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Universidade do Sul de Santa Catarina

Políticas Públicas

UnisulVirtual Palhoça, 2014 1


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Sebastião Salésio Herdt Vice-Reitor

Mauri Luiz Heerdt Pró-Reitor de Ensino, de Pesquisa e de Extensão

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Ruth Terezinha Kehrig Georgia Maria Ferro Benetti Joana Célia dos Passos Silene Rebelo

Políticas Públicas

Livro didático

Designer instrucional Lis Airê Fogolari

5ª edição, revista e ampliada

UnisulVirtual Palhoça, 2014 3


Copyright © UnisulVirtual 2014

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Livro Didático

Professor conteudista Ruth Terezinha Kehrig (1ª edição) Elivete Cecília de Andrade (4ª edição) Georgia Maria Ferro Benetti Joana Célia dos Passos Silene Rebelo Designer instrucional Márcia Loch Carolina Hoeller da Silva Boeing (3ª ed. rev. e atual.) Sabrina Bleicher (4ª edição) Lis Airê Fogolari (5ª ed. rev. e ampl.)

Projeto gráfico e capa Equipe UnisulVirtual Diagramador(a) Diogo Silva Mecabô Revisor(a) Diane Dal Mago

351.0981 P83 Políticas públicas : livro didático / Ruth Terezinha Kehrig, Georgia Maria de Andrade, Joana Célia dos Passos, Silene Rebelo ; design instrucional Lis Airê Fogolari, [Márcia Loch, Carolina Hoeller da Silva Boeing, Sabrina Bleicher]. – 5. ed. rev. e ampl. – Palhoça : UnisulVirtual, 2014. 172 p. : il. ; 28 cm. Inclui bibliografia. 1. Administração pública – Brasil. 2. Política urbana. 3. Estado. 4. Ciência política. I. Kehrig, Ruth Terezinha. II. Andrade, Georgia Maria de. III. Passos, Joana Célia dos. IV. Fogolari, Lis Airê. V. Loch, Márcia. VI. Boeing, Carolina Hoeller da Silva. VII. Bleicher, Sabrina. VIII. Título. Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

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Sumário Introdução | 7

Capítulo 1

A política | 9

Capítulo 2

As políticas públicas | 39

Capítulo 3

Formulação das políticas públicas | 61

Capítulo 4

Metodologia de análise e avaliação em políticas públicas | 75

Capítulo 5

Ética e Direitos Humanos | 89

Capítulo 6

Cultura, Identidade e Relações ÉtnicoRaciais | 109

Capítulo 7

Meio Ambiente e Dinâmicas Sociais | 137

Considerações Finais | 161 Referências | 163 Sobre o Professor Conteudista | 171

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Introdução A disciplina de Políticas Públicas tem uma base teórica com conteúdo de interesse muito prático. Você deve estar interessado em entender melhor como acontecem as políticas que afetam tão de perto a vida de toda a sociedade, não é mesmo? Existe uma política de educação neste curso que você está fazendo, na escola do seu filho; uma política habitacional para a sua casa; uma política de desenvolvimento urbano da sua rua, seu bairro; uma política de trabalho no seu emprego; uma política econômica de rendas no seu salário e uma política de segurança para garantir tranquilidade aos cidadãos. Existe também uma política partidária que delineia a vida no seu município e uma aliança política que define os rumos do seu estado e outra do seu país. Isso entre tantas outras políticas públicas que fazem o dia a dia e o cenário de futuro para toda população. É importante lembrar que essa política é feita por essa mesma população. As políticas públicas afetam direta ou indiretamente todos os brasileiros. Com certeza, o seu povo merece condições de vida digna, viabilizadas pelo acesso a políticas públicas de qualidade. Para este início de estudo, é importante pensar nas seguintes questões: como você pode contribuir para viver numa sociedade com mais igualdade social, sem exclusões e com uma maior segurança, alicerçada numa perspectiva de desenvolvimento com sustentabilidade econômica, ambiental, social e política? Como participar na definição e construção de políticas públicas que beneficiem e gerem acesso a todos os cidadãos? Pensar essas questões, é preciso pensar no interesse coletivo, e é essa perspectiva que caracteriza o campo das políticas públicas. A realidade brasileira, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, tem como norte a perspectiva de um Estado Democrático e de Direitos. Os interesses da coletividade são explicitados na defesa dos direitos fundamentais. A consolidação de um Estado a serviço da população se expressa pela defesa das políticas públicas e de uma gestão corresponsável entre os representantes políticos, eleitos pela população, e a participação da sociedade civil nos espaços ampliados da gestão pública. É tempo de construção, muitas políticas públicas

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precisam ganhar vida, concretude, para além das definições legais e intenções partidárias. E todos nós somos corresponsáveis no processo de consolidação do Estado Democrático e dos Direitos que constroem as políticas públicas e contribuem para o bem da coletividade. Alguns analistas consideram que a realidade social e política no país compreendem uma complexidade maior do que era o esperado, mas progressos têm sido constatados. Nesta disciplina, você vai participar de uma reflexão sobre as políticas públicas com um foco na relação com as concepções de política e de Estado que as sustentam. A ideia é instrumentalizá-lo conceitualmente para desenvolver uma análise crítica, discutindo alguns elementos específicos das políticas públicas no contexto atual do país, inserido na sociedade globalizada. Esta disciplina começa com uma discussão sobre o Estado e suas implicações nas políticas públicas. Em seguida, você vai estudar uma série de pressupostos que sustentam a política em um sentido geral, para, finalmente, chegar às políticas públicas como prática nos países democráticos, sobretudo no Brasil. Que você tenha sucesso nesta disciplina e que ela seja de grande valia para o seu entendimento sobre políticas públicas. Bons estudos! Professora Ruth Terezinha Kehrig


Capítulo 1 A política Ruth Terezinha Kehrig

Habilidades

A partir da reflexão sobre a expressão política no governo e em outros espaços de interesse político nas relações entre os grupos sociais, visa-se a relacionar a política com o Estado e Governo e desenvolver uma visão crítica da política como espaço de liberdade entre os homens. Compreender as implicações do processo político partidário na conquista da liberdade e igualdade entre os homens. Identificar as formas de participação política da sociedade civil nas políticas públicas, destacando esse papel na organização partidária e sindical.

Seções de estudo

Seção 1:  Das origens filosóficas ao significado moderno de política Seção 2:  O pensamento político de Weber Seção 3:  A concepção de política para Hannah Arendt Seção 4:  Participação política

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Capítulo 1

Seção 1 Das origens filosóficas ao significado moderno de política A política pode ser definida, a partir de diferentes dimensões, como: arte, ciência, ideologia, filosofia e ética (VERBO, 1973). Partindo do que podemos chamar de uma concepção enciclopédica de política, genericamente, o termo pode ser entendido como: governo dos homens, numa perspectiva da administração das coisas públicas e materializada na organização e direção dos Estados.

A seguir, você conhecerá, com mais detalhes, cada uma das dimensões de política.

1.1 Política como arte Enquanto arte, a política é entendida como um dom natural, que contém as qualidades para se relacionar com os diferentes. Num senso mais comum, política é a arte de governar, assim entendida como um dom de saber influenciar, manipular ou controlar grupos, com a intenção de fazer avançar os propósitos de alguns contra a oposição de outros. Para Aristóteles, considerado o mais sagaz analista político de todos os tempos, política é uma espécie de savoir faire (saber fazer), com sensibilidade e imaginação, sob a racionalização dos seus instrumentos tecnológicos (a exemplo da oratória). Na política sempre está presente também, para Aristóteles, a reflexão crítica. A política como arte, também pode ser compreendida por meio de outras definições, algumas apresentadas a seguir: •• É um fazer e um agir, dispondo as ações políticas dos seus meios aos seus fins, mas pensando também dos fins aos meios; •• É a arte do que é possível realizar aqui e agora, mas pensando no depois; •• Enquanto decisão política implica uma arte da intervenção na indeterminação; •• Tem uma dimensão criativa e um juízo teórico-prático; •• Entre as aspirações que polarizam a vida humana, política significa a percepção das mediações necessárias entre governo e sociedade civil. Quer dizer, é por meio da política que se dá a relação entre o povo e seus governantes.

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Políticas Públicas

1.2 Política como ciência A ciência política é uma área de saberes, estudos e pesquisas sobre o que existe em política. Trata-se dos estudos científicos sobre a política, cujos resultados geram livros e outras publicações sobre as produções acadêmicas e científicas a respeito da política. A política como ciência também pode ser compreendida por meio de outras concepções, como as descritas a seguir: •• Essencialmente ligada à história, economia, sociologia, psicologia e geografia humana; •• Tem como seu objeto de estudo as relações entre os governantes e os governados, entre as instituições e vida real, entre as partes e o todo; •• Utiliza-se de métodos científicos para estabelecer, entender e explicar as relações acima enunciadas; •• Estuda o poder na relação entre sociedade e Estado, sua natureza, os fundamentos e forças políticas, os mitos e crenças populares a respeito dos políticos, os ritos e símbolos usados na prática política, as normas e valores em que a política se pauta, e sua adequação e correspondência entre si, em todas as formas de manifestação.

