. Vivíamos, no País, um momento delicado. Getúlio Vargas, que, mediante um Golpe de Estado (1930), assumira o Governo, derrubando o presidente Washington Luis e não permitindo a posse do presidente eleito Júlio Prestes, pressionado pela Revolução Constitucionalista dos Paulistas, de 1932, outorgou uma Constituição democrática, em 1934. As eleições estavam preMAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
63
vistas para 1937, mas Getúlio Vargas, em novo golpe, suspendeu as atividades do Congresso, tornou-se a suprema autoridade, com força, inclusive, de alterar decisões do Poder Judiciário e promulgou uma Constituição tão ditatorial, que foi chamada de “A Polaca”. Seu autor, o grande jurista Francisco Campos, denominado “Chico Ciência”, foi quem a redigiu e, naquela ocasião, alguém pronunciou a frase, que se tornou histórica: “Quando as luzes de inteligência de Francisco Campos acendem, provocam curto circuito em todos os fusíveis da democracia”. Embora sob pressão, Getúlio Vargas governou até ser deposto, em outubro de 1945. Era um ditador e não abominava nem o fascismo, nem o nacional-socialismo. Ocorre que, nos últimos anos, a pressão do povo era grande. Chegou a proibir que as cores das bandeiras dos Estados fossem hasteadas nas repartições públicas. Lembro-me do episódio paradigmático de rejeição ao ditador, na inauguração do Estádio do Pacaembu (1940). Um pequeno clube, que desde a sua refundação (1935) nunca fora campeão e que só mantinha a modalidade futebol (São Paulo Futebol Clube) foi um dos últimos a entrar no desfile para inauguração do Majestoso Estádio, com a presença do ditador. Quando as cores da bandeira paulista apareceram no uniforme dos atletas, a multidão prorrompeu em aplausos que não pararam até o grupo perfilar na posição que lhe fora determinada no gramado do Estádio. Tudo como forma de demonstrarem, os paulistas, o descontentamento com o ditador, que apenas observou: “certamente, este é o clube mais querido da cidade”. Percebeu, entretanto, que o povo já não o aceitava. Pela pressão popular, entretanto, foi obrigado a entrar na guerra, mas só enviou tropas para a Itália em 1944. Ao enviar nossos soldados, vingou-se dos estudantes de Direito da Universidade de São Paulo, que se tinham rebelado contra o regime ditatorial em 1943, no Largo de São Francisco, alguns tendo sido mortos na repressão pelo Governo. Os únicos universitários do Brasil enviados para a luta na Itália foram os da Faculdade de Direito da USP, todos do último ano, com o que perderam um ano de Faculdade. Entre eles estava meu confrade em diversas Academias, jurista e poeta, introdutor do movimento literário no Brasil intitulado “Geração de 45” (Geraldo de Camargo Vidigal) e acadêmico correspondente da Academia Internacional de Cultura Portuguesa, em Lisboa, cujo presidente de honra e seu fundador é o Prof. Adriano Moreira.
64
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
Arquivo/AE
De qualquer forma, apesar das reticências do ditador Getúlio Vargas, o povo brasileiro impôs o envio de tropas à Itália que, sob o comando de Marechal Mascarenhas de Moraes, houve-se muito bem em inúmeras batalhas, principalmente na de Monte Castello. Nesta batalha, ocorreu um episódio marcante: a decisiva atuação do maior geopolítico da história brasileira, General Carlos Meira Mattos. Capitão a época, substituiu o capitão anterior, que, à frente de um batalhão, recuara, no dia anterior, tendo os demais comandantes do nosso Exército considerado que o fizera, por falta de coragem e competência. Com indiscutível liderança, Carlos Meira Mattos assumiu o novo comando e, depois de uma conversa com os soldados, em nova tentativa, conseguiu entrar na fortaleza nazista e tomá-la, no dia seguinte. Aberto o processo contra o Capitão que sucedeu, foi Meira Mattos sua principal testemunha. No seu depoimento disse que, se a tropa não tivesse sido bem treinada pelo Comando anterior, jamais, em um único dia, ele teria conseguido obter a vitória que obteve. E declarou que, certamente, o recuo deveria ter sido por questão de prudência, de oportunidade e de logística, para permitir novo assalto. O seu depoimento a favor do Capitão anterior foi decisivo para sua absolvição. O certo é que a participação do Brasil na guerra foi importante, tendo nossas tropas recebido elogios especiais do Comandante em Chefe das forças aliadas da área, o General americano Marc Clark, assim como, posteriormente, do Governo Americano. A entrada na
Getúlio Vargas era um ditador e não abominava nem o fascismo, nem o nacional-socialismo.
