josé simeão leal - gestão e manutenção de acervos e arquivos em artes visuais

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Distribuição gratuita, proibida a venda



APRESENTAÇÃO Dyógenes Chaves Coordenador do projeto José Simeão Leal Gestão e Manutenção de Acervos e Arquivos em Artes Visuais

Há exatos 15 anos, durante homenagem a José Simeão Leal no III Festival Nacional de Artes, em João Pessoa, o historiador José Otávio de Arruda Melo, num momento de assumida perplexidade e desconfiança com o rumo que teria o arquivo de Simeão, recém-chegado em nossa cidade por obra dos esforços de Chico Pereira, Iveraldo Lucena, Oswaldo Trigueiro e do próprio governador da Paraíba, José Maranhão, fez a seguinte indagação aos presentes:

Mesmo com esta sombria constatação, deve-se tomar como exemplo o minucioso (e apaixonado) trabalho executado pelos técnicos do NDIHR/UFPB, ao sensibilizar alunos e professores dos cursos de Arquivologia e Ciência da Informação (Biblioteconomia) e promoverem, em torno do acervo de Simeão Leal, ações com a finalidade de discutir e difundir amplamente, entre outros setores acadêmicos e da comunidade paraibana, a valorização e divulgação sobre o homem de cultura , José Simeão Leal; como também de desvelar seu acervo para pesquisas nos mais diversos matizes, alimentando necessidades acadêmico-culturais. Ao mesmo tempo, contribuir na construção e preservação da memória local paraibana, fomentando tecnologias de conservação e restauro de documentos e obras de arte; tecnologias de documentação bibliográfica e iconográfica; manutenção de arquivos e documentos da área de artes visuais; publicação de pesquisas e de estudos ligados à imensa variedade presente no acervo em questão; além de tecnologias de difusão e publicação em meios eletrônicos e virtuais.

Alguns arquivos e acervos de grandes personalidades e intelectuais ainda estão bem tratados, mas outros estão desaparecendo completamente. Agora pergunto: o que vai ser feito do acervo de Simeão Leal? Falei com Chico Pereira sobre este assunto, porque Simeão Leal cedeu obras de arte, originais, documentos, livros... e nós vamos fazer o que com isso? Será que vai ter o mesmo destino do acervo de Alberto Torres, ou da documentação de Capistrano de Abreu, ou mais recentemente, da biblioteca de José Honório Rodrigues? Inclusive, teremos condições de preservar, de instrumentalizar? Ora, porque preservar um arquivo não é apenas guardar livros nas prateleiras, documentação, quadros nas paredes etc. É articular, catalogar, divulgar, fomentar a presença de pesquisadores para a realidade do trabalho.

Ao final, pudemos constatar que, infelizmente, outros tantos arquivos e acervos de artistas plásticos, de críticos de arte e de intelectuais estarão destinados ao esquecimento e à falta de incentivo oficial se não houver uma ação imediata das autoridades competentes e responsáveis por nossa memória cultural. Graças à maciça presença de professores e alunos de Arquivologia, Artes Visuais, História e Ciência da Informação no seminário média de 100 pessoas em cada dia de palestra , e na exposição iconográfica (fotobiografia) exibida em um dos mais equipados espaços culturais da cidade, a Estação das Artes, temos a esperança de que, pelo menos, haverá um corpo técnico muito bem preparado para enfrentar as adversidades apresentadas neste projeto. Projeto, acima de tudo, de caráter elucidativo ao diagnosticar a precária situação dos arquivos públicos e privados que guardam a nossa maior riqueza cultural: a memória.

Hoje, por sorte ou ironia, temos as respostas para Arruda Melo. Depois de peregrinar entre os prédios do Hotel Globo, da Biblioteca Virgínius da Gama e Melo (do Governo do Estado) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba-IPHAEP, o arquivo de Simeão Leal foi destinado ao Núcleo de Documentação e Informação Histórica RegionalNDIHR, da Universidade Federal da Paraíba, sob a responsabilidade da professora Bernardina Freire. A partir daí, técnicos e especialistas passaram a levantar todo esse rico acervo e, inclusive promovendo diversas pesquisas e trabalhos científicos nas esferas da graduação e da pós-graduação. Após a realização do seminário Arquivos Privados: Políticas e Realidade , ocorrido ao longo deste projeto contemplado no Edital Conexão Artes Visuais, da Funarte/ Ministério da Cultura e com patrocínio da Petrobras, que contou com a contribuição de uma dúzia de especialistas, professores e técnicos com larga experiência no campo da arquivologia, das artes visuais e da ciência da informação, concluímos que nossas instituições mantenedoras e custodiadoras de arquivos e acervos públicos e privados , salvo algumas exceções, ainda não dispõem de recursos humanos e de conhecimento técnico suficientes para bem gerir, guardar, manter, organizar e, principalmente disponibilizar a memória (por meio de documentos e atividades) de nossos artistas e intelectuais, de nossa cultura.

Assim, conclamamos todos os envolvidos a refletir (e divulgar) sobre os artigos que seguem nesta documentação, também, a vida e obra desse paraibano ilustre, José Simeão Leal (e que estão disponíveis no site: www.josesimeaoleal.com.br), ... uma espécie de éminence grise da cultura brasileira. , como bem disse o escritor e intelectual, Odilon Ribeiro Coutinho.

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JOSÉ SIMEÃO LEAL, USINA CULTURAL EM MOVIMENTO Bernardina Maria Juvenal Freire de Oliveira

O homem não tem uma única e mesma vida. Tem várias arranjadas de ponta a ponta . (AUSTER, 2002)

As manifestações culturais populares de modo geral se fazem por caminhos alheios aos da tradição, pois as formas de cultura talvez estejam na visão totalizante do espaço e do tempo: é todo o espaço e todo o tempo que se pretendem racionais (TERRA, 1986, p. 26). Segundo a autora, o que se vem verificando é um processo cada vez mais intenso de universalização, e a síntese de tal processo está no desarranjo dos valores que constituíam o passado, ou seja, a tradição.

José Simeão Leal, paraibano, filho de Alfredo dos Santos Leal e Maria de Almeida Leal, nasceu na cidade de Areia/PB, completaria cem anos em 13 em novembro próximo. Estudou no Lyceu Paraibano, uma educação tradicional, pautada na estrutura política das velhas oligarquias, alvarista, epitacista e depois americista, José Simeão Leal foi educado na formação privilegiada da época. Saiu da pequena cidade de engenhos com destino à capital paraibana e, por influência do pai ingressou, em 1925, aos dezessete anos de idade, no Colégio Lyceu Paraibano, onde cursou o preparatório, obtendo grau sete¹, descobrindo, na ocasião, o grande amigo de uma vida inteira, Tomás Santa Rosa Júnior. Uma amizade alimentada por razões pessoais e intelectuais levou-os a partilharem experiências e emoções, até a separação definitiva, causada pela morte de Tomás Santa Rosa em 1956, às 10h30, no Hospital Wellington em Nova Delhi, na Índia, vítima de ataque cardíaco fulminante, assistida por José Simeão Leal que em homenagem ao amigo conclui a viagem ao oriente na companhia de Roberto Assumpção, percorrendo monumentos, embora deixasse transparecer o sofrimento da perda demonstrado por uma profunda melancolia que o acompanhara em todo o trajeto.

Com estas particularidades José Simeão Leal faz uma alusão àquele gênero de busca de informações, ou seja, escritos para si mesmos, com anotações que dão conta da sua indagação (FOUCAULT, 1992), em horizontes culturais populares, sendo ao mesmo tempo testemunha e coletor dessas manifestações. Em suas pesquisas, ele contextualiza a manifestação estudada e ainda esclarece o leitor a respeito de como foram realizadas as pesquisa, cujos conteúdos despertou interesse de folcloristas de época, a exemplo de Arthur Ramos, que solicita parte de seus dados para utilização em uma de suas publicações. Suas coletas de dados seguiam os ritos: levantamento bibliográfico de tudo que havia sido publicado nos mais diferentes suportes, jornais, revistas, livros. Lia todo o material e relacionava o nome das diversas manifestações e suas respectivas designações por região; em seguida partia para o trabalho de campo visitando grupos culturais populares e suas variadas manifestações. Anotava tudo o que via, gravava, utilizando fios de metal e fotografava quando permitido.

Aprovado em Medicina na Universidade do Recife, e, após cursar o primeiro ano, transferiu-se, em 1927, para o Rio de Janeiro, em busca de sua formação médica na Universidade do Brasil, juntamente com seus primos Aderbal Almeida e Ney, especializando-se em urologia e ginecologia, volta à Paraíba, exerce cargos públicos, realizando entre 1940 a 1945 pesquisas sobre a cultura paraibana.

Figura determinante no âmbito da produção, circulação e divulgação das obras de escritores e artistas brasileiros, Simeão Leal foi um divulgador da cultura brasileira, lançando escritores, editando obras enquanto esteve à frente do Serviço de Documentação, do antigo Ministério de Educação e Saúde, período que durou 18 anos, sete meses e sete dias. Em certo sentido, ele iniciou no Brasil o movimento editorial no campo público, ou seja, um universo de intricados meandros, de labirintos oníricos. Entrevê-se, assim, o lugar ocupado por José Simeão Leal no campo das letras, das artes, da cultura, enfim, no campo intelectual e artístico brasileiro.

Considerando o momento histórico dentro do qual vivia José Simeão Leal (1938-1946), na Paraíba, bem como a prática cotidiana que o inspirou, posso dizer que, neste ponto, ele procurou dar uma maior transparência das suas indagações etno-antropológicas, constituída de relatos informais, de anotações de campo e de observação a respeito das manifestações culturais populares. Essas notas trazem uma significativa contribuição para os estudos da cultura popular, embora seus escritos permaneçam sem nenhuma repercussão até hoje, a exemplo dos manuscritos sobre a Nau Catarineta, os Congos, a Lapinha, as danças africanas, as adivinhações, as cantigas de roda, entre outros.

No campo editorial público brasileiro José Simeão foi um descobridor nato de talentos literários, acreditando ser dever do estado à impressão, divulgação e circulação de obras, sobretudo as que discorressem sobre conteúdos que retratassem o Brasil e sua diversidade, foi com esse espírito que editou a Revista Cultura, cujas edições estenderam-se por seis anos consecutivos, através do Serviço de Documentação do

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No cerne de sua trajetória de vida, inscreveu-se o mundo, fragmentado, desconexo, ao mesmo tempo organizado, com base em um critério rigoroso, bem articulado aos valores que o presidiram. Em rápida passagem pelo percurso de vida registrase um Simeão, médico, professor, secretário de estado na Paraíba, adido cultural, representante brasileiro em vários países, jornalista, editor, amante e pesquisador da Cultural Popular, membro fundador da Associação Brasileira de Críticos de Arte, diretor da Escola de Comunicação e Artes, membro fundador da Escola Superior de Desenho Industrial, ambas no Rio de Janeiro, membro da Comissão Organizadora da I e II Bienal Internacional de São Paulo. Nesta última, atuou como curador da exposição que homenageou Eliseu Visconti, por considerá-lo o verdadeiro marco da pintura moderna no Brasil , sem menosprezar o trabalho de excepcional importância realizado por Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Lasar Segall, Di Cavalcanti e outros, pioneiros do modernismo no Brasil.

Ministério da Educação e Saúde em parceria com Tomás Santa Rosa, na qualidade de ilustrador. Essa parceria incitou não apenas essa iniciativa de publicação, mas inúmeras outras, dentre as quais citamos: Cadernos de Cultura, Revista Arquivos, catálogos de exposições de artes, Coleção Aspectos, Coleção Artistas Brasileiros, Coleção Documentos, Coleção Letras e Artes, Coleção Teatro, Coleção Vida Brasileira, Separatas de Cultura, Separatas de Arquivos, discursos, programas de ensino, revistas, jornais, Coleção Quadrante, Coleção Imagens do Brasil, Os Novos, Comédia, Documenta, Correio da Unesco, Revista Branca, RAL, Revista da FNF dentre outras.

Foi também coordenador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, além de artista plástico, escultor. Sua arte foi revelada em plena maturidade intelectual, assegura Raul Córdula em 1985, ao registrar: artista plástico de linguagem contemporânea; e isto é muito importante porque não se trata de um homem idoso, fazendo terapia através da arte, com o olhar no passado a reviver lembranças, mas de um artista com o pensamento no futuro, construindo sua arte avalizada por uma grande experiência de vida .

Testemunhando o esforço de José Simeão Leal em prol da produção literária nacional, Francisco de Assis Barbosa (2004, p. 17), ao prefaciar a obra A Vida Literária no Brasil , da autoria de Brito Broca, registra não fosse à insistência de José Simeão Leal, diretor do Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Saúde, jamais teria sido publicado o livro que lhe daria notoriedade [referindo-se a Brito Broca] e por essa razão chamou a Simeão Leal de pai do livro na primeira edição e tio da segunda, publicada por José Olympio.

Sua arte, vinda a público nos idos de 1950, projetava-se solitariamente, revelando entre linhas sinuosas, desenhos, colagens e pinturas de cores mistas, em tons avermelhados e fortes, empregando materiais diversificados, vanguardista de uma estética contemporânea. Um Simeão múltiplo, de fantasia solta, frutíferas em formas cinéticas, ilusionistas, que possibilitam túneis infinitos em espaços inquietantes. Sua obra, como afirmou Flávio de Aquino são frutos do matemático poeta . Assim, produziu arte sem prender-se a determinismos acadêmicos e críticos, revelando em sua rebeldia peculiar, a livre expressão, o fluir dos sentimentos.

A dedicação de José Simeão Leal extrapolou uma preocupação meramente quantitativa, para embarcar numa lúcida viagem editorial com o objetivo de divulgar a cultura brasileira, conforme enuncia Altimar Pimentel (2001) [...] para a cultura brasileira foi, sobretudo a alta qualidade dos livros que ele conseguiu publicar no Ministério da Educação, a coleção chamada Cadernos de Cultura, [...] uma grande quantidade de obras que dão uma visão geral da literatura no Brasil, da cultura brasileira, [...] da arte , e, ratifica Santa Cruz (1962, p. 12-13)

Simeão viveu 87 anos de múltiplos fazeres e viveres. Como bem disse Rachel de Queiroz, uma espécie de usina cultural . Ninguém sabe por que se formara em medicina, mas deve tê-lo feito cumprindo aquela obrigação a que todo moço de boa família , na província², é praticamente forçado: possuir o diploma de doutor. Que eu saiba nunca o vi ou ouvi falando em assuntos médicos. E na verdade foi ele que mudou o nome do Ministério da Educação e Saúde para Ministério de Educação e Cultura .

[...] nesses três anos de sua renovação, o Serviço de Documentação do MEC editou mais de 2 milhões e meio de volumes, distribuídos por todo o Brasil e pelo estrangeiro, sobretudo os de edições bilíngues e trilíngues, levando as letras, as artes e a cultura brasileira aos principais países do Velho, do Novo Mundo e da Ásia.

Sempre interessado em artes plásticas, foi diretor e consultor cultural do MAM; nos últimos anos de vida, já meio combalido por aquele exigente e exigido coração, o paraibano dedicou-se mais à pintura e ao desenho. Tenho aqui, diante dos olhos, o último presente que ele me mandou (o nosso intermediário era o porteiro dele, que fora antes nosso porteiro aqui no Leblon). É uma folha quase branca, com um grande círculo amarelo-avermelhado, solitário, no meio do branco, dando uma impressão solar de luminosidade, solidão, beleza (QUEIROZ, 1996).

O depoimento de Santa Cruz chama a atenção não apenas para o aspecto quantitativo do número de publicações, mas de maneira lúcida e serena para o entrecruzamento entre leitura e circulação. Trata-se de uma forma amena de revelar a expansão que ganhou o discurso literário e cultural de época, a partir da distribuição e circulação da produção editorial posta em prática por José Simeão Leal, fonte de divulgação da cultura nacional, com essa brasilidade viva e única.

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Com todas essas virtudes literárias, plásticas e culturais, Simeão cultivava a arte particular de se fazer querido. Encontrá-lo na rua, na casa dos outros, nas editoras, era sempre uma festa, de risadas, de informações curiosas, irônicas, engraçadas. Oportunidade única para Rachel de Queiroz testemunhar em crônica a conversa interessantíssima entre ambos: A última vez em que o encontrei, na rua, depois de conversarmos um pouco, Simeão se despediu às pressas, porque Eloah já o esperava não sei onde e eu disse: Adeus, minha flor . E ele, que fizera a meia-volta para ir embora, virou-se para mim e deu aquele sorriso aberto: Adorei ser sua flor! . Foi a última vez em que nos vimos. Falávamos ao telefone. Eloah às vezes se queixava das estripulias que ele cometia contra a saúde; mas principalmente falávamos de quem escreveu isto e aquilo, de quem andava pintando uma barbaridade; ah, Simeão, os artistas brasileiros perderam um grande animador e mestre.