1.3 Política como ideologia Como ideologia, a política fica atrelada aos diferentes juízos de valor e visão de mundo dos respectivos grupos sociais e políticos. Em outras palavras: •• Foca o poder para se instaurar ou para se manter em um regime determinado; •• Ideologicamente, a política é assumida como arma e justificação do poder, como ponto de honra perante as massas, como símbolo ou credo, pretendendo justificar as diferenças sociais, os poderes concentrados em instituições, a destinação dos recursos públicos e as obras realizadas pelas diversas esferas de governo; •• Exalta as virtudes e oculta a autocrítica (entre os correligionários); •• Coloca a necessidade de acreditar para realizar.

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Capítulo 1

1.4 Política como filosofia A filosofia política leva a refletir sobre a razão de ser da política, buscando entender suas motivações e sentidos. Nesse sentido: •• Questiona-se sobre o espaço político próprio em relação ao direito, à moral, à economia, e se existe, em que consiste; •• Aqui se trata de uma esfera que engloba a reflexão sobre as demais dimensões da política já abordadas; •• Situa-se no encadeamento das relações entre os opostos, isto é, relações dialéticas presentes nas dicotomias ou paradoxos entre mando e obediência, privado e público, amigo e inimigo; •• Representa uma autoridade social para garantir o direito e a ordem social.

1.5 Política como ética Não se pode afirmar que exista uma relação direta entre política e moral. Mas é importante ter presente que o que é lícito em política, não se pode dizer que o seja em moral. Pode haver ações morais que são apolíticas e ações políticas que são imorais. Essa distinção foi atribuída a Maquiavel, geralmente é apresentada como problema da autonomia da política. (BOBBIO; MATEUCCI; PASQUINO, 1986, p. 961). Para algo ser moral, basta estar de acordo com os costumes aceitos por uma sociedade naquele contexto histórico específico. Por exemplo, o tipo de roupa que usamos em público. Existem negociações políticas consideradas “regras do jogo” e que podem ser (ou não ser) morais, a exemplo dos acordos entre partidos para que o Legislativo venha a aprovar (ou não) projetos encaminhados pelo Executivo. Sendo assim, a política como ética compreende também as seguintes concepções: •• Trata-se de uma dimensão moral da política, da reflexão sobre a moralidade das práticas políticas; •• Preocupa-se com a atividade humana consciente e livre em relação ao social;

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Políticas Públicas •• Questiona o agir prático versus a presença de manipulação por interesses dos agentes políticos em relação aos direitos sociais; •• Significa a subordinação da política à moral e à própria ética.

Os escritos de Max Weber nos ajudam a pensar a política como ética. Segundo esse pensador, existe uma ética da convicção, que é usada para julgar as ações individuais. Trata-se essa de uma ética baseada nos fins últimos das ações realizadas. E existe também uma ética da responsabilidade, que é usada para julgar ações de grupos, ou praticadas por um indivíduo, mas em nome e por conta do próprio grupo (povo, igreja, o partido etc.). O que é devido e certo para um indivíduo, pode ser que não o seja para um grupo de que ele faz parte. Nesse âmbito, inserem-se os códigos de ética das diversas categorias profissionais.

Na sequência, tomando por principal referência o Dicionário de Política organizado por Bobbio, Mateucci e Pasquino (1986), passamos a reconstruir um significado de política como introdução para o estudo da sua relação com o Estado e com as políticas públicas.

1.6 O conceito de política e poder Em seu significado clássico, política é a arte ou ciência do governo, ou ainda, a reflexão sobre as coisas da cidade. Esse último entendimento é derivado da visão clássica que relaciona o político e o social, ao considerar, desde a Antiguidade, que a esfera da política diz respeito à vida da polis (cidade) grega, compreendendo toda a sorte de relações sociais. Assim é que, desde suas origens, o político vem a coincidir com o social. No seu significado moderno, isto é, segundo os pensadores da era moderna, política significa a ciência do Estado, ou, doutrina do Estado. Esse entendimento não quer restringir a política às esferas governamentais, mas sim a um entendimento do Estado enquanto expressão da vida política da sociedade. Compreende, assim, as relações da população com o próprio Estado. É por meio da política que o Estado se expressa. Esses dois conceitos acima, que são complementares, continuam válidos em qualquer uma das dimensões antes apontadas para pensar a política: como arte,

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Capítulo 1 ideologia, filosofia e ética. Como a questão do poder está sempre presente na política, vamos conhecer as formas de poder em sua tipologia moderna, compreendendo os poderes econômico, ideológico e político, conforme segue. (BOBBIO; MATEUCCI; PASQUINO, 1986). A abundância de bens nas mãos de alguns poucos define o comportamento dos que não o detém. Esse é o poder econômico, cujo exemplo típico é a relação entre patrão e empregado. O poder ideológico representa a influência de ideias, predominantemente dos sábios, intelectuais, cientistas e sacerdotes. O poder político é entendido como o supremo poder. Significa dispor da exclusividade do uso da força, de incriminar, de punir, privilégio do governo, por meio dos seus poderes legais. Nessa perspectiva, derivada das ideias de Weber, por Estado se entende uma organização institucional de caráter político, onde o aparelho administrativo, ou governo, leva avante, em certa medida e com êxito, a pretensão do monopólio da força, por meio de seus exércitos e corporações policiais, com vistas ao cumprimento das leis. (BOBBIO; MATEUCCI; PASQUINO, 1986). Max Weber (2002) define como finalidade da política a busca dos objetivos considerados prioritários para o grupo (ou para a classe nele dominante), em lutas sociais e civis próprias da vida em sociedade. Nesse contexto, cabe ao Estado promover a concórdia, a paz, a ordem pública, o que se constrói viabilizando o bem-estar, a prosperidade e a independência nacional. O conceito acima está baseado na categoria poder. Como é bastante frequente que, para designar o termo política, esse seja relacionado com poder, é preciso sempre refletir sobre essa relação. O poder não se implanta por decreto; poder não se passa, perde-se. As pessoas não abrem mão espontaneamente do poder que possuem. Apenas se afastam porque não conseguem permanecer, segundo suas diferentes motivações. Para Demo (1996), a renovação de poder não é acidente ou desgraça, mas condição normal da vida histórica. Assim como o poder tem a condição ou capacidade de alterar o comportamento das pessoas, consequentemente, podem-se identificar duas faces da política: decisão e interesses. Tanto é que se define política como um processo destinado à formulação de decisões de interesses coletivos aos grupos sociais. As diferenças de interesses, entre os diversos grupos sociais, marcam o jogo

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Políticas Públicas político de disputas de poder, por meio do qual os interesses são materializados em decisões políticas. O que configura um processo como político é que suas decisões tomadas devem afetar a coletividade.

1.7 A política partidária A política se expressa das mais diversas formas em uma sociedade. Entre elas, há que se destacar a política partidária, por suas implicações fundamentais nas políticas públicas. Como uma primeira impressão sobre política partidária, observa‑se que as leis e partidos são destacados como instrumentos de realização de objetivos determinados. O governo e sua assembleia político-legislativa são mediados pela formação de partidos. São os partidos políticos que solidarizam a relação da maneira parlamentar com a equipe governista. (VERBO, 1968). O nosso conhecido Norberto Bobbio (1995) publica (também no Brasil, em um pequeno livro) o que significa, na atualidade, as razões e significados de uma distinção política entre (o que se convencionou chamar de) direita e esquerda em política partidária. O referido autor destaca como valores centrais, da direita, a liberdade, da esquerda, a igualdade. Na prática atual dos partidos políticos, essas concepções se fragilizaram e fica mais complexo definir o que é partido de direita ou de esquerda no Brasil contemporâneo.

1.8 Relação entre liberdade e igualdade Convém lembrar, em primeiro lugar, que a liberdade na vida social é limitada pelas condições materiais dessa existência, pois, em nome do livre mercado e do individualismo da lógica capitalista, essa pretensa liberdade pode estar aprofundando a desigualdade social. E em segundo lugar, cabe registrar que a igualdade precisa de liberdade social para ser assegurada. Aqui, o sentido de política defendido por Hannah Arendt (1999) que expressa a Política como espaço de liberdade entre os homens.

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Capítulo 1

Seção 2 O pensamento político de Weber Dada a importante contribuição de Max Weber para o estudo da política, das organizações e da sociedade, é oportuno conhecer um pouco sobre esse autor sempre presente nos dias atuais. Max Weber, além da criação do importante modelo burocrático na teoria das organizações, desenvolveu um método compreensivo para a pesquisa social e tornou-se uma referência em episteme (conhecimento). Foi professor de economia, um destacado sociólogo, historiador e cientista político.

