SEGUNDA-FEIRA, 25 DE OUTUBRO DE 2019 • EDIÇÃO Nº5809
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27 de Outubro: mais uma vitória da luta contra o golpe e Bolsonaro
O
dia de ontem, 27 de outubro, foi marcado por mais um ato fundamental da luta popular contra o golpe de Estado. Nesse dia, em que o ex-presidente Lula completou 74 anos de registro de nascimento, milhares de militantes de todo o Brasil se reuniram em mais um ato, para exigir novamente a liberdade de Lula.
Para organizar a luta, realizar a Segunda Conferência contra o golpe O ato do dia de ontem foi mais uma etapa da mobilização da luta contra o golpe. Após o vitorioso ato do dia 14 de setembro, militantes do PCO, do PT e de outros partidos e organizações de esquerda participaram de mais um ato de luta: o dia 27 de outubro, dia do aniversário do ex-presidente Lula, onde foi feito um ato em Curitiba para homenagear o ex-presidente Lula, segue preso nas masmorras da Polícia Federal.
STF é a pedra angular do golpe No dia 26 de outubro, o jornal golpista Folha de S. Paulo publicou a coluna semanal de Fernando Haddad, que concorreu às eleições presidencias de 2018 pelo Partido dos Trabalhadores. A mais recente coluna tem como título “STF” e trata do julgamento sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Haddad inicia seu texto com uma consideração totalmente fora da realidade – a de que, em um regime político golpista tal qual o brasileiro, seria possível que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votassem de acordo com “seus próprios pensamentos”: "Cabe examinar, preliminarmente, se os ministros da Corte estão proferindo seus votos de acordo com o que pensam, sem nenhum tipo de constrangimento. Se a resposta for positiva, teremos algum motivo para celebrar o 15 de novembro. Caso contrário, estarão mais uma vez repostas as condições de perpetuação da nossa falsa República, proclamada sem nunca ter sido."
Brasil já é o Chile, deve Militantes do PCO participam de ato pela reagir como o Chile liberdade de Lula em Portugal No dia 23 de outubro, o portal Brasil 247 publicou o artigo “Só Lula pode evitar que Brasil vire um Chile”, assinado pelo linguista Gustavo Conde. No texto, o autor afirma que o ex-presidente Lula seria a única pessoa capaz de impedir uma convulsão social no Brasil.
Enquanto acontecia o ato pela liberdade do companheiro Lula em Curitiba, militantes do PCO realizaram um ato de apoio em Coimbra, Portugal, em conjunto com companheiros do PT e da Frente Pela Democracia Vozes no Mundo. O ato contou também com pessoas de distintas nacionalidades.
Chega de entreguismo militar! Militares brasileiros: entreguistas a serviço dos EUA Em entrevista ao Brasil de Fato, o pesquisador argentino Héctor Luís Saint-Pierre disse que as forças armadas no Brasil servem aos interesses dos Estados Unidos, e não aos interesses nacionais.
Argentina: Macri não se reelege, chapa Fernández-Kirchner vence
2 | OPINIÃO E POLÊMICA EDITORIAL
Para organizar a luta, realizar a Segunda Conferência contra o golpe O ato do dia de ontem foi mais uma etapa da mobilização da luta contra o golpe. Após o vitorioso ato do dia 14 de setembro, militantes do PCO, do PT e de outros partidos e organizações de esquerda participaram de mais um ato de luta: o dia 27 de outubro, dia do aniversário do ex-presidente Lula, onde foi feito um ato em Curitiba para homenagear o ex-presidente Lula, segue preso nas masmorras da Polícia Federal. Conforme esperado, este último ato do dia 27 agrupou mais companheiros do que o último, do dia 14. Afinal, o ato do dia 14 serviu para a furar o bloqueio de setores direitistas da esquerda, que procuram entrar em um acordo com o governo Bolsonaro, abandonando qualquer tentativa de mobilização. Embora tenha sido um ato maior do que o anterior, o dia 27 de outubro coloca para a esquerda brasileira um problema fundamental: quais são os próximos passos da luta popular e operária no Brasil. As convulsões sociais que temos visto na América Latina e em todo o mundo são um sinal para o país. A crise capitalista tem empurrado diversos países para um enfrentamento com o regime capitalista local, e em última instância contra o imperialismo internacional. Tendo em vista este problema, o Partido da Causa Operária irá discutir amanhã, em reunião do seu Comitê Central, os próximos passos da luta contra a direita.
Uma perspectiva fundamental para esta luta é a organização e a mobilização das massas populares. Diante da paralisia das direções da esquerda nacional, esta tarefa entra na ordem do dia. Tendo isto em vista, o PCO discutirá hoje a organização da Segunda Conferência Nacional Aberta de Luta contra o Golpe e o Fascismo, que deve ser organizada nas próximas semanas. A turbulência em toda a América Latina é um sinal de que a qualquer momento pode estourar no país uma profunda mobilização contra o imperialismo, e por isso, a esquerda brasileira não pode perder tempo e deixar o povo em uma revolta sem direção política. Esta iniciativa do Partido, que, conforme discutido anteriormente, será discutida hoje na reunião do Comitê Central do PCO, deve servir de exemplo para toda a esquerda brasileira. É preciso organizar um amplo movimento popular, pela derrubada do governo Bolsonaro e pela libertação de Lula, quer dizer, pela derrota do golpe de Estado, e não deixar que a população trabalhadora entre em um movimento difuso, sem orientação política. Neste sentido, a Segunda Conferência de luta contra o golpe é fundamental, para discutir com a militância de esquerda nacional o problema fundamental, que é o que fazer. Por isto, todos à Segunda Conferência Nacional Aberta de Luta Contra o Golpe e o Fascismo! Para mais informações, acompanhe este Diário e a Imprensa do nosso Partido!
Venha discutir
A LUTA
DO
POVO NEGRO Reunião do Coletivo de Negros João Cândido Todos os sábados às 16h
CHARGE
Centro Cultural Benjamin Perét R. Serranos nº 90, próximo ao metrô Saúde - SP
ATIVIDADES DO PCO E POLÍTICA | 3
LIBERDADE PARA LULA!