Ultimamente Simeão andava mais esquisito, queixava-se Raquel de Queiroz. Já doente, quase não telefona. A gente fica velho, fica ingrato , disse-me ele certo dia. E não se referia só a ele, mas principalmente a mim, velha também. Foi quando lhe agradeci entusiasmadamente o quadro do sol vermelho . Prossegue a autora em crônica/homenagem a José Simeão Leal, uma espécie de despedida, pois a morte triunfou: Ah, vida, vida. Longa demais, curta demais. Os melhores estão indo embora, tantos, tantos, que até assusta a agente, que talvez por medo da solidão, pensa em ir embora também. Será que por aí está crescendo nova geração de boas cabeças, de belos talentos, para tomar o lugar dos que se vão? Simeão diria que sim, ele acreditava nos moços, principalmente nos moços.

Assim, Rachel de Queiroz emenda as pontas do fio e arremata sua homenagem póstuma ao grande amigo, com a discussão sempre oportuna de que José Simeão Leal cumpriu a vida de forma plena. Todavia, Simeão continua e está entre nós!

Fonte: Arquivo José Simeão Leal (NDHIR/UFPB)

Notas

Bernadina Maria Juvenal Freire de Oliveira é Professora do Departamento de Ciência da Informação da UFPB; Mestre em Ciência da Informação; Doutora em Letras; Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação/ PPGCI/UFPB; pesquisadora e admiradora da vida e obra de José Simeão Leal.

¹ Conforme Livro de Atas 1920 a 1928, página 01, miolo do livro, pertencente ao Arquivo do Colégio Lyceu Paraibano João Pessoa/PB. ² Estou usando o termo província não como uma unidade administrativa, posto que para a época o correto fosse Estado, mas estou utilizando-o com o significado de uma região com ideias provincianas e arraigadas nos moldes tradicionais da classe média e alta de ter um doutor na família.

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SIMEÃO LEAL, UM CÃO TENTADOR Francisco (Chico) Pereira da Silva Júnior

Falar de José Simeão Leal é lembrar um tempo da cultura brasileira. De uma nação que ingressava na era da industrialização e saía de uma ditadura manipulada astuciosamente por um civil que se apossara dos ideais revolucionários de 1922, eclodidos em 1930, episódio que incluiria a Paraíba, terra de Simeão.

Humaitá, no Rio de Janeiro. Era um local maravilhoso. Quieto e impregnado de sabedoria. Nem parecia ser abrigo de uma alma buliçosa. As paredes adornadas de Portinari, Di Cavalcanti, Ivan Serpa, Milton Dacosta, e pedestais com obras de Bruno Giorgi, entre as quais um busto da sua Eloah, sua companheira de todas as horas. No teto, móbiles de Alexander Calder, dos poucos em mãos de particulares no Brasil.

Tudo isso passaria pela vida deste também astucioso intelectual paraibano, cujas ações em benefício da cultura nacional começaram na Paraíba, com uma aprendizagem de certa forma telúrica em relação à paisagem da sua terra ou da própria sensibilidade que seria sua principal ferramenta para entender os fatos da história e dos acontecimentos, que teriam, nele mesmo, um senhor agente.

No chão se pisava tapetes persas, autênticos, trazidos por ele das suas andanças quando o turismo ainda não havia vulgarizado o mundo exótico. Móveis de Joaquim Tenreiro se espalhavam pelas salas. Sobre eles bronzes de cêra perdida com imagens de divindades indianas. Tudo original, tudo de bom gosto para um casal que sempre recebia o mundo cultural e social de um Rio de Janeiro ainda Capital da República. Por lá passavam, quase sempre, Drummond, Vinicius, Zé Lins, Darcy Ribeiro, Rachel de Queiroz, Ataulfo Alves e suas pastoras, embaixadores, políticos, artistas, tudo sob a batuta gastronômica de forno e fogão de Eloah. Era um centro efervescente de ideias e de conversas numa época em que a cultura e a vida andavam de mãos dadas.

A minha compreensão de José Simeão Leal é muito pessoal, pois gozei da sua intimidade num momento já distante da glória e poder que ele exercia. Quando suas reflexões sobre o mundo que ele vivera já esvanecia pelas rápidas mudanças sociais e culturais, num país que ingressara no viés de um desenvolvimento militarizado, tecnicista e desalmado, diferente daquele vivido por ele, que mesmo herdeiro da ditadura do Estado Novo produzira uma concepção de nação baseada nos princípios das identidades brasileiras, que teve à frente pessoas iluminadas como ele.

A transferência da Capital para o Planalto Central foi um terror para essa elite pensante que tinha assento nas coisas do governo federal, entre eles Simeão. Tirá-lo do Rio de Janeiro era uma grande perda, ele que era um motor cultural a mover com seu dinamismo a produção de livros, de exposições, de intercâmbios, de reuniões. O Rio de Janeiro não poderia viver sem Simeão. Aí encontraram uma solução quando foi deslocado para outras e novas tarefas, encerrando o ciclo iniciado em 1947, à frente do Serviço de Documentação do antigo Ministério de Educação e Saúde, setor por ele transformado na mais instigante e produtiva editora da cultura naquela época, além de outras iniciativas que tanto contribuíram para o conhecimento e difusão da cultura brasileira no país no exterior.

Tornei-me, assim, um aprendiz e menos arrogante nas minhas concepções, quando fui, devagarzinho, a cada encontro, descobrindo nele o oráculo que tanto precisava para colocar em ordem meus pensamentos sobre arte e sobre certas coisas da vida, entre as quais aquelas prazerosas que poderiam ser consumidas de maneira mais elegante e não apenas para saciar nossos desejos imediatos. Daí a razão, talvez, do meu desinteresse em procurar Simeão de maneira acadêmica, como faz, por exemplo, sua grande amiga (que ele não conheceu), a professora Bernardina Freire, que na sua acuidade sobre documentos outros pertences de Simeão, vai de maneira cirúrgica recompondo a vida dele, fazendo ligaduras, separando tecidos, desinfetando agentes nocivos, aplicando medicações que lentamente vão trazendo à vida um ser maravilhoso que estava prestes a desaparecer do nosso convívio. Logo ele que tanto fez pela memória cultural da nossa Paraíba e depois do Brasil.

A tudo isto que era tão visível não se promovia Simeão. Todos sabiam das suas performances à frente dessas iniciativas, e de tão natural sua generosidade, encarada por ele como um dever de ofício, que grande parte desses acontecimentos não é citado nos registros e documentos da época. Hoje se fazendo necessário, por quantiguidade, buscar essas informações, coisas que certamente já se faz a partir de exames do seu próprio fundo arquivístico, sob os cuidados da UFPB.

Decidi ver Simeão através da nossa convivência, nas intermináveis conversas na sua biblioteca, local que me abrigava quando ele me hospedava em sua residência, no

Houve um momento em que fiquei muito apreensivo com o destino desse acervo que aportou na Paraíba, entregue que foi

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Chico Pereira e o governador José Maranhão na mostra em homenagem a Simeão Leal, 1997

ao Governo do Estado, um patrimônio gerado pelas ações de uma pessoa, testemunha e agente de uma época heróica e emblemática para o Brasil, quando a nação ainda trafegava na dependência dos agentes externos e precisava encontrar seu verdadeiro perfil cultural, ainda embaçado pela sua origem ibérica, escravocata, agropecuarista e semi-industrial.

obra em que o autor descreve a origem dessa embarcação tão comum na paisagem dos mares nordestinos, uma das mais belas obras editada por Simeão. Com uma postura sempre bem humorada, Simeão conquistava mentes e corações. Disse-me uma vez sua esposa, Eloah, que o que mais atraiu sua atenção em Simeão fora a sua inteligência. Por outro lado disse-me ele certa vez, julgando a si próprio: sou um sujeito feio, mas não sei por que, as mulheres me adoram . Certamente ele sabia que era seu charme, certo encantamento no vestir, o seu linguajar de paraibano num meio sofisticado, sem procurar ser diferente, sendo ele mesmo, às vezes explosivo diante do cinismo ou da burrice, coisas que ele não perdoava.

Se o movimento de 22 e a Revolução de 1930 não se completaram na sua essência, desviados que foram pelas oligarquias e interesses dos Estados hegemônicos, a cultura buscava em si mesma encontrar caminhos próprios entre influências externas e identidades regionais, num país de dimensões continentais, sem estradas e de pouca instrução. Uma federação que só no Estado Novo é que veio forçosamente a se reconhecer como uma grande nação, muito mais pela propaganda getulista da era do rádio ou mesmo da programação de uma base educacional unificada de cunho ufanista e nacionalista, do que propriamente por uma ação crítica de seus valores.

Sempre fora assim, dizem os mais velhos que o conheceram no tempo do Serviço de Documentação, da embaixada no Chile, na criação da Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro. Para mim, a partir da época que o conheci, quando me encontrava à frente do Museu de Arte, em Campina Grande, em 1969. E então nos sucessivos cargos que ele veio ocupar e que pude testemunhar, a exemplo da Escola de Comunicação da UFRJ ou no Museu de Arte Moderna, o MAM do Rio de Janeiro.

A presença de Simeão na cena pós-getulista veio atender essa necessidade, não por ele projetada, mas pela oportunidade que ele se apropriou de fazer despontar e rolar as boas ideias, diferentes modos de pensar, das novidades e das coisas que se faziam importantes circular em todos os lugares, de se conhecer o Brasil pelos brasileiros e não só no território dos que já sabiam das coisas. De se projetar e reconhecer as tradições da cultura popular, das expressões da cultura erudita, da geografia revisitada, da história brasileira vista sob diferentes visões; também sobre as culturas emergente do pós-guerra que se desdobravam na Europa e nos Estados Unidos, procurando entender o mundo ressurgindo das cinzas, as novas estéticas, as novas ideias filosóficas e as contradições culturais advindas da Guerra Fria.

Tive o privilégio da sua convivência e intimidade por mais de vinte anos. Tornei-me um confidente das suas alegrias, dores e decepções. Muitas das quais confirmadas a mim por Eloah, durante os dias em que, ao seu lado, íamos empacotando o grande acervo que veio a ser doado à sua Paraíba. A mesma Eloah que tantas vezes nos serviu à mesa, que participou das nossas conversas, mas que nunca se mostrara na sua intimidade, e que só com muita solicitação permitiu que eu incorporasse ao acervo suas cartas íntimas, reveladoras do amor e da grande companheira que foi de Simeão, demonstrado no enorme esforço que teve, doente e na velhice, de organizar tudo que era a vontade de Simeão para que esse testemunho documental não se perdesse, e nele se incorporasse para a posteridade as provas da sua lealdade. Quando me foi confiado essa tarefa por Simeão, pelo que ele sabia de mim, certamente não seria eu a pessoa ideal para organizar sistematicamente seu acervo. Mas tenho certeza que tanto ele como Eloah sabiam que eu poderia encontrar caminhos para que esta preciosidade não se perdesse. Eles estavam certos. Daí porque nossas providências não foram particulares, mas engajadas pelas autoridades paraibanas que se mostraram sensibilizadas com a responsabilidade da vinda do acervo, fato que testemunhamos. O então Secretário de

Paralelo à produção de livros, coletâneas, revistas e outras iniciativas, uma vasta documentação subterrânea de cartas, bilhetes, recados, ou de forma clara papéis oficiais, revelam uma intensa correspondência entre ele e os que ele editava ou protegia, num projeto despojado para amplificação da cultura nacional. Ele sabia da importância dessa atitude, e os outros da certeza de que na mão dele as coisas aconteciam. Entre tantos documentos dessa natureza, alguns de carinhosas intimidades como um bilhete de Drummond perguntando a Simeão se ele já acrescentara uma cordinha no violão do seu livro Viola de Bolso , da coleção Cadernos de Cultura, ou de Câmara Cascudo indagando se ele já havia colocado mais um madeira na sua jangada, naturalmente se referindo a edição do livro A Jangada ,

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Educação e Cultura, Prof. Iveraldo Lucena, que não mediu esforços para essa empresa, custeando as despesas dessa transferência. O gerente da VASP na Paraíba, João Madruga, que junto à direção da empresa montou uma verdadeira operação de guerra para transportar de avião centenas de caixas, superando sutilmente problemas de ordem fiscal e sem contabilização nominal do material. E o próprio Governador da época, José Targino Maranhão, que se envolveu diretamente, se responsabilizando pelo acervo e fazendo sua apresentação pública no Palácio do Governo.

preocupação para que seu acervo não se perdesse ou se despedaçasse. Mas do que uma afirmação de valor documental, o acervo de Simeão Leal está se transformando também numa coisa sentimental, projetado através das suas imagens, das suas correspondências e seus trabalhos artísticos. Não é por menos que numa carta a ele dirigida por seu grande amigo Roberto Asumpção, então embaixador brasileiro na França, sobre as peripécias do nosso conterrâneo, chamou-o certa vez de Cão Tentador , certamente por conta do seu charme em envolver pessoas à sua convivência.

A partir dessa operação, muitos percalços aconteceram, pois não estávamos ainda preparados para receber tamanha demanda. Mas é importante registrar a presença da bibliotecária Débora Chaves na primeira tarefa de catalogação das obras (infelizmente extraviada por conta das andanças do acervo), e de tantos outros colaboradores que se envolveram. Importante também lembrar a presença do artista plástico e pesquisador Dyógenes Chaves, responsável que foi pela embalagem e transferência de esculturas em ferro que permaneciam no Rio de Janeiro, que exigiam embalagens especiais e por isto não foram enviadas naquele primeiro momento.

Gostaria imensamente que todos vocês tivessem gozado como eu da amizade e da convivência de Simeão. Posso afirmar que ter tido essa oportunidade foi também um privilégio e uma felicidade. Infelizmente ele que não se deixava entrevistar, me aguardou muito tempo para essa tarefa. Eu achava que Simeão era eterno. E negligenciando essa oportunidade perdemos para sempre confidências e detalhes da sua vida, industriosa, reta e dignificante. Nunca me perdoei por esta falha. Acho que vou ter que me explicar a ele quando nos encontrarmos algum dia em qualquer lugar do infinito. Até lá vou me penitenciando ajudando como posso na difusão da sua obra.

Mas registramos que foi exatamente a presença da Profa. Bernardina Freire, contratada com a sua equipe de estagiários pela Subsecretaria de Cultura que o acervo de Simeão tomou finalmente um destino, a partir da recuperação de documentos e dando início à sua catalogação, registros que contribuíram para a sistematização do acervo e sua transformação num fundo arquivístico que toma corpo como fonte de pesquisa e de apresentação pública do seu valor, por meio de exposições, publicações e de encontros cada vez mais frequentes e que vão reconstruindo a personalidade de Simeão e suas ações.

Francisco (Chico) Pereira da Silva Júnior é Artista plástico, professor aposentado do Depto. de Artes Visuais da UFPB e membro da ABCA

E é exatamente pela modéstia de Simeão em não divulgar seus feitos que se estabeleceu uma lacuna referente às suas ações. Conhece-se a obra mas não se sabe do seu criador. Daí a importância de se mostrar por inteiro seu perfil para que o Brasil não só o reverencie mas se reconheça nele o elo perdido de uma corrente sem o qual não se pode compreender um período histórico decisivo para afirmação da cultura brasileira. Essa tarefa cada vez mais atraindo pessoas, mais do que uma trabalho de investigação e descobertas traz em si a força carismática de Simeão. É um imã de grande força que passa a exercer uma energia gravitacional para os que dele se aproximem. Essa atração possivelmente ele já sabia. Daí sua

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SIMEÃO LEAL ENSINOU O BRASIL A LER... Gonzaga Rodrigues

O perfil que geralmente guardamos ou fixamos de José Simeão Leal dá cores fortes, destaca o administrador cultural com alma de artista. Era esta a sua grande inclinação, o seu gozo espiritual insuspeitável até quando, no ambiente do Rio, fazendo Medicina, as artes começam a exercer sobre ele o seu sortilégio.

Ninguém, em tempo algum, conseguiu difundir, distribuir instrumentos de formação intelectual ou cultural mais do que a simples divisão do MEC confiada no fim dos anos 40 ao nosso Mecenas público. A Livraria Globo, dos irmãos Bertaso, de Porto Alegre, foi, como empresa particular, um gigante na divulgação da literatura e do pensamento clássicos num momento em que os monoglotas do Brasil, para conhecer Dostoiévski ou Goethe, tinham de recorrer às traduções importadas de Portugal. Não tenho nada contra os avós portugueses, devo-lhes grandes favores e grandes momentos de absorção literária quando os vejo no seu próprio texto, de Camões a Saramago. Mas como tradutores, pelo menos os que nos chegaram, eram mais eles do que os autores. Camus português fica devendo muito ao Camus da escola de tradutores brasileira. Na tradução do Werter, só como exemplo, Antonio Feliciano de Castilho, o tradutor, tem seu nome no lugar de Goethe. E assim a maioria das obras que compõe o acervo de traduções dos clássicos estrangeiros pelo nossos co-irmãos do além-mar.

