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a 92 Dossier Economia Circular

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Economia circular: os quatro ‘r’s’ que vão mudar a nossa forma de pensar

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O que é a economia circular, como se aplica, que vantagens e benefícios traz para as empresas e a própria população. Procuramos revelar um pouco desta nova forma de estar e trabalhar

O destino final de um material deixa de ser uma questão de gerenciamento de resíduos, mas parte do processo de design de produtos e sistemas

A economia circular é uma nova forma de pensar o nosso futuro e como nos relacionamos com o planeta, dissociando o crescimento económico e o bem-estar humano do consumo crescente de novos recursos. Para isso, os materiais circulam no máximo do seu valor como nutrientes técnicos ou biológicos em sistemas industriais integrados, restaurativos e regenerativos. Em suma, é um conceito estratégico que assenta em quatro ‘r’s: redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia.

Substituindo o conceito de fim-de-vida da economia linear por novos fluxos circulares de reutilização, restauração e renovação, num processo integrado, a economia circular é vista como um elementochave para promover a dissociação entre o crescimento económico e o aumento no consumo de recursos, relação até aqui vista como inexorável.

Inspirando-se nos mecanismos dos ecossistemas naturais, que gerem os recursos a longo prazo num processo contínuo de reabsorção e reciclagem, a economia circular promove um modelo económico reorganizado, através da coordenação dos sistemas de produção e consumo em circuitos fechados. Caracteriza-se como um processo dinâmico que exige compatibilidade técnica e económica (capacidades e actividades produtivas) mas que também requer igualmente enquadramento social e institucional (incentivos e valores).

O destino final de um material deixa de ser uma questão de geren-

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ciamento de resíduos, mas parte do processo de design de produtos e sistemas. Assim, podemos eliminar o próprio conceito de lixo: cada material é aproveitado em fluxos cíclicos, o que possibilita que a sua trajectória de ‘produto a produto’, preserve e transmita o seu valor.

Segundo a revista Nature, um novo relacionamento das pessoas e das empresas com os nossos bens e materiais economizaria recursos e energia e criaria empregos locais. O uso de recursos pelo tempo mais longo possível pode reduzir as emissões de algumas nações em até 70%, e diminuir significativamente os resíduos (Nature, 2016).

Assim, a economia circular ultrapassa o âmbito e foco estrito das acções de gestão de resíduos e de reciclagem, visando uma acção mais ampla, desde o redesenho de processos, produtos e novos modelos de negócio até à optimização da utilização de recursos, ‘circulando’ o mais eficientemente possível produtos, componentes e materiais nos ciclos técnicos e/ou biológicos. Visa, assim, o desenvolvimento de novos produtos e serviços economicamente viáveis e ecologicamente eficientes, radicados em ciclos idealmente perpétuos de reconversão a montante e a jusante.

Um caminho inevitável

As actuais tendências de aumento populacional, crescimento da procura e consequente pressão nos recursos naturais têm vindo a sublinhar a necessidade das sociedades modernas avançarem para um paradigma mais sustentável, uma economia mais ‘verde’ que assegure o desenvolvimento económico, a melhoria das condições de vida e de emprego, bem como a regeneração do ‘capital natural’.

O paradigma vigente, baseado num modelo linear, confronta-se hoje com questões relativamente à disponibilidade de recursos. Só em 2010, cerca de 65 mil milhões de toneladas de matérias-primas entraram no sistema económico prevendo-se que se atinjam os 82 mil milhões de toneladas em 2020. Este é um sistema que expõe empresas e países a riscos relacionados com a volatilidade dos preços dos recursos e interrupções de fornecimento.

Um novo modelo económico funcionando em circuitos fechados, catalisados pela inovação ao longo de toda a cadeia de valor, é defendido como uma solução alternativa para minimizar consumos de materiais e perdas de energia.

Uma economia ‘mais circular’ tem vindo a ser apresentada como um conceito operacional no caminho para a mudança de paradigma, tendo em vista enfrentar os problemas ambientais e sociais decorrentes da globalização dos mercados e do actual modelo económico baseado numa economia linear de ‘extracção, produção e eliminação’.

Benefícios e potenciais impactos de uma Economia Circular

A economia circular distingue-se como um modelo focado na manutenção do valor de produtos e materiais durante o maior período de tempo possível no ciclo económico. Este modelo é entendido como fornecendo benefícios de curto prazo e oportunidades estratégicas de longo prazo face a desafios como, volatilidade no preço das matériasprimas e limitação dos riscos de fornecimento; novas relações com o cliente, programas de retoma, novos modelos de negócio; melhorar a competitividade da economia; e contribuir para a conservação do capital natural, redução das emissões e resíduos e combate às alterações climáticas.