27 de Outubro: mais uma vitória da luta contra o golpe e Bolsonaro O último ato em Curitiba, ontem, dia 27 de outubro, mostrou a tendência de luta do povo brasileiro. É preciso expandir o movimento pela liberdade de Lula e pelo “Fora Bolsonaro”. O dia de ontem, 27 de outubro, foi marcado por mais um ato fundamental da luta popular contra o golpe de Estado. Nesse dia, em que o ex-presidente Lula completou 74 anos de registro de nascimento, milhares de militantes de todo o Brasil se reuniram em mais um ato, para exigir novamente a liberdade de Lula. O ato seguiu a tendência de mobilização que temos visto recentemente, inclusive em escala internacional. Mesmo com toda a paralisia das organizações de esquerda, que insistem em não aderir ao “nora Bolsonaro” e à campanha pela liberdade incondicional do ex-presidente Lula, muitos companheiros percorreram centenas, até milhares de quilômetros para comparecer ao ato do aniversário de Lula. O ato anterior que aconteceu em Curitiba, o do dia 14 de Setembro, organizado pelo Partido da Causa Operária (PCO) e pelos comitês de luta con-
tra o golpe, teve um papel fundamental, que foi o de furar a paralisação da esquerda brasileira em torno da campanha pela liberdade de Lula. Mesmo depois de meses das denúncias devastadoras feitas pelo sítio Intercept, a esquerda nacional ainda não tinha realizado nenhum grande ato nacional contra a Lava Jato. Neste segundo ato, no aniversário de Lula, diversos setores do PT, se juntaram aos militantes do PCO e aderiram à mobilização. Além da presença de Gleisi Hoffman, presidenta do PT e outros dirigentes, muitos companheiros petistas de todo o Brasil se somaram à atividade. É necessário continuar a mobilização pela liberdade de Lula e pela derrubada do governo Bolsonaro. É preciso seguir o exemplo dos companheiros do Chile e do Equador e sair às ruas de maneira decidida para pôr um fim na farra dos golpistas.
EUROPA
Militantes do PCO participam de ato pela liberdade de Lula em Portugal Enquanto ocorria o ato em Curitiba pela liberdade do ex-presidente Lula, ocorriam atos de apoio em algumas cidades da Europa. Foi o caso de Lisboa e Coimbra. Enquanto acontecia o ato pela liberdade do companheiro Lula em Curitiba, militantes do PCO realizaram um ato de apoio em Coimbra, Portugal, em conjunto com companheiros do PT e da Frente Pela Democracia Vozes no Mundo. O ato contou também com pessoas de distintas nacionalidades. O ato que aconteceu na tradicional Praça 8 de Maio, em frente à Igreja Santa Cruz, contou com cerca de 30 pessoas. Foi cantado o parabéns para o ex-presidente, foram entoados gritos pela liberdade do companheiro Lula e foram distribuídos panfletos explicando para a população local e para turistas a importância da luta pela liberdade de Lula. Houve também um bolo com os dizeres “Lula Livre!”, que foi distribuído entre os manifestantes. Além da manifestação, houve tam-
bém o trabalho do artista Alex Lima, que trabalha com Video mapping, projetando fotos e vídeos do ex-presidente Lula na manifestação e em prédios históricos. Também foram realizados dois eventos em Lisboa, onde participaram militantes brasileiros e do Coletivo Andorinha – Frente Democrática Brasileira de Lisboa. O primeiro deles se trata de uma exposição de fotos sobre o ex-presidente, de autoria de Ricardo Stuckert. O outro ato aconteceu na Rua Augusta, contando com cerca de 25 pessoas. Nesse ato, os manifestantes procuraram elucidar a questão da prisão do ex-presidente para quem passava, entregando um cravo para as pessoas, em referência à famosa Revolução dos Cravos, que pôs fim ao regime fascista de Salazar em Portugal.
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4 | POLÍTICA
CHEGA DE ENTREGUISMO MILITAR!
Militares brasileiros: entreguistas a serviço dos EUA Os militares brasileiros usam uma das maiores falácias da história, a de que são nacionalistas. No fundo, apoiam com todas as forças a entrega do país para os EUA. Em entrevista ao Brasil de Fato, o pesquisador argentino Héctor Luís Saint-Pierre disse que as forças armadas no Brasil servem aos interesses dos Estados Unidos, e não aos interesses nacionais. Para ele, isso fica provado com a maneira como os militares agem em favor da entrega de riquezas brasileiras aos norte-americanos. O Pesquisador, que é coordenador executivo do Instituto de Políticas Públicas e Relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), alega também que os militares brasileiros agem muito mais a serviço da corporação militar, do que em nome do patriotismo que juram defender, dizendo a todo momento que defendem a pátria, sem nunca deixar claro realmente que pátria é essa. Alguns militares, inclusive, sentem mais confiança e respeito à militares estran-
geiros do que nos próprios civis brasileiros. Naturalmente, devido ao tamanho de uma organização como as Forças Armadas, há, em seu interior, posições divergentes sobre a questão nacionalista. As baixas patentes, sobretudo por virem de camadas mais desfavorecidas da sociedade, tendem a ter uma sensibilidade maior para as reivindicações do movimento popular. Contudo, a cúpula das Forças Armadas, isto é, os generais e as altas patentes é toda ela devidamente selecionada, chantageada e corrompida pelo imperialismo, de modo a garantir que o controle do Exército esteja nas mãos dos interesses da direita. O entrevistado diz também que o Brasil deixou de lado qualquer forma de soberania para representar os interesses do imperialismo, fazendo com que o país passasse de uma liderança
política e econômica na América Latina nos anos petistas, para, no pós-golpe de 2016, servir de regulador dos interesses imperialistas em países da região, como é no caso da Venezuela. Não é surpresa para ninguém que os militares não agem de acordo com os interesses da população brasileira. Além de reprimir a população, apostam todas as suas forças em defesa de uma agenda política e econômica que vai contra a classe trabalhadora brasileira, defendendo a reforma da previdência e a venda de empresas nacionais. Eles se utilizam de falácias como a de que são nacionalistas, quando promovem a maior destruição da história do próprio país em favor de países ricos. A postura dos militares é a mesma de Jair Bolsonaro, dizer que é nacionalista batendo continência para a bandeira dos EUA.
Somente o povo nas ruas lutando contra o governo atual e exigindo o Fora Bolsonaro e a Liberdade para Lula (que inclusive é a palavra de ordem que faz os militares pressionarem o judiciário para que não aconteça) é que resultará em algo verdadeiramente nacionalista.