Reprodução
guerra foi, contudo, uma exigência do povo brasileiro junto a um governo que, até o afundamento do navio brasileiro em nossas costas, estava reticente e indeciso em tomar partido no grande conflito mundial. A estas reminiscências acrescento breves considerações, em que analiso os fundamentos das Primeira e Segunda Guerras Mundiais. A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL O ambiente de tranquilidade e predomínio europeu dos primeiros anos do século XX terminou com o assassinato do herdeiro do trono austrohúngaro e o início da Primeira Guerra Mundial. Não foi uma guerra de defesa de princípios, como ocorreu durante as guerras das cruzadas, em que os ideais superavam os interesses. Foi uma guerra que buscou definir a força dos diversos interlocutores, no predomínio europeu. Alemanha e Itália, unificadas no século anterior, fortaleceram-se e França e Inglaterra uniram-se para enfrentar o crescente poderio alemão, guardando, os franceses, tanto a lembrança da humilhante derrota na guerra de
1870, em que capitularam perante a melhor organização militar alemã, quanto a nostalgia dos saudosos tempos em que as táticas militares de Napoleão dominavam os melhores exércitos de seus adversários. É de se lembrar que Napoleão apenas perdeu a batalha de Waterloo – que já tinha ganho, encurralando Wellington contra morros, sem possibilidade de retirada – porque o General Grouchy, que deveria perseguir as tropas germânicas derrotadas em Ligny, perdeu seu rastro, permitindo que Blücher, seu comandante, chegasse a Waterloo, no fim do dia, e atacasse o vitorioso Napoleão pela retaguarda, o qual ficou sem condições de defender-se. Não foi Wellington, mas Blücher, quem ganhou Waterloo e decretou a derrota definitiva de Napoleão. Os franceses, portanto, ao enfrentarem a tentativa de hegemonia alemã pretendida por Bismarck, procuraram dar o troco de duas derrotas anteriores, enquanto os ingleses, decididamente, não viam com bons olhos o crescimento do poderio alemão. Foi uma guerra objetivando dar um novo perfil ao mapa europeu, com definição daquelas potências que deveriam dominá-lo,
A Primeira Guerra Mundial foi exclusivamente uma guerra de interesses econômicos e políticos.
MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
65
Reprodução
A Primeira Guerra foi uma guerra de trincheiras, em que a mortalidade da soldadesca era brutal.
66
mantendo seus controles além das fronteiras do continente. A Primeira Guerra Mundial é exclusivamente uma guerra de interesses econômicos e políticos para conformar a nova Europa e atalhar o crescimento da influência alemã, que começava a preocupar, inclusive aos Estados Unidos, que acabaram por entrar no conflito europeu. Foi uma guerra de trincheiras, em que a mortalidade da soldadesca era brutal, sempre que se pretendia conquistar uma posição inimiga, e que foi decidida, quando parecia que deveria se prolongar indefinidamente, na 2ª batalha do Marne. Nela, o general Foch conseguiu que todos os veículos disponíveis de Paris fossem utilizados para levar homens, armas e instrumentos para a frente de batalha, dando-lhe força suficiente para que derrotasse os alemães de forma tão contundente, que foram obrigados à rendição.