Segundo a União Europeia (UE), estima-se que as medidas de prevenção dos resíduos, concepção ecológica, reutilização e outras acções ‘circulares’ poderão gerar poupanças líquidas de cerca de 600 mil milhões de euros às empresas da UE (cerca de 8% do total do seu volume de negócios anual), criando 170.000 empregos directos no sector da gestão de resíduos e, ao mesmo tempo, viabilizando uma redução de 2 a 4% das emissões totais anuais de gases de efeito de estufa.

A economia circular é, assim, apresentada como um catalisador para a competitividade e inovação. Por exemplo, medidas que levem a uma recolha de cerca de 95% dos telemóveis na UE equivaleriam a uma poupança de mais de mil milhões de euros em custos de materiais de fabrico, adianta a UE.

Todos os anos produzem-se 2,5 mil milhões de toneladas de lixo na União Europeia (UE). A UE encontra-se actualmente a actualizar a sua legislação relativa à gestão de resíduos para promover a mudança de uma economia linear para uma economia circular.

A Comissão Europeia apresentou, em Março de 2020, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu e a par da proposta para uma nova estratégia industrial, o novo Plano de Acção para a Economia Circular, que inclui propostas para uma concepção mais sustentável dos produtos, a redução dos resíduos e a capacitação dos cidadãos (através de um ‘direito de reparação’). Neste plano, é dada especial atenção a sectores com utilização intensiva de recursos, como o da electrónica e das TIC, os plásticos, os têxteis e a construção.

Em Fevereiro de 2021, o Parlamento Europeu votou o novo plano de acção para a economia circular exigindo medidas adicionais para alcançar uma economia neutra em termos de carbono, sustentável, livre de substâncias tóxicas e totalmente circular até 2050, incluindo regras de reciclagem mais rigorosas e metas obrigatórias para a utilização e consumo de materiais até 2030.

Ainda segundo a UE, actualmente a produção de materiais de uso quotidiano é responsável por 45% das emissões de CO2.

“A mudança para uma economia circular pode ainda trazer benefícios como a redução da pressão sob o ambiente; maior segurança no aprovisionamento de matérias-primas; aumento da competitividade; promoção da inovação; o estímulo ao crescimento económico (um aumento adicional em 0,5% do PIB da UE); e, a criação de empregos (cerca de 700 000 postos de trabalho na UE até 2030)”, revela a UE.

A economia circular também pode fornecer aos consumidores produtos mais duradouros e inovadores, com vista a melhorar a qualidade de vida e permitir-lhes poupar dinheiro a longo prazo.

Incentivos para a Economia Circular

O IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação disponibiliza um conjunto de sistemas de incentivos que têm como objectivo aumentar a competitividade das empresas através da modernização e inovação dos seus processos e pro-

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dutos, serviços e modelos de negócio, tornando-as mais eficientes no contexto da economia circular.

Um dos incentivos é o Vale Economia Circular que pretende disponibilizar às empresas portuguesas a elaboração de um diagnóstico que conduza à definição de um plano de acção conducente à implementação de modelos de gestão e de crescimento alinhados com estratégias e compromissos nacionais e internacionais assumidos por Portugal, com particular relevância para uma economia circular.

São susceptíveis de apoio, durante um período de 12 meses, os projectos individuais de empresas que visem a aquisição de serviços de consultoria (sendo obrigatória a componente de diagnósticos de oportunidades, sem a qual não serão admitidas as candidaturas) com vista à identificação de uma estratégia conducente à adopção de planos empresariais de Economia Circular, no âmbito do eco-design de processos e produtos; eco-eficiência; eficiência energética; eco-inovação; simbioses industriais; extensão do ciclo de vida dos produtos; valorização de subprodutos e resíduos; e novos modelos de negócio, desmaterialização e transformação digital.

São ainda apoiados serviços de consultoria visando a implementação de soluções que resultem da estratégia delineada para a Economia Circular, incluindo a implementação de sistemas de gestão da energia ISO 50001, e de gestão ambiental 14001.Outro dos incentivos do IAPMEI é o SI Qualificação para projectos individuais e colectivos. Em ambos os casos o objectivo é reforçar a capacitação empresarial das PME através da inovação organizacional, aplicando novos métodos e processos organizacionais e incrementando a flexibilidade e a capacidade de resposta no mercado global, com recurso a investimentos imateriais na área da competitividade (inovação organizacional e gestão, economia digital, criação de marcas e design, desenvolvimento e engenharia de produtos, serviços e processos, protecção da propriedade industrial, qualidade, transferência de conhecimento, distribuição e logística, eco-inovação, formação profissional, contratação de recursos humanos), através de um plano de acção estruturado de intervenção num conjunto de PME. Outro incentivo é o SI I&D Empresas, que tem como objectivos aumentar a intensidade de I&I (Inovação e Investigação) nas empresas e a sua valorização económica; aumentar os projectos e actividades em cooperação das empresas com as restantes entidades do sistema de I&I; desenvolver novos produtos e serviços, em especial em actividades de maior intensidade tecnológica e de conhecimento; reforçar as acções de valorização económica dos projectos de I&D (Inovação e Desenvolvimento) com sucesso; e aumentar a participação nacional nos programas e iniciativas internacionais de I&I.Esta medida pretende apoiar projectos compreendendo actividades de investigação industrial e desenvolvimento experimental, conducentes à criação de novos produtos, processos ou sistemas ou à introdução de melhorias significativas em produtos, processos ou sistemas exigentes.