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INTERNACIONAL | 5
CRISE DA DIREITA
Argentina: Macri não se reelege, chapa Fernández-Kirchner vence O candidato peronista Alberto Fernández conseguiu derrotar, ainda em primeiro turno, o atual presidente argentino Mauricio Macri. Por volta das 21h de ontem (27), o povo argentino já sabia do resultado das eleições presidenciais de seu país. Com mais de 47% dos votos e mais de 89% das urnas apuradas, o candidato Alberto Fernández, membro do Partido Justicialista (PJ), mais conhecido como Partido Peronista, e coligado na Frente de Todos, já havia sido declarado oficialmente eleito antes do fechamento dessa edição. A necessidade de uma disputa em segundo turno foi dispensada porque Fernández ultrapassou os 45% dos votos. Além de Alberto Fernández, disputaram a eleição Mauricio Macri, atual presidente argentino, filiado ao Proposta Republicana e coligado no JXC, Roberto Lavagna (ConFed), Nicolás del Caño (FIT), Juan José Gómez Centurión (Nos) e José Luis Espert (Unite). Até o fechamento dessa edição, Macri havia obtido cerca de 40% dos votos. A derrota de Mauricio Macri, que já era previsa até mesmo pela imprensa burguesa, expressa a falência e a impopularidade da política
neoliberal, que está sendo imposta à força na América Latina por meio de governos teleguiados pelo imperialismo. Macri adotou uma série de medidas econômicas impopulares, como a reforma da Previdência, mas afundou ainda mais a economia argentina, tendo inclusive pedido empréstimo ao Fundo Monetário Internacional – FMI. O governo Macri foi tão desastroso que o próprio presidente argentino, que era apontado como um grande expoente do liberalismo econômico, foi obrigado a intervir diretamente na economia, congelando preços. A derrota eleitoral de Macri, no entanto, não coloca um ponto final na aplicação da política neoliberal na Argentina. Alberto Fernández, mesmo tendo como vice a líder de esquerda Cristina Kirchner, não tem condições de, sozinho, enfrentar os interesses da burguesia – é preciso, para isso, ser apoiado por um amplo movimento de massas. Além disso, o próprio Fernández já deu várias demonstrações de
que estaria disposto a seguir as diretrizes econômicas da direita, tendo inclusive se reunido com representantes do FMI. Diante disso, a única opção para os trabalhadores e o povo argentino em
geral intensificar a mobilização contra os golpistas que estão saqueando a América Latina e organizar um movimento amplo que tenha condições de impedir, na marra, que a direita continue sabotando a população.
DISPUTA CONTINUA
Uruguai: eleições devem ir a segundo turno, referendo não deve passar Tudo indica que Luis Lacalle Pou e Daniel Martínez deverão disputar o segundo turno das eleições presidenciais. Referendo prómilitares não deve atingir maioria. Até o fechamento dessa edição, nenhum dado oficial da apuração das urnas das eleições presidenciais uruguaias, que aconteceram ontem (27), havia sido divulgado. De acordo com as pesquisas de boca de urna, os comentários da imprensa local e as projeções dos institutos de pesquisa, nenhum postulante à presidência deverá alcançar 50% dos votos, que é a condição necessária para a vitória em primeiro turno. O segundo turno devera acontecer no dia 24 de novembro. Os principais candidatos das eleições uruguaias são dois: Daniel Martínez, da Frente Ampla uruguaia, considerada uma coligação de “centro-esquerda”, e Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional, considerado um dos expoentes da direita uruguaia. Martínez conta com o apoio do atual presidente uruguaio, Tabaré Vázquez. Já Lacalle Pou foi derrotado nas últimas eleições presidenciais, ocorridas em 2014, e é filho de Luis Alberto Lacalle Herrera, resposnável pela aplicação da política neoliberal no Uruguai no início da década de 1990. O Uruguai vem sendo governado pela Frente Ampla por 15 anos, o que permitiu que a esquerda uruguaia tivesse alguma participação no regime político na última década e meia. No entanto, essa participação é bastante restrita: os governos da Frente Ampla foram marcados por algumas medidas profundamente direitistas, como diversas privatizações. Martínez é a
continuação dessa política, uma tentativa de fazer a esquerda participar de um regime totalmente hostil aos trabalhadores, um regime que é substancialmente controlado pela burguesia. Mesmo limitando muito a participação da esquerda, a burguesia uruguaia está dando vários sinais que indicam um interesse em expulsar completamente as organizações populares do regime político. O candidato Lacalle Pou, que é uma espécie de Mauricio Macri uruguaio, representante direto dos interesses do imperialismo e autodeclarado “liberal”, tem sido impulsionado pela burguesia uruguaia e apresenta condições de vencer as eleições
em segundo turno. Outro sinal de que a burguesia uruguaia pretende controlar a situação política de maneira ainda mais firme é a tentativa de aprovar um referendo para aumentar brutalmente a repressão no país. Caso fosse aprovado, o referendo permitiria a criação de uma guarda militar com 2 mil agentes, instituiria a prisão perpétua e acabaria com a progressão de pena. O referendo era tão impopular que nem mesmo o candidato da direita golpista, Lacalle Pou, quis defendê-lo publicamente. Para aprovar o referendo, a direita precisaria atingir mais de 50% dos votos. Mesmo com todo o apoio da
burguesia e uma propaganda baseada no terror, o referendo não deve ter a maioria: as projeções informam que a direita só deve alcançar cerca de 46% dos votos. Independente do resultado final, que deverá ser divulgado ainda hoje (28), está claro que a direita uruguaia, assim como em toda a América Latina, está procurando criar condições para aumentar a repressão e impor um regime ainda mais duro de exploração dos trabalhadores e de toda a população. Por isso, é preciso organizar um amplo movimento que faça com que o povo uruguaio impeça, na marra, a ofensiva da direita.