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
A preocupação de Clemenceau e Wilson de que novos conflitos desta natureza pudessem surgir, após a derrota alemã, levou-os a defender a criação de uma Sociedade das Nações, para assegurar o predomínio dos vencedores, mas com a participação de todos os países, sob sua tutela. Wilson, que deu origem a criação do próprio organismo e foi seu grande defensor, não conseguiu fazer, todavia, com o que os Estados Unidos aderissem a uma supervisão internacional, o que decretou o fracasso da instituição, incapaz de se opor a um segundo conflito mundial. A Primeira Guerra Mundial estabeleceu um novo conceito de forças, na Europa, mas a presença americana demonstrou que o predomínio europeu começava a ceder terreno à nova potência mundial, geograficamente longe dos conflitos europeus, mas política e economicamente mais forte que as nações do velho continente. Por essa razão, a história do século XX começou a ser definida como a do predomínio americano. A grande contradição desta nova realidade residiu no fato de que a filosofia que aparentemente determinara o fracasso da sociedade das nações, isto é, o isolacionismo dos Estados Unidos, apenas serviu para não permitir o fortalecimento de uma entidade em que a força maior seria europeia, mas não afetou o sonho expansionista econômico dos Estados Unidos, já à altura a maior potência econômica do mundo. A Primeira Guerra Mundial deu início à derrocada dos grandes impérios. As colônias francesas e britânicas mostravam-se de mais difícil controle. A Índia principiava seu movimento de libertação, que só ocorreu logo após a Segunda Guerra Mundial, e a China saia completamente do controle ocidental, passando à gradativa influência japonesa, que, de um país obsoleto do início do século XIX, começava a surgir como potência de respeito. Destruiu, por outro lado, o maior império europeu, com o desmembramento da nação austro-húngaro, e não impediu o surgimento do comunismo na Rússia, durante o conflito, em outubro de 1917, trazendo, pela primeira vez, na Europa, concepção econômica e política que se conhecia apenas em livros ou em movimentos frustrados, como a Intentona de Paris, de 1848. As consequências da Primeira Grande Guerra, embora tenham permitido o redesenho do mapa europeu, transcenderam a mera luta de predomínio, a que o continente se acostumara, no curso de toda a sua história, principalmente após a queda do império romano. Mas gerou um novo período de relações internacionais em todos os campos, como a certeza de que o colonialismo estava chegando ao fim e
Reprodução
de que o homem seria cada vez de mais difícil manipulação pelas nações, por sua percepção dos direitos que lhe são inerentes e que cabe ao Estado apenas reconhecer. A grande contradição, portanto, foi a guerra ter sido feita para consolidar predomínios e ter servido para começar a derrocada do predomínio europeu. AS CRISES ECONÔMICAS A derrota da Alemanha e o pesado ônus que lhe foi imposto, como dívida de guerra, num período de consolidação das novas fronteiras europeias, coincidiu com uma expansão econômica americana considerável e a sensação de que as crises cíclicas econômicas a que Marshall, no passado, fez menção, ficariam definitivamente esquecidas. A economia americana expandiu-se, à luz de um sólido controle do sistema financeiro, que provocara, na década de 10 a 20, uma reorganização da banca estadunidense, com o desaparecimento de inúmeros estabelecimentos inconsistentes e uma expansão inédita do mercado de capitais, considerado a “nova Eldorado” dos investimentos, para o cidadão comum. Por outro lado, apesar das leis Sherman e Clayton, o controle sobre o abuso do poder eco-
nômico era ainda precário e o denominado direito do consumidor, que ganhou consistência considerável a partir da Segunda Guerra Mundial, praticamente inexistia. O quadrilátero em que uma economia se desenvolve são: 1) sistema financeiro capaz de alavancar o desenvolvimento, dentro de uma política monetária e cambial voltada ao controle da inflação e das contas externas; 2) sólido mercado de capitais, com controle dos fluxos de investimentos e a fiscalização sobre empreendimentos sem condições de ingressar na estrutura do setor; 3) legislação com condições de controlar as distorções da competitividade, punindo o abuso do poder econômico e, na outra ponta, 4) legislação capaz de proteger o consumidor contra os excessos dos que controlam o capital. Estas são as quatro estacas em que se alicerça o desenvolvimento, pois possibilitam a atração de capitais menos especulativos e mais destinados a investimentos de médio e longo prazos. Os quatro elementos estavam desbalançados, nos Estados Unidos, a partir do início da década de 20, de tal maneira que o mercado de capitais, no final dela, recebeu uma crescente onda de investimentos, com a valorização brutal de títulos sem consistência, pela escassez de oferta e excesso de demanda, provocando o
O mundo inteiro sofreu o impacto da crise americana de 1929 – a crise do café no Brasil, foi decorrência dessa crise.
MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
67
“crash” de 1929, sem uma intervenção adequada do Governo americano, que não criara os mecanismos para impedir o desastre. É interessante notar que, nesse período, eram lançados, no mercado americano, títulos de empreendimentos inexistentes, sem que “Wall Street” averiguasse a solidez daqueles papéis. Por essa razão, quando a verdade começou a surgir e todos desejaram realizar seus lucros num mesmo momento, a queda impressionante do valor dos papéis mergulhou os Estados Unidos na grande depressão. À época, não havia suficiente “tecnologia” de mercado. É de se lembrar que, nas décadas de 80 e 90, houve pressão especulativa sobre os mercados de capitais do mundo inteiro, inclusive com crises sucessivas, a partir de 94. Mas as estruturas, as técnicas, os mecanismos para enfrentar as grandes variações tinham sido bastante aperfeiçoados, de tal maneira que, apesar dos choques, o mercado se recompôs sempre, sem grandes traumas. O mesmo está ocorrendo com a crise desencadeada nos EUA e Europa, desde 2008, o que mostramos em nosso livro “Crise financeira internacional” (Fernando Alexandre, Ives Gandra Martins, João Sousa Andrade, Paulo Rabello de Castro e Pedro Bação, impresso pela Universidade de Coimbra, Setembro de 2009, Portugal). Na depressão americana, há de se considerar que o Sistema de Reserva Federal não abriu mão do controle da moeda e permitiu que aproximadamente 3 mil instituições estourassem, sem admitir que a solução americana passasse por um afrouxamento da política monetária. Muitos analistas consideram que tal rígida política do Banco Central americano foi responsável pelo aprofundamento do período de depressão, do qual os Estados Unidos apenas saíram com a Segunda Guerra Mundial, nem mesmo as teorias Keynesianas, expostas ao Presidente Roosevelt em 1933, tendo sido vitoriosas, no período de 1933 a 1939, já com a aplicação do “New Deal”. O mundo inteiro sofreu o impacto da crise americana, não só os países emergentes –a crise do café de 29, no Brasil, foi decorrência da crise americana— como os países desenvolvidos. A Alemanha ficou em situação dramática, pois, vivendo a recessão desde a Primeira Guerra Mundial e a aplicação de uma rígida política anti-inflação, geradora de recessão e desemprego, tornou-se terreno fértil para o aparecimento de “salvadores da pátria”, no caso, o carismático Hitler, que prometeu aos alemães desesperançados uma Alemanha vencedora e dominadora. Na década de 30, portanto, as crises econô-
68
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
Life
micas vividas pelo mundo e especialmente pelos Estados Unidos e o desespero da economia alemã fragilizada, propiciaram o aparecimento de duas ditaduras que investiram na recuperação do orgulho nacional de seu país e de sua economia. Hitler e Mussolini, aproveitando-se de uma certa mediocridade das lideranças mundiais, em enfrentar crises econômicas – e algumas políticas –, conformaram um novo sistema de forças, que acabou por desembocar na Segunda Grande Guerra. E a contradição maior foi que, ao contrário de Hitler, as nações não queriam a guerra. Mas deveu-se a Hitler e ao pleno emprego nos Estados Unidos por força da guerra, a consolidação da economia americana, como se verá a seguir. A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL A Segunda Guerra Mundial foi uma consequência dos erros da política econômica dos países vencedores da Primeira Guerra para com a Alemanha, exigindo o cumprimento de uma dívida de guerra, que esgotou todo o esforço germânico de recuperação, gerando as crises da hiperinflação e da recessão após a implantação do Marco forte (15/11/1923), até o início da carreira política de Hitler. Acresceu-se uma divisão insatisfatória dos despojos da Primeira Guerra, com a permanência de restrições entre as nações vencedoras, sobre ter havido a falência da Sociedade das Nações e a depressão americana, que abalou a economia de todo o mundo. O surgimento carismático de Hitler oferecen-
Hitler cometeu o mesmo erro de Napoleão ao tentar invadir a Rússia. Chegou próximo a Moscou, mas em pleno inverno.