Você Sabia? Max Weber nasceu na Prússia (Alemanha) em 1864. Viveu na mesma época de Taylor (EUA) e Fayol (França). Esses três nomes juntos dizem algo para você? São os fundadores, cada um por seu lado, do que hoje se chama a Escola Clássica da Administração. Havendo sido filho de um importante e tradicional político do Partido Nacional-Liberal na Alemanha, Weber era ainda criança enquanto aquele país estava em processo de se preparar para uma unificação. Desde a sua infância teve a oportunidade de manter um contato precoce com as principais figuras da academia e política prussiana, quando reunidos em sua casa paterna. Foi ainda na sua infância o período em que seu país tornou-se EstadoNação, produto das conquistas de Bismarck, graças às continuadas vitórias do exército prussiano. A vitória alemã sobre a França (1870–71) causou no menino Weber um impacto emocional duradouro. (GIDDENS, 1998, p. 26). Desde jovem estudante, os interesses políticos e acadêmicos marcavam sua experiência pessoal. Em seus escritos políticos existe uma orientação bastante ambivalente entre direita e esquerda. (GIDDENS, 1998, p. 26). Weber estudou na Alemanha o seu “capitalismo atrasado”, isso num sentido temporal em relação aos demais países da Europa Ocidental e os Estados Unidos, que muito rapidamente foram industrializados. Na universidade, Weber participou de um Grupo de Política Social, onde eram discutidas as condições de propriedade da terra alemã. O seu estudo sobre as propriedades fundiárias, ou seja, os grandes latifúndios, a leste do Elba (de 1892), serviu de subsídio para aqueles debates. Cabe lembrar aqui que a política assentada na propriedade da terra é herança da organização do Estado Feudal. (GIDDENS, 1998, p. 26). Weber era filiado a um grupo de socialistas acadêmicos, que discutiam as questões sociais e políticas do momento, com intercâmbio e discussões de ideias com outros jovens economistas e historiadores interessados nos “[...] problemas relativos à Alemanha, em sua transição para o capitalismo industrial.” (GIDDENS, 1998, p. 26–7). Essa era a principal motivação de Weber para participar daqueles movimentos estudantis, como também de grande parte da sua produção e vida.

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Políticas Públicas

Nos seus estudos sobre as origens e a natureza do capitalismo, segundo Giddens (1998, p. 27), Weber era fortemente influenciado por Marx. Para a geração mais velha de economistas, a motivação era contribuir na “[...] formulação de políticas de intervenção parcial do Estado na vida econômica” (ibid). Estudando a situação alemã, de acordo com Giddens (1998, p. 28): Weber concluiu que, em relação à Alemanha, as questões econômicas e políticas estavam inextricavelmente vinculadas; o país tinha forjado sua unidade em conflito com outras nações, e a manutenção e o florescimento de sua cultura estavam na dependência da afirmação contínua de seu poder como Estado-Nação delimitado. Weber se preocupava com o que denominava uma questão da liderança política na nova Alemanha, que recentemente havia conquistado sua unidade política. Como a revolução industrial estava atrasada naquele país, era ainda incipiente, não havia uma classe burguesa para derivar os dirigentes políticos necessários, como vinha ocorrendo nos países que se industrializaram mais rapidamente. (GIDDENS, 1998, p. 28). Frente ao seu recente período de desenvolvimento industrial, Weber sabia que “[...] o futuro da Alemanha como um poder de Estado na Europa dependia de sua transformação em um país industrializado” (ibid). Ou seja, a política seguindo a trilha do crescimento econômico. Para Weber, o futuro imediato da Alemanha dependia da maior consciência política da burguesia. No seu livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo” buscou identificar as fontes históricas desse tipo de consciência burguesa. Os diversos ensaios que Weber produzia “[...] também refletiam esses (mesmos) problemas políticos.” (GIDDENS, 1998, p. 28). Weber morreu em 1920, tendo publicado em vida apenas um livro consolidado como tal: A ética protestante e o espírito do capitalismo (de 1905). Todas as demais produções de Weber são produto da biografia escrita pela esposa Marianne e de recopilações elaboradas por estudiosos da sua obra.

Estudar os pensamentos e concepções de Weber revela-se importante, sobretudo para a compreensão da relação entre política e poder. Segundo Lallent (2003, p. 255): O fascínio pela obra de Weber deve-se não só à fecundidade de sua metodologia, como também a seu conteúdo. Os temas abordados: as relações entre econômico e o social, a análise das formas de poder, a sociologia comparada das religiões, a racionalidade dos comportamentos, a burocratização das sociedades modernas, a ciência e o político interessam tanto ao historiador, ao economista, ao antropólogo como ao sociólogo. De modo mais geral, a extensão de sua obra, sua vocação para pensar o social na sua globalidade a tornam um caminho necessário para todos aqueles que procuram compreender a natureza e a evolução das sociedades ocidentais modernas.

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Capítulo 1 Weber afirmava que o que define o Estado não é a sua finalidade, mas sim o fato de ser o único ente, com existência material na organização da sociedade, que possui o monopólio do uso legal da força; quer dizer que legalmente pode colocar o exército e a polícia na rua, segundo seus interesses políticos. Pensando o Estado sociologicamente, Weber (2002, p. 60) tece as seguintes considerações: •• Um Estado não se deixa definir por seus fins, pois esses variam muito em cada contexto histórico-social. •• O que define um Estado como tal é o “[...] específico meio que lhe é peculiar, da forma como é, peculiar a todo outro agrupamento político (organizações de Estado), a saber, o uso da coação física.” •• “Todo Estado se fundamenta na força.” (disse Weber a Trotsky). •• Weber define o Estado contemporâneo como “[...] uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território – [...] reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física.”

A partir dessa concepção de Estado acima colocada, de acordo com Weber (2002, p. 60), “[...] entenderemos por política o conjunto de esforços visando a participar do poder ou a influenciar a divisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado.” A concepção de poder em Weber (2002, p. 16) “[...] está na tradição da ‘razão de Estado’ ou do ‘Estado de poder’ alemão.” Entende que o poder assenta “[...] em última análise na força, como a lei, o Estado ou a liderança política.” Poder é, para Weber, “a possibilidade de que uma pessoa ou mais pessoas realizem a sua própria vontade numa ação comum, mesmo contra a resistência de outros que participam na ação.” Mesmo reconhecendo que qualquer atividade diretiva autônoma é uma ação política, Weber (2002, p. 59) define política como sendo “[...] tão-somente a direção do agrupamento político [...] denominado Estado.” Como você pode estar se dando conta, Weber via a política restritamente na esfera de atuação do Estado. Hoje, de acordo com as experiências democráticas, cada vez mais a política é menos privativa da organização formal do aparelho de Estado, mas sim área de interesse e atuação de toda a sociedade civil organizada. Nesse aspecto, afastamo-nos das concepções das épocas descritas e analisadas por Weber. Entre autoridades e funcionários políticos, “[...] os interesses de divisão, conservação ou transferência do poder são fatores essenciais” da questão

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Políticas Públicas política (WEBER, 2002, p. 60). Conforme demonstrado por esse autor, é em torno dos interesses de poder que a política acontece. E isso permanece na história atual da realidade política contemporânea. E ainda, são aqueles mesmos fatores acima citados que, em termos de decisão política, “[...] condicionam o campo de atividade do funcionário [...] e determinam a (sua) decisão.” (WEBER, 2002, p. 61). Weber (2002, p. 61) deixa bem claro que “[...] qualquer homem que se entrega à política aspira ao poder: seja [...] como instrumento (para alcançar seus fins), seja porque deseja o poder ‘pelo poder’ (prestígio).” De que maneira as forças políticas dominantes conseguem impor sua autoridade?

Para Weber (2002), os determinantes do empreendimento político e da luta pelo poder podem ser caracterizados pela natureza dos meios de que dispõem os homens políticos, constituindo-se como verdadeiros sistemas de dominação, os quais existem em todas as formas de dominação política. Segundo o autor, a dominação organizada necessita de duas condições: de um Estado-maior administrativo (organização de dominação política) e dos meios materiais de gestão. Como motivos de obediência às organizações políticas, Weber (2002, p. 64) identifica a existência de interesses, ou na retribuição material, por meio de certos bens materiais, ou no prestígio social: “O medo de perder o conjunto dessas vantagens é o motivo decisivo da solidariedade que liga o Estadomaior administrativo aos detentores do poder.” Essa é uma forma de manter a estabilidade da dominação por violência. Existem duas categorias de administrações político-burocráticas: um Estadomaior, composto pelos proprietários dos instrumentos de gestão; e, um corpo de funcionários, que são privados dos meios de gestão (WEBER, 2002, p. 64). Weber elabora essas afirmações observando a conformação política dos Estados enquanto seu objeto de estudo. Em relação ao Estado-maior, o governante soberano partilha o poder pelo auxílio de uma aristocracia independente. Do ponto de vista dos funcionários, o governante busca apoio em dependentes e plebeus (ibid). E Weber ainda chama atenção para o fato de que os poderes patriarcal e patrimonial tendem ao despotismo. Essa é uma possibilidade real quando existe acúmulo de poder nas mãos de poucos. Nos Estados de estrutura burocrática, modelo típico de desenvolvimento racional do Estado Moderno: “[...] o poder que dispõe da totalidade dos meios políticos de gestão tende a reunir-se sob comando único.” (WEBER, 2002, p. 65).

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Capítulo 1

2.1 A política como vocação Weber preocupou-se com os significados da atividade política, buscou entender o que é vocação política e seu sentido, como ainda reflete sobre uma tomada de posição politicamente falando. A fonte da vocação revela-se para Weber (2002, p. 62) como carisma, origem do poder carismático. Aqui se trata da vocação política para assumir o papel de condutores de homens. Isso se faz com e gera a fé dos discípulos e seguidores no líder político. Eles seguem as supostas qualidades do líder. Líderes demagogos do Ocidente estão em uma condição que se pode encontrar no chefe de um partido parlamentar. Weber distingue o homem político “por vocação”, considerando que é esse o diferencial na figura do líder político que lhe dá o carisma.