Vinha de uma família política que chegara ao poder com o Monsenhor Walfredo Leal, até aí limitada às fronteiras do Estado, culminando com o estrelato de José Américo, seu tio, que se converte em legenda nacional, alçado ao cume da Revolução de 30, do grande ministro das secas, do candidato à presidência e, num extremo de autoridade moral e intelectual, no homem que deu um basta à ditadura de Getúlio. Simeão tinha tudo para atuar e pontificar na política. Tinha até experiência administrativa nos seus primeiros anos de formado, na Paraíba, com passagem discreta pela imprensa. Moderno, bem informado, criou como auxiliar de segundo escalão no governo da Paraíba o DSP, o Departamento de Serviço Público, uma espécie de DASP, o antigo órgão federal que ditava as ordens no comportamento do servidor público.

Quase como um recado, uma mensagem alvissareira, José Simeão inicia a sua universidade humanística, dos Cadernos de Cultura, com a lição de Paulo Rónai no número 3 da coleção, que é a Escola de Tradutores. É o papel dessa escola que possibilita o programa de difusão clássica da Editora Globo.

José Simeão poderia ter crescido nessa área, chegado à Câmara, ir até mais longe, e ser nome de uma das nossas ruas importantes. Mas encantou-se pelas fantasias da vida cultural incrementadas pelo apego à leitura, a sua grande formadora, desde a leitura clássica das estantes da Paraíba à leitura dos modernos, a mesma de que se abeberava o seu contemporâneo na Paraíba, Mário Pedrosa. Pedrosa é um pernambucano criado e bem vivido na Paraíba. De uma família igualmente política. Como Simeão, emigrou cedo, mas por motivações diferentes. Não deviam se cruzar politicamente: Pedrosa foi à Europa formar no exército de trotskistas; Simeão, sem ser seu contrário, sem ser um alienado, limitava-se a acompanhar esse tempestuoso cenário com seus personagens e figurantes.

É preciso ver a riquíssima abrangência da coleção universitária dos Cadernos de Cultura. Feitos para ensinar, para informar e formar em todos os ramos da atividade cultural: teatro, música, artes plásticas, artes visuais, biografias, poesia, numa sucessão de títulos jamais alcançada. Foi esta coleção que me salvou da cultura de almanaque, oferecendo-me alguma profundidade naquilo que compete a um jornalista e homem de letras saber. Quem Simeão chamou para me oferecer alguma fumaça sobre Arquitetura, eu que não sou coisa nenhuma em matéria de especialização. Chamou ninguém menos que Lúcio Costa, com seu Caderno sobre a Arquitetura Brasileira. Deixei de ver as coisas como um cego. A maior lição sobre o conto, a narrativa que teve no tempo de Simeão seu grande momento no Brasil, a maior lição me veio do livrinho de Herman Lima, Variações sobre o conto . Lição que nunca perdeu a atualidade, que me deixa sobranceiro tanto para ler o conto clássico de Maupassant como o de Katherine Mansfield ou de Cortazar. Ganhei certa consciência e isso me inibiu.

E deu-se às artes. Nem tanto para assiná-Ias, o que fazia com muita discrição e parcimônia, mas pelo encantamento que ele se dispôs a dividir com o público, sobretudo com os que não tiveram os seus privilégios de formação e cultura. Simeão foi tão comunista quanto Mário Pedrosa, não pelo manual do marxismo ou pela filiação ao partido, mas pelo seu papel na socialização cultural.

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A PRESENÇA DE JOSÉ SIMEÃO LEAL NOS CENÁRIOS CULTURAIS BRASILEIROS Kelly Cristiane Queiroz Barros

Hoje, minha contribuição se fará em torno da presença de José Simeão Leal nos cenários culturais brasileiros em três momentos de sua vida profissional e pessoal. No primeiro momento, será abordada sua atuação como editor público do Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Saúde (MES), posteriormente denominado Ministério da Educação e Cultura (MEC), dando ênfase à herança recebida por ele neste lugar de divulgação cultural, que foi este ministério, e sua contribuição original.

Quantas lições a universidade dos Cadernos de Simeão Leal não difundiu? Tenho a impressão que chegaram a mais de 180 títulos. O finado Waldemar Duarte conseguiu reunir a coleção completa. Um tesouro que a cultura oficial de hoje está longe de avaliar. A cultura oficial de hoje, em cujo Ministério ninguém sabe o titular, está longe, muito longe de se advertir da imperiosidade de uma reedição dos Cadernos. Não se limitou a ser homem de uma arte só. Abraçou todas as artes, na sua paixão humanística, no gozo de suas descobertas, quando disponibilizou em mãos distantes e remotas o saber que as metrópoles ainda hoje concentram. Ensinou o Brasil a ler dando grandes gargalhadas das boas intenções do Padre Anchieta, que no verso de Machado de Assis, Ensinava sorrindo às outras gentes / Pela língua do amor e da piedade . Com seu humor crítico, era, também, a língua de Simeão.

Em seguida, veremos como Simeão Leal saiu de seu gabinete no 9º andar do Palácio Capanema e foi ao encontro da cultura popular tendo realizado importante trabalho de coleta de registros da cultura popular, material que se encontra em seu Arquivo Privado Pessoal e ainda inédito. No terceiro momento, abordaremos a experiência de José Simeão Leal como artista plástico dando destaque para as exposições que realizou e as características de sua produção artística.

Luis Gonzaga Rodrigues é Jornalista e escritor paraibano, ex-presidente da Associação Paraibana de Letras

O Ministério da Educação O Ministério da Educação e Saúde foi criado por Getúlio Vargas em 14 de novembro de 1930 com o nome oficial de Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública. Tornou-se Ministério da Educação e Saúde em 13 de janeiro de 1937 e foi transformado em Ministério da Educação e Cultura em 25 de julho de 1953. Funcionou de 1945 a 1960, ano de transferência da capital do país do Rio de Janeiro para Brasília, no edifício conhecido como Palácio Gustavo Capanema, chamado assim em homenagem ao seu idealizador e ministro da Educação e Saúde durante o período de 1934 e 1945. Ao chegar ao Ministério da Educação e Saúde (MES), José Simeão Leal se deparou com a herança desse famoso ministro que deu respaldo a artistas renovadores, que buscavam uma linguagem para um novo Brasil (SEGRE et al, 2005, p.5). A concepção do edifício partiu da necessidade de diferenciá-lo do modelo de edifícios estatais que estavam sendo construídos durante o primeiro governo Vargas. O Palácio teve como referências para sua concepção artistas de vanguarda, como Le Corbusier, Portinari, Bruno Giorgi, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, nele foram integradas obras de arte, esculturas e murais, com a arquitetura moderna representativa das novas ideias que circulavam entre os grupos intelectuais no Brasil e no exterior, mas buscavam construir sentidos e representar algumas das peculiaridades da cultura nacional, como uma

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Rio de Janeiro; [?] Rio de Janeiro; 1949, 1950

imagem de homem e de mulher brasileiros, assim como histórias universais como o projeto da escultura do Prometeu acorrentado de Lipchitz e o Julgamento de Salomão.

Rio de Janeiro; 1953, 1954, 1955 Rio de Janeiro; 1958

Apesar das idas e vindas do projeto, o palácio Capanema foi inaugurado em 3 de outubro de 1945 (GOMES, 2000) e tornouse símbolo da mentalidade do ministro e seu desejo de converter o MES em um centro de cultura artística [quer] ficou demonstrado na intenção de adquirir obras de pintores da vanguarda (SEGRE et al, 2005, p. 12).

Rio de Janeiro; 1958 Rio de Janeiro; 1961 Rio de Janeiro; 1976 Rio de Janeiro; 1961

O ministério era considerado, entre os próprios intelectuais, como um lugar especial. Deste local foi construída uma imagem de um espaço distinto do restante do aparelho de Estado (GOMES, 2000, p.14), um lugar arejado , heterogêneo, um ministério 'revolucionário' (GOMES, 2000, p.15).

Paris e Nova Deli; 1951, 1956 e 1960 Santiago do Chile; 1965-1967 Veneza; 1950 Rio de Janeiro; décadas de 1950-1990 Rio de Janeiro; 1971-1979 Rio de Janeiro; 1969

No período em que Capanema foi ministro da educação, foi estabelecida uma rede de sociabilidades entre o ministro e os intelectuais brasileiros de destaque nas décadas de 1930 e 1940. Foi neste lócus e com esta herança que José Simeão Leal se deparou e desenvolveu suas ações inovadoras como divulgador cultural.

Rio de Janeiro; 1979

Quadro 1 Informações biográficas (corte espaço-temporal). Fonte: BARROS, 2012, p.107-108

Quando Simeão Leal ingressou neste Ministério, servir como Casa Publicadora e disseminadora de cultura era uma função secundária do Serviço de Documentação (SD). Entretanto, dez anos depois, o SD passou a desenvolver funções de divulgação da cultura e grande parte desse novo aspecto do setor foi uma construção de José Simeão Leal. Colaborando com esse pensamento, a edição do Jornal do Comércio de 09 de novembro de 1958 descreveu da seguinte maneira a transformação pela qual passara o SD:

O processo de transformação desse ministério em um agente de cultura já vinha se delineando desde a década de 1940 e José Simeão Leal fez parte do período mais dinâmico deste processo, remodelando e ampliando as atribuições do Serviço de Documentação, até então considerado um órgão responsável pela impressão dos atos oficiais. Suas qualidades como administrador foram somadas as qualidades pessoais e o fizeram ampliar suas redes de sociabilidade, o permitiu circular entre a elite intelectual brasileira e exercer funções diversas no campo da cultura, como podemos observar no quadro 1: REFERÊNCIA ESPAÇO-TEMPORAL Recife/ Rio de Janeiro; 1928-1933 Rio de Janeiro/ João Pessoa; 1933- [?] João Pessoa; 1938-1943 [?] João Pessoa; 1940-1943 João Pessoa; 1940-1943 João Pessoa; 1940-1943 João Pessoa; 1941-1944 Rio de Janeiro; 1947-1965 Rio de Janeiro; 1949- [?]

Diretor Escola Comunicação/ UFRJ Comissário Coordenador de Exposição da Bienal de São Paulo Professor da Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil Membro da Comissão Nacional de Folclore (CNFL) Aluno da Escola Superior de Guerra Membro da Associação Internacional de Críticos de Arte Presidente da Associação Brasileira de Críticos de Arte Membro do Conselho Técnico do Museu Nacional de Belas Artes Representante do Brasil em Conferências da UNESCO Adido Cultural do Brasil no Chile Representante do Brasil na XXV Bienal de Veneza Artista Plástico Diretor Escola Comunicação UFRJ Professor da Faculdade de Letras da UFRJ Diretor do Museu de Arte Moderna

Em 1947, assumiu José Simeão Leal a direção do Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Cultura. Começou não apenas a renovação gráfica, mas o grande desenvolvimento e prestígio especial que passaram a ter, com os novos rumos traçados, as publicações oficiais, pela revista Arquivos , do MEC. As publicações oficiais eram até então em nosso país de um caráter muito restrito, sem interesse nenhum para o público leitor em geral e muito menos para todos os que se interessam pelas coisas do livro e da cultura. (JORNAL DO COMÉRCIO, 09 Nov. 1958).

FUNÇÃO EXERCIDA Estudante de Medicina Médico Policial-médico Chefe do Serviço de Recenseamento Pesquisador Inquérito alimentar Pesquisador de Cultura Popular Diretor no Departamento de Serviço Público da Paraíba (DASP) Diretor do Serviço de Documentação do MES/MEC Membro de comissões do Museu de Arte Moderna

De acordo com os vestígios que encontramos em seu acervo, o SD tornou-se uma instituição de informação com as seguintes competências: reunir, catalogar, classificar todo elemento que interesse direta e indiretamente às questões educacionais e culturais ligadas a esse Ministério, com o objetivo de criar meios coligidos e ordenados que facilitem amplo serviço de informações, estudos, pesquisas e divulgação; promover exposições, conferências sobre temas culturais e

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artísticos, fazer publicações de interesse cultural, artístico, científico e educacional; estabelecer intercâmbio no país e no estrangeiro [...] documentar a história cultural e educacional do país [...] (OLIVEIRA, 2009, p. 132).

Podemos ver, também, que as relações nascidas no exercício de função pública foram estendidas para a vida pessoal. Como identificou Duarte (2001) em seu estudo sobre a Revista Cultura [...] o convívio de Simeão com seus pares também se dava nos espaços sociais, nas universidades, nos eventos culturais, missões oficiais, numa infindável gama de expedientes (DUARTE, 2001, p. 41).

Ao contrário do que poderia ocorrer com iniciativas inovadoras, as novas atribuições do SD e a responsabilidade de Simeão Leal nestas mudanças foram reconhecidas pelos homens de seu tempo, é o que fica evidente nas cartas de intelectuais e notas publicadas em diversos jornais brasileiros que deixaram seus testemunhos sobre a ativa atuação de Simeão Leal no período:

Entretanto, o mesmo autor também identificou um ofuscamento da contribuição de José Simeão Leal entre as décadas de 1940 e 1950, pelas ausências de referências a ele e a suas atividades profissionais nos veículos de comunicação e em trabalhos acadêmicos após sua saída do Ministério. Como nos diz o autor, durante suas pesquisas bibliográficas, poucas foram as referenciais à Revista Cultura e José Simeão Leal. apenas algumas, no geral eram as publicações do Ministério da Educação e Saúde (DUARTE, 2001, p. 35).

a quantos titulares sobreviveu José Simeão Leal! É que ele se tornou insubstituível. É porque realizou obra que nenhum outro poderia ter realizado: transformou o Serviço de Documentação do Ministério da Cultura em serviço de documentação da cultura brasileira. (Otto Maria Carpeaux, 1965, Acervo José Simeão Leal; apud OLIVEIRA, 2009, p. 133) Simeão [...] foi, na verdade, uma espécie de usina cultural. (Raquel de Queiroz, Jornal Estado de São Paulo, 06 Jul. 1966) [o Serviço de Documentação é] uma verdadeira academia ativa, frequentada pelos clássicos, neoclássicos, modernos, contemporâneos. Revolucionário a vanguardistas do mundo das letras e das artes. Pode assim, no tumulto dessa frequência diária, que é a própria cultura em ebulição. (GAZETA DE NOTÍCIAS, 06 set.1952).

Mas, pelos múltiplos indícios preservados em seu acervo podemos afirmar que Simeão Leal se situa entre os grandes editores nacionais que contribuíram para o delineamento do que foi o mercado editorial brasileiro, na época, e fez parte do pequeno grupo de editores que, no eixo Rio-São Paulo, tornando-se referência para os escritores já consagrados no país e para aqueles em busca de sua primeira publicação.

A fotografia 1 é representativa da dinâmica cotidiana do SD que servia como local de encontro de intelectuais, artistas, jornalistas, aspirantes a escritores, escritores já consagrados entre outros visitantes. Segundo as testemunhas da época, era surpreendente a quantidade de pessoas, conhecidas e desconhecidas, que subiam ao 9º andar em busca de publicações, favores, um bate papo ou para reuniões de trabalho com seu diretor.

Podemos colocar seu nome entre os de Augusto Meyer, que atuou no Instituto Nacional do Livro, Enio Silveira, a frente da Civilização Brasileira, e outros editores privados que muito mais do que comerciantes foram parceiros de artistas e escritores, contribuindo com a formação de milhares de leitores no país. Sua postura a frente do SD o caracterizou como parceiro. Neste sentido, Celso Kelly o descreveu da seguinte maneira: Não o editor dos lucros, imaginando uma carreira de sucesso de livraria; porém o editor intelectual, o que experimenta o indivisível prazer em contemplar, na letra de fôrma, um belo original, ou um texto debutante de um jovem, ou um assunto particularizado (desses que nunca têm divulgação). (apud OLIVEIRA, 2009, p. 155).

A qualidade das edições do SD foram amplamente comentadas na imprensa da época e, de acordo com Duarte (2001), as edições que saiam de suas prensas foram marcadas pelo design gráfico moderno. Não podemos esquecer que durante muitos anos José Simeão Leal lecionou diagramação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, função que exigia dele estar sempre atualizado com as novidades editoriais. Além do convívio com escritores e intelectuais, Simeão construiu desde muito cedo uma relação de proximidade com o mundo

Fotografia 1 Fernando Tude de Souza, José Simeão Leal, Herman Lima e Afrânio Coutinho. Serviço de Documentação, Ministério de Educação e Cultura, Rio de Janeiro, década de 1950. Fonte: Acervo José Simeão Leal (JSL_Ft-347)

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artístico. Essa integração se tornou oficial quando passou a representar o Brasil em bienais de arte no país e no exterior, quando passou a contribuir com a Fundação Bienal de São Paulo, gestor de instituições museais (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro) e membro fundador de associações de críticos de arte. A Cultura Popular e a Arte Além de suas atribuições como divulgador cultural e sua interação com membros da elite intelectual, José Simeão Leal também foi um criador e um pesquisador atualizado da cultura popular brasileira. Neste sentido, podemos destacar suas atividades como pesquisador da cultura popular e como artista plástico.

