Revista Paulo Freire - ed05

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100 anos de Carlos Marighella

Só 7% para a Educação? Assim não vai dar!

Paulo Freire e a Pedagogia da Resistência Revista de Formação do SINTESE

www.sintese.org.br

nº 05 05 - Sergipe Ser S ergipe - outubro out - 2011 - R$ 5,00

Político-Pedagógica

Empresariado avança na educação pública Desvendando as “parcerias” entre fundações e institutos com governos e a venda dos pacotes de “mercadoria-educação”

ESCOLA É LUGAR DE VIVENCIAR DIREITOS

AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO: HO: ESCOLA COMO BOLHA

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primeiras palavras

“Quem sabe faz a hora”

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hegamos à segunda edição da nova roupagem da Revista Paulo Freire. No mês passado, no exato dia em que o mestre Paulo Freire faria 90 anos, em um evento promovido pela deputada estadual Ana Lúcia (PT) na Assembleia Legislativa, a revista retornou, agora de forma mensal e com pauta ampliada. Nesta edição, merece atenção de todos a entrevista concedida pelo professor-doutor André Martins, que esclarece de forma objetiva, como o empresariado tem avançado sob a educação pública, seja na concepção da venda de ideias sobre a sociedade, seja por meio da comercialização de pacotes. É leitura obrigatória para todos nós. Ainda dentro dessa temática, existem outros dois trabalhos nesta revis-

ta, fundamentais. Um é que trata do Plano Nacional de Educação, especialmente no tocante ao seu financiamento. Outro é um artigo do professor-mestre Neilton que aborda a Avaliação de Desempenho (Índice Mares Guia) que o Governo do Estado de Sergipe quer implantar na rede. O título do texto é “A escola como bolha: a dissociação entre a escola e a realidade”. Leituras indispensáveis. A Revista Paulo Freire também tem compromisso com a memória dos trabalhadores e suas lutas. Por isso, nesta edição, há um material que apresenta um pequeno resumo da história do revolucionário Carlos Marighella, que completaria 100 anos em dezembro próximo e que deixou inúmeras lições de resistência e esperanças para todos nós. Nesse caminho, Liana Torres, pro-

onde achar 100 anos de Carlos Marighella. Presente!

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Plano Nacional de Educação

Escola é lugar de vivenciar direitos

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Tentáculos da Privatização

Crianças pobrem já têm maioridade penal

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Educação como bolha

fessora-doutora da UFS, escreve artigo sobre Paulo Freire e a Pedagogia da Resistência. Para ela, a fi losofia libertária de Freire, um instrumento de emancipação humana passa pelo conhecer que liberta o oprimido do opressor. Ainda nesta edição, artigos da jornalista Débora Melo, “Escola é lugar de vivenciar direitos”; do advogado Franklin Magalhães sobre estabilidade e avaliação de desempenho; do jornalista Cristian Góes, editor desta publicação, “Crianças pobres já têm maioridade penal”; além do anúncio do CD com poemas musicados de Diomedes Santos da Silva. Como se observa, a Revista Paulo Freire é toda sua. Uma publicação de política-pedagógica do SINTESE, não comercial, que recebe com muita atenção as suas observações, críticas e sugestões. Boa leitura porque “quem sabe faz a hora”! Ângela Melo Presidenta do SINTESE

Estabilidade e avaliação de desempenho

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Paulo Freire e a Pedagogia da Resistência

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Diomedes: ainda há uma esperança

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Livros: últimos lançamentos

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Revista de Formação Político-Pedagógica do SINTESE Rua de Campos, 107 – B. São José - Aracaju-Se CEP: 49015-220 revistapaulofreire@sintese.org.br www.sintese.org.br

Telefax: (0**79) 2104-9800 José Cristian Góes Editor (DRT/SE 633)

Diego Oliveira Coordenação Gráfica(DRT/SE 1094)

Marcio Cardoso Lima Revisão

Conselho editorial: Ângela Melo, Joel Almeida, Sandra Moares, Edinalva Silva, Hildebrando Maia, Janieire Miranda, Ana Luzia, Ivonete Cruz, Izabel Cristina, Edileide Barrozo, Franklin Magalhães, Elda Góis Os artigos assinados nesta edição não refletem necessariamente o entendimento da direção do Sintese.

INFORMAÇÕES: Tel: (79) 2104-9800 (Bárbara Eloah) E-mail: revistapaulofreire@sintese.org.br

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Nossa história

100 anos de Carlos Marighella. Presente! Conheça um pouco da história extraordinária de um homem que lutou e morreu pela liberdade de todos os homens, deixando lições de resistência e esperança

Carlos Marighella nasceu em Salvador, Bahia, em 5 de dezembro de 1911. Era fi lho de imigrante italiano com uma negra descendente dos haussás, conhecidos pela combatividade nas sublevações contra a escravidão. De origem humilde, ainda adolescente despertou para as lutas sociais. Aos 18 anos iniciou curso de Engenharia na Escola Politécnica da Bahia e tornou-se militante do Partido Comunista, dedicando sua vida à causa dos trabalhadores, da independência nacional e do Socialismo. Conheceu a prisão pela primeira vez em 1932, após escrever um poema contendo críticas ao interventor Juracy Magalhães. Libertado, prosseguiria na militância política, interrompendo os estudos universitários no 3º ano, em 1932, quando se deslocou para o Rio de Janeiro. Em 1º de maio de 1936, Marighella foi novamente preso e enfrentou, durante 23 dias, as terríveis torturas da polícia de Fi-

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linto Müller. Permaneceu encarcerado por um ano e, quando solto pela “macedada” – nome da medida que libertou os presos políticos sem condenação – deixou o exemplo de uma tenacidade impressionante. Transferindo-se para São Paulo, Marighella passou a agir em torno de dois eixos: a reorganização dos revolucionários comunistas, duramente atingidos pela repressão, e o combate ao terror imposto pela ditadura de Getúlio Vargas. Voltaria aos cárceres em 1939, sendo mais uma vez torturado de forma brutal na Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo, mas se negando a fornecer qualquer informação à polícia. Na CPI que investigaria os crimes do Estado Novo, o médico Dr. Nilo Rodrigues deporia que, com referência a Marighella, nunca vira tamanha resistência a maus tratos nem tanta bravura. Educação no cárcere - Recolhido aos presídios de Fernando de Noronha e Ilha Grande pelos seis anos seguintes, ele dirigiria sua energia revolucionária ao trabalho de educação cultural e política dos companheiros de cadeia. Anistiado em abril de 1945, participou do processo de redemocratização do país e da reorganiza-

ção do Partido Comunista na legalidade. Deposto o ditador Vargas e convocadas eleições gerais, foi eleito deputado federal constituinte pelo estado da Bahia. Seria apontado como um dos mais aguerridos parlamentares de todas as bancadas, proferindo, em menos de dois anos, cerca de duzentos discursos em que tomou, invariavelmente, a defesa das aspirações operárias, denunciando as péssimas condições de vida do povo brasileiro e a crescente penetração imperialista no país. Com o mandato cassado pela repressão que o governo Dutra desencadeou contra os comunistas, Marighella foi obrigado a retornar à clandestinidade em 1948, condição em que permaneceria por mais de duas décadas, até seu assassinato. Nos anos 50, exercendo novamente a militância em São Paulo, tomaria parte ativa nas lutas populares do período, em defesa do monopólio estatal do petróleo e contra o envio de soldados brasileiros à Coréia e a desnacionalização da economia. Cada vez mais, Carlos Marighella

voltaria suas reflexões em direção do problema agrário, redigindo, em 1958, o ensaio “Alguns aspectos da renda da terra no Brasil”, o primeiro de uma série de análises teórico-políticas que elaborou até 1969. Nesta fase visitaria a China Popular e a União Soviética, e anos depois, conheceria Cuba. Em suas viagens pode examinar de perto as experiências revolucionárias vitoriosas daqueles países. Após o golpe militar de 1964, Marighella foi localizado por agentes do DOPS carioca em 9 de maio num cinema do bairro da Tijuca. Enfrentou os policiais que o cercavam com socos e gritos de “Abaixo a ditadura militar fascista” e “Viva a democracia”, recebendo um tiro à queima-roupa no peito. Descrevendo o episódio no livro “Por que resisti à prisão”, ele afirmaria: “Minha força vinha mesmo era da convicção política, da certeza (...) de que a liberdade não se defende senão resistindo”. Combate sem trégua à ditadura - Repetindo a postura de altivez das prisões anteriores, Marighella


fez de sua defesa um ataque aos crimes e ao obscurantismo que imperava desde 1º de abril. Conseguiu, com isso, catalisar um movimento de solidariedade que forçou os militares a aceitar um habeas-corpus e sua libertação imediata. Desse momento em diante, intensificou o combate à ditadura utilizando todos os meios de luta na tentativa de impedir a consolidação de um regime ilegal Momentos: Mariguela em atividade política, a carteira do comitê comunista e no dia do atentado.