2.2 Políticos profissionais Para Weber (2002, p. 66), os profissionais da política são aqueles que se colocam a serviço dos príncipes, ou seja, por meio da lida ou da luta política, conseguem garantir seu ganha-pão e encontrar um conteúdo moral para suas vidas. São profissionais que tem a atividade política como sua principal ocupação. No final do século XIX e início do século XX, nos contextos histórico-sociais em que se deram os estudos de Weber (2002, p. 78–79), havia traços particulares dos políticos profissionais que eram dados por sua origem social de clérigos, letrados, nobreza da corte, patriciado, ou juristas, dentro do secular pensamento jurídico-cristão. Weber (2002, p. 68) diferencia duas formas de exercer política: •• Viver “para” a política, o que requer disponibilidade de tempo e dinheiro do político para poder se ausentar da sua fonte de ganhos financeiros; ou, •• Viver “da” política, pretendendo conseguir, por meio dessa atividade, a própria segurança econômica.

O político ainda é apresentado por Weber (2002, p. 71) como um “empreendedor”, considerando que “[...] empregos de toda espécie [...] (são) distribuídos pelos chefes de partido a seus partidários, pelos bons e leais serviços prestados.”. As lutas partidárias não são, por conseguinte, apenas lutas para consecução de metas objetivas, mas sim, a par disso, e acima de tudo, tornam-se emulação e instrumento para controlar a distribuição de empregos.

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Políticas Públicas Felizmente, essa situação tem se modificado bastante, mas somente em alguns aspectos. Segundo o desenvolvimento moderno da função pública, existe uma crítica e oposição a essa tendência acima colocada. Assim revisada, a função pública: [...] exige um grupo de trabalhadores intelectuais especializados, altamente qualificados e que se preparam, durante muito tempo [...] (para exercer a sua) tarefa profissional, sendo animados por um sentimento muito desenvolvido de honra corporativa, em que se realça o sentimento da integridade. (WEBER, 2002, p. 72).

Aqui, Weber (2002) se refere ao funcionalismo público. Como morreu em 1920, ele não conheceu os desdobramentos dessa categoria profissional durante todo o século XX. Mas, por outra parte, num paralelo com o receio de Marx sobre a possibilidade histórica de o socialismo chegar-se a uma ditadura do proletariado, Weber antevia como um maior risco para a sociedade civilizada, a transformação dessa em uma ditadura dos funcionários. O que Weber (2002, p. 103) chamou de o reinado dos funcionários, ocorre quando “[...] o partido passou ao domínio dos instintos burocráticos”, agindo no interior do aparelho de Estado.

Weber (2002, p. 74) identificou a existência de uma “[...] luta dissimulada entre funcionários especializados e a autocracia do príncipe.” Esse é um dos típicos conflitos inevitáveis existentes nas organizações burocráticas e que os autores estruturalistas, bastante influenciados por Weber, estudaram na teoria da administração. Um exemplo atual dessa situação é o conflito decorrente da ocupação (ou loteamento, segundo o senso comum local), por indicação político-partidária, de cargos comissionados na gestão pública – municipal, estadual ou federal. Esses novos ocupantes (ou inquilinos) do poder em geral podem até desconhecer quase tudo sobre aquela instituição, enquanto que os técnicos especializados, que são funcionários da casa, conhecem bastante sobre seu trabalho e entram em luta dissimulada com seus dirigentes. Em última instância, trata-se de um conflito apontado por Weber (2002, p. 76) como típico da relação entre os funcionários de carreira (segundo a racionalidade legal estatutária) e os funcionários “políticos”. Essa condição continua ocorrendo atualmente no interior das nossas instituições públicas, a cada novo governo e respectiva gestão política que se inicia. Essa situação é decorrente da “atribuição de (praticamente) todos os postos da administração [...] aos partidários do candidato vitorioso.” Independentemente

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Capítulo 1 que sejam “[...] partidos desprovidos de base doutrinária, reduzidos a meros instrumentos de disputa de votos.” (WEBER, 2002, p. 98). Assim é que assistimos a cada novo governo mudar todas as equipes de dirigentes, por exemplo, das secretarias de um município, como também ocorre no nível estadual. E o critério é somente a indicação política partidária. Para assegurar a unidade de direção política nos governos, os partidos, como órgãos de poder político dominante, funcionam como colegiados oficiais, tendo por representante no poder governamental um chefe de gabinete e que opera enquanto órgão diretor do partido no governo. (WEBER, 2002, p. 75-76). Defendendo a racionalidade da administração pública, Weber (2002, p. 81) afirma que: “o verdadeiro funcionário [...] não deve fazer política exatamente em virtude da sua vocação: deve administrar, antes de tudo, de forma apartidária. [...] Ele deve desempenhar sua missão [...] sem ressentimentos e sem preconceitos.” A vida e a organização dos partidos políticos se processam como uma empresa política, isto é, uma empresa de interesses, que se estrutura de acordo com o aparelhamento partidário. Nessa empresa, os cidadãos são reconhecidos como os elementos politicamente ativos, com quem a empresa política interage. (WEBER, 2002, p. 86-92). Em consequência, o original programa de governo que havia sido apresentado para a população acaba quase sempre tendo uma significação apenas verbal (WEBER, 2002, p. 71). Como vemos na atualidade política do nosso país, os programas de partido preenchem, sobremaneira, os espaços de propaganda eleitoral. Mas são descaracterizados no Plano de Governo realizado no exercício do poder político. [Um] fato incontestável e que constitui elemento essencial da história, ao qual não fazemos justiça em nossos dias, é o seguinte: o resultado final da atividade política raramente corresponde à intenção original do agente. (WEBER, 2002, p. 109).

Em sua vida, segundo Giddens (1998, p. 28) Weber foi alvo de dois impulsos conflitantes: •• Uma vida passiva e disciplinada de estudioso; •• Uma vocação prática e ativa de político.

No âmbito intelectual, fez uma clara distinção entre essas aspirações conflitantes.

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Políticas Públicas Reconhecia, segundo Guiddens (1998, p. 28-29), uma dicotomia absoluta entre: •• A validação do conhecimento “factual” ou “científico”; •• Os juízos “de valor” ou “normativos”.

Assim, se a atividade do político poderia ser guiada ou modelada por conhecimento científico do tipo que se estabelece na história, economia e sociologia, esse conhecimento não poderia validar, em última instância, os objetivos pelos quais luta o líder político. Em seu posicionamento partidário, Weber afasta-se tanto dos nacionalistas conservadores de direita, como dos social-democratas da esquerda. Cada um deles, na visão de Weber, teria aderido a uma concepção normativa da história que eles teriam introduzido na política, reivindicando validação histórica para o seu direito de governar. (GIDDENS, 1998, p. 29). A religião e a ética religiosa foram valores que acompanharam os estudos de Weber, preocupado com o puritanismo e reconhecendo a racionalidade de uma moral da responsabilidade sobre uma moral de últimos fins. (WEBER, 2002, p. 19). Nesse sentido, “[...] a análise da ética protestante e das éticas das grandes religiões ultraterrenas está mesclada com as convicções morais weberianas.” (WEBER, 2002, p. 20). Ao considerar o mundo [...] um conjunto paradoxal e irracional em luta [...] politeísta por valores últimos nos quais não se pode decidir racionalmente, [...] pensando politicamente, a única solução que Weber encontra é separar a política (uma política regida pelo poder cru e pelas razões de Estado) de uma ética de valores absolutos que não fornece opções. (WEBER, 2002, p. 20)

Ao defender a ideia de que o único caminho viável para fazer política é o processo de racionalização, Weber (2002, p. 123) não exclui o espaço dos fins últimos da ação humana. Considera que “[...] a ética da convicção e a ética da responsabilidade não se contrapõem, mas se completam e, juntas, formam o homem autêntico, ou seja, um homem que pode aspirar à ‘vocação política’.” O autor considera estéril do ponto de vista político a ética que se preocupa [...] apenas com a culpabilidade no passado, [...] porque insolúvel. Questão que não chega a preocupar-se com o que se constitui no interesse próprio do homem político, isto é, o futuro e a responsabilidade diante do futuro. (WEBER, 2002, p. 111–112).

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Capítulo 1

2.3 Democracia e burocracia A relação entre democracia e burocracia tem sido historicamente “[...] uma das mais profundas fontes de tensão na ordem social moderna.” (GIDDENS, 2000, p. 34). Para Weber “[...] toda ideia segundo a qual uma forma qualquer de democracia pode destruir a dominação do homem pelo homem seria utópica.” (GIDDENS, 1998, p. 33). Weber estava convencido de que “[...] o desenvolvimento do governo democrático dependeria necessariamente dos avanços futuros da organização burocrática.” (ibid). E não era nada otimista. Como afirma Giddens (1998, p. 33), Weber já havia identificado que entre democracia e burocracia existe [...] uma antinomia básica [...], porque o acúmulo de provisões legais abstratas” era uma condição necessária para “[...] implementar os próprios procedimentos democráticos, (o que) implicava a criação de uma nova forma intransigente de monopólio – a expansão do controle do funcionalismo burocrático.