Sua carreira como artista plástico se iniciou quando já estava desligado do Ministério da Educação, em junho de 1981 na Itália. Simeão foi um dos três artistas brasileiros a expor suas obras de arte na Galleria Sagittaria, cidade de Pordenoni. Com ele, expuseram os escultores Sérgio Camargo e Tunga, recebendo críticas positivas nos jornais italianos que o categorizaram entre os artistas da corrente do Cinetismo (Il Piccolo, 1981). No Brasil, sua primeira exposição individual aconteceu em 1984, na Fundação Escola do Serviço Público, Rio de Janeiro. No ano seguinte, em homenagem a seu estado natal, suas obras foram expostas no Senado Federal. A última exposição individual em vida aconteceu no ano de 1992, novamente no Rio de janeiro. A Galeria do Instituto Brasil Estados Unidos recebeu suas obras entre agosto e setembro deste ano.

Fotografia 2 José Simeão Leal em coleta de registros da cultura popular. Fonte: Acervo José Simeão Leal, s/nº; OLIVEIRA, 2011, p. 123.

Seu acervo privado pessoal possui material ainda não analisado ou publicado sobre cultura popular na Paraíba: dezenas de páginas manuscritas e áudio gravado aqui na Paraíba, na década de 1950. Trazemos abaixo um quadro com os principais temas pesquisados por ele: MANIFESTAÇÕES DA CULTURA POPULAR Adágios/Provérbios/Frases Congos Advinhações Danças Antigas do Interior Auto de Natal Danças Dramáticas: Africanos Boi Tungão Danças Dramáticas: Aruenda Brincadeiras Infantis/Charadas Danças Dramáticas: Cambinda Bumba Meu Boi Danças Dramáticas: Catirina Candomblé/Catimbó Danças Dramáticas: Siriri Cantigas de Cego Danças Indígenas Cantigas Imorais Cavalo Marinho Cantigas de Ninar Cocos

Dicionário termos populares Emboladas Fados Histórias/Anedotas

Lapinha Lendas Marujadas Modinhas Nau Catarineta Orações Parlenda Partituras de canção popular Pastoril Pelejas Plaquetas Poesia Popular

Fotografia 3 Exposição de José Simeão Leal na Galeria do Instituto Brasil-Estados Unidos (IBEU), Rio de Janeiro, 1992. Fonte: Acervo José Simeão Leal, JSL_Ft-458.

Mais de uma década após sua morte, sua carreira como artista foi relembrada em sua terra natal. Entre junho e julho de 2011, a Usina Cultural Energisa, em João Pessoa, recebeu a exposição José Simeão Leal: homem de cultura , e em setembro do mesmo ano, a cidade de Areia acolheu a exposição José Simeão Leal, homem de cultura, filho da terra composta por obras de diversas técnicas e esculturas em metal. E agora, temos mais uma oportunidade para contemplarmos José Simeão Leal em suas múltiplas dimensões na Estação das Artes, Estação Cabo Branco Ciência, Cultura e Artes, que recebe a mostra iconográfica José Simeão Leal, homem de cultura .

Apesar de permanecer rodeado por escritores e intelectuais, Simeão nunca publicou nada pelo SD como autor. As únicas produções assinadas por ele trataram de cultura popular e foram publicadas em revistas de circulação restrita. Sua grande paixão, de fato, foi a arte. Como contribuição e experiência do outro lado da mesa do SD, Simeão conseguiu deixar uma marca original neste campo que podemos conhecer através das dezenas de obras preservadas em seu acervo.

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ARQUIVOS PRIVADOS E ARQUIVOS DE FAMÍLIAS: ADMINISTRAÇÃO DA PROPRIEDADE Zeny Duarte de Miranda

Início de uma comunicação

No seu acervo de arte, encontramos obras abstratas, geométricas, feitas em papel, colagens e esculturas em ferro. Suas composições geométricas utilizam cores básicas e são excepcionalmente minuciosas. Elas são representativas da sua genialidade e dos elementos que o definiram como artista original.

Estas minhas palavras justificam, muito por alto, o meu silêncio, depois de um tempo em que me vi envolvida nas questões pontuais que se referiam a políticas públicas de informação arquivísticas e, mais precisamente, na busca por definições e resoluções acerca das políticas públicas de arquivos privados, especificamente pessoais e familiares. Minhas prerrogativas servem para significar uma linha de continuidade. Voltei e quero rever essa temática do ponto onde deixei.

Kelly Cristiane Queiroz Barros é Mestre em Ciência da Informação (PPGCI/UFPB)

Ao ritmo possível da minha complicada vida profissional, como o é a vida dos docentes das Ifes do Brasil, em que a gestão eficaz do tempo não é um atributo positivo, mas uma total falha, irei aproveitar este importantíssimo Seminário, a nível nacional, para me posicionar sobre arquivos de indivíduos e de famílias, há muito sem haver delineamento capaz de encontrar soluções plausíveis, tal como as concebo, no âmbito do projeto formativo em nível de meus estudos, desde a tese defendida (DUARTE, 2000) e, posteriormente, nas publicações surgidas de minhas inquietações acerca do tema em foco.

Referências BARROS, Kelly Cristiane Queiroz. Rede humana de relações: relações de sociabilidade a partir do acervo fotográfico de José Simeão Leal. 144 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2012. DUARTE, Patrício Araújo. Revista Cultura: modernidade gráfica e informacional João Pessoa. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação). Universidade Federal da Paraíba, 2001. GOMES, Ângela de Castro. O ministro e sua correspondência: projeto político e sociabilidade intelectual. In: ______ (Org.). Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. p.13-47. IL PICCOLO. Tre artisti dal Brasile alla galleria Sagittaria, 09 Mai. 1981. JORNAL DO COMÉRCIO, 09 Nov. 1958. OLIVEIRA, Bernardina Maria Juvenal Freire de. José Simeão Leal: escritos de uma trajetória. João Pessoa. Tese de doutorado (Programa de Pós-Graduação em Letras) Universidade Federal da Paraíba, 2009. (CD-ROOM). QUEIROZ, Rachel. Simeão Leal. Estado de São Paulo. Crônica 2, fl. D-20, 06 jul/1996. SEGRE, Roberto et al. O edifício do Ministério da Educação e Saúde (1936-1945): museu vivo da arte moderna brasileira. Seminário internacional museografía e arquitetura de museus, Proarq/FAU/UFRJ, Rio de Janeiro, 26/29 set. 2005. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.069/376 Acesso em: 06 Nov. 2011.

Introdução O registro é uma prática da humanidade desde tempos remotos, comprovada pelos hieróglifos e ideogramas. O ato de registrar o que vê o que sente e o que faz, ao longo da história possibilitou descobertas científicas, filosóficas, tecnológicas, artísticas e sociais. É oportuno lembrar que o acúmulo desses registros deu origem aos arquivos, objeto de estudo e reflexão da arquivística do século XVI. Para Fonseca (2005, p. 30), há longevidade da atividade arquivística, considerando que a história dos registros confunde-se com a história das civilizações humanas pós-escritas e que os arquivos, ainda em suas formas preliminares, surgiram na área do chamado crescimento fértil do Oriente Médio, há cerca de seis milênios. Ao longo dos séculos, o registro assume novos formatos, novos tratamentos e novas práticas de acumulação. Impulsionada pelos avanços tecnológicos, a arquivologia, no século XXI, assume novos horizontes investigativos. A função do arquivo se estende, desprendendo-se do suporte e do tempo-espaço. Duarte (2007, p,143-144), assim reflete:

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Há grandes discussões, e muito bem-vindas, acerca do conceito de arquivo. Este apresenta espaço de investigação conduzindo, analogicamente, a estudos de escavação arqueológica. Quaisquer que sejam as formas de sua concepção, o arquivo possui universo rico de elementos que devem ser explorados para que se possa ter acesso às variadas possibilidades de acesso à informação. Por outro lado, não é possível estabelecer um só conceito de arquivo. Os ensinamentos teóricos da arquivística (para alguns países) ou arquivologia (para outros, denominação mais utilizada no Brasil), nos remetem a reflexões, primeiro, sobre o termo e segundo, sobre o seu significado (o conceito). Na realidade, todo e qualquer suporte da informação tem no seu destino um espaço onde será anexado a outros dados, culminando no que se entende por arquivo.

Quando se fala de arquivo, associam-se a ele conceitos de documentos e de informação. Essa é a base para o entendimento de seu contexto. Não importa o tipo de informação que foi gerado e não se pode depreciar um dado informacional em detrimento de outro. No final, ter-se-á concebido um documento de arquivo, que deverá receber tratamento a partir dos mecanismos que facilite o acesso e a recuperação da informação por ele contextualizada.

Não nos basta, porque os arquivos pessoais, considerados arquivos privados, em suas essências, possuem características peculiares, tendo em vista seu nascedouro, a forma como foi acumulado e a importância de se observar a originalidade de sua constituição e a ordem original.

Nessa perspectiva, apresento esta reflexão a partir de um dos nichos da arquivologia: o arquivo pessoal e de família, fonte de pesquisa e informação única. O arquivo pessoal é fonte primorosa de informação e possibilita releituras da sociedade através de seus documentos. Apresentam elementos únicos que devem ser mantidos para que não haja fragmentação e subjetividades.

Em alguns casos, os arquivos privados, quando não são organizados pelo próprio titular recebem interferência em sua organicidade e, muitas vezes, a organização desses arquivos torna-se complexa e, de certa forma, sem ordenação lógica, considerando a vontade do titular. Nesse contexto, cito o arquivo pessoal de Fernando Pessoa, um tesouro que se tem noticiado, com documentos em processo de desmembramento e fragmentados, a partir de lançamento em leilão por interesse de herdeiro. Esse é um assunto muito noticiado e a mídia faz questão de colocar em evidência. Vejamos, a seguir, numa das divulgações, em Público Cultura, Portugal,

Reconversão ou não da propriedade no processo de sucessão É, exatamente, neste ponto que abordo esta minha inquietação com relação ao processo de identificação e resgate de acervos pessoais e de família. Trata-se aqui de item que se encontra delineado em legislação específica e que, no Brasil, não houve ainda a oportunidade de um debate amplo, com participação de estudiosos do tema.

Os herdeiros de Fernando Pessoa, proprietários do espólio que vai ser leiloado pela P4 Photography, a 13 de novembro, consideram a intenção, hoje anunciada pela Biblioteca Nacional de Portugal em classificar os documentos do poeta como Património Nacional, uma "ridicularia política". Em declarações à Agência Lusa, Miguel Roza, sobrinho de Fernando Pessoa (1888-1935), e um dos proprietários do espólio, em conjunto com a irmã, Manuela Nogueira, considerou a medida "uma tempestade num copo de água nesta altura". "É uma ridicularia política porque os documentos que vão a leilão não são os mais importantes e o Governo vem mostrar agora que está interessado em classificar tudo", comentou. Miguel Roza reagiu desta forma ao facto da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) ter iniciado o processo de classificação do espólio do poeta Fernando Pessoa como Património Nacional, no âmbito da lei de bases do património.

É possível encontrar alguma saída na legislação vigente que trata de arquivos pessoais e de família, mas, ainda que tenhamos a Lei 8.159 de 8 de janeiro de 1991, que trata no Capítulo III dos arquivos privados, dizendo: Art. 11 - Consideram-se arquivos privados os conjuntos de documentos produzidos ou recebidos por pessoas físicas ou jurídicas, em decorrência de suas atividades. HYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto/D2942.htm"Regulamento Art. 12 - Os arquivos privados podem ser identificados pelo Poder Público como de interesse público e social, desde que sejam considerados como conjuntos de fontes relevantes para a história e desenvolvimento científico nacional. Art. 13 - Os arquivos privados identificados como de interesse público e social não poderão ser alienados com dispersão ou perda da unidade documental, nem transferidos para o exterior. Parágrafo único - Na alienação desses arquivos o Poder Público exercerá preferência na aquisição. Art. 14 - O acesso aos documentos de arquivos privados identificados como de interesse público e social poderá ser franqueado mediante autorização de seu proprietário ou possuidor. Art. 15 - Os arquivos privados identificados como de interesse público e social poderão ser depositados a título revogável, ou doados a instituições arquivísticas públicas. Art. 16 - Os registros civis de arquivos de entidades religiosas produzidos anteriormente à vigência do Código Civil ficam identificados como de interesse público e social.

Fonte do gabinete jurídico da Biblioteca Nacional confirmou à Lusa que "foi decretado o início do processo de classificação do espólio" e que todas as entidades detentoras de documentos do poeta foram já informadas. "Tendo sido informados todos os possuidores de documentos de Fernando Pessoa, será colocado anúncio no Diário da República a 23 de outubro, havendo 20 dias para contestação", explicou Jorge Couto, director da BNP. Dossier inédito Pessoa-Crowley é destaque no leilão da P4 Segundo esta determinação, todos os possuidores não conhecidos, de documentos de Pessoa, devem dar conhecimento do seu paradeiro à Biblioteca Nacional. Esta classificação, esclareceu Jorge Couto, "coloca limitações às movimentações dos documentos que nunca poderão sair de Portugal em termos permanentes, mesmo que mudem de proprietários".

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Simeão entre Manuel Bandeira e Jorge Amado, Rio de Janeiro, 1948

Miguel Roza disse que foi notificado há dois dias e que os herdeiros e a leiloeira P4 entregaram o caso a um advogado "porque se trata de uma questão jurídica".

Esse acervo foi organizado conforme teoria e método da arquivologia, projeto por mim coordenado e, felizmente, objeto de minha tese de doutorado, na linha de pesquisa documento da memória cultural, do Programa de PósGraduação em Letras/ Ufba, tendo sido salvaguardado e disponibilizado aos pesquisadores que dele necessitam como fonte de estudo das mais diversas monografias, dissertações e tese, artigos e outros textos publicados. Esse arquivo recebeu, em mídia CD-Rom, um banco de dados que representa o catálogo (instrumento de pesquisa), contendo descrição de todos os itens documentais do arquivo pessoal do insigne escritor-poeta Godofredo Filho. Esse acervo encontra-se disponível na Biblioteca Central da Universidade Federal da Bahia, precisamente, no Centro de Estudos Baianos. DUARTE (2008).

Documentos, livros, cartas, revistas e fotografias de Fernando Pessoa pertencentes aos herdeiros do poeta integram o lote de documentos que estão previstos ir a leilão em Novembro pela leiloeira P4 Photography. No conjunto está o dossier Pessoa-Crowley com cerca de 800 páginas que reúne, entre outros manuscritos, correspondência entre o poeta e o ocultista inglês Aleister Crowley, e a novela policial inacabada que Pessoa escreveu com base no suicídio encenado de Crowley na Boca do Inferno, perto de Cascais, em 1930. A família detém um espólio disperso que inclui, por exemplo, cerca de trinta livros que foram pertença de Fernando Pessoa, alguns deles oferecidos por outros escritores da época, e que contêm dedicatórias. Num leilão realizado em dezembro do ano passado, em Lisboa, um particular adquiriu por 11.000 euros uma fotografia de Fernando Pessoa aos dez anos, com uma dedicatória, oferecida pelo poeta a uma amiga. (HYPERLINK "http://www.publico.pt/cultura/noticia/espolio-defernandopessoa-impedido-de-sair-de-portugal-1346448" http://www.publico.pt/ cultura/noticia/ espolio-de-fernando-pessoa-impedido-de-sair-deportugal-1346448)

Outro exemplo, trata-se do acervo pessoal de Jorge Amado / Zélia Gattai. Sobre este acervo, não se pode dissociar os dossiês de Jorge Amado dos de Zélia Gattai. O Conselho Nacional de Arquivos (Conarq) cadastrou esse acervo, apresentando-o da seguinte forma:

No Brasil, acontecem casos semelhantes, quando as vezes nos deparamos com a venda de acervos inteiros pertencentes a nomes ilustres da educação, artes, literatura, filosofia, ciência e cultura em geral. É que as viúvas ou filhos, em sua maioria, desses conjuntos documentais, visualizam uma espécie de herança cultural que pode render financeiramente aos herdeiros.