6 | INTERNACIONAL
REVOLTA NA AMÉRICA LATINA
Haiti entra em nova semana de protestos contra presidente neoliberal A história do Haiti nos ajuda a entender como o imperialismo faz todo o possível para se apropriar do que lhe interessa. O antigo território da parte ocidental da ilha de La Española (ou Hispaniola) (1), Saint-Domingue, oficialmente colônia francesa a partir 1647(2), rebatizada de Haiti, foi a mais importante e rentável das colônias francesas, responsável, entre os séculos XVII e XVIII, por um quarto da riqueza da França, tendo se tornado naquele momento a colônia europeia mais rica do Novo Mundo – a “Pérola das Antilhas”. Tudo isso à custa da completa extinção dos povos nativos(3) e da exploração maciça da mão-de-obra africana escravizada. Como a colônia tornou-se objeto de desejo de outras nações(4), os franceses usaram os africanos em seus exércitos e, assim, vencendo seus inimigos, por um lado, acabou capacitando os escravos e ex-escravos para uma revolução. A perversidade com que os franceses tratavam os africanos, junto com a demonização que promoveram contra os negros em todo o mundo para justificar a perversidade com que tratavam os escravizados, expostos a intensas jornadas de trabalho e à fome, tortura e abusos dos mais diversos, cobrou seu preço. Assim, na noite do dia 14 de agosto de 1791, liderados por Boukman(5), alto sacerdote do Vodu, uma grande mobilização reuniu escravos de diversas etnias e iniciou a primeira grande revolta na ilha: O Deus dos brancos ordena crime. Nossos Deuses clamam por vingança. Eles vão nos liderar e prestar assistência. Quebrem a imagem do Deus dos brancos, que tem sede de nossas lágrimas! Vamos ouvir em nós mesmos o grito para liberdade. Essa primeira fase da rebelião será violenta, sangrenta e sem perdão para os brancos escravagistas. Teremos uma revolução truculenta, baseada em guerrilhas. Os canaviais foram incendiados, os senhores foram mortos, as patrulhas e os acampamentos das tropas foram destruídos e os senhores que sobreviveram se esconderam em cidades costeiras(6). A França tentava conter a rebelião escrava, apoiada pelos espanhóis de Santo Domingo, e também repelir quaisquer ações armadas inglesas. A história terminará com a resistência mais tenaz que o imperialismo jamais pensara enfrentar e por ela ser derrotada. Assim, em maio de 1794, Toussaint L`Ouverture, principal chefe rebelde daquele momento, liderou quatro mil outros escravos contra os espanhóis, ajudando a derrotá-los em favor da França. Em agosto de 1798, Ouverture e seu exército vence os ingleses, causando-lhes uma baixa de mais de vinte mil soldados, obrigando os britânicos a se retirarem definitivamente de Saint-Domingue. Essa foi a primeira vez que um comandante negro teria derrotado um exército europeu: L’Ouverture ocupa militarmente a cidade de São Domingos […] e trans-
forma-se no líder absoluto de toda a banda espanhola de ilha […] redige uma constituição e atribui-se o título de governador e general vitalício. Primeira carta constitucional da América Latina dispõe em seu artigo terceiro: ‘A escravatura está para sempre abolida. Não podem existir escravos sobre este território’ (SEITENFUS, 1994, p. 30). Desde o final do século XVIII, com uma revolução que transformou ex-escravos em cidadãos e logo em seguida os donos da terra, expulsando os europeus e decretando um estado autonômo, o Haiti vem sendo alvo de bloqueios, de boicotes, de tentativas de golpe, de cercos de todo tipo. O imperialismo nunca admitiu a independência do país e a ousadia dos escravos, ainda mais em se tratando de uma colônia rica e central para os planos expansionistas dos imperialistas. Assim, os imperialistas nunca deixaram o Haiti em paz. Nem os franceses, nem os norte-americanos, mas também os alemães, todos buscaram dominar, de um modo ou outro, mais ou menos escancarado, o país dos herdeiros da revolução. Os alemães, com sua pequena comunidade, desempenhavam, em 1910, uma influência alta no país em face do poder econômico de que dispunham. Eles controlavam em torno de 80% do comércio internacional do Haiti e dominavam os serviços públicos em suas duas principais cidades, Cap Haitien e Port-au-Prince – controlavam o principal cais e o serviço de bonde na capital, além de uma estrada de ferro. Os alemães foram os principais financiadores do desenvolvimento do Haiti, com empréstimos flutuantes a taxas de juros elevadas para facções políticas rivais. Os Estados Unidos decidiu, então, no começo do século XX, limitar como fosse possível a influencia dos alemães. Em 1910-11, o Departamento de Estado apoiou um consórcio de investidores ianques, reunidos pelo National City Bank of New York, para controlar o Banque Nationale d’Haïti, único banco comercial e, ao mesmo tempo, do tesouro do governo haitiano. Em 28 de julho de 1915, temos a primeira ocupação norte-americana do Haiti. 330 marines norte-americanos desembarcaram em Port–au-Prince, com a justificativa de “proteger os interesses americanos e estrangeiros”. O presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, valeu-se do discurso de dar proteção aos negócios norte-americanos, em particular pela ‘ameaça’ aos interesses da empresa estadunidense Sugar Company, o que, na prática, implicava ingerência total nas finanças do Haiti. Essa primeira intervenção só terminará em 1 de agosto de 1934(7), quando Franklin D. Roosevelt firmou, em agosto de 1933, um acordo de retirada. Uma rebelião em 1918 foi levada a cabo por pouco mais de 40 mil pes-
soas, que foram derrotadas com a ajuda dos marines, resultando em cerca de 2 mil mortos. Em apenas 6 (seis) semanas de ocupação, os representantes dos Estados Unidos controlaram todos os postos alfandegários haitianos e suas instituições administrativas, entre elas os bancos e o Tesouro Nacional. Os Estados Unidos conseguiram, assim, fazer com que 40% da renda nacional fosse usada para o pagamento de dívidas junto aos bancos norte-americanos e franceses. Nos próximos 19 anos, de fato, foi imposto um governo norte-americano sobre o Haiti, por meio de seus “conselheiros”(8), resultando no maior assalto à economia do país e na impossibilidade de crescimento econômico. Nesse período, setores vinculados à exportação e à importação passam a representar a principal força econômica do país, favorecendo o nascimento de uma pequena-burguesia local. A década de 1950, vai dar lugar a um novo período de ditadura no pais, quando passa a ser governado pela família Duvalier. Em 1957, Francois Duvalier (Papa Doc) promoveu um golpe de Estado e conseguiu se manter no poder até 1971, quando foi substituído pelo filho, Jean-Claude Duvalier (Baby Doc), nomeado presidente vitalício. Somente em 1986, em face à pressão de diversos setores da sociedade, que reagem violentamente contra o autoritarismo e a repressão, ocorre uma mudança no cenário e Baby Doc foi forçado a sair do país. É o fim da ditadura dos Duvalier. O país volta a realizar eleições democráticas e, em 1990, os haitianos elegem Jean-Bertrand Aristide, um ex-padre simpatizante da teologia da libertação. Mas já em setembro de 1991, o presidente Aristide foi derrubado por um golpe militar executado pelo General Raul Cedras. Nesse contexto, apenas três anos depois, os Estados Unidos voltam a interferir diretamente no destino do pais. Com o apoio da Organização dos Estados Americanos (OEA) e de tropas de vários países da região, o país é invadido, com o objetivo declarado de restaurar o governo eleito e de estabilizar a situação política e econômica do país. Aristide retorna ao poder, mas sob a tutela dos Estados Unidos, interessados inclusive na contenção de haitianos que passaram a chegar ao território norte-americano, fugindo da