Assim, Weber constatava essa tendência e previa para a sociedade ocidental que esse seria um sério problema. Como também, “enquanto a extensão dos direitos democráticos demandava o crescimento de uma centralização burocrática, o contrário não acontecia”. O exemplo histórico citado por Weber foi a “[...] total subordinação da população ao aparato estatal burocratizado” no Egito antigo. Hoje, podemos afirmar que na União Soviética também houve alguma coisa dessa ordem. (GIDDENS, 1998, p. 33). A existência de partidos em larga escala, como máquinas burocráticas, segundo Weber, é uma consequência inevitável da ordem democrática moderna. (GIDDENS, 1998, p. 34). Durante todo o século 20 foi possível confirmar essa assertiva. Para evitar a dominação indiscriminada do funcionalismo burocrático, são imprescindíveis líderes com iniciativa e conhecimentos políticos na direção dos partidos políticos. (GIDDENS, 1998, p. 34). “Weber acreditava no desenvolvimento da democracia representativa, inspirada no modelo inglês, como o meio principal para evitar a probabilidade de uma dominação burocrática incontrolada.” (GIDDENS, 1998, p. 34). Weber afirmava haver:

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Políticas Públicas só uma escolha: democracia dotada de liderança com a máquina ou democracia carente de liderança – isto é, dominação dos políticos profissionais sem vocação, sem as qualidades carismáticas inerentes que, por si sós, fazem um líder. (GIDDENS, 1998, p. 34)

Existe um desacordo das ideias de Weber com Marx no processo histórico, sendo que suas diferenças são mais de fins, e não de meios. Ambos reconhecem e usam a história como método de análise da sociedade. Além das classes sociais dimensionadas por Marx em torno da relação capital e trabalho, ou seja, de um lado os detentores dos meios de produção e donos do capital, e, de outro lado, os trabalhadores que vendem a sua força de trabalho, Weber entende que na estratificação social se destaca também o prestígio social e o status como um diferencial que existe dentro das classes. (WEBER, 2002, p. 21). Segundo Giddens (1998, p. 34), Weber acreditava haver uma compatibilidade possível entre os interesses da burguesia e da classe trabalhadora, afirmando que: •• [...] ambas obteriam ganhos com a emergência de um Estado alemão completamente industrializado; •• [...] se o SPD (Partido Social-Democrata) atingisse o poder por meios revolucionários, isso levaria a [...] uma vasta expansão da burocratização, já que a economia seria administrada de forma centralizada, sociedade comparável ao Estado burocratizado do Egito antigo; •• a ideologia revolucionária dos social-democratas era diferente dos interesses reais do partido; isso por ingenuidade política dos líderes.

De acordo com Giddens (1998, p. 35), Weber acreditava que esses líderes políticos da social democracia nascente na Alemanha podiam ser identificados por “seus rostos complacentes de donos de pensão, a face da pequena burguesia”. Afirmava que quanto aos elementos internos “[...] nos quais uma ideologia revolucionária toma corpo, [...] a social-democracia [...] tem mais a temer em longo prazo que a sociedade burguesa.” Ele referia-se aos, atualmente, evidentes conflitos com a burocracia socialdemocrática. E historicamente se confirma que, para a garantia dos direitos sociais de forma igualitária, as regras burocráticas tornaram-se cada vez mais necessárias.

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Capítulo 1 A questão central relacionada à formação das lideranças políticas estava no controle do poder desenfreado do despotismo burocrático. Constata ainda no pensamento de Weber que: [...] a tendência de burocratização era característica de outras instituições, além do Estado: o processo de decisão se tornava crescentemente uma questão administrativa, conduzida de acordo com os preceitos normatizados pelos especialistas. (GIDDENS, 1998, p. 37). Segundo Giddens, (1998, p. 37), Weber via no governo parlamentar: •• uma possibilidade de controle efetivo do funcionalismo; •• uma fonte para a educação de lideranças políticas.

Tomando por modelo o Parlamento inglês, Weber afirmava que os “[...] líderes políticos tinham que ser eleitos dentro do parlamento.” E que o parlamento “[...] não poderia governar mais do que o podem os membros comuns de um partido político moderno”: em ambos se aceita a liderança da minoria. (GIDDENS, 1998, p. 37). Weber admitia uma “[...] socialização restrita da economia, mas repudiava como uma intoxicação ou como um narcótico as esperanças de uma transformação radical da sociedade.” (GIDDENS, 1998, p. 40). No entendimento de Weber, o movimento dos trabalhadores na Alemanha só poderia ter futuro dentro de um Estado capitalista. Afirmava que somente “[...] um governo burguês poderia obter os créditos estrangeiros necessários para a recuperação econômica” (ibid). Por referência à Revolução Bolchevique de 1917, que criou a União da República Socialista Soviética (ex-URSS), Weber disse para Lukács, um dos pensadores marxistas estudiosos do socialismo real, que estava absolutamente convencido de que tais experimentos poderiam trazer e trariam apenas o descrédito ao socialismo por cem anos. (GIDDENS, 1998, p. 40). A maior preocupação expressada por Weber sobre o Estado Socialista era a sua inevitável condição de tornar-se, antes de mais nada, um Estado burocratizado (ibid). Além de revelar a dureza das relações políticas movidas, sobretudo pelas relações de poder, o que não nos é muito fácil admitir, mas sabemos que é real, Weber também elaborou algumas contribuições enriquecedoras para pensar a política. Nessa perspectiva, para finalizar a presente recuperação sobre o pensamento político de Weber, destacamos uma afirmação sua que revela uma primeira relação daquelas ideias com a próxima concepção de política que vamos estudar: “Em dose cada vez maior, a política se faz, hoje, em público e se faz, portanto, com a utilização desses instrumentos, que são a palavra falada e escrita.” (GIDDENS, 1998, p. 81).

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Seção 3 A concepção de política para Hannah Arendt É fundamental ter uma base conceitual sobre política, que vá além da visão weberiana para compor uma fundamentação teórica que nos permita analisar as políticas públicas na atualidade. É em Hannah Arendt (1999) que encontramos esse referencial. Hannah Arendt foi uma filósofa alemã judia, que viveu de 1906 a 1975. Vivenciou diretamente as consequências do nazismo e ficou conhecida por seu pensamento político e por estudos sobre o totalitarismo. A partir de 1968 foi professora de filosofia na New School for Social Research, em Nova York. Propondo-se a escrever sobre “[...] aquilo que a política é originalmente e com que condições fundamentais da existência humana a coisa política tem a ver”, Hannah Arendt (1999, 1ª orelha) nos deixa importantes fragmentos para uma obra póstuma, e que foi compilado por sua editora, a socióloga Ursula Ludz. Trata-se de um material escrito durante os anos 50, portanto, no meio do século XX, mas ainda da maior atualidade. Conforme consta no prefácio de sua obra, Arendt (1999, p. 7) procurou responder de uma forma abrangente “[...] à indagação sobre a natureza da coisa política para nosso tempo [...].” A sua produção é um: [...] encontro com um pensamento que proporciona uma orientação no mundo: apesar das condições e perspectivas sombrias que tal orientação contém em meados do século XX, fornece coragem ao mesmo tempo para novos começos e para um agir responsável em liberdade. (ARENDT, 1999, p. 7).

Essa última observação deve-se ao fato de que, mesmo após a traumática experiência da Segunda Guerra Mundial, muitos governos totalitários foram se estruturando na nossa sociedade. Ao se perguntar sobre o sentido positivo da ‘coisa pública’, Arendt (1999, p. 8): [...] parte de duas experiências básicas de nosso século, que ofuscaram esse sentido e transformaram-no em seu oposto: o surgimento de sistemas totalitários na forma do nazismo e do comunismo, e o fato de que hoje em dia a política dispõe de meios técnicos, na forma da bomba atômica, para exterminar a Humanidade e, com ela, toda espécie de política.

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Capítulo 1 Segundo Arendt (1999, p. 8): “As guerras e as revoluções e não o funcionar de governos parlamentares e aparatos de partido formam as experiências políticas básicas do século XX.”. Os dirigentes de um país decidem politicamente o que fazer em situações de conflito sobre os interesses políticos em jogo, seja internamente, seja na relação com outros países. A decisão por uma guerra é o exemplo radical dessa condição da política. Como também, em uma revolução ou guerra civil, quando o povo se posiciona radicalmente contra a condução política de um país. As greves também são um exemplo de manifestação política, um posicionamento contrário à condução de alguma política específica ou uma postura de governo, mas essas são experiências políticas próprias de sistemas democráticos. Em seus estudos sobre o totalitarismo, Arendt (1999, p. 8) considera que os regimes totalitários [...] são a forma mais extrema de desnaturação da coisa política, posto que suprimem por completo a liberdade humana, submetendo-a ao fluxo de uma determinação histórica ideologicamente fundamentada, contra a qual é impossibilitada toda resistência individual livre por meio do terror e do domínio da ideologia.

Dessa última afirmação, já podemos concluir a essência da concepção política de Hannah Arendt (1999): a política só é possível existindo um espaço de liberdade na relação entre os homens, porque ela significa precisamente o viver politicamente esse espaço.