e ilegítimo. Mas, mantendo o país sob terror policial, o governo sufocou os sindicatos e suspendeu as garantias constitucionais dos cidadãos, enquanto estrangulava o parlamento. Na ocasião, Carlos Marighella aprofundou as divergências com o Partido Comunista, criticando seu imobilismo. Em dezembro de 1966, em carta à Comissão Executiva do PCB, requereu seu desligamento da comissão, explicitando a disposição de lutar revolucionariamente junto às

Liberdade Não ficarei tão só no campo da arte, e, ânimo firme, sobranceiro e forte, tudo farei por ti para exaltar-te, serenamente, alheio à própria sorte. Para que eu possa um dia contemplar-te dominadora, em férvido transporte, direi que és bela e pura em toda parte, por maior risco em que essa audácia importe. Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma, que não exista força humana alguma que esta paixão embriagadora dome. E que eu por ti, se torturado for, possa feliz, indiferente à dor, morrer sorrindo a murmurar teu nome” São Paulo, Presídio Especial, 1939

massas, em vez de ficar à espera das regras do jogo político e burocrático convencional que, segundo entendia, imperava na liderança. E quando já não havia outra solução, conforme suas próprias palavras, fundou a ALN – Ação Libertadora Nacional para, de armas em punho, enfrentar a ditadura. O endurecimento do regime militar, a partir do final de 1968, culminou numa repressão sem precedentes. Marighella passou a ser apontado como Inimigo Público Número Um, transformando-se em aalvo de uma caçada que eenvolveu, em nível nacional, toda a estrutura da pon llícia política. Na noite de 4 de novvembro de 1969, surpreenddido por uma emboscada na alameda Casa Branca, n na capital paulista, Carlos Marighella tombou tombo varado pelas ba balas dos agentes do d DOPS sob a chefi ch a do delegado gad Sérgio Paranhos Fleury. ran Quando Carlos MaC

righella foi assassinado, seu corpo foi sepultado às pressas pelos militares, que temiam pudessem ocorrer manifestações populares de apoio ao líder assassinado. Na ocasião, como recorda seu fi lho Carlos Augusto, a família chegou a receber ameaças à sua segurança, caso tentasse remover o corpo de São Paulo. Somente em 1979, quando a Anistia acabava de ser efetivada, foi feito o traslado dos restos mortais para Salvador. Pensamento - As ideias de Marighella não morreram com ele. Sua experiência acumulada em quarenta anos de atividade política foi registrada em textos que percorreram o mundo. A produção intelectual do militante comunista, deputado constituinte e fundador da ALN vai além do Manual do Guerrilheiro Urbano, que marcou os movimentos revolucionários das décadas de 60 e 70. Traduzido em várias línguas, Carlos Marighella foi lido na América Latina, Europa e África, chegando até os países árabes. Em 1970, o ministro do Interior da França proibiu a venda do livro Pour la libération du Brésil. Diante da arbitrariedade, e como forma de reafirmar o direito de livre expressão, um grupo formado por 24 editores franceses associou-se para publicar a obra. Inaugurada em 1973 no município de Sandino, província de Pinar del Rio, Cuba, a Escola Carlos Marighella funciona como instituto pré-universitário. Desenvolvendo atividades didáticas e trabalho agrícola, é auto-suficiente e fornece alimentação balanceada para estudantes e funcionários. www.carlos.marighella. nom.br)

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Criança e Adolescente

Escola é lugar de vivenciar direitos Débora Melo* Em 13 de julho de 1990, foi sancionado o Estatuto da Criança e do Adolescente, legislação considerada modelo em termos de garantia de direitos humanos, mesmo entre as democracias ocidentais mais avançadas. Mais de 21 anos depois, ainda é nítido que o desconhecimento acerca dos principais preceitos do ECA prevalece entre diversos setores da população. Apesar de a criação do estatuto ter sido efetivada a partir do resultado de manifestações da sociedade civil organizada, ainda são reproduzidas certas interpretações equivocadas sobre o ECA, como acreditar que ele proíbe pais e professores de adotar medidas disciplinares para crianças e adolescentes. Muitos profissionais que lidam cotidianamente com o público infanto-adolescente não estão distantes da realidade de desconhecimento acerca do que está estabelecido na legislação e estas interpretações reforçam o ranço da população e o repúdio dos profissionais que lidam com o público infanto-juvenil pela legislação. Na contramão dessa desinformação que se vê na prática, existe desde 2007 a Lei 11.525, de autoria da então senadora Patrícia Saboya, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e determinou a inclusão nos currículos escolares de conteúdos que abordem os direitos da criança e do adolescente de forma transversal, tomando como base

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O dever de educar e proteger crianças passou a ser coletivo. Se há suspeita de violação de direitos, estamos obrigados a agir

o ECA. Apesar de representar um avanço no sentido de facilitar o entendimento sobre o assunto, a lei ainda está distante de se tornar realidade para boa parte dos estudantes sergipanos. Muitas vezes o tema é abordado de forma pontual, descolado dos outros conteúdos trabalhados em sala de aula, ou ainda sendo apresentado em ações e esforços individuais de professores que entendem a necessidade de fazer com que os estudantes conheçam seus direitos e responsabilidades enquanto cidadãos. Há uma clara dificuldade de se trabalhar a interdisciplinaridade entre os professores, que nem sempre conseguem levar em conta a utilidade dos saberes transmitidos para o co-

tidiano do estudante e que por vezes desconsideram o potencial de emancipação que a descoberta dos próprios direitos tem para uma menina ou um menino excluído socialmente. Não estamos aqui culpabilizando o educador pelas falhas na abordagem da garantia de direitos de meninos e meninas em sala de aula. Ao contrário: o professor é tão vítima quando o estudante, pois ambos estão inseridos num sistema educacional que cada vez menos forma para a cidadania e cada vez mais forma para o acesso ao ensino superior ou para atingir índices que não representam na prática a realidade da educação pública. O professor vivencia um sistema de educação no qual a formação continuada é absolutamente incipiente, não aprofunda os conteúdos e não atinge a realidade dos educandos porque não a reflete. A desqualificação da abordagem dos direitos da criança e do adolescente na escola é resultado ainda de uma formação rasa, quase nula, do tema nas universi-

dades para estudantes das áreas de licenciatura e pedagogia. É também resultado de um modelo de educação que não entende a escola como parte integrante da comunidade e que entende a comunidade como alheia à escola. É resultado de um modelo de educação que nivela os estudantes e desconsidera suas diferenças, as especificidades de suas comunidades e, sobretudo, que reflete uma cultura de controle sobre crianças e adolescentes, que os considera sujeitos de tutela e não de direitos. O ECA não deve ser entendido pelo professor como um dogma legal, mas como fonte de conceitos que podem e devem ser aplicados, ensinados e reproduzidos nas salas de aula. Os direitos expressos em linguagem jurídica na legislação devem ser “traduzidos” e trazidos para a realidade e para o cotidiano dos meninos e meninas para que eles possam cobrar a efetivação da lei e vivenciar os benefícios e responsabilidades apresentados por ela. Assim, não se pode entender a relação entre o ECA e a escola como um processo unilateral, uma vez que seus preceitos não devem ser apenas conteúdos a serem “transmitidos” para as crianças e adolescentes. Seus referenciais devem ser vivenciados no cotidiano da escola, tornando-se a referência maior de toda e qualquer atividade a ser desenvolvida no ambiente escolar. E se tomarmos como base o fato de as crianças e adolescentes serem sujeitos de direitos, capazes de desenvolver e exprimir suas opiniões, tomar decisões e protagonizar a própria história, essa tarefa já está começando a ser cumprida. *Coordenadora de Comunicação do Instituto Recriando www.institutorecriando.org.br