AFP Photo
do aos alemães a oportunidade de recuperar seu orgulho nacional, pela reestruturação da economia e dominação do mundo, foi o estopim, que a frágil política aliada não entendeu como sinalização perigosa para o Ocidente, ao ponto de fazer vistas grossas ao início da perseguição judaica, ainda nos meados da década de 30. A incompetência de Chamberlain, de Laval e dos demais líderes franceses, por outro lado – quando ficou claro que Hitler objetivava conquistar a Europa, assinando um pacto que entregava a Tchecoslováquia para saciar a ambição pantagruelesca do Führer de anexar outros países –, terminou resultando na invasão da Polônia, após acordo de interesses entre Rússia e Alemanha. Acresce-se que a má preparação dos aliados para enfrentar, na guerra então declarada, a intelectualidade militar alemã, superior à dos franceses e ingleses, decretou o destino do velho continente. A monumental linha “Maginot” não representou qualquer obstáculo ao avanço alemão, que, conquistando a Bélgica, contornou a defesa imóvel dos franceses, sem qualquer dificuldade. Só não obteve uma vitória esmagadora, em Dunquerque, porque os sucessos da Wer-
macht geraram inveja na Luftwaffe, pretendendo Goering liquidar os aliados ilhados numa praia sem saída, com sua aviação. Tal erro estratégico permitiu a heroica retirada e a recuperação parcial do orgulho inglês, desfigurado nos primeiros combates, embora os franceses permanecessem humilhados, pela tomada do país e a criação da República de Vichy, com o Marechal Pétain dirigindo a França, em nome dos alemães. Raymond Cartier, historiador francês da Segunda Guerra, declarou que a inferioridade dos aliados não estava em seu material bélico, idêntico ao dos alemães, no número de unidades e no potencial agressivo, mas na “cabeça” de seus generais. O domínio alemão na França, a batalha da Inglaterra, a pirataria dos submarinos germânicos, que destruíram os comboios aliados para que a Inglaterra não recebesse suprimentos de suas colônias, a correta substituição do fraco Chamberlain pelo combativo Churchill, a destruição da poderosa frota americana, em Pearl Harbour, e a entrada dos americanos na guerra contra o Japão e contra a Alemanha – que se precipitou em formalizar declaração contra os
A destruição da poderosa frota americana, em Pearl Harbour, fez os EUA entrarem na guerra.
MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO
69
Reprodução
Desfile de retorno da Força Expedicionária Brasileira, ao término da 2ª Guerra Mundial, na Av. São João, em São Paulo.
Estados Unidos, para obter o apoio japonês-foram ingredientes que conformaram os três primeiros anos da 2ª conflagração mundial. Dois eventos, todavia, liquidaram as pretensões do III Reich. Hitler cometeu o mesmo erro de Napoleão, ao tentar invadir a Rússia, apesar de ter sido atrapalhado pelos italianos, em sua infeliz campanha na Grécia. Tal fato retardou a invasão da Rússia e fez com que o General Van Guderian chegasse a 22 quilômetros de Moscou, em pleno inverno, sendo obrigado a começar a retirada por falta de logística. A estratégia alemã revelou-se inútil e a reação russa irreversível, pois a liquidação de sua população nos avanços germânicos – os russos perderam mais vidas, na invasão alemã, que os judeus, nos campos de concentração – gerou um desejo de vingança incapaz de permitir uma paz negociada. O ódio russo esgotou o exército da Alemanha e mostrou que o país não estava preparado para enfrentar duas frentes (a Ocidental, a partir da África) e a Oriental. O segundo evento foi a batalha de Midway, em que a perda de três porta-aviões japoneses encerrou sua capacidade de expandir o domínio pela Ásia e deu o fôlego necessário aos Estados Unidos para começarem a recuperação dos povos dominados pelos japoneses. A partir de 1943, o destino do III Reich e do Japão estava definido, restando apenas determinar o momento de sua queda, que nem as bombas voadoras, a busca desesperada de Hi-
70
DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014