3.1 A política como espaço de liberdade entre os homens Hannah Arendt (1999, p. 8) “[...] lembra, em abordagens sempre novas, a ideia da ‘coisa pública’ que aflora pela primeira vez na história na polis grega, e que é idêntica à liberdade.” E constata que a política, por estar baseada na pluralidade existente entre os homens, “[...] deve, portanto, organizar e regular o convívio de diferentes, não de iguais.” Arendt (1999, p. 8) diferencia claramente o seu significado de política da concepção de Aristóteles de que o homem é um animal político, segundo o qual o político seria inerente ao ser humano. Para Arendt (1999, p. 8–9): [...] a política surge não no homem, mas sim entre os homens, que a liberdade e a espontaneidade dos diferentes homens são pressupostos necessários para o surgimento de um espaço entre homens, onde só então se torna possível a política, a verdadeira política.

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Políticas Públicas Nos dias de hoje é bastante reconhecida a aplicação do pensamento político de Hannah Arendt na sociedade atual. A necessidade de conquistar melhores condições de vida pode ser o motor da luta por direitos sociais. Os resultados dessa luta estão atrelados aos níveis de participação política que se organiza em cada contexto social. É na reflexão sobre estas possibilidades que as ideias do próximo autor, a ser estudado, o brasileiro Pedro Demo, encontram-se com o pensamento de Hannah Arendt.

Seção 4 Participação política O contraponto da consciência política e de uma consequente participação política é a pobreza política. Essa reflexão foi desenvolvida por Pedro Demo (1996) e é muito oportuna para os nossos estudos neste momento. De acordo com o autor citado, existe uma clara diferenciação entre a pobreza socioeconômica e a pobreza política. A pobreza material, socioeconomicamente falando, não pode ser definida apenas como carência. Se assim fosse, não seriam reconhecidas suas causas sociais. Não ter e não ser, segundo Demo (1996), são duas formas de pobreza: a pobreza material, em sua face mais visível, representa o ter, e a pobreza política representa o ser e significa aceitar o estado avassalador e prepotente de organização social e política onde se vive, bem como, uma economia selvagem. Demo (1996) considera como uma definição razoável de pobreza política, aquela que entende pobreza como limitações da “expressão do acesso às vantagens sociais”. Nessa perspectiva, configuram-se como dois destacados bens escassos: o dinheiro e o poder. O lugar político é, para Demo (1996), o lugar do poder, onde se administram as discriminações sociais. Contém, portanto, o cerne da desigualdade, porque não há poder que não tenha em si a desigualdade. O poder político está representado na burocratização do Estado. Uma forma típica de poder político favorece a clássica estruturação das vantagens exclusivas de poucos, formas conhecidas como: oligarquização do poder, mordomias, corrupção em geral, concentração de privilégios e manipulação das massas etc. (DEMO, 1996). Além do poder político, podemos destacar diferentes formas de poder: o poder econômico, o poder de informação e o poder científico.

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Capítulo 1 O poder econômico se expressa por meio dos seus abusos palpáveis, que se pode encontrar, por exemplo, nas fraudes de compra, em que o consumidor é lesado – seja na qualidade, na quantidade, no preço, no juro etc. (DEMO, 1996). O poder de informação tem como contraponto a pobreza de não lutar pelo direito de informação, de expressão, de comunicação. A transparência da informação faz parte dos conteúdos mais legítimos da democracia, evitando-se processos administrativos vedados ao conhecimento do público (DEMO, 1996). O poder científico, enquanto um saber especializado, é também fonte de poder, sobretudo na versão tecnológica. A ciência e a tecnologia não são de domínio universal, há grupos seletos que detêm o conhecimento e se apropriam dele de maneira diversa. Além de fonte, o saber pode estar a serviço do poder. (DEMO, 1996).

4.1 A qualidade da participação política No espaço político está a qualidade de nossa história, o que significa, ademais, que qualidade só pode ser uma conquista humana. (DEMO, 1996). Pois é no espaço público que acontece a vida política e é por meio da participação política que se conquista uma melhor qualidade de vida na nossa inserção no mundo. A verdadeira participação política só existe quando é conquistada pelos homens. Do ponto de vista político, essa é uma conquista humana fundamental. A qualidade, segundo Demo (1996), implica algumas premissas que fortalecem a participação cidadã. Conheça-as a seguir, com mais detalhes: •• Representatividade: é um problema centrado nas lideranças; são representativas, se obtidas por eleição, e de preferência advindas de chapas concorrentes; •• Legitimidade: é o legítimo processo participativo, fundado num Estado de Direito, que regulamenta de modo democrático e comunitário as regras de jogo da vida em comum; •• Participação da base: é a alma do processo, porque participação autêntica é a base, que é sua origem. Trata-se do poder que vem de baixo para cima. •• Planejamento participativo e autossustentação: quer, sobretudo, dizer a capacidade competentemente desenvolvida para resolver coletivamente os próprios problemas, na medida do possível. São três os componentes principais desse planejamento autossustentado: capacidade de realizar o autodiagnóstico, formulação participativa da estratégia e clareza das suas consequências políticas.

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Políticas Públicas

4.2 Participação como conquista O poder detesta ser controlado, mas a cidadania organizada compõe a existência do Estado Democrático. Nesse sentido, Demo (1996) destaca alguns elementos essenciais: •• Ênfase na organização da sociedade civil: é a forma mais operacional de levantar a cidadania, de modo geral, achamos que o Estado tem a tarefa de nos defender; •• Planejamento participativo: é possível construir dentro dos órgãos estatais e em programas de governo áreas de participação popular, desde que haja qualidade política de ambas as partes; •• Educação básica: universalização da educação; •• Identidade cultural comunitária: todo sujeito tem que ter sua identidade formada pela própria história cultural da comunidade. Assim se constitui sua identidade – derivada do seu grupo social de origem. E isso precisa ser trabalhado para promover a participação política.

4.3 Participação como disfarce A participação não pode ser dada, imposta, outorgada. Representa o histórico de conquista das condições de autodeterminação: é um processo e não um produto acabado. No Brasil, a busca pela conquista de espaços para aumentar a participação social é, sem dúvida, um dos aspectos mais desafiadores para a análise sobre os alcances da democracia. Essencialmente, isso se deve às relações de desigualdade social derivadas do grande desnível de renda e de poder aquisitivo da população. As formas de participação política vão muito além do exercício do voto democrático. Elas estão presentes em quaisquer movimentos de organização popular destinados a influir nos processos políticos. A participação política do cidadão é uma questão fundamental para se poder viabilizar políticas públicas de caráter social, ou seja, voltadas para a diminuição da desigualdade social existente em nossa sociedade.

Demo (1985, p. 122) afirma que: “É a participação que faz da promoção, autopromoção, que faz da ajuda, autoajuda, ou seja, dispensa a ajuda, que força a atividade econômica a assumir padrões redistributivos.”.

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Capítulo 1 O mesmo autor considera que: A melhor definição de participação talvez seja a de que é sua própria conquista. Participar é conquistar o espaço de participação. Essa concepção nos parece acertada, porque parte do ponto de vista de que no início não está a participação, mas a obstaculização dela por parte dos dominantes. Não é, assim, dada, não é a tendência histórica natural, não é dádiva; é precisamente conquista. (DEMO, 1985, p. 122). Na esfera social, o aspecto participativo, segundo Demo (1985, p.122–124), está ligado a três ordens de fatores: •• a organização da sociedade civil; •• o problema da educação; •• a referência cultural de dada população.

4.3.1 Organização da sociedade civil No Brasil existe uma organização ainda muito pequena da sociedade civil, quando nos referimos à defesa de direitos e á ampliação da cidadania. Por organização da sociedade civil entendemos a capacidade organizativa da sociedade, no sentido de defender seus interesses, reivindicar direitos, se contrapor a abusos de toda ordem, controlar os gestores públicos para que sejam responsáveis etc. (DEMO, 1985, p.122).

Visando a promover a participação mais ativa de seus membros, as organizações da sociedade civil compreendem, de acordo com Demo (1985, p.122), diversas associações contra abusos, sobretudo: •• do poder econômico (a exemplo do PROCON no Brasil e as organizações contra às agressões ambientais); •• da propaganda e dos meios de comunicação (qualidade, exploração de crianças etc.); •• na esfera da ecologia; •• de agressões aos interesses de vizinhança, de bairro, profissionais etc.

As pessoas cientes dos seus direitos e que entendem a sociedade democrática como voltada particularmente para a defesa dos direitos de cidadania, exercem a sua participação política.

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Políticas Públicas Existem várias formas de participação política. Podemos citar como exemplo a organização sindical e partidária e a mobilização da sociedade civil por meio dos mecanismos disponíveis pela ampliação da esfera pública. A organização sindical é a forma participativa que tem desempenhado um papel mais decisivo na história social e política. Para Demo (1985, p. 123): Através dela os trabalhadores conseguiram sentar-se à mesa de negociação com os empresários em igual condição para a negociação. Grande parte do desenvolvimento europeu se deve a esta conquista do trabalhador (a exemplo dos Estados Socialdemocratas).

