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Anexo – Amor incondicional: a Muna �������������������������������������������������������������

ANEXOS

Anexo – Amor incondicional: a Muna

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Quando penso em amor incondicional, imediatamente penso em filho.

A vida segue. Uma lista de perguntas.

Ao terminar a faculdade as pessoas me perguntavam: Quando vais arranjar namorado?

Quando arranjei namorado, me perguntaram: quando vais casar?

Quando casei, me perguntaram: quando vais ter um filho?

Quando tive o primeiro filho, me perguntaram: quando vais dar uma irmãzinha?

Como já estava farta da sequência infindável de perguntas sobre meu ciclo de vida social, pensei duas vezes e cheguei à conclusão: não dá, irmãzinha seria impossível!

O problema era minha memória. Para algumas situações é boa demais! Não esqueci jamais as noites não dormidas. Pensando bem, a gravidez também não foi nada agradável: três meses de enjoo, três meses com espinhas e fome cavalar, três meses não conseguindo caminhar direito e, no fim, nem respirar bem!

Bom, tudo isso me levava a buscar outra solução para a próxima demanda social denominada “cadê a maninha”. A solução seria um pet! Assim meu filho teria seu cachorrinho e quando me dissessem: cadê o maninho? eu apontaria o pet: que fofo!

Mas não podia ser um pet qualquer. Todos sabem que detesto gatos (seres egoístas, egocêntricos e narcisistas com dificuldade de manter intimidade com os seres da mesma espécie). Nunca vi ninguém dizer “olha aquele grupo de gatos brincando”, ou “como aquele gato cuida de sua família”. Já cachorro é tudo de bom!

Como sempre tive cachorros pastores alemães, imediatamente me veio à cabeça adotar um deles. Mas fui fortemente incentivada a desistir da ideia. O pastor alemão, de tanto procriar na mesma família, estava com o mesmo problema da nobreza: doenças hereditárias. Sugeriram-me um boxer. Eles são carinhosos, gostam de criança, babam..., mas o que é uma babinha perto do afeto que podem intercambiar?

Assim, fui à busca de boxer, não podia ser branco, pois branco tem câncer de pele. Ao aguardar o boxer ideal, surgiu uma situação supertriste. Uma salsicha tinha tido filhotes e eles estavam à venda! Puxa, compra de animais!

Salsichinhas também gostam de criança, me falaram, e o cocô é menor. Uhmm cocô pequeno era um bom argumento para trocar um boxer por uma salsichinha.

162 Memorial Maria Paz Loayza Hidalgo

Foi assim que comecei a entender o que é o amor incondicional. Meu filho se apaixonou por aquela salsichinha.

A salsicha era filha de dois nobres salsichões, ganhadores de inúmeras medalhas em desfiles de pets. Os humanos que venderam a salsichinha nos recomendaram fortemente colocá-la imediatamente em treino para desfiles. Mas, infelizmente, não éramos o tipo de humanos que colocam seus pets para desfiles e, assim, deixamos a salsichinha correr livremente pelos bosques (imagino que para ela o pátio da casa era uma floresta), dormir com meu filho quando bem entendesse e se expressar latindo para se fazer presente.

Os anos passaram, e meu filho e a salsichinha cresciam juntos.

O mau tempo da família chegou ao ápice na separação do casal de humanos. Eu e meu filho nos mudamos da casa de quatro andares para irmos morar no quarto andar de um edifício sem elevador. A salsichinha ficaria melhor na casa, sem dúvidas! Não, tudo errado! A salsichinha não comia mais, portanto a família passou a ser a SALSICHINHA, meu filho e eu. Por que a Salsichinha em letras maiúsculas? Porque ficou evidente que ela passou a exercer seu papel de fêmea alfa, responsável pela casa e pelo cuidado da família.