Conarq - Arquivo Nacional - Fundação Casa de Jorge Amado Seção: Bahia CODEARQ BR BAFCJA Nome da Instituição: Fundação Casa de Jorge Amado Vinculação Administrativa: Entidade privada sem fins lucrativos Endereço: Rua Alfredo de Brito, 49/51 - Largo do Pelourinho - Salvador - BA - CEP 40026-280 Telefones: (71) 3321-0122 / (71) 3321-0070 E-mail: fundacao@fundacaojorgeamado.com.br Site: http://www.jorgeamado.org.br Ano de Criação: 1986 Missão Institucional: Preservar, divulgar e pesquisar os acervos bibliográficos e artísticos de Jorge Amado; incentivar e apoiar estudos e pesquisas sobre a vida e a obra de Jorge Amado; criar um fórum permanente de debates sobre cultura baiana, especialmente sobre a luta pela superação das discriminações raciais e sócioeconômicas; incentivar e apoiar estudos e pesquisas sobre arte e literatura baianas. Caracterização do Acervo: Com período de abrangência que vai de 1932 até os dias atuais, o acervo é constituído por cerca de 250 mil documentos. Tratase de um conjunto documental que reúne documentação pessoal dos escritores Jorge Amado e Zélia Gattai, livros da autoria de ambos em edições brasileiras, portuguesas e estrangeiras. Fazem parte desse conjunto, manuscritos literários, correspondências, periódicos, estudos sob forma de livros, teses, dissertações, monografias e outros textos acadêmicos. Além de um conjunto de mais de 6.000 fotografias, 21.000 negativos, DVD's, CD's, discos, cartazes, gravuras, caricaturas, ilustrações, diplomas, certificados, condecorações, troféus, medalhas, placas, quadros e esculturas. Condições de acesso aos documentos: Necessidade de agendamento. Dia e horário de atendimento: De segunda a sexta-feira, das 10h00 às 17h30 Serviços: http://www.conarq.arquivonacional.gov.br/ cgi/cgilua.exe/sys/start.htm? infoid=552&sid=87&tpl=printerview Dispersão geográfica da propriedade: Dificuldade no recolhimento dos documentos.

Nessa etapa, o Estado não pode interferir porque o bem pessoal ou de família. No entanto, é lastimável o desconhecimento acerca do grande mal que se pode promover a um arquivo que contém valor informativo ou histórico à sociedade. Esses arquivos são de imenso valor a estudiosos ávidos por informação que somente pode ser encontrada em dossiês empacotados e destinados à venda, doação ou transferência do local a outras cidades, estados ou, até mesmo, a outros países. Na Bahia, cito algumas experiências de arquivos pessoais e de família que podem sinalizar para a realidade do recolhimento e organização de acervos dessa ordem. O arquivo de Godofredo Filho nos apresenta como um exemplo de arquivo pessoal que obteve a sorte de ser transferido a uma instituição pública, intacto e, de certa forma, deixado em seu estado original, de como o titular o havia deixado.

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Resultantes de uma acumulação natural, necessária e nãogratuita, os documentos são dotados de organicidade, isso é, da capacidade de refletir a estrutura, funções e atividades da entidade acumuladora. (CAMARGO,1998, p.1). O arquivo da família Calmon possui exatamente o caráter de acumulação natural. A identificação de temáticas das atividades exercidas por seus membros é de fácil compreensão. O forte vínculo da maioria dos membros da família com os assuntos políticos e financeiros da Bahia nos séculos XIX e XX são explicitados em documentos. Outra característica da organicidade desse arquivo é sua estrutura fragmentada de gerações; muitos dos documentos datados dos séculos XIX e XX foram acumulados pelo indivíduo produtor e preservados pelo seu descendente. No arquivo de família, o fato da identificação do documento está presente no conjunto documental do membro que o preservou, não anulando a origem do produtor.

Ainda que citando aqui a realidade plausível de alguns poucos arquivos que receberam tratamento acompanhado por profissionais da informação, encontra-se, no Brasil, uma infinidade de arquivos pessoais e de famílias fragmentados e dispersos, predestinados a serem mantidos no anonimato. A dispersão geográfica da propriedade desses arquivos é um tema pouco debatido, em se tratando de acervos da ordem. Vale dizer que os arquivos pessoais e de família, como é o caso do arquivo do clã dos Calmons, possuem histórico que nos faz entender a dispersão de documentos, sobretudo de arquivos de família, causa esta que não se pode conter, pelo simples fato de que o espaço familiar é privado e individual, de onde se constituem os arquivos de família e não se encontra acessível ao diálogo com o profissional da informação, caso não haja o chamado do tutor ou do próprio titular do arquivo.

Os exemplos de arquivos ora apresentados refletem a necessidade de ampliar discussão acerca do valor dos arquivos pessoais e de família, no Brasil, onde as instituições públicas e privadas, detentoras de documentos de pessoas e de famílias mesmo com a Lei de acesso à informação e com as normativas apresentadas pelo Conarq , encontram-se, em sua maioria, sem adoção de políticas públicas voltadas à gestão de arquivos acumulados por indivíduos e/ou por membros de uma mesma família. Considerações finais

Citando outra questão, as biografias recorrentes da memória dos Calmons contribuem para as decisões quanto à organização e preservação desse patrimônio documental.

Não somente no Brasil, mas em vários outros países, nota-se legislação equivocada ou incompleta, no que diz respeito aos artigos relacionados com políticas públicas de informação arquivística e, mais precisamente, políticas públicas de arquivos pessoais e de famílias.

Considerando a imensa relevância desse conjunto documental, acumulado ao longo da constituição da família, cito-o como um dos exemplos de arquivo de família, pela representação política, econômica e social desse clã na Bahia, ao longo de quatro séculos. A documentação dessa família apresenta-se como legado informacional e valioso patrimônio da cultura do Brasil e, sobretudo, da Bahia. Enquanto representação desse passado, esse é um arquivo que recorda passagens da extraordinária história da Bahia e do Brasil, conservando e expondo importantes fontes primárias de variada natureza e expressão.

A legislação deveria ser o eixo fundamental ao qual se pudesse ligar o desenvolvimento da arquivística ao alicerce das políticas nacionais relacionadas com a gestão e organização dos arquivos e acesso à informação. Torna-se urgente e necessária uma reflexão aprofundada acerca dessa temática, com efetiva participação de profissionais da área. Logo, se não houver reformulação das leis que regem as políticas públicas de informação, a exemplo da legislação arquivística e da lei de acesso à informação, mencionadas por vários colegas neste importante Seminário Arquivos privados, políticas e realidades , torna-se difícil defender, com eficiência, o patrimônio documental.

Essa documentação apresenta informações com registros de conquistas e acontecimentos marcantes para a história regional e nacional, episódios e representativos de momentos singulares e, por vezes até desconhecidos, ocorridos no cenário nacional e internacional. Sobre esta documentação, Santana (2011) defendeu dissertação de mestrado, sob minha orientação, no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI), Ufba.

Cuidar da regulação legal e até do valor patrimonial dos arquivos privados, pessoais e familiares, é matéria de grande e profundo debate, em eventos como este promovido pelo PPGCI/ UFPB em parceria com a Funarte e, portanto, das competências da ciência da informação, área que pode e deve constituir grupos de estudiosos na construção de um trabalho coletivo, com seguimentos da sociedade civil, pela lei e pelas políticas públicas de incidência cultural, com deliberações mais

Silva (2004, p. 63) afirma que os arquivos de família precisam ser vistos como um sistema, compostos por subsistemas individuais, que se relacionam pelos indicadores documentais de vínculo entre cada subsistema.

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NÚCLEO DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA PARAÍBA/UFPB: PRESERVAÇÃO DAS MEMÓRIAS E DAS INFORMAÇÕES Thaís Catoira Pereira

próximas da eficiência legislativa, constituídas a partir de bases teórica, epistemológica e prática da arquivologia.

A preservação das memórias sociais e das identidades depende dos atos de lembrar e esquecer. O compartilhamento das memórias torna-se essencial neste aspecto fazendo com que a evocação das memórias, a rememoração, se coloque como exercício constante nas práticas sociais de manter e passar para outras gerações suas raízes culturais, memórias individuais, coletivas e sociais.

Com esta revisão, e procurando compreender o que está detrás das cortinas dos acervos de pessoas e de famílias, e reconhecendo a importância desses arquivos na formação da sociedade, finalizo esta comunicação esperando ter contribuído com a proposta deste Seminário.

A composição do acervo do Núcleo de Arte Contemporânea da Paraíba/UFPB foi se dando conforme as atividades, oficinas e exposições realizadas, assim como, a partir dos materiais resultantes dessas ações. Entre 1978 a 1985, a memória do Núcleo foi alimentada por essa diversidade de fontes informacionais que contribuíram de forma significativa para sua formação, contando com o apoio e incentivo de outras instituições e órgãos governamentais através de doações, fazendo com que seu acervo se re-significasse a cada instante que um novo documento se aglutinava ao restante.

Que este evento estimule iniciativas similares, direcionados à adesão do chamado urgente pela implementação da política de salvaguarda (organização e compartilhamento) de arquivos de famílias, a descortinar documentos nunca antes conhecidos e, muitas vezes, verdadeiros tesouros e patrimônios documentais.

Zeny Duarte de Miranda é Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação/ Universidade Federal da Bahia

O acervo do NAC conta registros fotográficos, compreendendo as fotografias num conceito estendido, documentos administrativos, currículos de artistas, correspondências institucionais e arte postal, arte-xérox, projetos voltados para preservação e manutenção do Núcleo, projetos artísticos, trabalhos de arte conceitual, livros de artistas, livros literários de arte, filosofia, política etc.

Referências BRASIL. Lei 8.159 de 8 de janeiro de 1991. CAMARGO, Ana Maria. Como avaliar documento de arquivo. Divisão de Arquivos da cidade de São Paulo: São Paulo, 1998. DUARTE, Zeny. Arquivo e arquivista: conceituação e perfil profissional. Revista da Faculdade de Letras Ciências e Técnicas do Património, Porto, 2007, Série I, vol. VVI, pp. 143-144.

O caráter documental dessas produções pode assim assumir um status de obra de arte, bem como servirem como registros das realizações artísticas. Esses documentos são partes significativas na história das ações, das reflexões e conceitos, elaborados e produzidos por artistas e graças a esse fator documental fotografias, projetos artísticos, revistas de artistas, livros, reportagens, cartões postais, nos possibilitam conhecer as produções e ações artísticas realizadas principalmente nos anos de 1970 e 1980 e assim, (re) apresentá-las e (re) expô-las atualmente (FREIRE, 2009).

DUARTE, Zeny. Arranjo e descrição do espólio de Godofredo Filho: estudo arquivístico e catálogo informatizado. Tese (Doutorado em Letras), Programa de Pós-Graduação em Letras, Ilufba / Ufba, 2000. DUARTE, Zeny. O espólio incomensurável de Godofredo Filho: estudo arquivístico e resgate da memória. Salvador: ICI, 2008. Espólio de Fernando Pessoa impedido de sair de Portugal. Público Cultura, Lisboa, 17 de outubro de 2008. Acesso: HYPERLINK "http://www.publico.pt/cultura/ noticia/espolio-de-fernando-pessoa-impedido-de-sair-deportugal-1346448". Em 27 de junho de 2013. FONSECA, Maria Odila Kahl. Arquivologia e Ciência da Informação. FGV: São Paulo, 2005. SANTANA, Eneida. O arquivo da família Calmon à luz da arquivologia contemporânea. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação), Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação - ICI /Ufba, 2011.

A proposta conceitual do Núcleo de Arte Contemporânea da Paraíba NAC se deu num conceito contemporâneo de espaço de arte, visando principalmente manter o diálogo direto e constante com a comunidade universitária e local através do trabalho de formação e extensão com e entre os departamentos da Universidade.

SILVA, Armando Malheiro da. Arquivos familiares e pessoais: bases científicas para aplicação do modelo sistêmico e interactivo. Revista da Faculdade de Letras, Ciências e Técnicas do Património. Porto, 2004, Série I, vol. III, pp. 5

Inicialmente em 1978 o NAC não possuía uma sede própria, mas já em 1979, passa a se fixar em um casarão do século XIX

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pertencente ao Centro Histórico da cidade, que já havia sido a antiga Faculdade de Odontologia. O casarão fica na Rua das Trincheiras, nº 275, fazendo parte do patrimônio cultural imóvel de João Pessoa, tombado pelo IPHAN. Consideramos assim, que o patrimônio cultural se configura como um atributo simbólico com indícios das memórias e identidades dos grupos sociais. Esses bens culturais, sejam eles materiais ou imateriais, apresentam-se nos mais variados formatos; apropriando-se da cultura do cotidiano, do local, global, das periferias, das manifestações artísticas e populares, da culinária, do ato de fazer/criar etc. Quando esses bens são institucionalizados por espaços culturais museus, bibliotecas, arquivos etc., estes locais potencializam-se como lugares de memória e podem ser reconhecidos não só pelos grupos que o criaram ou produziram, mas pelos demais grupos que vierem a se relacionar.

observa-se alguns objetivos traçados na política cultural, elencando seus interesses: a)Estudar, promover e divulgar as artes visuais contemporâneas na Universidade e na comunidade em geral

Dessa maneira, a partir do momento em que a comunidade como um todo, assume a noção de pertencimento sobre algo, uma coisa ou objeto ou espaço, ela também estabelece identidades próprias e comuns a todos daquele grupo promovendo lembranças comuns e gerando uma memória social. Os compartilhamentos dessas memórias a partir do reconhecimento se estabelecem dentro de vivências individuais e subjetivas, promovendo experiências consistentes que se apoiam nas referências dentro de um espaço-temporal. Essa relação que as memórias provocam entre pertencimento, identidades e lembranças, faz parte essencial na formação das individualidades de cada ser do grupo (DIEHL, 2002; RICOEUR, 2007; MURGUIA, 2010).

b) Executar e participar de programas interdisciplinares compatíveis com seus objetivos; c) Manter infra-estrutura de produção e documentação da arte contemporânea (CONSEPE, 1980).

Direcionando para o acervo do NAC, o próprio CONSEPE, na criação dos Núcleos de Extensão (Resolução 15/79)¹, especificava em seu artigo 12 Ao Coordenador compete, item: g) guardar e manter em boa ordem o acervo patrimonial sob sua responsabilidade (CONSEPE, 1979, p.2-3). Refletindo assim sobre essas diretrizes, fica claro que a preservação e conservação do acervo e da própria instituição faziam parte das concepções traçadas pelo Núcleo, no âmbito de sua atuação.

E nessa articulação entre os indivíduos e seus produtos culturais, memórias individuais e memórias coletivas, as representações recebem significados e valores estabelecidos por contratos sociais e nesse movimento, a memória passa a atuar como mediadora dessa relação, estabelecendo o conhecimento e reconhecimento ao passado, às identidades do presente, e a preservação para o futuro (AZEVEDO NETTO, 2002; MURGUIA, 2010).

Assim, a partir das diretrizes traçadas para acervos, pela UFPB através do CONSEPE, bem como, por meio das próprias concepções fundadas pelo Núcleo de Arte Contemporânea da Paraíba, o acervo do NAC foi constituído visando fundamentalmente à preservação de sua memória como Núcleo de Arte; - e ainda trazer para o Nordeste as memórias das produções da arte contemporânea brasileira que até então se concentravam nas regiões sul e sudeste do país; - como também servir de fontes de informação para pesquisas e para o desenvolvimento de materiais educativos na área das artes.

Ao relacionar espaços de memória como o NAC, com as perspectivas referentes ao patrimônio cultural pode-se refletir sobre a significância destes espaços de cultura e arte para a sociedade, buscando estabelecer uma aproximação e apropriação desses grupos para com as instituições e seus significados. Em relação ao NAC, pensando para além do seu patrimônio arquitetônico, mas principalmente atentando para sua configuração de espaço produtor e divulgador da arte contemporânea, deve-se destacar seu acervo, como rica fonte de informação e bem cultural artístico nacional.

Como exemplo de alguns trabalhos desenvolvidos pelos dirigentes do Núcleo nos primeiros anos de sua existência, em relação à preservação da memória, o Projeto Biblioteca/ Arquivo² no qual apontava claramente as funções instituídas pelo Núcleo na constituição como espaço para pesquisa e conhecimento, afirmando assim: O NAC possui o único arquivo de bibliografia sobre arte visual contemporânea no Nordeste. Sua utilização é interessantíssima para informação sobre a produção recente das artes visuais. O arquivo tem base na própria história do NAC, nas suas realizações e, principalmente, no seu trabalho de pesquisa [...] (CÓRDULA FILHO, 1985)

Nesse sentido, a missão das instituições torna-se fator fundamental para a compreensão e valoração da mesma, assim ao analisarmos a proposta inicial de atuação do NAC, esta visava um trabalho colaborativo entre os departamentos de artes, filosofia, comunicação, arquitetura e ciências sociais, para ampliar o espaço de trabalho e as discussões em relação às artes visuais. Segundo a resolução 178/80 do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFPB, no capítulo 1, artigo 12 intitulado O NAC tem como finalidade permanente

Segundo Córdula Filho (1985), as ações que beneficiaram a formação do acervo do NAC foi o apoio/convênio com a FUNARTE. Este órgão contribuiu além dos financiamentos para a vinda de artistas, críticos e professores de arte ao Núcleo, como também proporcionou a constituição de uma Biblioteca de Arte Contemporânea ao NAC. A aquisição e ampliação desse

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acervo literário do NAC, voltado para a produção contemporânea só aconteceu por meio do Projeto Clarival do Prado Valladares, realizado pela FUNARTE nos anos de 1980, e sobre isso, em entrevista a Andriani (2010), Paulo Estellita Herkenhoff que trabalhou na FUNARTE desde 1982, relata alguns aspectos essenciais sobre este projeto:

A importância do acervo para as instituições culturais, citando museus como exemplo, devem ser tratadas com prioridade e atenção, tanto nos aspectos organizacionais quanto nas questões de preservação e conservação. Uma vez que segundo Loureiro (2000.a, p.93) são como instâncias de coleta, preservação e difusão da memória social e esses espaços que possuem bens patrimoniais têm por finalidade [...] articular e favorecer os atores sociais, dotando-os de instrumentos voltados à interpretação e transformação do presente através do entendimento de seu passado. (LOUREIRO, 2000.a, p. 93).