A organização sindical tanto fomentou o desenvolvimento industrial, propiciando emprego suficiente para todos em vários momentos da história, entre os diversos direitos sociais conquistados, como veio reduzir a exploração capitalista. Essa forma de organização permitiu ainda perceber “[...] que o emprego não é somente produto da economia, mas da mesma forma conquista do trabalhador.” (DEMO, 1985, p.123). Em decorrência: “Se os trabalhadores não conseguem concorrer com os empresários economicamente, é claro, conseguem politicamente, através da sua organização.” (DEMO, 1985, p.123). A organização partidária tem uma importância fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade, pois, por meio dela: [...] se instaura a oposição com a finalidade de aspirar ao poder e controlar o (poder) vigente. Partindo da ideia de que não podemos viver sem estruturas de poder, a organização partidária se propõe a garantir pelo menos o rodízio no poder, à origem popular dele e a volta constante ao povo através do voto, o controle sobre as tendências de oligarquização (permanência dos mesmos grupos familiares), corrupção e demagogia. (DEMO, 1985, p.123).

Na história política brasileira, o populismo e, mais recentemente, a demagogia (dos discursos políticos das eleições majoritárias e das coligações sem qualquer nexo ideológico entre os partidos aspirantes ao poder) têm gerado uma relativa descrença na política partidária em nosso meio. De acordo com Demo (1985, p. 123):

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Capítulo 1 Se concebermos a (nossa) democracia não como imitação da americana, da europeia, mas como a utopia da domesticação da desigualdade, uma vida partidária madura, intensa e livre é condição fundamental.

A ampliação da esfera pública decorrente da democratização da sociedade pós-década de 80 fortaleceu a participação popular nas decisões políticas. Pois, por meio dela se constrói: Uma visão ampliada de democracia, tanto do Estado quanto da sociedade civil e pela incorporação de novos mecanismos e formas de atuação, dentro e fora do Estado, que dinamizem a participação social de modo que ela seja cada vez mais representativa dos segmentos organizados da sociedade especialmente das classes dominadas. (RAICHELIS, 1998, p. 63).

Trata-se de uma dinâmica que envolve a organização e representação dos interesses da coletividade na esfera pública, que podem ser negociados e confrontados a partir do enfrentamento dos conflitos presentes nas relações sociais. Nessa esfera, os sujeitos sociais estabelecem uma interlocução pública, que, segundo Raichelis (1998), não é apenas discursiva, mas implica ação e deliberação sobre questões que dizem respeito aos interesses comuns. Com a Constituição Federal de 1988, podemos afirmar que são vários os mecanismos e instrumentos organizados que contribuem para a ampliação da esfera pública, alargando a visão para uma democracia representativa e participativa. Conheça, a seguir, alguns destes mecanismos: •• Lei de Iniciativa Popular: é o exercício da soberania popular, é a participação de cidadãos na elaboração de um projeto de lei que é submetido à aprovação pelo legislativo. Precisa ter assegurada a adesão mínima de 1% da população eleitoral nacional, mediante assinaturas, distribuídas por pelo menos cinco unidades federativas e no mínimo 0,3% dos eleitores em cada uma dessas unidades. Podemos apresentar como exemplo o movimento Ficha Limpa, que mobilizou uma expressiva representação de eleitores, e que culminou no Projeto de Lei Complementar n° 58, de 2010, e recentemente a Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010; •• Ação Civil Pública: instrumento processual designado para proteger os interesses difusos, coletivos, aqueles relacionados a um grupo de pessoas, pois não se aplica aos direitos individuais. Responsabiliza

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Políticas Públicas danos contra o meio ambiente, estéticos, históricos, patrimônio público etc. (Lei 7.347/1985); •• Orçamento Participativo: mecanismo governamental que permite aos cidadãos decidirem as prioridades e onde deve ser gasto o dinheiro público. Exige uma metodologia bem estruturada, com assembleias abertas e etapas de negociação direta da população com o governo. Não pode ser confundido com pseudoparticipação, em que o interesse é o cumprimento de exigências legais sem a intenção efetiva de abrir a gestão pública para a participação popular; •• Audiências Públicas: é um instituto de participação administrativa aberta a indivíduos e a grupos sociais visando à legitimação administrativa, formalmente disciplinada em lei, pela qual se exerce o direito de expor tendências, preferências e opções que possam conduzir o poder público a uma decisão de maior aceitação. Exemplo: audiência pública para aprovação do Plano e Orçamento plurianual de municípios, ou audiência pública para tratar de uma política pública. Exemplo: política de segurança pública e estratégias de enfrentamento da violência; •• Plebiscito: mecanismo de democracia direta pelo qual o povo é consultado antes da aprovação de qualquer tipo de questão de interesse público, não necessariamente de natureza jurídica, como por exemplo, políticas governamentais. Por meio dele o povo é consultado sobre medidas futuras, de caráter geral, bem como sobre fatos excepcionais. É obrigatório para decisões sobre questões territoriais, como a criação, incorporação ou separação de municípios ou Estados. (C. F. Art.18, § 3º); •• Referendo: é o mecanismo de democracia direta pelo qual o povo é consultado depois da aprovação de normas legais ou constitucionais, podendo confirmar ou rejeitar a norma; •• Conselhos de Políticas Públicas: compõem um dos principais mecanismos de participação da sociedade civil na definição e controle das políticas públicas. Por essa razão, merecem destaque especial em nossa reflexão e serão discutidos a seguir com mais detalhes.

Mas, afinal, o que são os Conselhos de Políticas Públicas?

São espaços de participação efetiva da sociedade civil na deliberação, acompanhamento e controle das políticas públicas. Oportunizam a fiscalização

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Capítulo 1 e reordenamento, sempre que necessário, das prioridades e uso dos recursos públicos, para que os interesses da coletividade sejam assegurados. Os Conselhos de Políticas Públicas constituem uma das principais experiências da democracia participativa no Brasil Contemporâneo. Eles são organizados nas três instâncias: federal, estadual e municipal. Deliberam, planejam e controlam diferentes políticas públicas, tais como: saúde, educação, assistência, habitação, meio ambiente, entre outras. Representam uma grande conquista na construção da institucionalidade democrática. Os Conselhos expressam a participação da sociedade civil organizada, compondo a gestão pública e identificando as prioridades que favoreçam a população, acompanhando a qualidade dos serviços e a execução dos recursos públicos. Mas, diante de modelos de gestão centralizadores, esses processos democráticos estão em construção. É muito importante não perder a dimensão do diálogo, do debate, da negociação e pactuação. Os representantes que compõem os Conselhos de Políticas Públicas precisam articular-se e gerar interlocução com outras forças representativas da sociedade, para ganhar força política em torno de pautas que defendam os interesses coletivos, superando práticas históricas enraizadas nas políticas públicas de favoritismos, clientelismos e coorporativismos. O Conselho é órgão autônomo articulado administrativamente à Secretaria afim. Tomemos por exemplo a organização de políticas públicas em um município. Nesse, o Conselho Municipal de Saúde está articulado à Secretaria Municipal de Saúde, porém, não é subordinado ao gestor dessa política pública. Os Conselhos, em sua maioria, são órgãos autônomos e paritários, tendo 50% de representação governamental, nomeados pelo gestor governamental, e 50% de representação não governamental, escolhido em Fórum próprio das entidades não governamentais. O Conselho organiza reuniões ordinárias normalmente mensais, e extraordinárias sempre que necessitar. É espaço de debate, estudo da realidade, da legislação pertinente, da política específica e de seu gerenciamento, de avaliação da qualidade dos serviços que são oferecidos à população, de proposição de novas ações, de controle dos recursos públicos por meio do acompanhamento do orçamento e da aplicação dos recursos, entre outras responsabilidades. O Conselho aprova os Planos de Políticas Públicas e acompanha o desempenho das ações e recursos. Grande parte dos Conselhos são deliberativos e alguns são consultivos. As deliberações dos Conselhos são definidas de maneira colegiada e normatizadas em forma de resolução, e o que for decidido precisa ser respeitado e cumprido pelos órgãos gestores das políticas públicas.

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Políticas Públicas Esse é um grande espaço de participação política, com poder de interferir na gestão das políticas públicas. Os Conselhos convocam a realização de Conferências Municipais, Estadual e Nacional, conforme previsão legal, com o objetivo de avaliar e propor novos encaminhamentos e responsabilidades à gestão pública nos três níveis de governo. 4.3.2 A necessidade da educação para aprender a participar Entre os vários sentidos possíveis para pensar a educação, Demo (1985, p. 123–124) a enfoca mais “[...] como condição do desabrochar da cidadania” do que no seu significado formal, de profissionalização ou preparação de mão de obra, todavia, sem excluir essas dimensões, mas de forma comprometida com a ampliação das condições de vida cidadã. Assim sendo, a educação tem além da sua função socioeconômica de preparação das pessoas para o trabalho, uma função essencialmente política que é básica – educar para a participação política. Essa visão foi bastante desenvolvida no Brasil a partir das contribuições de Paulo Freire (1992). Para Demo (1985, p. 124), a função política da educação é “[...] condição importante para sedimentar e promover processos participativos. Em outras palavras, o compromisso da educação é a formação de cidadãos capazes de direitos e deveres.” 4.3.3 A referência cultural de cada população Conforme nos lembra Demo (1985, p. 124), a participação popular: [...] não se dá sem motivação cultural, porque é a cultura que cristaliza principalmente os componentes identificadores da pertença dos membros (a um grupo). Participar é também sentirse membro de um projeto comum, [...] porque se percebe (o projeto político) como projeto próprio e aí se realiza com maior facilidade a autopromoção, a autossustentação, a autodefinição. Uma comunidade culturalmente descaracterizada perdeu seu rumo próprio de autodefinição, já não se percebe comunidade, e terá muita dificuldade de motivar à participação.