tler por artefatos nucleares e o heroico desempenho das forças japonesas, nos combates contra os americanos, puderam impedir. A derrota do III Reich e do Japão foi selada em 1945, com a rendição incondicional da Alemanha e com uma rendição mais honrosa do Japão, após perceber a impossibilidade de enfrentar as bombas atômicas aliadas. O aspecto interessante da capitulação japonesa é que Mac Arthur compreendeu a importância de não humilhar o adversário, preservando a autoridade simbólica do Imperador e outorgando ao Japão uma Constituição tão maleável, que, no ano 2014, ainda está em vigor. A grande diferença da Segunda Guerra Mundial em relação à Primeira é que, embora as duas tenham representado choques de interesses e busca de domínios, a primeira teve apenas este escopo, enquanto a segunda converteu-se, em um determinado momento, na luta entre os ideais da liberdade e da democracia contra aqueles da ditadura (nacional socialismo e fascismo), os valores passando a representar elemento relevante, no choque entre os governos em conflito. É interessante que esta luta pela liberdade, no final da Segunda Guerra Mundial, era o elemento matriz do conflito, ao ponto de Truman, vitorioso, ter pretendido estender a maneira de ser dos americanos para todo o mundo, estimulado pelo sucesso de seu povo. Certa vez, estive com o Presidente do Conselho de Ministros de Portugal (1964), Oliveira Salazar, que me contava ter dito a Truman, em 1946, que tal objetivo era impossível de ser alcançado, pois, nem os americanos tinham recursos para impor seu estilo ao mundo inteiro, nem os países beneficiados (Plano Marshall) reconheceriam deverem sua recuperação aos americanos. E concluiu, com aquele sorriso radiográfico, que o caracterizava: “Vê-se, hoje, professor, que eu tinha razão e não ele”. O certo é que os ideais de liberdade e de democracia foram a grande inspiração das forças aliadas, a partir da metade da Segunda Guerra Mundial, ao ponto de influenciarem as artes, a literatura e até a filosofia. No Brasil, a Geração de 45, que dá início a um novo movimento literário e cultural, alicerça-se nos ideais de liberdade para resgatar a forma clássica e inúmeros valores na produção artística. Entre seus fundadores estão João Cabral de Melo Neto, Mário de Andrade, Geraldo Vidigal, Domingos Carvalho da Silva, Péricles Eugênio etc. A grande ironia é que o III Reich, preparado para durar 1.000 anos, durou apenas 12 (1933-1945).
Garanta maior retorno e visibilidade ao seu anúncio A internet é o meio que mais cresce em difusão no Brasil. Já atinge aproximadamente 40% da população. Alcança 85% do público masculino, de 10 a 24 anos, das classes A e B. O tempo de uso do computador com internet também continua crescendo. Em agosto de 2011, chegou a 69 horas por pessoa, representando um aumento de 6,4% em relação ao mês anterior. Também no mesmo período, o total de pessoas com acesso à internet atingiu 77,8 milhões.
Tabela de preços WEB
www.dcomercio.com.br
Super Banner (leaderboard) - 1 Full Banner
Selo Lateral
Localizado na parte topo da home e de todas as páginas internas. Dimensões: 650 x 62 pixels - Formatos: .swf .gif .jpg - Peso máximo: 50 kb Banner animado: até 15 segundos .swf, versão Flash Player 10 ou superior.
Localizado na parte lateral direita. O conteúdo é o logotipo aplicado, preferencialmente, sobre um fundo branco. Dimensões: 300 x 250 pixels - Formatos: .gif - Peso máximo: 2 kb Não pode ter animação
Super Banner (leaderboard) - 2 Banners
Retângulo Lateral
Localizado na parte topo da home e de todas as páginas internas. Dimensões: 320 x 62 pixels - Formatos: .swf .gif .jpg - Peso máximo: 50 kb Banner animado: até 15 segundos .swf, versão Flash Player 10 ou superior.
Localizado na parte lateral da home e de todas as páginas internas. Dimensões: 300 x 90 pixels - Formatos: .swf .gif .jpg - Peso máximo: 50 kb Banner animado: até 15 segundos .swf, versão Flash Player 10 ou superior.
Retângulo Intermediário
Retângulo Inferior
Localizado na parte intermerdiária da home e de todas as páginas internas Dimensões: 628 x 90 pixels - Formatos: .swf .gif .jpg - Peso máximo: 50 kb Banner animado: até 15 segundos .swf, versão Flash Player 10 ou superior.
Localizado na parte inferior da home e de todas as páginas internas Dimensões: 300 x 90 pixels - Formatos: .swf .gif .jpg - Peso máximo: 50 kb Banner animado: até 15 segundos .swf, versão Flash Player 10 ou superior.
Anuncie em nosso site Ligue: (11) 3180-3197
Garanta maior.indd 1
10/12/2012 18:44:38
accelular_prov202x266 op2.indd 1
20/02/2014 17:18:44