Outra coisa que nós fizemos foi desenvolver um projeto pro Arivaldo Prado Valadares³, selecionando cinquenta bibliotecas em todo o país, pelo menos uma em cada unidade da Federação e pra elas mandamos todos os livros da FUNARTE e buscávamos doações de livros e catálogos, com galerias, instituições, museus, editoras de modo que na primeira distribuição foram 450 itens entre folhetos e livros pra cada uma dessas bibliotecas. É e quando não havia suficiente, nós dávamos prioridade às bibliotecas da região Norte, do Nordeste. Se nós tivéssemos, por exemplo, dez exemplares de um livro X, O Que É Arte, de Jorge Coli, nós mandaríamos primeiro pra a região Norte entendendo que mais facilmente esses livros chegariam ao Paraná, Santa Catarina etc. (HERKENHOFF, 2009. In: ANDRIANI, 2010).

Dessa forma, para preservar e conservar as produções artísticoculturais, as políticas de preservação se fazem necessárias e fundamentais para ampliar a vida dos documentos e possibilitar de forma efetiva a evocação das memórias sociais. Ao pensar em políticas de preservação devemos atentar para a conscientização de ações que visem à conservação dos bens materiais e imateriais, de maneira a envolver todo o corpo funcional da instituição e a sociedade através da formação de diretrizes. Sobre a conservação e a preservação Estellita (2011) esclarece:

O depoimento de Herkenhoff ressalta e comprova o investimento da FUNARTE em projetos culturais e na área das artes plásticas em todo o país nos anos de 1980, principalmente em regiões como o Nordeste e Norte do Brasil, que não tinham até então, incentivos nesses setores, principalmente voltados para produções contemporâneas de arte.

A conservação se refere à manutenção da integridade física dos objetos, como o controle de temperatura e umidade, higienização e acondicionamento das peças etc. Já a preservação é um conjunto de práticas que, além da conservação, incluem a documentação, a divulgação do acervo, a educação patrimonial e todas as ações possíveis para viabilizar o processo de valorização e comunicação das obras, tendo como foco não puramente o objeto, mas a relação estabelecida com o sujeito. (ESTELLITA, 2011, p. 7)

Podemos considerar então, que o NAC foi beneficiado em vários aspectos; tanto por um cenário político cultural favorável ao seu desenvolvimento, bem como pela atuação de profissionais qualificados e reconhecidos nacional e internacionalmente, e que a partir de suas experiências conceberam um espaço inovador, experimental e voltado para propostas contemporâneas.

Em se tratando de um acervo de arte, as reflexões sobre a preservação e conservação das produções contemporâneas, atualmente são estabelecidas através do diálogo entre Instituição cultural com seus profissionais, bem como os próprios artistas. Segundo Estellita (2011), estão sendo feitos alguns mecanismos, adotados para a preservação e conservação de obras contemporâneas, a autora cita os seguintes;

Preservação e tratamento de acervos: políticas e realidades Voltando às questões que envolvem o acervo do NAC, observou-se que inicialmente o acervo possuía em princípio uma organização e um tratamento sistemático, entretanto apesar de algumas ações específicas em meados dos anos de 1990, o acervo foi deixado de lado, perdendo gradativamente sua organização, assim como aumentando o processo de degradação de seus materiais devido à falta de manutenção do acervo e da própria estrutura física da instituição. Nos últimos anos encontrava-se quase em sua totalidade abandonado, servindo apenas como um depósito, onde preservação e conservação passavam longe de seus documentos e memórias.

[...] registros (fotográficos, filmográficos ou sonoros) se aplicam às obras efêmeras, perecíveis ou que de alguma maneira se desenvolvem no tempo. Os projetos (ou os roteiros) são utilizados pelos próprios artistas, que desenvolvem um planejamento da obra, descrevendo seu processo de montagem ou de acontecimento, tal como uma receita, permitindo sua remontagem por outras pessoas com outros materiais idênticos. Já as réplicas (ou substituições) se adéquam às necessidades das obras relacionais, que demandam a manipulação do público, ou simplesmente objetos que sofreram ação do tempo e podem ser substituídos, no todo ou em partes, sem perda simbólica. Estes mecanismos são articuláveis

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contextos a partir de sua socialização , isso nos auxilia na compreensão e qual a seria melhor visão ou a mais próxima, que seu objeto de estudo vai dialogar e se firmar (LOUREIRO, 2002). Considerações Entre 2006 a 2010 com uma nova coordenação à frente do NAC, com a professora Marta Penner do Departamento de Artes Visuais, houve ações e tentativas para a reutilização, preservação e recuperação desse espaço, como ambiente de produção em arte e conhecimento. Segundo Jordão (2008) uma dessas ações foi o projeto NAC 30 anos sobrevivendo nas Trincheiras , realizado em dezembro de 2008, assim:

entre si, sendo possível realizar réplicas a partir de projetos, fazer registros a partir de roteiros ou réplicas a partir registros. (ESTELLITA, 2011, p. 2)

A partir de meados de 2007, o NAC foi oxigenado com uma nova coordenação que vem paulatinamente retomando sua proposta inicial. Nesse sentido, mesmo sem o apoio da universidade e do próprio departamento de artes visuais da UFPB, o Núcleo tem conseguido aprovar sistematicamente projetos em editais públicos de fomento à produção cultural e artística, como podemos perceber com a realização do NAC: 30 anos que demonstra que apesar de sobreviver nas trincheiras o Núcleo continua vivo (JORDÃO, 2008, p.8).

Esses mecanismos citados pela autora registros fotográficos, projetos/roteiro e réplicas podem sim ser uma forma perdurar por mais tempo a vida dessas produções artísticas, mas por que essa preocupação em salvaguardar todas as produções contemporâneas, uma vez que, algumas delas possuem propostas de efemeridade, ou que determinam seu fim? Essas questões são extremamente complexas nas discussões do campo das artes, e estão longe de chegar a um veredicto. Mas quando uma obra entra em um museu, ou em instituições de memória, esses espaços carregam em seus primórdios, o sentimento de perpetuação.

Como resultado desse projeto que contou com mesas redondas, oficinas e uma exposição (cujo projeto expo gráfico pode ser adotado como uma exposição de longa duração para o Núcleo) , teve-se a publicação de uma revista, com textos resultantes dos depoimentos realizados nas mesas redondas, de artistas como, Chico Dantas, Chico Pereira, Dyógenes Chaves, Felipe Ehrenberg, Paulo Bruscky, Jota Medeiros e Falves Silva, assim como, um ensaio introdutório de Fabrícia Cabral Jordão (mestranda em Artes Visuais da ECA/USP), tais textos, atentam para algumas ações que fizeram parte das memórias do NAC nos seus últimos trinta anos, assim como, retrata algumas das experiências artísticas individuais no campo das artes, destacando-se a arte contemporânea.

A partir dessas questões, a Ciência da Informação entraria buscando promover reflexões em torno de seu objeto de estudo, a informação, utilizando seus procedimentos técnicos, como a seleção, representação e recuperação da informação, pensando nesses mecanismos como ações auxiliares na formação das identidades e na preservação das memórias sociais. Dessa maneira, DODEBEI (1997) afirma em sua tese que:

Ações como esta, auxiliam significativamente a recuperação, a divulgação e preservação das memórias do Núcleo. Entretanto, para preservar as informações, faz-se necessário e essencial o tratamento e organização pela representação e classificação em novos suportes, como catálogos, inventários, repositórios digitais; bem como, é de suma importância atentar para a preservação do documento em si. Uma vez que, segundo Silva (2001, p.30) A preservação de documentos contribui ao esclarecimento de nossa origem étnica e ao enriquecimento do patrimônio cultural do mundo .

[...] a Ciência da Informação considera todas as etapas do processo social, isto é, a produção, a seleção, a organização, e o uso das representações informacionais. [...] trabalha a interdisciplinaridade, no sentido de fazer uso dos conceitos disciplinares como fontes operacionais teóricas para, circunstancialmente, construir um objeto de estudo (DODEBEI, 1997, p. 25).

Dessa maneira, compreendendo toda a diversidade de significados que essas informações podem apresentar a partir de diferentes interpretações, voltamos à discussão em torno do acervo do NAC, no qual estabelecemos um direcionamento a partir do sistema de organização já existente no acervo, promovendo apenas novas adaptações para organizar as informações, e por consequência, elaborando um novo material informacional a partir da representação de suas informações. Com isso, buscou-se facilitar a recuperação de informações, bem como, promover sua disseminação e preservação, o que potencialmente poderá conduzir a novas re-significações da memória social do acervo do NAC e de sua comunidade.

Em busca da conservação e organização do acervo do NAC foi o procedimento da higienização, considerado uma ação preventiva que auxilia na vida útil dos documentos. Em relação a esse procedimento, afirmam Yamashita; Paletta (2006): A higienização de um acervo é um dos procedimentos mais significativos que há no processo de conservação de materiais bibliográficos. A poeira é a grande inimiga da conservação dos documentos, pois contém partículas de areia que cortam e arranham; fuligem, mofo e inúmeras outras impurezas, atraem umidade e degradam papéis. Além de remover a poeira, sempre que possível, devem ser removidos objetos danosos aos documentos, como grampos, clipes e prendedores metálicos. A higienização corresponde a retirada da poeira e outros resíduos estranhos aos documentos, por meio de técnicas apropriadas (YAMASHITA; PALETTA, 2006, p.177).

Estabelecer relações entre os campos da Preservação, da Arte e da CI, refletindo a epistemologia da Ciência da Informação, seu objeto de estudo, e como este, se estabelece em diferentes

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Fonte: Arquivo José Simeão Leal (NDHIR/UFPB)

Realizamos o processo de higienização em todos os documentos e livros de artistas, que classificamos e organizamos dentro do recorte temporal estabelecido para a pesquisa. No caso do acervo do Núcleo de Arte Contemporânea da Paraíba, nossa ação não só se preocupou em representar as memórias deste núcleo por meio da sistematização das informações contidas em seus objetos e documentos, mas atentou para a preservação física de seus materiais. Dessa forma,

Apesar da existência de diretrizes que busquem a prevenção e a proteção tanto dos acervos, quanto da vida dos profissionais que atuam nessas instituições, o ato de fiscalizar e cobrar melhorias parece inexistir. Outro aspecto que se percebe em relação ao NAC, é que a pouca disponibilização de recursos e de estrutura enfrentada pelo Núcleo, e a falta de interesse da própria UFPB pelo seu patrimônio, outro motivo de seu abandono, pode configurar-se também pela inexistente disponibilização ou ainda pela falta de reconhecimento de valor de seu acervo. Por esse motivo a necessidade da implantação de políticas públicas e uma política de preservação efetiva, trariam novos ares e visualização para os acervos e arquivos paraibanos. Loureiro (2000a):

A preservação é o agir em procedimentos que visam ao retardamento ou à prevenção de deterioração ou dos estragos nos documentos. No caso do suporte em papel, isso ocorre por intermédio do controle do meio ambiente, das estruturas físicas e dos acondicionamentos que possam mantê-lo numa situação de guarda estável. (SILVA, 2001, p.30).

A elaboração e implantação de Políticas Públicas devem garantir e prover os canais necessários para que o sujeito exerça seu direito de produção e acesso à cultura, ao patrimônio cultural, à memória e à informação. Não se trata da imposição de um quadro sócio-político engendrado a partir de uma base ideológica única, mas de estímulo e respeito ao pluralismo, à diferença e à diversidade nas construções culturais (LOUREIRO, 2000.a, p.102).

Entretanto, é de suma importância um trabalho permanente na conservação do acervo do NAC, com uma equipe especializada, assim como, uma reformulação na própria estrutura onde se encontra o acervo, com novas estantes, climatização e controle da umidade, constante processo de higienização e até mesmo restauração.

Tratar as informações a partir de sua representação e classificação, promovendo assim uma organização que permita a disponibilização e acesso, nos direciona para a conservação e preservação desses bens culturais, e para isso, podemos pensar na importância da preservação das informações e das memórias.

Em relação ao Núcleo de Arte Contemporânea da Paraíba, as dificuldades ainda são enormes, principalmente no que tange o apoio e investimento por parte da UFPB, e do Departamento de Artes Visuais. No qual poucos professores do Departamento de Artes conhecem ou ainda, compartilham as memórias deste Núcleo com seus discentes, assim como, pouco utilizam e se apropriam dos espaços do NAC para ministrarem suas aulas ou desenvolver atividades práticas e experimentais.

Com o tratamento das informações, a sistematização e organização desse acervo, esperamos que seja possível evidenciar as memórias, e gerar novas visibilidades ao Núcleo, bem como, proporcionar uma dinamização na busca das informações. Ao pesquisar nos acervos, as memórias poderão assim ser evocadas e re-significadas, construindo novas perspectivas e informações através dos resultados das pesquisas, o que consequentemente agregará novas memórias, para os Arquivos, Bibliotecas, Centros de Documentação, Museus, e para nosso objeto de estudo, o Núcleo de Arte Contemporânea da Paraíba.

A falta de fiscalização por parte dos órgãos competentes, agregado ao desconhecimento da sociedade, acelera o processo de degradação e esquecimento do acervo do NAC, bem como de outras instituições culturais. A título de curiosidade, no ano de 2012 o Corpo de Bombeiros Militar da Paraíba, através da portaria N°036/2012, estabeleceu a norma nº 004/2012, o documento de classificação das edificações quanto à natureza da ocupação, altura e área construída, e define na tabela 1 do documento a classificação das edificações quanto à ocupação ou uso, nesse sentido, denominado de Local de Reunião de Público , o item F-1 Museus, centro de documentos históricos, bibliotecas e assemelhados , e evidências os aspectos essenciais para o funcionamento e prevenção de sinistros para este tipo de local.

Thaís Catoira Pereira é Mestre em Ciência da Informação (PPGCI/ UFPB)

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Notas ¹ A resolução 15/79 da CONSEPE sobre a criação dos Núcleos de Extensão da UFPB foi organizada e digitalizada, pode ser encontrada na CX1CP1 no acervo do Núcleo de Arte Contemporânea. ² A coordenação do Núcleo desde sua criação utilizou em seus relatórios e documentos administrativos, os termos biblioteca/arquivo, para denominar o espaço no qual estavam armazenando seus documentos, e obras. Para a pesquisa, utilizamos o termo acervo, visando um entendimento mais abrangente, para além de documentos, mas também para produções artísticas e bens simbólicos. Entretanto, a diferença é simplesmente terminológica, o que não altera a função ou característica do conteúdo material. ³ Paulo Estellita Herkenhoff se engana no nome, diz Arivaldo Prado Valadares ao invés de Clarival do Prado Valladares, provavelmente o erro também não foi percebido durante a entrevista por Andriani (2010). Segundo Loureiro (2002) a socialização da informação configura-se como uma estratégia alternativa na adoção de novas abordagens, Para além das visões tradicionais, a socialização da informação remete à construção, tratamento e divulgação da informação em regime de cooperação, parceria e solidariedade. (LOUREIRO, p. 2, 2002). O projeto NAC 30 anos: sobrevivendo nas Trincheiras foi uma proposição da Fundação Ormeo Junqueira Botelho, selecionado para integrar a Rede Nacional Funarte Artes Visuais (edição 2008). O projeto foi desenvolvido em parceira pelo NAC/UFPB e a Usina Cultural Energisa.

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INSTITUIÇÃO PÚBLICA X GESTÃO PERSONALISTA: O CASO DO NÚCLEO DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA UFPB (1978-1985)¹ Fabrícia Cabral de Lira Jordão

Boa noite a todos, antes de iniciar minha fala gostaria de agradecer ao Dyógenes Chaves e a toda a equipe do projeto pelo convite. Para mim será sempre uma alegria retornar a João Pessoa, especialmente à UFPB, onde iniciei minha vida acadêmica e pude ter contato com uma instituição que foi fundamental em minha trajetória: o NAC/UFPB, que como objeto de pesquisa, me aproximou de um campo muito complexo, o das instituições culturais brasileira e das políticas públicas de cultura.

quais os interesses privados dos gestores e o favorecimento do seu ciclo pessoal de amizades é a regra. E o atendimento às demandas e interesses da coletividade, a exceção. Como derivação do exposto, percebe-se, nas gestões institucionais a reprodução, tal qual ocorre na politicagem brasileira, de uma mentalidade paternalista, engendrada em relações personalistas e corporativistas. Essas características nutrem dinâmicas institucionais fundamentadas em uma mentalidade oligárquica e assistencialista, com ações voltadas, quando muito, para o tempo presente. Ou seja, como são privilegiadas iniciativas e negociações personalistas, travadas fora da esfera e do interesse público, inviabiliza-se a acumulação social de experiências institucionais e a efetivação de políticas de longo prazo.