ditadura de Cedras – com apenas um dia de barco os haitianos conseguiam chega às costas dos EUA.(9) Havia também a desculpa de conter o tráfico de drogas, uma vez que o Haiti se encontra a meio caminho da Colômbia e dos Estados Unidos. Argumentando que a ditadura do General Cedras facilitava operações ilegais no país, permitindo que cerca de 60% da droga colombiana remetida para os EUA passasse pelo Haiti. Com a pressão sofrida, o presidente Aristide, inicialmente contrário, mostrou-se favorável à ocupação do Haiti pelos Estados Unidos. Dessa vez, porém, após seis meses de ocupação pela coalizão liderada pelos Estados Unidos, a ONU assume o papel principal(10). Após fim do mandato original do presidente Aristide, este convocou nova eleição presidencial, com a ajuda da ONU e presença dos Estados Unidos. A eleição será realizada em 1996. Enquanto isso, nos Estados Unidos, os democratas são derrotados no Congresso e os republicanos alcançam maioria parlamentar, o que terá impacto sobre o Haiti que passa a ser pressionado com redução das verbas para a reconstrução do país e, ao mesmo tempo, pela Casa Branca e o Banco Mundial para que privatizasse empresas estatais. Não houve avanço, mas isso implicou em aumento nas tensões internas no governo haitiano. A pobreza se agravando, os recursos externos sendo deliberadamente reduzidos, somam-se para ajudar na falência da economia nacional, a violência, a insegurança e a corrupção permaneceram como sempre. René Prevél foi o próximo presidente, reconhecido continuador das Políticas de Aristide que, por sua vez, volta ao poder em 2000, a despeito de ter sua eleição sido duramente questionada pela oposição e setores da sociedade civil, alegando fraudes.Iniciam uma campanha contra o governo e por mais uma uma intervenção norte-americana, desta vez para retirar Aristide do poder. Em 2003, forças paramilitares lideradas por Guy Philippe e Luis Jordel Chamblain, conseguem avançar até Porto Príncipe, vindo da fronteira com a República Dominicana(11). A oposição ao governo é fortalecida com a criação da ’convergência democrática’, uma colisão de diversos partidos, além do grupo dos 184, formado por setores da sociedade civil: jornalistas,
INTERNACIONAL | 7 estudantes, comerciantes, igrejas etc. Organizar protestos, realizar manifestações contra o governo e fazer reivindicações eram as principais tarefas desses grupos que, com o avanço das forças paramilitares, viram uma oportunidade de consolidar seus interesses e passaram a exigir da comunidade internacional uma mediação com o governo de Aristide a fim de conduzir pacificamente sua destituição. A OEA, a ONU e o CARICOM (Caribbean Community), no entanto, reafirmaram, por meio de documentos, a legitimidade do governo e o apoio a que terminasse seu mandato, previsto para fevereiro de 2006. Com as forças rebeldes avançando rapidamente rumo à capital e nenhum apoio efetivo da comunidade internacional, o presidente Aristide foge para a África, com apoio dos Estados Unidos, mais uma vez, na figura do General Collin Powell que, por seu turno, convenceu o Presidente haitiano a renunciar, para evitar confrontos com os rebeldes(12). Após a renúncia, uma força militar multinacional composta por estadunidenses, franceses e canadenses chega ao Haiti para “restaurar a democracia” e, oficialmente, evitar uma guerra civil. Essa força multinacional passa a ter um comando brasileiro e os soldados que a compõe, substituindo os norte-americanos, franceses e canadenses, vêm da Argentina, Chile, Nepal, Sri Lanka e Uruguai. Desde então, com uma ‘Missão de Paz’ quase permanente no país(13), o Haiti nunca mais encontrou a paz. Além do azar de desastres naturais, a ingerência estrangeira, os interesses imperialistas, jamais sinalizaram com ações efetivas para devolver o país ao povo haitiano e ajudá-lo a retomar o caminho do desenvolvimento, do combate à miséria, de investimento pesado em infraestrutura. Ao contrário, todo o tempo parece tratar-se de uma vingança contra os negros revolucionários que ousaram enfrentar e derrotar os europeus no século XVIII, dando e sendo um mal exemplo para o mundo sob domínio do imperialismo(14). Por sua vez, a diáspora haitiana parece não ter fim, são milhões de haitianos espalhados pelo mundo, fugindo do país que parece só conhecer a guerra e a violência, a intervenção e o assalto a seus recursos. No Haiti, quase 90% das escolas são privadas, a um custo de até 60% das rendas das famílias com educação, implicando uma gigantesca evasão escolar. Com os constantes bloqueios ao país e o impedimento a seu crescimento econômico, o país tornou-se eminentemente agrário(15), com metade do país trabalhando com agricultura – a despeito disso, o país importa mais produtos agrícolas do que os exporta. Esse contexto de uma instabilidade permanente, alimentada pelas constantes intervenções no país, quase todas destinadas a controlar mais a economia do que ajudar a reconstruir o país, vai se replicando de forma continuada até os dias de hoje. Com a eleição de Jovenel Moise, em 20 de novembro de 2016 e o fim da Missão de Estabilização da ONU no Haiti (Mi-
nustah), em agosto de 2017, o país parecia entrar em uma nova fase de sua história, em que teria mais uma oportunidade de se autodeterminar e desenvolver. Mas, como mostram as manifestações em 2018, com a mesma clareza que tinha Aristide quando saiu do país, renunciando ao seu mandato, a população sabe que seu problema localiza-se fora do país, que ele está no imperialismo que continua dominando o Haiti, de forma mais dissimulada, mas muito mais efetiva, com sua política neoliberal. Jovenel Moise, junto com o primeiro-ministro, Jack Guy Lafontant, no dia 6 de julho de 2018, anunciaram, em rede nacional de televisão a redução do subsídio que o estado mantém ao combustível. Isso fazia parte de um acordo feito com o FMI ainda em fevereiro de 2018, para possibilitar o acesso a um fundo de US$ 96 milhões em condições especiais. No entanto, como sempre, essa decisão aumentaria os preços da gasolina, do diesel e do querosene em cerca de 44%. Ela foi um estopim de uma grande revolta que se espalhou pelas maiores cidades do país, mas especialmente na capital, Porto Príncipe. Houve recuo do governo, mas o cansaço e a consciência dos haitianos, explorados e famintos, não permitiria acreditar que um presidente empresário, totalmente alinhado com o Fundo Monetário Internacional traria paz ao país e manteria suas promessas. Assim, em 2019, já somam mais de 6 (seis) meses de manifestações no país, como