Ela facilmente trocou o bosque pelos tapetes. Todos os tapetes passaram a ter um odor cetônico um pouco forte. Sua expressão vocal passou a ser percebida por todos os humanos do edifício, o que motivou uma lista de assinaturas que questionava o direito do terceiro elemento tomar posse no seio familiar. Com isto meu filho teve sua primeira atuação política defendendo a permanência de nosso membro canino em assembleias, fazendo conchavos com outros humanos que mantêm relações com pets, o que inclui outros edifícios, uma vez que a vocalização de nossa canina atingia quadras do bairro. Tudo isto com muita chantagem emocional!

Nesse ínterim ocorreram alguns percalços. A Salsichinha tinha problemas de convívio social com seus semelhantes e com outros humanos. Nos passeios, ela não deixava ninguém se aproximar de nós e latia para todos os cachorros grandes, como se fosse uma dobermann. Com as crianças e cachorros pequenos não havia problema. Mas esta cidade tem uma quantidade enorme de humanos e de cachorros grandes. Meu filho e eu, que gostamos de passar despercebidos na rua, com a Salsichinha era impossível! Além disso, ela passou a brincar com nossos sapatos e celulares. Foi quando vi que meu filho amava aquele ser. Ao ver destruído seu celular, ele segurou a raiva, colocou a Salsichinha en su casa (seu quarto) e informou o castigo:

- Tu não vais passear durante uma semana, estás de castigo!

Ohhhh, nãããooo! Pensei eu. E agora como seria com o cocô, xixi e etc.? Pois, depois de garantida a permanência da Salsicha no edifício, ainda persistia o problema relacionado às suas necessidades básicas. Como explicar para aquele ser livre que seu quarto (su casa) era o banheiro social do apartamento e que ela deveria realizar suas necessidades de excreção ali? Foi quando lembrei a figura do adestrador.

ANEXOS

O primeiro me chegou e, depois de uma primeira avaliação, disse que não tinha horários. O segundo, depois de algumas aulas, informou que já tinha ensinado para ela tudo que ele sabia; o terceiro visitou nossa casa e nos entrevistou:

- Quando vocês decidiram ter uma canina?

- Vocês desejaram a canina?

- Vocês planejaram a canina?

- Vocês queriam a raça da canina?

Oh, oh, pensei eu: aí está o furo! Todo o complexo da Salsichinha tinha origem na minha indecisão entre um boxer e uma salsicha. Este era o motivo pelo qual ela tinha uma imagem distorcida de seu self e achava que era uma dobermann! No fim de tudo, a culpa pelos traumas da canina era minha!

Mas ainda bem que o adestrador não percebeu minha responsabilidade nos traumas da canina e disse que o problema maior era ela ser bilíngue. Sim, os comandos a que a Salsichinha respondia eram em espanhol e, portanto, ela não respondia muito bem aos comandos do adestrador brasileiro. Agora imaginem a situação: como contratar um adestrador bilíngue?

O adestrador também tinha nos informado que ela obedeceria às ordens daquele que lhe dá comida. Doce ilusão... era eu que dava a comida e ela nem aí pra mim. Ela só obedecia a meu filho que não lhe dá comida, não limpa su casa, não paga as contas! Ou seja, um amor completamente desvinculado de bens materiais ou da noção de quem mantém a vida neste apartamento.

Assim, aprendemos a ser tolerantes com as limitações do terceiro elemento da família. Ela não tinha a noção de hierarquia familiar. Ela continua se preocupando com nossa segurança (como cão de guarda) e não sabe o que é propriedade privada (muitos sapatos e outros objetos foram parar em seus dentinhos).

Mas o mais comovente é ver meu filho passeando com aquele pingo de vida, contando seus segredos mais íntimos, dormindo agarrado e brigando para ter seu espaço respeitado pelo pequeno grande ser que habita nossas terras.

Eles têm uma cumplicidade protetora e fiel, para ela meu filho é único e vice-versa. A comunicação entre os dois é clara, sem jogos, apenas brincadeiras. Apesar de não ter pisado em um desfile como miss-canina, parece ter lido O Pequeno Príncipe e se identificado com a raposa que ama seu piloto perdido no deserto de afetos e fragmentos amorosos.

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