Criança e Adolescente olescente

Crianças pobres já têm maioridade penal Cristian Góes* Com insistência, de forma direta ou não, a grande maioria da mídia no Brasil faz coro em uma só voz com uma elite horrorizada com crianças e adolescentes pobres em pequenos delitos nas principais capitais do país. Dia desses, uma equipe da TV Globo colou em um grupo de crianças/meninas que agia na madrugada. Presas e jogadas de um canto para outro, elas reagiam, inclusive, contra as gravações. O único objeto furtado de toda noite foi um celular de uma camareira de um hotel. Mas as cenas, repetidas várias e várias vezes em todos os telejornais nacionais, revelavam perigo, violência, horror e descontrole. Era mais uma reportagem despretensiosa sobre a violência? Óbvio que não! No conteúdo da mensagem estava a defesa pura e cristalina da emissora, voz e porta-voz de uma classe dominante deste país, da campanha pela redução da maioridade penal no país. Quanto mais se aprofundam os efeitos de um sistema capitalista devastador do homem e da natureza, mais avançam ideias e ações conservadoras na sociedade para proteger seu patrimônio contra as ameaças das classes perigosas. E aí vale tudo: prisão de flanelinhas, aplausos às execuções de suspeitos em troca de tiros com a polícia, castração química de suspeitos, criminalização dos trabalhadores que reclamam melhores condições de tra-

Crianças pobres e marginalizadas, condenadas a um clico embrutecido de vida. Condená-las ainda ao quê? Quais as penas ainda a serem impostas a elas? Encarcerá-las cada vez mais cedo é a solução?

balho e salário, redução da maioridade penal, etc, etc. No caso de crianças e adolescentes pobres, essa maioridade penal pretendida já existe na prática e faz tempo. Os que foram flagrados nas lentes da tv, geralmente são fi lhos de pais que estão ou já estiveram nas ruas. Aquelas crianças nasceram em condições desumanas, submetidas ao abandono e ao desprezo social. Nasceram e crescem em ambientes de ausência (família, escola, saúde, trabalho, habitação, lazer, etc), de violência, drogas e de sobrevivência selvagem. Crianças pobres e marginalizadas, condenadas a um ciclo embrutecido de vida. Condená-las ainda ao quê? Quais as penas ainda a serem impostas a elas? Encarcerá-las cada vez mais cedo é a solução? Claro que não! Na outra ponta, a mesma sociedade hipócrita que cobra a redução da maioridade penal continua a produzir adolescentes ricos e perversos, que sem limites, não aceitam às diferenças e desenvolvem uma cultura de ódio de classe, de homofo-

bia, de racismo. Queimam índios, matam mendigos, xingam negros, espancam quem os contrarie, usam seus possantes carros para as maiores barbaridades, tudo dentro da maior naturalidade. Abrigados por uma parentela influente nos poderes do Estado, gozam de impunidade e, para eles, a maioridade nunca os atingirá. Mais tarde, alguns chegarão a postos de comando na sociedade e deverão continuar a produzir uma sociedade assim. Voltando às vítima da redução da maioridade, na semana passada, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos divulgou estudo da Unicef informando que as crianças e os adolescentes eram responsáveis somente por 10% dos homicídios praticados, mas ao mesmo tempo eles são vítimas de mais de 40% dos casos de homicídio. Segundo a Unicef, também foi divulgada que a redução da maioridade penal não resultou em diminuição da violência entre crianças e adolescentes em 54 países pesquisados no ano de 2007 que, a exemplo dos Estados Unidos, adotaram a medida.

Crianças saem muito piores do que entraram no sistema prisional. Resta provado por estatísticas, pelos fatos e pela história que a violência, inclusive a estatal, só produz mais violência.

A mesma sociedade hipócrita que cobra a redução da maioridade penal continua a produzir adolescentes ricos e perversos

Com a sociedade que se tem, não há necessidade de se encarcerar crianças e adolescentes pobres. Uma vida sem família, sem comida, sem casa, sem educação, sem saúde, sem lazer, sem perspectiva de dignidade vai produzir o quê? Como enfrentar essas ausências? Com prisões? *É jornalista, editor da Revista Paulo Freire e membro do Grupo de Pesquisa Educação e Movimentos Sociais da UFS twitter: @cristiangoes

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Política educacional

Só 7% para Educação? Assim, não dá! Investimento de 7% do PIB em educação proposto no PNE não é suficiente

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Ministério da Educação informa que os invest imentos públicos necessários para o cumprimento das metas do novo Plano Nacional de Educação (PNE) é de 7% do Produto Interno Bruto (PIB). Este índice só deve ser alcançado no final desta década. No entanto, de acordo com a produção acadêmica acerca do tema e na opinião de especialistas em educação, o valor não é suficiente para cumprir sequer as principais metas. “A conta é simples: o plano fala em escolas de tempo integral, melhoria da qualidade da educação, aumento dos sa-

lários do professorado e inclusão de quem está fora do sistema, por exemplo. Nesse contexto, fica difícil sustentar só 7%, a demanda é muito maior”, afirma o professor Juca Gil, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Juca Gil aponta que, apenas para garantir escolas de ensino fundamental em tempo integral, é preciso investir por volta de 70% a mais do que é gasto atualmente, pela necessidade de contratar profissionais e melhorar a infraestrutura. “Se chegamos à quase universalização do ensino fundamental, foi pela existência de turnos nas escolas. Para se chegar a tempo integral, voltamos 20 anos atrás, pois não há escola para todos. Tempo integral é um aluno por carteira, não três turnos. Hoje, não existe capa-

cidade física”, exemplifica. Além disso, para a melhoria da qualidade será necessário investir em infraestrutura, como a construção de quadras, teatro e bibliotecas, dentre outros equipamentos. “Só nessa meta, que se refere a quem já está na escola, o aumento de investimentos fica na ordem de 70%”. Para incluir a equiparação da remuneração do professorado à dos demais profissionais com escolaridade equivalente e diminuir alunos por sala de aula seria necessário “dobrar gasto atual do aluno do ensino fundamental e médio. Só nessa conta temos que dobrar o investimento”. Além dessas metas, há a previsão de atender 50% da população com idade até três anos, pela expansão de creches, além da eliminação do analfabetismo e garantia de acessibilidade para pes-

soas com deficiência. “Na educação especial, é preciso investir em infraestrutura e formação. O programa atual do MEC atinge somente municípios de grande porte, pois cabe à administração municipal remunerar o profissional contratado. As mais pobres, a grande maioria dos municípios do país, não têm condições financeiras para tanto. Deveria haver repasse da União”, defende o professor. Outras metas se referem ao ensino superior, e preveem atingir a marca de metade das matrículas em instituições públicas (atualmente, cerca de 75% das matrículas são de instituições privadas). “Hoje temos quase um terço, é preciso avançar na quantidade de universidades públicas e de jovens no ensino superior. É enorme a diferença entre formandos no ensino

Afinal, o que significa investir 7%? Para entender o significado real do investimento público em educação a partir da porcentagem do PIB é preciso projetar o crescimento da economia e compará-lo com o populacional, de modo que se tem o valor per capta de investimento em educação. A partir de estudos do Ministério da Fazenda, é possível apontar o crescimento do PIB até 2020. No caso de as projeções se confirmem, o Brasil terá, em dez anos, um PIB equivalente a US$ 3,058 trilhões. Já a população em idade educacional deve variar de 82 milhões para 75 milhões. Isso significa que, caso se invista 7% do PIB em educação em 2020, o valor aplicado por pessoa em idade educacional naquele ano será de US$ 2.854,77. O crescimento seria significativo, dado que hoje se investe cerca de US$ 959 por aluno. No entanto, fica muito abaixo do que é investido hoje (não em 2020, quando o valor será ainda maior pelo

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crescimento das economias) por países como Cuba (US$ 3.322), Portugal (US$ 5.592), Coréia do Sul (US$ 5.446), França (US$ 7.884), Dinamarca (US$ 11.960), Canadá (US$ 7.677) e Espanha (US$ 6.477), dentre outros. Caso seja investido o que é proposto no “PNE pra Valer” - 10% do PIB - em 2020 o Brasil alcançaria o montante de US$ 4.079, valor ainda abaixo do que é atualmente investido pelos países acima apontados, com a exceção de Cuba. Nesse sentido, também os 10% não seriam suficientes, dados os desafios postos à educação brasileira, muito maiores que o de países como França e Canadá, com porcentagem da população em idade educacional abaixo dos 30% e melhor infraestrutura (atualmente, no Brasil, essa população é de 45%, o que demanda maior investimento).