resposta contra o aumento do preço dos combustíveis e dos gêneros alimentícios, além da desvalorização da moeda e da escassez de água potável, medicamentos e do gás. Atualmente, aquela que foi a colônia mais próspera da América, a mais rica, o Haiti é o país mais pobre da América Latina, em que metade da população sobrevive com menos de dois dólares ao dia. Com a desculpa de que o país precisa aprovar reformas difíceis mas necessárias, como a reforma constitucional e modificações nas leis aduaneira e do setor energético, o presidente Moïse adotou a repressão como política, atacando todas as manifestações, cada mobilização, até mesmo os atos funerários de vítimas da polícia sob comando do presidente. O desemprego aumenta, inclusive causado pela paralização de atividade diversas empresas, principalmente hotéis na capital, escolas fechadas há mais de um mês. Desempregados e trabalhadores de diversas categorias, como os professores, aderiram às mobilizações. Professores denunciam que os direitos econômicos de mais de 200 mil docentes estão sendo violados. Para completar o quadro, no dia 17 de outubro, a ONU anunciou a continuidade de suas políticas intervencionistas no país, agora com o programa BINUH [Escritório Integrado das Nações Unidas no Haiti], que seria a continuação do MINUJUSTH [Missão das Nações Unidas para o Apoio à Justiça no Haiti] que, por sua vez, precedido pelos Capacetes Azuis (tropas da ONU) – reconhecidos responsáveis por assé-
dios contra os haitianos. Novas manifestações estão programadas e se alinham com aquelas ocorridas no Equador, na Colômbia, no Chile e no Uruguai, todos representam a certeza de que a presença militar nos governos e as políticas neoliberais, com os planos de austeridade do FMI e Bando Mundial, precisam ser combatidos pois não haverá futuro para os trabalhadores, para as futuras gerações, sem uma mudança radical de rumo. O contexto é de convulsão social, mas com potencial revolucionário. O Haiti é toda a América Latina. REFERENCIAS: DOBBINS, J; McGINN, John G. ; CRANE, Keith; JONES, Seth G. ; LAL, Rollie; RATHMELL, Andrew ; SWANGER, Rachel M. ; e TIMILSINA, Anga R. America’s Role in Nation-Building: From Germany to Iraq. Santa Monica, CA: RAND Corporation, 2003. Em https://www. rand.org/pubs/monograph_reports/ MR1753.html. PIERRE-CHARLES, Gérard. Crise del Estado e intervención en Haiti. In: Observatório Social da América Latina, Ano V, N° 13, janeiro- abril de 2004. TROUILLOT, Michel-Rolph. Silencing the past: power and the production of history. Boston: Beacon Press, 1995. SEITENFUS, Ricardo. Haiti: a soberania dos ditadores. Porto Alegre: Solivros, 1994. NOTAS: 1 Como foi batizada por Cristóvão Colombo em 1492, e que corresponde ao que hoje seria a Republica Dominicana e o Haiti. 2 Por meio do tratado de Ryswick, em 1647. 3 Os índios aruaques, conhecidos como tainos, que somavam cerca de 500 mil habitantes na época da conquista pelos espanhóis. 4 A colônia francesa chegou a ter uma população de mais de meio milhão de negros africanos escravizados, além de vinte e oito mil ‘mulatos’ livres (‘livres de cor’) e cerca de trinta e três mil brancos que detinham o poder. Saint-Domingue prospera graças a um sistema profundamente cruel de escravidão, que transformou o futuro Haiti na colônia europeia mais rica de que se tem notícias. Sua produção chegou a representar mais de um terço do comércio exterior da França, o que, obviamente foi essencial para impulsionar a riqueza da Europa. A maior Ilha da América era responsável por metade da produção de café e açúcar no mundo, lembrando que esses eram o grande motor capitalista naquele momento. 5 Boukman também era capataz de uma fazenda e acompanhava as notícias da Revolução Francesa, inspirando-se na trio ‘liberdade, igualdade e fraternidade’, conceitos que já havia se espalhado na ilha de São Domingos, trazidos diretamente da França por Vincent Ogé, um escravo liberto, e que chegou ao Haiti rapidamente. 6 A França, envia governadores e delegados com o passar do tempo para tentar manobrar o caos e instalar uma aliança entre brancos e os homens livre de cor, cujo maior ambição era igualar-se aos brancos em direitos e
oportunidades, mas de nada adianta. 7 O último contingente dos marines partiu em 15 de agosto de 1934. 8 impostos pela Marinha dos Estados Unidos. 9 Calcula-se que, entre 1991 e 1994, mais de 68 mil pessoas teriam deixado o Haiti rumo aos Estados Unidos, sendo que a maior parte terminou mesmo foi na base de Guantánamo, em Cuba. Além disso, os conflitos no país provocaram o deslocamento de mais de 300 mil pessoas para fora das suas cidades de origem, 30 mil das quais foram parar na República Dominicana, causando um impacto regional relevante. 10 Apesar disso, um general norte-americano permaneceu no comando. 11 Essa força armada paramilitar era composta por setores que trabalharam para o governo de Aristide e por ex-soldados do exército haitiano dissolvido em 1995, grande parte deles refugiados na República Dominicana. 12 Aristide tinha pela convicção de que o que ocorria no país naquele momento era um golpe contra o Estado haitiano legitimado pelas forças internacionais. No entanto, sem apoio popular não era possível resistir. 13 A ocupação militar no Haiti, como indicado mais acima, teve seu comando repassado ao Brasil. A Minustah (Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti) foi iniciada a partir de decisão da Organização das Nações Unidas em 2004, já sob o governo Lula (PT), portanto. Foram 13 anos de ocupação, com a controversa presença brasileira – lembrando que um dos comandantes da Minustah foi o General do Exército Augusto Heleno, acusado de ter promovido um massacre no bairro (favela) denominado Cité Soleil, no dia 6 de julho de 2005, quando foram disparados 22 mil tiros na comunidade, provocando uma centena de mortes (o relatório oficial registra 70 mortes). Dezenas de inocentes morreram no fogo cruzado, entre eles muitas mulheres e crianças. 14 Thomas Jefferson, então presidente dos Estados Unidos, recusou reconhecer a independência do Haiti e, sob pressão da França e da Espanha, o governo norte-americano proibiu o comércio com o Haiti, acrescentando mais um aos bloqueios que já se impunham à república negra. Esse é o mesmo processo que se vê executar até os dias de hoje contra os adversários do império, como Cuba e Venezuela, para ficarmos na América Latina. A Inglaterra se recusou a reconhecer a nova republica, assim como os Estados Unidos (que somente o reconheceu quando assumiu Abraham Lincoln). Mesmo o Vaticano demorou 60 anos proclamar seu reconhecimento. Ironicamente, um dos motivos do empobrecimento da nova república, será o fato de que, para ser reconhecido como tal, em 1825, o novo Estado foi forçado a fazer reparações a donos de escravos franceses, num valor de 150 milhões de francos suíços. Embora reduzido, em 1838, para 60 milhões de francos, esse valor significou a falência do Tesouro haitiano. O significado disso foi que o futuro do país foi hipotecado para bancos franceses, que foram os fornecedores dos fundos para a primeira grande parcela da indenização.