Desse modo, minha contribuição numa mesa que tem como objetivo discutir e apresentar a realidade dos Arquivos Paraibanos, considerando as condições de acesso, conservação e responsabilidade técnica, administrativa e pública , será uma análise pontual sobre a institucionalização do NAC tomando por base duas perspectivas:

Essa fragilidade e instabilidade terá repercussões que se fazem sentir nos dias atuais, já que ainda hoje parece não ter se consolidado entre nós uma experiência concreta da ideia de instituição, com tudo que ela implicaria em favor de uma tradição de gestão e política pública voltada para o campo cultural.²

Primeiro: buscarei articular a criação do NAC no contexto mais amplo do processo de institucionalização da área cultural brasileira já que, apesar das especificidades, a situação do Núcleo e do seu acervo não difere muito da que encontramos na maioria das instituições culturais nacionais. Segundo: buscarei problematizar alguns aspectos desse formato de institucionalização (sobretudo seu modelo gestão) e seus reflexos na trajetória do NAC/UFPB no período de 1978 a 1985.

A partir do exposto, pode-se considerar que no Brasil a força e desempenho exitoso (ou não) de uma instituição cultural residirá menos numa tradição institucional e mais na maneira como seus gestores lidam e conduzem o patrimônio público, nas relações e articulações que estes estabelecem com os agentes do campo cultural, político e econômico.

O processo de institucionalização da área cultural brasileira se inicia na década de 1930, durante o período Vargas, e sofre um vertiginoso crescimento durante o regime militar, sobretudo a partir de 1975, ou seja, os dois momentos de maiores investimentos e crescimento nessa área aconteceram durante regimes autoritários e, na maioria das vezes, estiveram relacionados com interesses políticos que passavam longe das reais necessidades do campo cultural e de seus agentes, além de servir como meio de perpetuar privilégios das elites econômicas brasileiras.

Como se pode constatar observando a trajetória do NAC/UFPB. De acordo com a documentação e com os depoimentos de alguns dos envolvidos, a criação do NAC em 1978 seria fruto das concepções progressistas do reitor Lynaldo Cavalcanti Albuquerque, que desejava dinamizar a área cultural na UFPB. No entanto, essa ação estava em completa consonância com as estratégias de valorização do campo cultural desenvolvidas pelo regime militar para as universidades brasileiras. Tanto é assim, que a criação do NAC/UFPB foi viabilizada através de parceria da UFPB com um dos principais órgãos da política cultural do general Geisel³, a Funarte, que tinha um importante papel no diálogo e aproximação do Estado autoritário com artistas e intelectuais de esquerda.

Se por um lado esse formato de institucionalização, ao se pautar em imperativos alheios ao campo cultural, ocorreu sem que nossas instituições passassem por um efetivo amadurecimento, autocritica, autonomia e modernização, por outro, a cultura, nesse processo, foi apropriada e instrumentalizada, como uma moeda de troca, pelo aparato estatal. Essa configuração imprimiu nas relações institucionais uma indefinição entre o domínio público e o privado, entre a entidade jurídica e a pessoa física, tal indefinição se expressa, por exemplo, no dia a dia de diversas instituições culturais, nas

Ou seja, a criação do NAC/UFPB, assim como diversas outras instituições culturais naquele momento, foi possibilitada, no âmbito da macroestrutura, não por uma real preocupação do

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estado com questões relativas à produção, circulação e mercado de arte ou com melhorias do campo cultural, mas como uma estratégia de aproximação e tentativa de neutralização dos artistas de oposição durante o processo de abertura política, momento em que era mais vantajoso, para o Estado autoritário, apoiar financeiramente a produção artística e fornecer espaço para exibição e atuação dos artistas, mesmo aqueles que não expressavam o ideal do regime, do que vê-los construindo circuitos absolutamente independentes e imprevisíveis. É essa contradição na estratégia de aproximação do regime militar que possibilitará que Paulo Sérgio Duarte, intelectual que havia sido preso duas vezes e vinha de um exílio voluntário de oito anos e onze meses fora do Brasil e Antonio Dias, artista cuja produção poética possuía um certo acento político, fossem convidados para desenvolver e implantar o modelo institucional do NAC/UFPB.

Os anos 60: revisão das artes plásticas na Paraíba (Chico Pereira e Raul Córdula). Ao fomentar essa pesquisa, o Núcleo apoiou a primeira tentativa de sistematizar e dar visibilidade a um importante período da história das artes visuais na Paraíba, momento em que se observa uma dinamização da produção e do campo das artes plásticas, sobretudo por conta das atividades e ações fomentadas pelo Setor de Artes Plásticas da UFPB. Essa ação também demonstra o reconhecimento e respeito, por parte do Núcleo, às propostas e experiências institucionais que o precederam, além de valorizar e dar visibilidade aos artistas locais e à produção plástica realizada na década de 1960 em Campina Grande e em João Pessoa.

Assim sendo, no final de 1978, o NAC/UFPB surge com uma proposta institucional inovadora no campo das artes visuais em João Pessoa e com um tremendo desafio: se estabelecer como um espaço voltado à difusão e à produção em arte contemporânea, numa região que tradicionalmente oferecia resistência a qualquer ação atualizadora no contexto artístico e numa universidade que, há mais de uma década, desenvolvia ações voltadas, prioritariamente, para a produção artística local e regional.

Esse comprometimento com a arte contemporânea e suas questões resultou em ações de extrema relevância, muitas pioneiras e avançadas para a realidade institucional paraibana e nordestina da época. Também é louvável sua preocupação e empenho em envolver os artistas em sua proposta, tanto por meio de ações de caráter mais reflexivo quanto por meio do estímulo a uma produção experimental, o que certamente contribuiu para ampliar e relativizar as noções artísticas vigentes.

Pode-se considerar, a proposta do NAC como a primeira tentativa de se implantar uma política cultural exógena, baseada nos debates travados no eixo Rio São Paulo, e aberta às experimentações artísticas. Ou seja, sua agenda, procurava, claramente, romper com o tradicional isolamento que marcava o campo cultural paraibano ao mesmo tempo em que pretendia difundir a arte contemporânea em João Pessoa. A proposta desenvolvida por Duarte e Dias, apesar de ousada e de possuir diversos opositores, foi implementada com sucesso no intervalo de 1978 a 1981, período em que observa-se um empenho efetivo do Núcleo em promover ações e proposições artísticas que o estabelecessem como um centro de difusão e produção da arte contemporânea.

A partir de meados de 1981, quando os mentores intelectuais da proposta do Núcleo já haviam se desligado, observa-se uma crescente diminuição de suas atividades, a título de exemplo podemos citar que o número anual exposições caiu de, aproximadamente, 13, em 1980, para 7 em 1981. Também ocorre a paulatina modificação de sua proposta. Do mesmo modo, o enfoque antes dado à arte contemporânea (a sua exibição, produção e formação) é substituído pela ênfase nas tradicionais categorias artísticas e na arte regional.

Percebe-se, ainda, uma preocupação para que esse processo fosse acompanhado de uma transformação das noções e práticas artísticas vigentes em João Pessoa. Para tanto, o Núcleo não se limitou a promover a exibição de trabalhos que exploravam uma variada gama de técnica, mídias, materiais e suportes (xerox arte, arte correio, art-door, livro de artista, videoarte, fotografia, instalação); também garantiu que suas exposições fossem acompanhadas de palestras, cursos ou oficinas e que os artistas visitantes, sempre que possível, explicassem sua proposta, compartilhassem experiências, conversassem e discutissem questões relativas a linguagem artística e/ou meios que exploravam, com o público interessado.

A partir da análise de inúmeros documentos, foi possível detectar 3 razões principais para essas mudanças: a primeira no campo da macroestrutura esta relacionada com as alterações, no âmbito federal, das políticas culturais que haviam possibilitado a criação e manutenção do NAC na UFPB. A partir de 1982, dando continuidade a uma nova etapa do processo de abertura iniciado por Ernesto Geisel, João Figueiredo, último militar à frente da presidência, modifica completamente a estratégia cultural. Procedimento de acordo com o modelo de institucionalização brasileiro, que como mencionei anteriormente, se fundamenta em interesses políticos que passam longe das reais necessidades do campo cultural e de seus agentes. Essa instrumentalização da arte pelo aparato estatal fica evidente em períodos de transição, quando, geralmente, as diretrizes das politicas culturais são reformuladas de acordo com o grupo social/vertente artística que se quer privilegiar. Assim sendo, a partir de 1882, com o general Figueiredo no poder, a estratégia cultural adotada passa a privilegiar a vertente patrimonial e a valorizar a cultura popular como a verdadeira arte representativa da identidade nacional.

Além disso, o Núcleo procurou fomentar projetos de pesquisas e eventos que evidenciassem a aproximação das artes visuais com outras categorias artísticas, especificamente o cinema, a cenografia, a música, a literatura e a arquitetura. Como exemplo do fomento à pesquisa citamos a publicação do livro

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estavam exclusivamente relacionadas às exposições, como acontecia no período anterior. Do mesmo modo, a produção textual, que anteriormente enfocava questões relacionadas à arte contemporânea, neste momento se volta para apreciação da produção artística local. É importante destacar que, no Brasil, a partir da década de 1980 a discussão em torno da questão regional recebe maior relevo nas artes plásticas, marcando presença na produção artística e no debate crítico. Nesse momento, por exemplo, a crítica Aracy Amaral identifica dois modelos de animação cultural; o primeiro relacionaria a arte internacional com a arte local, com a discussão incidindo, geralmente, sobre o campo restrito da arte. O segundo modelo se apoiaria no próprio ambiente cultural local, transformandoo, tornando-o gerador de um processo de autovalorização, revitalizando formas de expressões que se arriscam a cair em desuso, ou que são menosprezadas [...] ¹², portanto seria mais abrangente e engajado.

Nesse contexto, a produção cultural contemporânea e os inúmeros problemas que vão se associando à cadeia produção, circulação e consumo foram relegadas a um espaço secundário, consequentemente ocorre um sistemático declínio das atividades e do orçamento da Funarte, órgão responsável por essa vertente artística e principal financiador das atividades do NAC/UFPB; a segunda causa, eu situo no campo da microestrutura e se relaciona com a crise institucional instalada na UFPB em decorrência do vertiginoso crescimento ocorrido durante o reitorado de Lynaldo Cavalcanti Albuquerque (1976-1980). Lynaldo, que no afã de expandir a universidade, não teve tempo suficiente para sua consolidação ¹ . Essa situação foi intensificada com as reduções drásticas nos orçamentos das universidades por conta do arrocho econômico que o Brasil atravessou durante a crise do petróleo em 1979;

No entanto, baseada nas análises e nos desdobramentos das exposições promovidas, não podemos aplicar nenhum desses modelos ao enfoque dado à produção regional no Núcleo, já que essa orientação não foi consequência da implementação de uma nova proposta (com metas, estratégias de ações e objetivos definidos) nem expressou uma real preocupação em converter esse espaço em um centro de formação, valorização e promoção da arte local.

E por fim, a terceira razão, que eu situo no âmbito da, digamos, nanoestrutura e se relaciona com os modelos de gestão implementados no NAC/UFPB. Como mencionei anteriormente o processo de institucionalização do campo cultural no mesmo instante que cria um espaço público, destinado à coletividade, pelo uso de diversos estratagemas o converte em um reduto oligárquico e elitista. Um dos mais perversos estratagemas utilizados é a gestão personalista, já que é o gestor que pode levar a cabo (ou não) o processo de segregação, que pode tirar proveito (ou não) da sua posição para perpetuar a manutenção de privilégios pessoais, que pode dispor (ou não) do bem e do patrimônio públicos com se esses fossem bens privados.

Ao contrário, o que fica claro, confrontando os documentos, os discursos e práticas institucionais, é que apesar crise do NAC/UFPB está inserida e diretamente relacionado com as transformações nas políticas culturais no âmbito federal, com a crise que atravessou a UFPB e a Funarte, o impacto dessa conjuntura foi potencializado pelo pouco empenho de seu coordenador, Raul Córdula, em dar continuidade à proposta concebida por Duarte e Dias, no momento em que os recursos ficaram escassos e ocorre o direcionamento das políticas culturais, que haviam possibilitado a criação e manutenção do Núcleo, para a cultura popular. Nesse contexto, Córdula, prefere diminuir e restringir as atividades do Núcleo à captar recursos em outras fontes ou articular a realização de ações independentes do apoio da Funarte. Optando por um formato que privilegiava a arte regional e ateliês de pintura e desenho, tendo em vista que seria menos oneroso e trabalhoso que articular a vinda de exposições de artistas de outras regiões.

Pelo exposto, a gestão personalista será, dentre as três causas, a questão eleita para uma análise pontual, já que, me parece afetou de modo mais direto e nefasto a trajetória da instituição NAC/UFPB, muito embora, as três razões expostas por serem interdependentes, a rigor, não podem ser pensadas de maneira isoladas. Desse modo, a trajetória do NAC/UFPB no período de 1978 a 1985, pode ser dividida em duas fases, que correspondem a dois modelos de gestão e a procedimentos distintos com o bem público: a primeira de 1978 a 1981, quando foram promovidas 66% das exposições e vigorou a proposta concebida por Duarte e Dias; a segunda de 1982 a 1985, marcada simultaneamente pela transformação da proposta inicial, o declínio das atividades e ações do NAC/UFPB, e o completo desligamento de Paulo Sérgio Duarte do projeto.

Esse descompromisso fica claro quando sabemos que o gestor do Núcleo, Raul Córdula, no período de 1982 a 1984, acumula o cargo de coordenador do NAC/UFPB e diretor artístico e técnico da Oficina Guaianases de Gravura em Olinda¹³. E como se não bastasse, em 1983, passa a residir em Olinda¹ , onde permanece ainda hoje.

Como a primeira etapa, que vai de 1978 a 1981, já foi apresentada. Me voltarei para a segunda fase do Núcleo.

O acumulo de cargos, um em Olinda e outro em João Pessoa, seguidos da mudança definitiva de Raul Córdula para Olinda e das transformações da proposta inicial do Núcleo somada à sua reduzida atuação no período de 1982 a 1985 ao longo do ano de 1983 promove apenas 3 exposições em sua sede e nos dois anos seguintes apenas 6 demonstra claramente que, apesar de se manter como coordenador do NAC/UFPB, seus interesses

No período de 1982 a 1985, as ações voltadas para a cultura popular e regional, antes eventuais, superaram as voltadas para a arte contemporânea, como percebe-se na programação do Núcleo. Nesse intervalo, foram realizadas aproximadamente 17 exposições¹¹, das quais apenas 3 exploravam novas mídias. As ações de formação, além de não possuírem regularidade não

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Notas

já não estavam relacionados com a referida instituição, privilegiando acordos descompromissados com a dimensão pública e na maioria das vezes relacionadas com sua autopromoção.