médio e ingressantes no ensino superior, e para superar esse problema, é preciso investir”. Dessa forma, sustenta Juca Gil, “o MEC não pode tergiversar, falar um número aleatório de investimento, mas objetivamente apresentar dados que levem aos 7%. Pelos números que temos, precisa dobrar o investimento”. Opinião semelhante tem o professor Nelson Cardoso do Amaral, do programa de pós-graduação em educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ele explica que um montante equivalente a 8,5% do PIB seria necessário para garantir um padrão mínimo de qualidade para os níveis infantil, fundamental e médio. “Além disso, é preciso investir no ensino superior, o que nos leva a 10% do PIB”. Desafios da educação brasileira - Outra forma de projetar o investimento necessário em educação é estimar a elevação de gastos a partir dos desafios postos para as diferentes etapas e modalidades de ensino. Na educação básica elas são: Educação Infantil (creche e pré-escola); Ensino Fundamental (9 séries); Ensino Médio, que compreende também o Normal/Magistério e integrado à Educação Profissional (3 séries); Educação Especial; Educação de Jovens e Adultos (EJA - etapas fundamental e médio); e Educação Profissional. Para cada etapa, é preciso analisar diferentes variáveis, tais como número de matrículas, proporção da população que frequenta estabelecimentos por nível de escolaridade e rede de ensino (pública ou privada), número e escolaridade de professores nas etapas e modalidades de ensino; remuneração docente; e avaliação de qualidade do ensino por resultado no IDEB. Estudo do Observatório

De olho nas metas do PNE O MEC não apresentou, juntamente com o projeto de lei 8.035/2010 encaminhado ao Congresso, um diagnóstico com os principais desafios da educação brasileira. Também não divulgou as notas técnicas do estudo que supostamente justificam o valor de 7% do PIB em investimento público em educação. Dentre as metas do novo PNE que demandam aumento do investimento público em educação, é possível elencar, por exemplo:

META 1 é 2016, A universalização, até do atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, e a ampliação, até 2020, da oferta de educação infantil de forma a atender a 50% da população de até 3 anos;

META 2 ino em A oferta de ensino tempo integral em 50% das escolas públicas de educação básica;

da Equidade aponta que, em relação ao atendimento educacional, o Brasil ultrapassou em 2009 as 50 milhões de matrículas, mas ainda segue muito distante de atender as 85 milhões de pessoas em idade educacional. A proporção de pessoas fora da escola chega a 70% entre jovens de 18 e 24 anos. Entre os 15 e 17 anos, apenas 51% dos jovens cursam o ensino médio. Além disso, de acordo com o IBGE/PNAD 2009, no ensino superior a rede privada concentra 78% das matrículas. Nas creches, apenas 18,4% das crianças são atendidas. Já nas idades de quatro a cinco anos, 74,8% estão na escola. Infraestrutura - Quanto à infraestrutura, cerca de 30% das escolas de ensino fundamental não possuem biblioteca, laboratório de informática e acesso à Internet. Além disso, os laboratórios de ciências “não existem no ensino fundamental” e os “laboratórios de ciências e

META 3 A elevação da taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta;;

META 4 A eliminação, até 2020, do analfabetismo absoluto e a redução em 50% da taxa de analfabetismo funcional;

a prática laboratorial”, que são “condição essencial para a aprendizagem e desenvolvimento do pensamento científico e competências investigativas” foi implantado em 4% das escolas de ensino médio, de acordo com dados do estudo. Mas é no campo que estão os principais desafios. O Observatório da Equidade aponta que “pelo Censo Escolar de 2009, quase 20% não possuem energia elétrica. Está na faixa de 90% a quantidade de escolas sem biblioteca e laboratório de informática. Menos de 1% dos estabelecimentos de ensino no campo estão equipados com laboratórios de ciências”. Já em relação à acessibilidade de pessoas com deficiência, “em 2005 eram apenas 5,2% das escolas com dependências e vias adequadas para este segmento da população. Em 2009 elas ainda são muito poucas: 11,2%”. O projeto de lei do novo Plano Nacional de Educação também coloca como

META 5 Valorização do magistério público da educação básica a fim de aproximar o rendimento médio do profissional do magistério com mais de onze anos de escolaridade do rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente.

um desafio a valorização do magistério. Atualmente, são cerca de dois milhões de professores(as) na educação básica. De acordo com o Observatório da Equidade, submetidos a “condições de progressiva perda de status social e de desqualificação do trabalho docente, os professores vêm sendo acometidos pelos baixos salários, o que induz à excessiva carga horária e quantidade de turmas, e pela pouca qualidade de grande parte dos cursos de formação, geralmente fornecidos por instituições privadas, submetidas a um regime relativamente frouxo de fiscalização”. No ensino fundamental, 32% dos profissionais ainda não são licenciados e é necessário “um esforço para formar, com qualidade, cerca de 650 mil professores”.

Com informações da Ação Educativa e Campanha Nacional Pelo Direito à Educação www.campanhaeducacao.org.br

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Entrevista: André Martins

Tentáculos da privatização A investida empresarial no campo da educação ocorre através de “parcerias” entre fundações e institutos com governos e por meio da venda dos pacotes de “mercadoria-educação”

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m entrevista exclusiva à Revista Paulo Freire, o professor André da Silva Martins, doutor pela Universidade Federal de Juiz de Fora/Mg, revela de forma bastante esclarecedora como o empresariado tem avançado seus tentáculos na educação pública, uma tragédia sem precedentes. Para ele, a investida empresarial no campo da educação vem sendo delineada a partir de duas estratégias centrais concomitantes ou não. A primeira envolve a política de “parcerias” entre fundações e institutos empresariais com secretarias estaduais e municipais de educação para difusão de modelos educacionais considerados mais eficazes; essa estratégia envolve cursos de formação político-pedagógica de diretores, coordenadores e professores destinados a prepará-los para realizar uma educação eficiente. Ele cita, nesse caso, os exemplos da Fundação Vale; Instituto Airton Senna e Fundação Lemann. A segunda estratégia envolve empresas que vendem a “mercadoria-educação”. Por meio de contratos comerciais com prefeituras, sobretudo, as empresas vendem serviços educacionais (os chamados modelos pedagógicos ou sistemas de ensino apostilados, incluindo treinamento de professores, apostilas e apoio didático) com o objetivo de obtenção de altos lucros. André Martisn não tem dúvida: a concepção de mundo que se expressa através das apostilas é a visão burguesa da realidade, ainda que de forma sutil. Alguns exemplos de empresas: COC, Objetivo, OPET, Positivo, Anglo e Expoente. Os empresários desejam uma educação dos filhos da classe trabalhadora que se alinhe aos objetivos imediatos: assegurar a coesão social, disciplinar e também aumentar a eficiência produtiva dos futuros trabalhadores, mantendo-os de forma subordinada nas relações sociais capitalistas. E os professores nesse processo? André Martins lembra que a concepção empresarial de ensino exige que o professor não pense, simplesmente faça! Certamente a vida do professor começa a perder o sentido. Para ele o grande desafio dos professores e das entidades dos trabalhadores, como o SINTESE, é ultrapassar o plano dos enunciados gerais sobre educação pública para caminhar na definição de um projeto contra-hegemônico de educação.