8 | INTERNACIONAL
SEGUIREMOS O CHILE?
Povo chileno continua nas ruas As manifestações no Chile mostram como o crise do capitalismo é terminal, como a política neoliberal inevitavelmente nos leva a um combate de vida e morte. Os protestos em massa contra o governo de direita de Sebatián Piñera no Chile têm se mostrado bastante grandes e o governo já sabe que não as pode controlar. Iniciaram na capital, Santiago, mas já se estendem por diversas cidades do país. Valparaíso é especialmente importante nesse momento porque, além de ser uma das mais povoadas, é a sede do Congresso Nacional. O mau-hábito de tentar analisar essas manifestações, seja no Chile, no Equador, em Honduras, na Argentina ou onde mais estejam acontecendo como algo ‘espontâneo’, não ajuda a entender sua dimensão e possibilidade. O fato de não serem organizadas não significa que não se tornem. O fato de não haver, no momento, partidos políticos, sindicatos ou movimentos sociais específicos conduzindo os protestos, não quer dizer que não o façam ou que não possam se agregar, mas apenas indica uma falha na avaliação dos partidos, dos sindicatos e dos movimentos sociais, quanto ao momento político e suas potencialidades.
Apesar da violência com que o governo reagiu às primeiras mobilizações, o povo chileno continua nas ruas não aceitou as propostas do governo e seu pedido de desculpas pela truculência com que tratou os cidadãos, os manifestantes não hesitam em pedir a renúncia do presidente Piñera e dos ministros. Eles entenderam que não é o caso de fazer pedidos parciais, de mendigar migalhas, mas de mudanças radicais na política econômica, no sistema previdenciário, no sistema de saúde, na educação etc. Ao exigirem, além da renuncia de Piñera, a formação de uma Assembléia Constituinte, os manifestantes mostram maturidade e clareza sobre o sentido do que vivem hoje no país, herança da época de Augusto Pinochet e de sua política econômica neoliberal. Uma manifestação com cerca de 1,2 milhão de cidadãos na capital do país é um ponto de grande crise para o governo que no final da semana pediu a renuncia de seu ministério. Provavelmente o presidente Piñera não vai renunciar e deve tentar algum tipo de
manobra para fingir ter cedido o que os manifestantes querem, enquanto consulta seus patrões imperialistas sobre os rumos a tomar. Haverá fechamento, mais uma vez, do regime? Teria Sebastián Piñera condições e coragem para iniciar um novo período ditatorial no país? Os chilenos permitiriam isso mais uma vez? Nada indica, por enquanto, que as manifestações cessem ou reduzam a ponto de o governo sentir-se seguro para nada fazer. Apesar de o toque de recolher ter se estendido por 10
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dias, e da violência da polícia, o uso intensivo de gases e de tiros, de já se ter em conta a morte de mais de dezena de pessoas, centenas presas e, diz-se, de desaparecidos, a derrubada do governo ou um enfraquecimento vertiginoso está colocado na ordem do dia. É preciso acompanhar o caso do Chile, pois ele é sintomático, ajuda a entender todo o restante do que acontece hoje na América Latina e outros lugares do planeta. A crise do capitalismo está aí.
POLÊMICA | 9
DITADURA DA BURGUESIA
STF é a pedra angular do golpe Em sua última coluna no jornal golpista Folha de S. Paulo, Fernando Haddad considerou o STF como a “pedra angular da República”. No dia 26 de outubro, o jornal golpista Folha de S. Paulo publicou a coluna semanal de Fernando Haddad, que concorreu às eleições presidencias de 2018 pelo Partido dos Trabalhadores. A mais recente coluna tem como título “STF” e trata do julgamento sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Haddad inicia seu texto com uma consideração totalmente fora da realidade – a de que, em um regime político golpista tal qual o brasileiro, seria possível que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votassem de acordo com “seus próprios pensamentos”: "Cabe examinar, preliminarmente, se os ministros da Corte estão proferindo seus votos de acordo com o que pensam, sem nenhum tipo de constrangimento. Se a resposta for positiva, teremos algum motivo para celebrar o 15 de novembro. Caso contrário, estarão mais uma vez repostas as condições de perpetuação da nossa falsa República, proclamada sem nunca ter sido." O STF é uma instituição formada por onze “ministros”, que são escolhidos pelo próprio regime político. Nenhum deles é eleito, o que os torna facilmente pressionáveis pelo imperialismo e distante das reivindicações populares. Para dar o golpe de Estado de 2016, o imperialismo corrompeu centenas – ou talvez milhares de pessoas -, cartelizou toda a imprensa burguesa e impôs uma série de medidas antidemocráticas. Acreditar que os onze ministros do STF estariam imunes a toda a pressão do imperialismo, que se move
por interesses muito concretos e bem definidos, seria um grande erro. O fato de que Haddad condiciona a solidez da República brasileira à decisão do STF em relação à prisão após condenação em segunda instância mostra a confusão sobre o problema do golpe de Estado. Independente do que for decidido, o STF já assumiu um compromisso com o golpe que depôs a presidenta Dilma Rousseff – é parte fundamental do jogo dos golpistas para manter a população sob domínio. A confusão de Haddad sobre o papel do STF continua em seu texto, de modo que ele apresenta o funcionamento da Corte como um mero espaço de discussão da Lei, e não uma instituição golpista: "Importa sublinhar, entretanto, que todos os 11 ministros do STF já se manifestaram de forma cristalina sobre sua interpretação desse dispositivo, e muito recentemente. O pronunciamento de um ministro pode nos desagradar, mas é inegável que todos procuraram fundamentar, com mais ou menos brilho, seu ponto de vista." Ao falar que cada ministro procurou fundamentar seu “ponto de vista”, Haddad está reconhecendo que o problema fundamental em relação ao STF é o de que a Constituição estaria sendo “interpretada” de maneira equivocada, e não de que as decisões do STF expressam o embate entre as diferentes classes sociais. O que move os ministros a se posicionar não são suas “convicções”, mas sim os interesses dos grupos que representam.