Por último, existe o incentivo SI Inovação Produtiva que visa promover a inovação empresarial, no domínio da produção de novos bens e serviços ou melhorias significativas da produção actual através da transferência e aplicação de conhecimento; e na adopção de novos ou significativamente melhorados processos ou métodos de fabrico, de logística e distribuição, bem como métodos organizacionais (para Não PME só serão apoiadas as áreas de processos ou métodos de fabrico).

Medidas que levem a uma recolha de cerca de 95% dos telemóveis na UE equivaleriam a uma poupança de mais de mil milhões

A economia circular distingue-se como um modelo focado na manutenção do valor de produtos e materiais durante o maior período de tempo possível no ciclo económico

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Reciclagem é um dos quatro ‘r’s’ que integra o vocabulário da economia circular

“Economia circular tem obrigatoriamente de fazer parte da estratégia dos diversos sectores empresariais”

A economia circular é um termo que já entrou no quotidiano das empresas. O presidente do Conselho de Administração da Águas de Portugal Internacional, Cláudio de Jesus, defende que aquele ‘chavão’ “deve fazer parte da estratégia dos diversos sectores empresariais”

O presidente do Conselho de Administração da Águas de Portugal Internacional, Cláudio de Jesus, considera que a «economia circular tem obrigatoriamente de fazer parte da estratégia dos diversos sectores empresariais», numa economia cada vez mais global.

Segundo o administrador, «não é linear a quantificação dos benefícios gerados» pela economia circular, mas adianta que «as boas práticas ambientais geradas» por aquele modelo de gestão «são necessariamente geradoras de benefícios para as empresas que as adoptem», seja «em matéria de gestão de recursos ou de energia» como «utilizando menor quantidade de materiais bem como um menor gasto de energia, na produção de determinado produto».

No entender de Cláudio de Jesus, o que marca a diferença entre a economia circular nos actuais contexto económico e empresarial «passa pela mentalidade e postura dos empresários».

«Se pretendem ter uma visão empresarial ajustada a novas realidades em que a economia de recursos e sua boa gestão fazem parte da sua estratégia empresarial, então serão seguramente empresários mais preparados para um futuro que se pretende cada vez mais ‘verde’, ou seja, mais amigo do ambiente», sustenta o administrador.

Cláudio de Jesus diz não ter dúvidas que numa perspectiva mais abrangente, os quatro ‘r’s da economia circular - redução, reutilização, recuperação e reciclagem - «deveriam fazer parte da estratégia global de cada empresa ou grupo empresarial» e que «há mais de 20 anos» que defende aquela estratégia.

«Julgo que será uma inevitabilidade a sua adopção [quatro r’s]. As empresas mais amigas do ambiente serão certamente mais competitivas numa economia cada vez mais global e em que os detalhes fazem toda a diferença», garante o presidente do Conselho de Administração da Águas de Portugal Internacional.Sublinha, por outro lado, ser «fundamental e incontornável» que a economia circular nas empresas integre «o redesenho de processos internos», que «levem à concepção de produtos mais amigos do ambiente», em que a quantidade de matéria- primas utilizadas «é menor, ou então através da incorporação de produtos reutilizáveis e/ou recicláveis na sua concepção».

«Todas estas práticas geram produtos mais sustentáveis, na grande maioria das situações mais baratos, logo mais competitivos», acrescenta ainda. Tendo em linha de conta as alterações climáticas e a vertente biodegradável, aquele responsável afirma que «o futuro das empresas e consequentemente do nosso planeta» tem de «passar obrigatoriamente por empresas ambientalmente saudáveis», em que a economia circular «seja um denominador comum à sua estratégia de actividade».

Questionado se as empresas que apostam na economia circular deveriam ser mais apoiadas e beneficiadas em termos de impostos directos e indirectos, afirma que «essa prática deveria ser transversal a todas as empresas, independentemente dos eventuais benefícios fiscais», mas, por outro lado, defende «que a demonstração de boas práticas ambientais (adopção de processos relacionados com a economia circular) deveria ser premiada em termos fiscais».

Sobre a sua visão global acerca do futuro da economia circular, o presidente do Conselho de Administração da Águas de Portugal Internacional diz estar «inequivocamente convencido» de que a economia circular já faz parte do nosso quotidiano, sendo através «da adopção de adequadas práticas ambientais, como também da poupança de recursos naturais».

«Quem assim não pensar, não fará parte do nosso futuro comum», alerta Cláudio de Jesus.

“Todas estas práticas geram produtos mais sustentáveis, na grande maioria das situações mais baratos, logo mais competitivos”

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