“O grande desafio afio é ultrapassarmos mos o plano dos geraiis enunciadoss gerais ucação sobre educação pública para harmos na caminharmos ição de um definição jeto contraprojeto gemônico de hegemônico ducação” educação”

Revista Paulo Freire – O Ministério da Educação, as secretarias de educação dos estados e municípios têm projeto definido de educação para este País? André Martins - Creio que sim! Esse projeto se traduz nas políticas de educação desenvolvidas ao longo das últimas duas décadas (anos de 1990 e 2000) e nas formulações que foram atualizadas para os anos de 2010. Envolve um conjunto de aspectos com níveis distintos de articulação, com variações somente de ênfases. Um exemplo: em alguns estados, a avaliação de desempenho docente é um fato; em outros, ainda se encontra em fase inicial de aplicação. O eixo que articula o Ministério da Educação, secretarias estaduais e municipais é a “eficiência” ou “eficácia” do sistema educacional a partir de princípios questionáveis. Sobre os efeitos desse projeto, no momento, podemos traçar algumas hipóteses. O ponto de partida para esse exercício é a sintomática manifestação da secretária de Estado de Educação dos EUA (Governos Clinton e Bush), Diane Ravitch. Segundo ela, um projeto baseado em metas de desempenho, testes padronizados, avaliação de desempenho de professores, fechamento de escolas mal avaliadas, ao invés de melhorar a qualidade da educação, está contri-

buindo para treinar pessoas para fazer provas e não formar pessoas para atuar no mundo real. Se a educação brasileira for mantida sob essa orientação, os efeitos poderão ser muito negativos, como já constata a Ravitch. RPF – Todas as vezes que são divulgados índices de avaliação do ensino no País, aponta-se a educação pública como o “pato feio” em oposição à educação privada. É isso mesmo? AM - De forma objetiva: em geral, a leitura predominante dos índices indica que a escola pública não pode ser tomada como referência de qualidade de educação no país. Essa verdade construída só revela parte de algo bem mais complexo. Por exemplo: os indicadores não revelam aspectos importantes que influenciam de modo direto e indireto o ensino-aprendizagem. Por exemplo: as condições infra-estruturais das escolas. Não revela também o impacto das políticas educacionais (no âmbito federal, estadual e municipal) dos últimos 10, 20 ou 30 anos sobre a escola pública. Ler os índices de forma objetiva e fria, hierarquizando escolas, é uma opção político-ideológica que não resolve o problema. A meu ver, ao contrário, agrava o problema. Veja bem, se fica “comprovada” a ine-

ficiência da escola pública, abre-se o caminho para medidas pragmáticas inspiradas adas no “mundo dos negócios” para ordenar as escolas. Em síntese, os aspectos gerados pelas avaliações ressaltam o aluno como um produto da escola produzido pelo professor, tal como no modelo fabril. Isso é trágico para a formação humana, pois o ser social é coisificado. RPF – Temos assistido nos últimos anos organizações empresariais que se revelam preocupadas com a educação pública. Isso não é gratuito. O que está em jogo? AM - Tenho me dedicado a investigar esse fenômeno a partir da análise de fundações empresariais. Posso afirmar que o interesse dos empresários com a educação pública está ligado à atualização de seu projeto de sociedade (como devemos viver juntos) e de sociabilidade (como devemos nos comportar socialmente). O que está em jogo? O conteúdo da formação técnico-científica e ético-política. Isso significa que a classe empresarial quer ordenar a formação da coletividade, instruindo a forma de sentir/pensar/ agir das futuras gerações. Deseja uma educação dos filhos da classe trabalhadora que se alinhe aos objetivos imediatos: assegurar a

coesão social, disciplinar e também aumentar a eficiência produtiva dos futuros trabalhadores, mantendo-os de forma subordinada nas relações sociais capitalistas. RPF – Como essa ganância privada sob a educação pública interfere no currículo e nos livros didáticos da escola e na formação de novos professores nas universidades? AM - As pesquisas que estamos realizando nos autorizam afirmar que a investida empresarial no campo da educação vem sendo delineada a partir de duas estratégias centrais concomitantes ou não. A primeira envolve a política de “parcerias” entre fundações e institutos empresariais com secretarias estaduais e municipais de educação para difusão de modelos educacionais considerados mais eficazes; essa estratégia envolve cursos de formação político-pedagógica de diretores, coordenadores e professores destinados a prepará-los para realizar uma educação eficiente. Posso citar alguns exemplos de continua>>

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Entrevista: André Martins organizações empresariais que realizam esta ação: Fundação Vale; Instituto Airton Senna e Fundação Lemann. A segunda estratégia envolve empresas que vendem a “mercadoria-educação”. Por meio de contratos comerciais com prefeituras, sobretudo, as empresas vendem serviços educacionais (os chamados modelos pedagógicos ou sistemas de ensino apostilados, incluindo treinamento de professores, apostilas e apoio didático) com o objetivo de obtenção de lucro, diga-se de passagem, muito lucro. Certamente, a concepção de mundo que se expressa através das apostilas as é a visão burguesa da realidade, ainda quee de forma sutil. Alguns guns exemplos de empresas: COC, Objetivo, OPET, Positivo, Anglo e Expoente.

“O empresários “Os desejam uma educação dos filhos da classe trabalhadora que assegure coesão social, discipline e também aumente a eficiência produtiva”

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Estamos diante de um fenômeno novo que muito vem agradando aos governantes. RPF – Quais as consequências do modelo empresarial na educação pública no tocante à metodologia de ensino e o trabalho cotidiano dos professores? O que muda na vida do professor? AM - Uma das principais consequências é a intensificação do trabalho docente, produzindo a precarização desse trabalho e, o que Karl Marx denomina, e o estranhamento do professor com o processo de seu trabalho e mesmo o estranhamento com as pessoas envolvidas em seu processo de trabalho. perspectiva é de simplifiAp car o trabalho docente, tornando-o rotineiro e maquinando nal. O trabalho docente que é quase um trabalho complexo de tipo artesanal, pois que requer tempoi po e escolhas, tende a se configurar como um trabalho simples e mecanizado. A concepção empresarial dde ensino exige que o professor profes não pense, simplesmente faça! profesCertamente a vida do p sentisor começa a perder o se do, pois a sua subjetividade subjetividad e a identidade coletiva com a qual ele compartilha passam ameaçadas. As proa ficar amea duções científicas de Crisduçõe tophe Dejours e de Richard Sennet ajudam a entender esse fenômeno devastador. RPF – Quais as alternativas públicas a esse tipo de educação? AM - A alternativa passa pela construção de um projeto de educação construído na perspectiva dos interesses históricos da classe trabalhadora. Considerando que a classe empresarial também defende uma “educação pública de qualidade” – veja o exemplo dos organismos

Todos pela Educação, cujo nome já é emblemático −, o grande desafio é ultrapassarmos o plano dos enunciados gerais sobre educação pública para caminharmos na definição de um projeto contra-hegemônico de educação. Para tanto, é necessária a construção de uma vontade coletiva que torne viável a construção do projeto que o mesmo não se torne uma peça sem significado. Esse projeto precisa pensar as questões amplas da educação escolar e também as questões específicas, tais como: avaliação, métodos de ensino e, sobretudo, como lidar com o conhecimento científico expresso na forma de conteúdo escolar. Portanto, a tarefa envolve a construção e validação pedagógica e social de um projeto contra-hegemônico de educação. RPF - Qual o papel dos sindicatos dos trabalhadores em educação nesse processo? AM - A primeira tarefa é assumir o protagonismo da construção do projeto contra-hegemônico na educação, mobilizando as bases, uma construção que deve ser coletiva. Outra observação: considerando que a luta pela educação pública na perspectiva dos interesses históricos da classe trabalhadora é ainda, infelizmente, uma luta dos trabalhadores em educação, os sindicatos de professores assumem a tarefa de singular importância. Isto é, caberá a esses sindicatos mobilizar outros trabalhadores em defesa do projeto alternativo. Penso que a direção e militantes do SINTESE compartilham dessa compreensão. Por esse motivo, acredito que a experiência sindical e a capacidade organizativa do SINTESE serão decisivas nesse processo.

Livros Introdução à sociologia - É uma cartilha feita pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) que faz parte do Programa de Formação da Entidade. Apresenta questões centrais sobre a construção do conhecimento em sociologia e a construção das ciências sociais. | Autor: Eudson de Castro Ferreira Editora: CNTE - R$ 15 Diálogos da perplexidade - reflexões críticas sobre a mídia - Lima, professor aposentado da UnB e fundador e pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre a Mídia da mesma universidade. O formato é realmente um diálogo, uma conversa com perguntas e respostas dos dois autores sobre jornalismo, ideologia, liberdade de expressão, mídia e política, democratização da comunicação, entre outros temas. | Autores: Bernardo Kucinski e Venício A. de Lima Editora: Perseu Abramo - R$ 22 Ensaios sobre consciência e emancipação - Os ensaios apresentados neste livro procuram recolocar a questão na perspectiva daqueles que não aceitam os limites da ordem do capital, da mercadoria e do Estado, reafirmando que o movimento da consciência corresponde ao processo de formação de nossa classe, primeiro como classe em si, depois como a possibilidade de se constituir como um sujeito histórico, como classe para si. |Autor: Mauro lasi. Editora: Expressão Popular R$ 15.