¹ Texto elaborado a partir da pesquisa: JORDÃO, Fabrícia Cabral de Lira. O Núcleo de Arte Contemporânea da Universidade Federal da Paraíba (1978 1985). 2012. 240f. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. ² SALZSTEIN, Sônia. Arte, Instituição e Modernização Cultural no Brasil: uma experiência institucional. 1994. 187 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. ³ MICELI, Sergio. O processo de construção institucional na área cultural federal (anos 70). In: MICELI, Sergio (Org.) Estado e Cultura no Brasil. São Paulo: Difel, 1984, p. 57. NAPOLITANO, Marcos. Coração Civil: Arte, Resistência e Lutas Culturais durante o Regime Militar Brasileiro (1964-1980). 2011. 374f. Tese (Tese de Livre-Docência para concurso junto ao Departamento de História). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. Ibidem. Ibidem, p. 196. Ibidem. CÓRDULA, Raul. A experiência renovadora do NAC no campo da extensão universitária. In: GOMES, Dyogenes Chaves (Org). O Núcleo de Arte Contemporânea da Paraíba/NAC. Rio de Janeiro: Funarte, 2004, p. 14. BOTELHO, Isaura. Romance de Formação: Funarte e política cultural (1976-1990). Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 2000. ¹ BORBA, Berilo Ramos. Depoimento escrito em outubro de 2005. In: GUERRA, Lúcia de Fátima; DAVID, Fernandes (Org.). UFPB 50 Anos. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2006. p. 107. ¹¹ No período de 1982 a 1984, o Núcleo realizou 17 exposições em sua sede: 3 de fotografias, 3 mostras iconográficas, 6 de desenhos e/ou pintura, 2 de gravuras, 1 de papel artesanal, 1 de litofsete, 1 de xerografia. Em 1985, por conta de sua precária estrutura e a falta de recursos, não promoveu nenhuma exposição em sua sede. No entanto, promoveu junto com a Secretaria de Cultura do Estado da Paraíba a exposição Primitivos, com o acervo de artistas primitivos do Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Alvares Penteado de São Paulo, realizada no Espaço Cultural de João Pessoa. Ver: PRIMITIVOS: mostra do acervo de artistas primitivos do Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Alvares Penteado de São Paulo. João Pessoa: [s.n.], 1985. 3 p. Catálogo de Exposição, Espaço Cultural de João Pessoa, 03 a 22 mai. 1985. Fonte: Acervo NAC/UFPB. ¹² AMARAL, Aracy. O grupo de Cuiabá: sol e energia. In: ______. Arte e meio artístico: entre a feijoada e o x-burguer: 1961 - 1981. São Paulo: Nobel, 1983. p. 371-375. ¹³ CÓRDULA, Raul. Entrevista concedida a Marcelo Montanini em julho de 2010. Disponível em: <http://www.recife.pe.gov.br/agendacultural/index_eventos.php ?AgendaEdicaoAno=2010&AgendaEdicaoNumero=179&TiposEventosCodigo=22 >. Acesso em: jul. 2012. ¹ Ver: CÓRDULA, Raul. Raul Córdula: olindense de coração. Entrevista concedida a Manuella Antunes. Disponível em: <http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/ suplementos/arrecifes/noticia/2012/05/12/raul-cordula-olindense-de-coracao41932.php> Acesso em: jun. 2012. ¹ CÓRDULA, Raul. Manifesto de precariedade do NAC. João Pessoa. 25 nov. 1986. 2 f. Mimeografado. Fonte: Acervo NAC/UFPB. ¹ DIAS, Antonio. Entrevista concedida a Roberto Conduru. In: CONDURU, Roberto; RIBEIRO, Marília André (Org.). Antonio Dias: depoimentos. Belo Horizonte: C/Arte, 2010, p. 30.

Em 1986, Raul Córdula lançou o Manifesto da precariedade do NAC no Jornal A União onde, exaltando seus feitos e se eximindo de qualquer responsabilidade, culpou a UFPB pela precária situação do NAC/UFPB¹ . No entanto, conforme aqui discutido, o impacto da conjuntura desfavorável que incidiu sobre essa instituição foi potencializado pela falta de uma liderança empenhada e compromissada em, sem perder de vista os objetivos da proposta inicial, encontrar caminhos para superar a difícil situação que o Núcleo enfrentava, como bem notou Antonio Dias, citação: depois que o Paulo Sérgio Duarte saiu, esse Núcleo de Arte Contemporânea ficou praticamente morto durante sete ou oito anos [...] tudo depende de vontade política, não há dinheiro nem liderança ¹ . O caso do NAC/UFPB, se por um lado demonstra o potencial da instituição para transformar e formar o processo cultural, por outro, ratifica que, na ausência de uma tradição e definição institucional, a ativação desse potencial dependerá da maior ou menor consciência institucional (e, portanto, pública), dos esforços, articulações e atuação de seus gestores. Portanto, é imprescindível, lutar por mecanismos legais que não só assegurarem critérios de continuidade mas também, e principalmente, garantam a manutenção da política e perfil institucional do NAC/UFPB, tornando evidente que a definição de qualquer proposta e/ou projeto, seja ele de curto, médio ou longo prazo, deve partir (e respeitar), necessariamente, sua razão de ser institucional. Enquanto isso não acontece, o NAC/UFPB continuará à deriva, a mercê dos interesses pessoais de seus gestores. Por fim, resta dizer que, em um país onde poucas são as ações de preservação e raras são as políticas de memória, deve-se, como nos alertou Edgardo Antonio Vigo, em seu poema visual, semear a memória para que não cresça o esquecimento . Portanto, se essa fala contribuir, de alguma maneira, para que a história e a memória do NAC/UFPB não caiam no esquecimento, terá cumprido seu papel.

Fabrícia Cabral de Lira Jordão é Mestre em Artes Visuais (USP)

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REALIDADE DOS ARQUIVOS PARAIBANOS: ORGANIZAÇÃO, ACESSO, CONSERVAÇÃO, RESPONSABILIDADE TÉCNICA Maria da Vitória Barbosa Lima

1 Introdução

2.1 Arquivos identificados

Esta comunicação é resultante do projeto de pesquisa intitulado GUIA DE UNIDADES CUSTODIADORAS DE ACERVOS DA CIDADE DE JOÃO PESSOA¹. O projeto integra o Programa de Documentação e Memória, do Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional NDIHR/UFPB, através do Grupo de Estudo e Pesquisa em Cultura, Memória, Informação e Patrimônio GECIMP e tem como coordenadoras as professoras Bernardina Freire (DCI/UFPB) e Vitória Lima (PPGCI/UFPB).

As entrevistas realizadas, com a aplicação de um questionário específico, em 33 instituições arquivísticas revelam que as instituições públicas são mais acessíveis aos pesquisadores como revelam o quadro 1.

Selecionamos instituições públicas (nível federal, estadual e municipal) e privadas institucionais, com documentação de caráter público ou de interesse histórico, como instituições cartoriais, eclesiásticas ou empresariais; e privadas pessoais com documentos particulares de indivíduos, famílias ou grupos de interesse à pesquisa histórica local. Nosso objetivo era mapear as instituições-memória da capital paraibana, tais como: arquivos, bibliotecas, museus, centros (núcleo) de documentação e memoriais. Contudo, falarei sobre a realidade dos arquivos de João Pessoa. Para conhecer essa realidade, fizemos-nos as seguintes perguntas: Quem são eles? Onde estão? O que possuem? Como estão? Dão acesso aos pesquisadores? Assim, elaboramos um questionário contendo elementos da Norma Brasileira de Descrição Arquivística NOBRADE para atender a essas questões que consistem em: Área de identificação contendo código de referência, nome institucional, endereço e telefones, horário de funcionamento, forma de manutenção, dimensão e suporte; Área de contextualização com o(s) nome(s) do(s) produtor(es) e datas-limite; História Administrativa da instituição e do arquivo; Área de conteúdo e estrutura onde registramos informações sobre o assunto e a organização; Área de condições de acesso e uso ressaltando, ainda, as condições de reprodução.

2.2 Quanto ao estágio de organização dos acervos Verificamos que, nos arquivos pesquisados, há o predomínio daqueles parcialmente organizados em número de 14; em seguida estão os organizados com 11 e os em organização com 8 referências. Ressaltamos que essas denominações foram dadas pelo(a)s entrevistado(a)s, que correspondem aos coordenadores, chefes, diretores e notários das unidades arquivísticas.

2 Resultados obtidos Elencamos 100 instituições memória na capital paraibana, contudo apenas 33 aceitaram responder ao questionário e fazer parte do Guia de Unidades Custodiadoras de Acervos. Os motivos usados, em relação aos arquivos, para negarem a participação no GUIA foram: não terem Arquivo Permanente; o Arquivo Permanente não está organizado e não há funcionários para atenderem aos pesquisadores.

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Quadro 4: Quanto ao acesso à documentação nos arquivos

2.5 Quanto aos instrumentos de pesquisa

Quadro 2: Estágio de organização dos acervos

Destacamos que os arquivos totalmente organizados possuem guias, inventários e catálogos. Os parcialmente organizados dão ênfase às séries/coleções que os pesquisadores solicitam com mais frequência, por isso elaboraram inventários, catálogos ou listagens. Os definidos como em organização , às vezes, possuem listagens parciais de sua documentação.

2.3 Quanto ao estado de conservação da documentação Para o estado de conservação da documentação definimos três categorias: boa , regular e danificada . Identificamos a predominância de arquivos cuja documentação vai do grau boa para a danificada (em número de 20), ou seja, que precisam de uma intervenção urgente de restauração. Entretanto 2 arquivos encontram-se em situação crítica, ou seja, em estágio regular a danificado . Pela importância desses arquivos devemos nomeá-los pois trata-se do Arquivo Histórico Waldemar Bispo Duarte (Arquivo Histórico da Paraíba) e o do Serviço Notarial Monteiro da Franca (cartório). O primeiro possui documentação do século XVII (destacamos as cartas de sesmarias) ao XX e o segundo documentação do século XVIII e XIX (livros notariais com registros de cartas de liberdade, testamentos etc.)

2.6 Quanto às condições de reprodução Constatamos que o pesquisador tendo acesso à documentação, a maioria das instituições permitem a eles que fotografem os documentos sem o uso do flash. 2.7 Quanto à responsabilidade técnica do acervo Das 33 instituições arquivísticas visitadas identificamos que apenas 8 destas possuem o(a) profissional formado(a) em arquivologia responsável pela administração e atividades técnicas nos arquivos. Detectamos que dos 26 arquivos públicos, apenas 7 possuem arquivistas em seus quadros de funcionários. Os privados, de um total de 7, apenas 1 possui arquivista.

Percebermos, na grande maioria dos arquivos, que os responsáveis por eles precisam criar medidas de preservação³ e conservação , pois das 33 instituições, 22 delas necessitam de ações de restauração em sua documentação.

3 Considerações finais Os resultados aqui expostos, e obtidos através do Projeto GUIA DE UNIDADES CUSTODIADORAS DE ACERVOS DA CIDADE DE JOÃO PESSOA, revelam a fragilidade dos arquivos na cidade de João Pessoa, Paraíba. Avanços ocorreram, no Estado, na formação e nos estudos sobre a arquivologia com a criação de dois cursos de graduação em Arquivologia, na Universidade Estadual da Paraíba (2006) e na Universidade Federal da Paraíba (2008).

Quadro 3: Estado de Conservação da documentação

Contudo, acredito que as causas dos arquivos paraibanos não estarem em melhores condições, hoje, não se deve somente às questões de ordem econômica ou a ausência de profissionais qualificados, mas, sobretudo, devido a INÉRCIA dos seus administradores.

2.4 Quanto ao acesso Neste item destacamos o acesso às informações pelos pesquisadores em geral. Nas unidades arquivísticas registramse em maior proporção as instituições que não possuem restrições de acesso à informação. Apenas 9 instituições, constituídas pelos arquivos do poder judiciário, do Instituto de Metrologia e Qualidade Industrial da Paraíba IMEQ/PB, da Companhia de Águas e Esgotos do Estado da Paraíba CAGEPA, e dos cartórios, possuem alguma restrição que consiste na solicitação de autorização para se ter acesso à documentação.

Maria da Vitória Barbosa Lima é Doutora em História (UFPE) e pesquisadora (NDHIR/UFPB)

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Notas ¹ Projeto iniciado em maio de 2010 e encerrado em janeiro de 2013. Este projeto, inicialmente, estava previsto para ser executado em seis meses, porém as dificuldades de acesso aos administradores nos obrigaram a ampliar o tempo da pesquisa. ² Arquivo de caráter público, mas cuja documentação é privada porque possui a documentação pessoal dos ex-governadores e personalidades paraibanas. ³ Entendemos preservação como [...] um conjunto de medidas e estratégias de ordem administrativa, política e operacional que contribuem direta ou indiretamente para a preservação da integridade dos materiais . (CASSARES, 2000, p. 12) Compreendemos conservação como [...] um conjunto de ações estabilizadoras que visam desacelerar o processo de degradação de documentos ou objetos, por meio de controle ambiental e de tratamentos específicos (higienização, reparos e acondicionamento) . (CASSARES, 2000, p. 12) Entendemos restauração [...] um conjunto de medidas que objetivam a estabilização ou a reversão de danos físicos ou químicos adquiridos pelo documento ao longo do tempo e do uso, intervindo de modo a não comprometer sua integridade e seu caráter histórico .

Referências CASSARES, Norma C. Como fazer conservação preventiva em arquivos e bibliotecas. São Paulo: Arquivo do Estado e Imprensa Oficial, 2000. PROJETO Guia de Unidades Custodiadoras de Acervos da Cidade de João Pessoa. Coordenação: Bernardina Maria Juvenal Freire de Oliveira; Maria da Vitória Barbosa Lima. NDIHR/João Pessoa, 2010. (Digitalizado) GUIA DE UNIDADES CUSTODIADORAS DE ACERVOS DA CIDADE DE JOÃO PESSOA. Coordenação: Bernardina Maria Juvenal Freire de Oliveira; Maria da Vitória Barbosa Lima. NDIHR/João Pessoa, 2013. (Digitalizado)

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Simeão Leal recebendo amigos, artistas e intelectuais em seu gabinete, no Palácio Gustavo Capanema, Rio de Janeiro. Fonte: Acervo José Simeão Leal (NDHIR/UFPB)

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JOSÉ SIMEÃO LEAL - GESTÃO DE ACERVOS E ARQUIVOS EM ARTES VISUAIS Edital Conexão Artes Visuais/ Funarte/ MinC

SEMINÁRIO ARQUIVOS PRIVADOS: POLÍTICAS E REALIDADES 04 a 06 de junho de 2013 Auditório da Central de Aulas/ UFPB, Campus I, João Pessoa/ PB

EXPOSIÇÃO JOSÉ SIMEÃO LEAL - HOMEM DE CULTURA 10 de maio a 16 de junho de 2013 Estação das Artes, Av. João Cirilo Silva, S/N, Altiplano Cabo Branco, João Pessoa/ PB

PROGRAMAÇÃO Realização: Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação/ UFPB | Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional-NDHIR/ UFPB | Estação das Artes Produção: 2ou4 Curadoria: Bernardina Freire | Dyógenes Chaves | Thaís Catoira Projeto expográfico: Dyógenes Chaves Montagem: Equipe de Montagem da Estação das Artes Coordenação de montagem: Maria Botelho Vídeo (Cartas): Café Dias (vozes de Luiza Gabriela e Roncalli Dantas, roteiro de Marta Penner)

Abertura Oficial Dia 04/06/2013 19h Local: Auditório Central de Aulas/ UFPB Participantes: Beth Baltar (Coordenadora do PPGCI/ UFPB) | Dyógenes Chaves | Carlos Xavier de Azevedo Netto (Coordenador do NDIHR/ UFPB Órgão custodiador do Acervo de José Simeão Leal) | Isa Maria Freire (Presidente da ANCIB) Abertura Cultural Dia 04/06/2013 19h30 Local: Auditório Central de Aulas/ UFPB MESA 1: José Simeão Leal Homem de Cultura Participantes: Francisco Pereira da Silva Júnior (Chico Pereira) | Gonzaga Rodrigues | Kelly Cristiane Queiroz Barros. Moderadora e Debatedora: Karlene Roberto Braga de Medeiros Objetivo: Discutir o personagem e sua relação com a cultura, feitos e ditos. Dia 05/06/2013 19h Local: Auditório Central de Aulas/ UFPB MESA 2: Arquivos Privados x Políticas Públicas Realidade ou Utopia Participantes: Rosilene Paiva Marinho de Sousa | Julianne Teixeira e Silva | Zeny Duarte (UFBA). Moderador e Debatedor: Carlos Xavier de Azevedo Netto Objetivo: Discutir a configuração contemporânea que assume o Direito na relação público e privado para a temática dos arquivos, bem como as políticas públicas para a área dos arquivos privados. Dia 06/06/2013 19h Local: Auditório Central de Aulas/ UFPB MESA 3: Arquivos Privados x Públicos Realidade e Desafios Participantes: Thaís Catoira Pereira | Fabrícia Cabral de Lira Jordão (USP) | Dyógenes Chaves | Maria da Vitória Barbosa Lima. Moderadora e Debatedora: Manuela Maia Objetivo: Discutir e apresentar a realidade dos arquivos paraibanos, considerando as condições de acesso, conservação e responsabilidade técnica, administrativa e pública.

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Ficha técnica Material impresso Programação visual: Dyógenes Chaves | 2ou4 Imagens e obras: Acervo José Simeão Leal/ NDIHR/ UFPB (Órgão custodiador do Acervo) Tratamento de imagens: Adriano Franco | Dyógenes Chaves Impressão offset: Gráfica JB Projeto Patrocínio: Petrobras/ Lei de Incentivo à Cultura Realização: Conexão Artes Visuais/ Funarte/ MinC Apoio: Associação Cultural da Funarte Apoio institucional: Prefeitura Municipal de João Pessoa/ Estação Cabo Branco, de Ciência, Cultura e Artes | Universidade Federal da Paraíba/ Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação/ UFPB WebSite: Café Dias Impressão de fotografias: ArtCor (Marcos Estrela) Documentação fotográfica e videográfica: Adriano Franco | Tony Neto | Wagner Falcão Produção: 2ou4 Coordenação geral: Dyógenes Chaves Coordenação do Seminário: Bernardina Freire Coordenação de apoio: Thaís Catoira Agradecimentos: Bernardina Freire | Carlos Xavier (NDHIR) | Chico Pereira | Lúcia França e Maria Botelho (Estação das Artes) | Thaís Catoira | os palestrantes e mediadores das mesas, a equipe de apoio e organização do Seminário | Equipe de Montagem da Estação das Artes

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