É justamente pelo fato de o STF atender apenas aos interesses de setores da burguesia que a única garantia de liberdade para o ex-presidente Lula, principal preso político do golpe de Estado de 2016, é a mobilização popular. Ao contrário da esperança no STF golpista, a organização dos trabalhadores e setores democráticos, conforme aconteceu no ato de ontem (27) em Curitiba, é a única maneira efetiva de barrar a ofensiva golpista. O desfecho do artigo de Haddad apresenta mais uma confusão em relação ao papel do STF: "Que o STF resista ao populismo e recupere seu papel contramajoritário,
pedra angular da República!" Além de ir completamente na contramão da forte tendência à mobilização contra o golpe, Haddad, ao fazer votos para que o STF se posicione de maneira favorável aos trabalhadores, expõe uma tremenda contradição: a de que a “república” teria como base um supremo tribunal. Nada poderia ser mais falso: a instituição do STF é uma medida anti-republicana. Afinal, trata-se de um tribunal de “notáveis” – isto é, não eleitos – para “interpretar” a Constituição – isto é, avaliar se a atuação do Congresso Nacional e do Executivo está atendendo aos interesses da classe dominante.
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NÃO À CONCILIAÇÃO! Brasil já é o Chile, deve reagir como o Chile Em artigo recente, o linguista Gustavo Conde afirmou que somente o ex-presidente Lula poderia impedir uma convulsão social. A convulsão, no entanto, é uma necessidade para o povo.
No dia 23 de outubro, o portal Brasil 247 publicou o artigo “Só Lula pode evitar que Brasil vire um Chile”, assinado pelo linguista Gustavo Conde. No texto, o autor afirma que o ex-presidente Lula seria a única pessoa capaz de impedir uma convulsão social no Brasil. No início do artigo, Conde critica supostos intelectuais e ideólogos que se arrogam no direito de determinar o momento certo para que os acontecimentos políticos aconteçam. Comentaristas, ideólogos, “líderes”, opositores acham que revolta popular é questão de timing e senso de oportunidade. “Ah, não é hora de tomar as ruas” (como se isso fosse uma questão de
‘desejo’). “Ah, pedir impeachment é um erro”. Ah, se brasileiros forem às ruas como os chilenos, teremos o endurecimento do ‘regime”. Ou seja: é melhor ficarmos todos quietinhos esperando a “ordem” de alguém “muito inteligente” que saberá exatamente o momento exato para “nos revoltarmos”. De fato, não é papel de nenhuma liderança da esquerda determinar o momento em que as revoltas devem acontecer. Como disse Karl Marx: Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.
Ironicamente, no entanto, Conde se contradiz ao desenvolver seu texto. Ao tratar do caso do ex-presidente Lula, o linguista apresenta a tese de que Lula seria uma pessoa capaz de “controlar” uma convulsão social: O Brasil está na fila da convulsão. E se isso trará generais de volta, se isso levar o país a um golpe branco ou verde-oliva, trata-se absolutamente do imponderável. Timing se identifica, não se produz. Curiosamente, o timing histórico coloca Lula mais uma vez no olho do furacão. Ironicamente, Lula é a única chance da elite – e de todos nós -, para se evitar um banho de sangue. Só Lula conseguirá ‘controlar’ a convulsão social que está por vir. Lula é parte estrutural da identidade de todo e qualquer brasileiro e sua presença no cenário social destruído a que o Brasil foi lançado poderá evitar aquilo que hoje se vê no Chile. “Aquilo que hoje se vê no Chile” é uma imensa mobilização popular contra a política neoliberal. Na última sexta-feira (15), cerca de 1,2 milhão de pessoas saíram nas ruas para protestar contra o governo Piñera – sendo que o Chile tem apenas 18 milhões de habitantes, segundo os levantamentos mais recentes. O país inteiro está convulsionado após anos de uma política de massacre do povo – uma política assentada em diretrizes de uma ditadura com características fascistas e que roubou até mesmo a aposentadoria dos chilenos, levando muitos idosos ao suicídio. A mobilização no Chile está fazendo o governo direitista de Piñera recuar e os mais variados setores da população a se unificar em torno de uma decisão: pôr um ponto final na farra dos capitalistas, que estão saqueando toda a América Latina. Esse, inclusive, é o único caminho a ser seguido: a direita já mostrou que não respeita eleições, que não se importa em matar milhões, tampouco segue qualquer lei que não seja de sua conveniência. Portanto, a única forma de os trabalhadores alcançarem suas reivindicações é por
meio da força – isto é, da mobilização da revolucionária, disposta a ir até as últimas consequências para ter suas demandas atendidas. A convulsão social, desse modo, não é algo a ser temido pelos brasileiros. Pelo contrário: a convulsão é justamente o que o Brasil precisa para ter sucesso na luta contra os golpistas. O Brasil já é o Chile – isto é, castigado pelas aves da rapina do imperialismo. É hora, portanto, de agir como o Chile – de agir como o povo chileno, de sair às ruas de maneira decidida a romper com as instituições golpistas e fazer prevalecer a vontade dos trabalhadores. A revolta no Brasil é, além de necessária, inevitável, como aponta o próprio Gustavo Conde. E assim p é em todos os demais países. Os levantes na Catalunha, em Honduras, no Haiti, no Equador e no Chile não são coincidência, mas sim a prova de que é impossível que um povo aguente calado as torturas da política neoliberal. Se é inevitável, por que impedir, ou até mesmo “controlar” a convulsão social, conforme propõe Conde? Se a sociedade é dividida em classes, os acontecimentos que enfraquecem um determinado polo, automaticamente fortalecem seu oposto. É impossível, portanto, que a “convulsão social” seja um evento negativo tnto para a burguesia quanto para os trabalhadores. A quem interesse controlar a convulsão e a quem interessa, portanto, levar adiante uma revolta generalizada do povo? A revolta no Chile, que expressa, em linhas gerais, as mesmas contradições dos demais países, é, conforme dissemos, um movimento que unifica a população em torno de uma luta contra a direita. O objetivo é um só, inviabilizar qualquer governo que tente levar adiante uma política neoliberal – o que, na prática, levará inevitavelmente a um governo dos trabalhadores, que são os únicos que não têm interesse em sustentar os banqueiros. Qualquer