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Avaliação de Desempenho

A escola como bolha: a dissociação entre a escola e a realidade *Neilton Diniz* Esse tipo de temática, ao longo das últimas décadas, tem sido orientado como um dos grandes fatores capaz de promover o problema do sucesso estudantil, lançando uma luz sobre a difícil tarefa de desenvolvimento do nosso país. De fato, “gregos” e “troianos” apontam para a educação como um viés fundamental para o desenvolvimento de uma nação, inclusive trazendo à baila exemplos diversos de como ao investir no sistema educacional, países arrastados por eventos de grandes proporções, retomaram a sua caminhada apostando na educação como ponto nevrálgico para a superação dos seus entraves econômicos e sociais. No Brasil não foi diferente, uma rápida olhada pela nossa história, mostrará que o quesito educação sempre foi chamado como variável fundamental para o atendimento às demandas modernas que uma sociedade industrial requeria. Evidentemente, as respostas a essas demandas não foram uniformes, nem poderiam ser, pois vivíamos a disputa pela hegemonia social de duas concepções de desenvolvimento que eram externalizadas em conflitos políticos bem fervorosos e que levou, no período populista da história brasileira, influenciado diretamente pela Guerra Fria, a uma instabilidade política que, entre outras coisas, ocasionou o suicídio de um presidente e um golpe de estado, instalando um regime de exceção. O Neoliberalismo no campo educacional consolidou

de uma visão educacional marcadamente mercantilizada e, em vista disso, a própria noção de escola passou a ser confundida com a noção de empresa. Daí decorria a introdução não só de uma visão de escola, mas acima disso, de uma visão de mundo construída sob a égide do mercado. Na prática, as escolas foram inundadas por programas adaptados das grandes empresas, destacando-se o PDE da Escola, que entre outras coisas, apontava para uma gestão compartilhada e para tanto, a escola deveria mudar a forma de organização e utilizar instrumentos que a possibilitassem fazer uma avaliação mais precisa de suas forças, fraquezas, potencialidades etc. Via-se no preenchimento desses instrumentais e na aplicação de uma concepção empresarial para dentro das redes de educação do país, a possibilidade de resolução de grande parte do problema do sucesso escolar, pois a identificação das disciplinas críticas, a formatação de um Projeto Político Pedagógico a partir dessa linha de raciocínio, o estabelecimento de parcerias com a comunidade escolar e extra-escolar, resultariam numa escola mais eficiente e eficaz. Aliado a esse procedimento, assistimos à introdução do Prêmio Gestão como forma de incentivo às escolas, professores e equipe diretiva, reforçando o aspecto competitivo, comum aos grandes conglomerados. A década de 90, portanto, foi pródiga em duas coisas, centrando-se nas redes de ensino do país: o alastramento da ideia de que o problema

A avaliação é autoritária; contaminada pela lógica do mercado; transferidora de responsabilidades; por não ajudar a melhorar a escola e o sistema de ensino da educação era gerencial e, portanto, um choque de gestão empresarial, formataria as mudanças desejadas; havia uma ineficiência no serviço público, só erradicada pelo estabelecimento de parcerias e o compartilhamento da gestão, o que não significava a democratização da gestão escolar. A centralização da resolução dos problemas da educação no aspecto gerencial transferiu em alta monta, a responsabilidade desse processo para os espaços internos da escola, o que provocou uma culpabilização dos atores da ponta do processo pelo fracasso escolar dos alunos, mais detidamente, o professor e a professora. Dito isso, impõe-se para

nós a necessidade de discutir, não só a concepção de escola indicada pela noção neoliberal hegemônica no Brasil na década de 90, como também, a noção de avaliação que veio atrelada a mesma. Está claro para nós que a noção de escola defendida pelo neoliberalismo está estribada na ideia de um currículo que se forjou na busca de uma escola que atendesse aos reclamos do mercado. Não é coincidente a discussão sobre um ensino que se voltasse para habilidades e competências, embora esse tipo de escola não esteja preso a apenas essa formulação curricular, mas também, ao reforço do tecnicismo vivido pela educação brasileira, pois ambos os movimentos direcionaram a escola para a fragilização da educação com o objetivo do conhecimento e da criticidade aguçada, tendo em vista a necessidade de cumpridores de tarefas.

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Especial: Avaliação de Desempenho

A avaliação não deve ser um sistema de prêmios, castigos, exclusão, demissão e estigmatização como no mercado

A concretização desse processo deu-se no aligeiramento da educação perpetrado na disseminação de programas de alfabetização que são permeados por execuções de tarefas educacionais, capazes de provocarem reflexos mecânicos, resultando na redução da prática docente ao monitoramento da ação do educando e a um engessamento de sua prática e criatividade, além da constante supervisão do seu trabalho. Outro retrato da construção neoliberal na educação brasileira é a política de exame. Precisamente não é a existência dos referidos exames o problema, mas a sua utilização, como parâmetro norteador das políticas educacionais e a sua sistemática que, através de um conjunto de perguntas pontuais de dois componentes, como português e matemática, nas séries iniciais e finais, apontam para a ideia de que corrigindo a educação dada no interior da escola, alcançaremos os índices internacionalmente aceitos. Portanto, na essência, a educação é o resultado intenso da relação construída entre os educadores e as educadoras, inclusive a prática didática com os educandos e as educandas, resultando da referida relação à essência do fracasso ou do sucesso dos alunos e das alunas. Estabelecido o argumento, detenho-me na noção de variável independente indicada no ÍNDICE GUIA o instrumento que buscará a avaliação do docente da rede estadual de Sergipe, pois no fundo, o desejo primevo cla-

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reado nas páginas iniciais do modelo de aplicação, é o da criação de um espaço que de fato gere aprendizagem. Tal espaço deve conter uma prática que inviabilize qualquer fator externo que produza a possibilidade da não consecução do objetivo principal da escola. Nesse sentido, o professorado deve está atento para a máxima de que pode haver uma educação efetiva mesmo diante da escassez de recursos e da mais tremenda situação adversa. A variável independente é a máxima de que o processo real da educação prescinde de profissionais habilitados, dedicados e exclusivos, capazes da leitura das diversas situações presentes na rotina da sala de aula e pronto, leia-se disponível para o atendimento imediato às demandas que a qualidade da educação requer. Os fatores externos, tais como a falta de insumos, a falta de professores nas diversas cadeiras, a estrutura física das escolas, não podem ser invocados como essenciais para a determinação do fracasso, pois a escola leia-se bem os instrumentais do PDE escola, tem potencialidades que devem ser desenvolvidas capazes de neutralizar essas variáveis e impulsionar o ensino de qualidade num terreno pedregoso e de difícil acesso. Para briosa tarefa é necessária a construção de um ambiente escolar que crie uma noção de pertencimento capaz de gerar uma identidade tão exclusivista, na qual as identidades individuais sucumbirão aos interesses do ente maior que é a escola, esta envolta num ambiente de pressão para ser reconhecida no tecido social como excelente cumpridora do seu dever: ensinar. Essa nova sociabilidade é nefasta, embora pareça absolutamente atraente, pois a cultura da ausência de tensão e conflitos deve permear a rotina escolar e, imbuídos do cumprimento estrito do seu dever, o

professor e a professora deverão empenhar-se na consecução das metas previamente estabelecidas com os seus alunos e as suas alunas, à vista dos resultados obtidos pelos mesmos a partir da avaliação bimestral. Decorre daí, duas consequências soterradoras do senso de pertencimento de classe e da noção da escola como lócus das teias sociais tecidas pela forte interação de sujeitos que apresentam uma cosmovisão muitas vezes divergente, mas que é absolutamente legítima: 1 - a competição como instrumento principal da construção e de uma rotina vencedora; 2 – a exclusão como consequência direta daqueles que insistirem romper os acordos e o falso consenso construído, ou mesmo, aqueles e aquelas que se mostrarem incapazes de atingir as metas estabelecidas pelo grupo. A sublimação do senso de pertencimento a uma classe fará com que as construções no interior da escola sejam vistas de forma falseada, não se revelando como conflitos de classe que, uma vez descortinado, provocará a libertação necessária e a contraposição efetiva ao modelo de consenso autoritário estabelecido. Para, além disso, o falseamento da realidade não apresentará o Estado como o principal agente desse novo tipo de sociabilidade e o principal interesse que aparece por trás da dissociação da escola da sua realidade social, o que beira em conceber a escola com um fim em si mesmo, resultando para a conquista do sucesso a solução das patologias, mantendo o todo coeso, mesmo admitindo a sua complexidade e diversidade. (próprio da solidariedade orgânica durkheimiana, mas também, para fazer jus à leitura estruturalista do marxismo, próprio da escola como Aparelho Ideológico do Estado, presente na elaboração de Louis Althusser). O destaque dado à categorização dos professores e pro-

fessoras, como de excelência e insuficiente e a monitoração da prática dos segundos pelos primeiros, dá a exata noção de como a tarefa solidária entre nós será escanteada, pois o patrulhamento, a desconfiança, a tensão, as disputas serão as marcas da relação funesta a ser estabelecida. O outro limite da noção do Índice Guia sobre avaliação e a escola como variável independente, é o total desprezo pela noção de tempo de aprendizagem. Partir do princípio de que a realização de tarefas em sala de aula resultará no aprendizado pretendido é desprezar a construção diversa a que está sujeito o fenômeno de ensino e aprendizagem. O ser humano é um todo, e a tarefa de aprender prescinde o reconhecimento de um ser holístico e inteiramente condicionado pelas diversas variáveis que incidem sobre a sua existência. Não nos parece salutar o desprezo pela diversidade humana presente na escola e a tentativa obscurantista de homogeneizar o corpo discente e docente. Nessa tentativa de independer a escola de fatores externos, o Índice Guia cria uma bolha obscurantista e envolve a escola numa realidade fratricida em relação à luta dos trabalhadores frente às resoluções dos problemas físicos e de concepção presentes na escola, alem , é claro, do enfrentamento à hegemonia burguesa de sociedade que aguça as desigualdades e freia a consciência de classe, necessária para os trabalhadores e as trabalhadoras assumirem seu papel historicamente construído de sujeitos de uma nova ordem social. Portanto, “Trabalhadores Uni-vos” para derrotar mais uma faceta burguesa de dirigir a escola para ser o lócus da manutenção do status quo. *Professor Mestre Diretor do Departamento para as Bases Municipais do SINTESE.


Seus direitos

A estabilidade e a avaliação de desempenho Franklin Magalhães* A Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, trouxe, dentro de si um paradoxo decorrente da atuação das forças que disputaram o seu texto. A pretexto de proteger o trabalhador, afastou-se a possibilidade de opção pelo FGTS ou pela estabilidade decenal(1), na iniciativa privada, tornando obrigatória a vinculação ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e, no setor público, garantiu-se a estabilidade para os servidores contratados através de concurso público e para aqueles que ingressaram no serviço estatal até 05 de outubro de 1988, ainda que sem concurso. Ao mesmo tempo, ordenou-se que, dali em diante, o Estado não mais poderia contratar sem a realização de certame. No médio prazo, portanto, todos os funcionários públicos gozariam de estabilidade. No Estado, a estabilidade surgiu com o fito de evitar a perseguição política e garantir, minimamente, a continuidade do serviço no caso de alternância de poder, ou seja, com a sua existência, os servidores públicos podem se manifestar livremente, e a população pode se sentir igualmente tranquila por saber que a mudança dos mandatários não importa em solução de continuidade dos serviços estatais. Essas garantias eram reduzidas na Constituição

de 1967, pois ali se abria a possibilidade de contratação sem concurso, de modo que os servidores tornavam-se empregados públicos, demissíveis da mesma forma que os trabalhadores da iniciativa privada optantes pelo FGTS. Em 1988, inaugurou-se uma nova etapa, universalizando o certame como regra de acesso e prescrevendo que, após dois anos no serviço, os servidores passavam a ser estáveis, somente podendo perder os cargos mediante a apuração de falta em processo administrativo, ou por sentença judicial. Com o correr dos anos, introduziu-se no Texto Magno, uma modificação que tem o nítido objetivo de fazer pender sobre o pescoço do servidor uma espada de Dâmocles, uma ameaça constante. Os idealizadores da regra alardeavam que o medo da perda do cargo forçaria o servi-

dor ao trabalho dedicado, mas o seu desejo real era afastar esse grupo da contestação da sua situação, pondo-o à distância da vindicação por melhores condições de vida e trabalho, de modo a viabilizar a fragilização do Estado. No ideário liberal, o Estado tem que se restringir a garantir a administração da justiça e a prestação da segurança, tudo o mais deve ser explorado pela iniciativa privada, de sorte que necessário reduzir a arrecadação de tributos e demitir servidores. A estabilidade impunha um empecilho na execução do ardil. Assim, inseriu-se em 1998, através da Emenda Constitucional nº 19, uma alteração do art. 41 da Magna Lei (2), possibilitando a quebra da estabilidade, mediante avaliação periódica de desempenho. A resistência dos trabalhadores – fragilizada àquela

altura – somente foi capaz de garantir a edição de uma lei complementar ao texto constitucional como requisito para a implantação da medida. Essa lei complementar nacional, entretanto, jamais chegou a ser promulgada, especialmente por conta do fracasso do liberalismo econômico evidenciado nas incontáveis crises dos últimos anos. Apesar de, em vários entes federados, existirem leis complementares que regulam a matéria, tal legislação é ineficaz para os fi ns colimados pelos liberais – sejam eles tradicionais ou adesistas ao cadáver insepulto do liberalismo – pois atos legislativos estaduais, ou municipais não complementam a Constituição Federal. Tem-se, pois, que embora a ameaça permaneça vigendo e encante alguns governantes de plantão, ela não pode ser operacionalizada na atualidade por falta do instrumento legal regulamentar da Constituição emendada.

Advogado e coordenador da Assessoria Jurídica do SINTESE twitter: @Franklinaju 1 Até 1966, o trabalhador da iniciativa privada ganhava a estabilidade após 10 anos de serviço. A partir de então e até 1988, poderia optar pela estabilidade, ou pelo FGTS. 2 Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. § 1º O servidor público estável só perderá o cargo: I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado; II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

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Cultura

Ainda há uma esperança! Ângela Melo* A história oficial, invariavelmente, é a historia dos brancos, ricos e poderosos. Os trabalhadores e suas lutas aparecem como coadjuvantes e estigmatizados como massa vencida, derrotada. Para o SINTESE, a história é outra. Os trabalhadores têm papel de protagonistas. Por isso, homens e mulheres que transformaram suas vidas em bandeiras de luta e de esperança para muitos, na construção de um mundo justo e livre, isto é, um mundo socialista, precisam ter seus nomes e suas histórias registradas e um lugar de destaque na vida e no coração desta e das futuras gerações. É por isso que o SINTESE não mediu esforços e desenvolveu, com a ousadia que lhe é característica, este projeto. Não é apenas uma homenagem ao extraordinário militante social, o professor Diomedes Santos da Silva, mas uma contribuição à memória de um companheiro que foi vital na história dos trabalhadores em Sergipe, especialmente do Magistério. Este projeto, concretizado em um CD e em um encarte com o resumo de sua vida, anuncia que é preciso manter muito bem acesa entre nós a chama da resistência, do compromisso e da luta por uma outra sociedade. Diomedes foi muito além de professor. Educador, na essência dessa palavra. Assumiu como prática de vida os ensinamentos de Paulo Freire. Sua atuação viva, protagonista, marcante nas Escolas, nos Sindicatos, no Partido dos Trabalhadores, na Central Única dos Trabalhadores, de-

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SINTESE lança CD com poemas musicados de Diomedes Santos da Silva

nunciava a opressão e anunciava a esperança. Em sua tão curta trajetória física entre nós, apenas 37 anos, utilizou-se da cultura para educar. Navegou pelos mundos da poesia, da música, do teatro, do cinema. A produção deste CD resgata uma parte desse Diomedes. Alguns dos seus poemas foram musicados e interpretados justamente por sua filha, Anabel Vieira, e seu genro Beto Carvalho. Este CD com os poemas musicados de Diomedes não é uma obra comercial, mas um projeto coletivo que teve mãos, vozes, talentos, empenho das companheiras e companheiros da Direção do SINTESE, dos nossos funcionários, dos músicos, de apoiadores. Que o cantar de Diomedes aqui seja lembrado como o cantar de muitos e muitos trabalhadores, especialmente os do Magistério, onde sua presença histórica é mais marcante, e sua ausência entre nós é mais sentida. No encarte que acompanha o CD, relembramos Diomedes, legando às gerações de agora e às que virão, conhecer um companheiro que foi o primeiro candidato à presidente, pela oposição, na então APMESE, entidade precursora do SINTESE. Companheiro Diomedes! Sua ausência será sempre PRESENTE! Por isso, o invocamos agora: Companheiro Diomedes, PRESENTE !

*Presidenta do SINTESE


Educação

Paulo Freire e a pedagogia da resistência Liana Torres* Paulo Regulus Neves Freire nasceu em Recife, no ano de 1921, o caçula dos cinco filhos de Joaquim Temístocles Freire e Edelturdes Neves Freire. O pai policial reformado e a mãe, dona de casa. Considerava-se um “menino conectivo” como uma característica pessoal e epistemológica(1) . Em 1937, vai para o colégio Oswaldo Cruz onde conclui o ensino médio e, em 1943, entra na faculdade de Direito do Recife, casando-se no ano seguinte com Elza Maia da Costa Oliveira, uma professora alfabetizadora com quem teve cinco filhos, nove netos e um bisneto. Em 1947, Paulo Freire era professor do Serviço Social da Indústria, de modo que mesmo formado em Direito nunca exerceu essa profissão. Em 1959 ele escreve uma tese para prestar concurso pela cadeira de filosofia da educação da Escola de Belas Artes de Pernanbuco. Texto que inspirou a sua obra Educação como prática da liberdade, publicada anos depois.

Nesse período as ideias pedagógicas de Freire assentavam-se sobre a sociologia da educação de Karl Mannheim e ainda recebiam forte influencia do Instituto Brasileiro de Filosofia – IBF, difusor à época do existencialismo – culturalista, de Jaques Maritain, um filosofo humanista cristão e do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, grupo de intelectuais católicos, representantes de uma burguesia intelectual que se julgava apta a conduzir a criação de uma cultura nacional rumo ao desenvolvimentismo. É nos anos 1950, marcado pelo pensamento vanguardista da época, que Paulo Freire vai construir a base epistemológica da sua filosofia da educação

focada numa concepção de educação como conscientização, diálogo e ação cultural. Para ele não haveria projeto nacional de desenvolvimento sem que houvesse a superação do analfabetismo adulto. Freire aproximou-se tanto dessa preocupação, talvez pelo fato de ter casado com uma alfabetizadora, a sua mulher Elza, que se dedica à construção de um método de alfabetização, centrado na concepção da educação como prática da liberdade, cujo foco deveria ser a conscientização da situação de opressão dos trabalhadores

rumo à libertação da condição de oprimido. Em 1961, Freire obtém o título de doutorado pela Universidade do Recife e em 1963, aplica seu método de alfabetização, em Angicos (RN), a um grupo de trabalhadores rurais. O método de alfabetização de adultos, criado por Freire, capaz de em 40 horas ensinar a ler, dá a ele visibilidade nacional, a ponto de levar o presidente João Goulart, ao encerramento do seu curso e, depois disso, tornar-se conhecido em todo o país. Desse modo, em janeiro de 1964, Paulo Freire foi convidado pelo governo federal para coordenar o Programa Nacional de Alfabetização, que visava alfabetizar 5 milhões de brasileiros em 2 anos. Três meses depois, os militares tomam o poder, e Paulo Freire é obrigado a exilar-se na Bocontinua>>

Momentos: infância, casa da família e foto da formatura em direito

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lívia e em seguida no Chile, onde vive até 1969, quando é obrigado pela ditadura chilena a mudar-se para os Estados Unidos, vindo a lecionar em Harvard e posteriormente se estabelece em Genebra e dali para o mundo. Em 1969, já no exílio, publica no Chile, a sua obra prima – Pedagogia do Oprimido ou a pedagogia da resistência aos processos de opressão (Scocuglia, 2003). Nessa obra, Freire defende que a educação das camadas populares deveria ao mesmo tempo servir como ascensão intelectual do trabalhador e conscientização, ou seja, promover o sujeito de um estado de consciência ingênua para a consciência crítica. A consciência ingênua tomada como aquele estado de simplismo, explicações mágicas, para a consciência livre de preconceitos, dialógica, empírica - crítica. Propõe como didática do ensino a problematização contrária à memorização e ao verbalismo, realça a relação dicotômica existente entre esse dois processos educacionais. A educação bancária

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como alienadora, e a educação problematizadora como instrumento para a libertação. Nesse aspecto, o diálogo é também instrumento didático nos círculos de cultura, lugar de reconhecimento das vozes oprimidas. Dar vez e voz aos oprimidos como estratégia de romper com a submissão e a subalternidade. Desde a Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire expôs as bases de uma filosofia da educação humanista e militante, na qual a educação tem o papel de conscientização fundada no princípio de que não basta saber ler Eva viu a uva, mas que é preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho (2) .

Paulo Freire é o filósofo da esperança, um homem que vê a educação enquanto prática utópica

Tem sido lugar comum projetos de educação de jovens e adultos dizerem basear-se no método de Paulo Freire. Em grande parte, esses projetos fazem uso indevido do seu método, negligenciando o que há de mais revolucionário na sua proposta que é o fazer pedagógico como um fazer social, político e antropológico. Como uma pedagogia contra – hegemonia dos subalternos. O la-le-li-lo-lu sem a consciência da LUTA, na concepção de educação freireana pode conduzir a apropriação do código lingüístico, mas se destituído do seu significado existencial, não transforma o ato pedagógico em ato político, porque na sua pedagogia somente a práxis reflexiva é capaz de produzir a consciência da situação de opressão rumo à transformação. O filólogo marxista Mikhail Bakhtin (1989) nos ajuda a compreender a dialogia como condição da educação emancipatória. Bakhtin, na sua filosofia da linguagem traz a compreensão da enunciação como produção vinculada à estrutura social e da interação verbal como com espaço de constituição da lilinguagem, do conhecimento e dos próprios sujeitos. Freire coloca co o diálogo no centro do processo p alfabetizador, como ato criador de sentidos e significados que se dá entre educador/educando, educad onde a leitura do mundo precede, acompanha e dá sentido à leitura da palavra. pala A epistemol mologia freirean ana supõe o ddiálogo como m mediação do at ato de educar. A filosofia da educa educação freireana se reafirma rma, sob a influência do pensamento pe de Karl Marx e António A Gramsci. Paulo Fre Freire irá agregar a sua filosofia dda educação as categorias, conflito de classe, relações sociais de produção, hegemonia, ent entendendo os partidos político políticos, sindicatos

e movimentos sociais, como lugar de formação político-pedagógica do trabalhador, apostando que se a educação mantém a sociedade é porque pode transformar aquilo que o mantém. Parabéns pela vida e pela obra de Paulo Regulus Neves Freire, ou simplesmente, Paulo Freire, esse grande filósofo da educação brasileira. À sua filosofia libertária, instrumento de emancipação humana, na qual conhecer significa libertar o oprimido do opressor. A sua educação como prática da liberdade dará luz à sua pedagogia do oprimido. À sua pedagogia que questiona os métodos de ensino tradicionais como métodos que conformam os sujeitos à realidade. Paulo Freire propõe um método inovador porque busca na prática social o conteúdo de ensino, porque propõe que a realidade existencial das pessoas seja o ponto de partida e de chegada na produção do conhecimento novo, carregado de sentido e significado existencial, potencialmente transformador, porque apoiado sobre uma realidade concreta, capaz de produz conhecimento socialmente útil. Paulo Freire é o filósofo da esperança, um homem que vê a educação enquanto prática utópica no sentido de quem vive a unidade dialética entre a denúncia e o anúncio do sonho possível de construção de uma forma de sociabilidade que represente a forma mais elevada possível de liberdade humana. Viva Paulo Freire! *Professora Doutora do Departamento de Educação da Universidade Federal de Sergipe 1 - Revista Viver Mente e Cérebro, Coleção Memória da Pedagogia. Paulo Freire: a utopia do saber, 2006 2 - Gadotti, Moacir. A voz do biógrafo. www.paulofreire.org


Imagens da Luta

Nas ruas contra a repressão: O que era para ser apenas um momento de livre exercício de cidadania acabou em caso de polícia. As diversas manifestações organizadas pelos professores das redes públicas municipais durantes desfiles cívicos de 7 de setembro em cidades do interior do estado foram duramente reprimidas e censuradas pelas prefeituras. Em Japaratuba (nesta foto) o movimento acabou conquistando o apoio da população que marchou ao lado dos educadores.

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