Novamente retomando as três ordens de fatores que compõem o aspecto participativo na esfera social, Demo (1985, p. 129) consegue demonstrar o quanto [...] é importante colaborar na organização da sociedade civil, fomentando as identidades culturais participativas, contribuindo para o avanço da cidadania organizada, priorizando a educação e os espaços de interlocução e decisão entre Estado e sociedade.

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Capítulo 2 As políticas públicas Ruth Terezinha Kehrig

Habilidades

Compreender o que são políticas públicas em uma perspectiva democrática. Distinguir o espaço público como espaço de existência das políticas públicas. Identificar as diferenças e complementaridade na configuração das políticas públicas sociais, econômicas e socioeconômicas. Analisar, com base nos elementos anteriores, a conformação das políticas sociais e/ou econômicas no contexto nacional e local.

Seções de estudo

Seção 1:  Definindo as políticas públicas Seção 2:  Diferenças entre espaço público e espaço privado Seção 3:  Políticas sociais Seção 4:  Políticas econômicas Seção 5:  Políticas socioeconômicas

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Capítulo 2

Seção 1 Definindo as políticas públicas As políticas públicas têm sido criadas como resposta do Estado às demandas que emergem da sociedade e do seu próprio interior. Expressam o compromisso público com determinada área ou questão social. Definimos como conceito central a concepção definida por Pereira (1996, p. 130), que define a política pública como uma: “linha de ação coletiva que concretiza direitos sociais declarados e garantidos em lei.” É mediante as políticas públicas que são distribuídos ou redistribuídos bens e serviços sociais, em resposta às demandas da sociedade. Por isso, o direito que as fundamenta é coletivo e não individual. Embora as políticas públicas sejam de competência do Estado, não representam decisões autoritárias do governo para a sociedade, mas envolvem relações de reciprocidade e antagonismo entre essas duas esferas. As políticas públicas compreendem um conjunto de decisões e ações direcionadas à solução de problemas políticos. Entende-se por atividade política os procedimentos formais e informais que traduzem as relações de poder na sociedade. As políticas públicas buscam encontrar formas para resolver, sobretudo os conflitos referidos a bens públicos. (RUA, 1998). Segundo Teixeira (2002, p. 2), políticas públicas são “diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado.”. A partir das ideias acima, pode-se afirmar que, em última instância, as políticas públicas são as respostas organizadas pela sociedade, por meio do seu sistema político, para atender as necessidades sociais da população e a efetivação dos direitos legalmente constituídos.

1.1 Características das políticas públicas Podemos caracterizar as políticas públicas indicando alguns elementos que as compõem. Pode-se delimitar sua abrangência em termos de esfera do poder político nos âmbitos federal, estadual e municipal. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) se constitui em nosso marco legal, dando direção às demais legislações específicas sobre as políticas públicas. A consolidação do Estado Democrático e de Direitos tem como diretriz uma nova concepção de poder: “O Poder Emana do Povo”, ou seja, o povo que o exerce

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Políticas Públicas por meio de representantes ou, mesmo, diretamente. Essa expressão revela que o Estado brasileiro adotou a democracia representativa articulada a mecanismos de participação popular. Destacamos alguns aspectos que expressam, na legislação (BRASIL, 1988), os interesses da coletividade e da construção da cidadania, numa perspectiva de reafirmar os direitos individuais, políticos e sociais. Entre eles: •• A Função Social da terra e da propriedade. •• Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais: »» Capítulo I – Art. 5º Direitos e Deveres individuais e coletivos »» Capítulo II – Dos Direitos Sociais – Art. 6º, 7º, 8º, (saúde, educação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência, proteção à maternidade e à infância, assistência, trabalho, salário) »» Capítulo IV – Dos Direitos Políticos (Soberania Popular: sufrágio universal, voto direto e secreto, plebiscito, referendo, iniciativa popular); •• Título VIII – Da Ordem Social: »» Capítulo II – Da Seguridade Social – direito à saúde, previdência e assistência social. Assim, podemos perceber que a expressão dos direitos sociais na legislação exige materialidade via políticas públicas. Portanto, as políticas públicas se constituem em dever do Estado, o qual, por meio delas, assegura os direitos sociais conquistados. Nesse sentido, a organização das políticas públicas pressupõe o acesso a direitos. Existem alguns critérios que podem ser utilizados para definir o tipo de atuação das políticas públicas, destacando-se, segundo Teixeira (2002, p. 3), os seguintes: •• Quanto à natureza ou grau de intervenção: a. Estrutural: buscam interferir em relações estruturais, como: renda, emprego, produtividade etc. Como exemplo de políticas estruturais, pode-se citar a definição do saláriomínimo, a geração de empregos e a criação de apoio governamental para aumentar a produtividade industrial do país. Ou ainda, para acabar com a pobreza é preciso de uma política estrutural rigorosamente articulada com as demais políticas sociais e econômicas de um país;

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Capítulo 2 b. Conjuntural ou emergencial: tem o objetivo de amainar uma situação temporária. A degradação ambiental e a fragilidade do planejamento de políticas públicas urbanas (saneamento, habitação, preservação de áreas, fiscalização e proibição de construções em áreas de risco ou de preservação ambiental, dentre outras) têm gerado situações de instabilidade, desastres e sinistros, nos últimos tempos com frequência. Um grande número de pessoas instantaneamente se percebe numa condição de vulnerabilidade social gerada por calamidades públicas (chuvas, desmoronamentos, secas, dentre outros). A ação do Estado com políticas públicas efetivas preventivas e de assistência é fundamental para que vidas sejam protegidas e para que as pessoas possam retomar sua existência com dignidade.

•• Quanto à abrangência dos possíveis benefícios: a. Universais: para todos os cidadãos. O Sistema Único de Saúde (SUS) é um exemplo, uma vez que tem a universalidade do acesso de toda a população aos seus serviços, como sua principal diretriz na atualidade, mesmo sabendo-se que a qualidade ou falta dos serviços necessários pode estar excluindo segmentos da população da cobertura oferecida por essa política pública; b. Segmentais: caracterizando um fator determinado (idade, condição física, gênero etc.). Como exemplo, damos destaque à priorização de políticas que respeitem e operacionalizem o direito à acessibilidade de pessoas com deficiências; c. Fragmentadas: destinadas a grupos sociais dentro de cada segmento. A violência doméstica e familiar contra a mulher e contra crianças e adolescentes é uma realidade constatada diariamente em nossa sociedade. São necessárias políticas específicas que trabalhem com as vítimas da violência. Nesse sentido, dentro de algumas políticas públicas, por exemplo, as de assistência social, existem ações e serviços para atender essas pessoas. Destaque aos Centros de Referência de Assistência Social – CREAS – que atendem, em especial, crianças e adolescentes vítimas de violência e as Casas Abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

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Políticas Públicas •• Quanto aos impactos que podem causar aos beneficiários: a. Distributivas: vários países, entre eles o Brasil, fazem políticas distributivas com o objetivo de minorar a desigualdade social. Um exemplo que pode ser utilizado que tem como intenção reduzir desigualdades de renda e proteger o trabalhador quando em situação de desemprego é o seguro-desemprego; b. Redistributivas: visam a redistribuir recursos entre os grupos sociais: buscando certa equidade, retiram recursos de um grupo (que tem mais) para beneficiar outros (que necessitam mais), o que provoca conflitos. Uma constatação visível em nossa realidade é a desigualdade social que advém da má distribuição de renda e riqueza. O Brasil é um dos países que apresenta uma das maiores desigualdades sociais do mundo. O que está em pauta são as recomendações de políticas que promovam a diminuição na desigualdade no país. Nos últimos anos tem-se priorizado na agenda pública políticas de transferência de renda como possibilidade de inclusão social e redução de desigualdades. Essa política tem sido polemizada no que se refere a sua efetividade e ao risco de gerar vínculos clientelistas; c. Regulatória: visam a definir regras e procedimentos que regulem o comportamento dos atores para atender interesses gerais da sociedade. A Reforma Tributária é uma política pública de caráter tipicamente regulatório.

Ainda podemos continuar refletindo sobre as políticas públicas, destacando algumas de suas características: ••

respondem a problemas concretos (a fome, a doença, o desemprego);

•• devem atender a necessidades sociais, direito dos cidadãos (moradia, alimentação, educação, segurança, dentre outras); •• atendem demandas (como os movimentos para garantir medicação para os portadores do vírus HIV); •• têm objetivos específicos; •• têm temporalidade, quer dizer, são pensadas para se efetivar

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Capítulo 2 durante um certo período de tempo, passando por processos de acompanhamento e avaliação de resultados e necessidade de continuidade; •• utilizam-se de instrumentos e mecanismos participativos, garantindo a construção de processos democráticos (o voto, os Conselhos, as Conferências, as audiências públicas, dentre outras); •• alteram a situação existente.

1.2 O surgimento das políticas públicas O sentido de qualquer política pública tem a sua origem na perspectiva de atender a uma necessidade social. Tais necessidades podem estar silenciosas na vida dos grupos sociais ou serem explicitadas por meio de demandas sociais. O avanço dos direitos sociais regulamentados por meio do aparato legal (Constituição Federal de 1988 e leis complementares e especiais) traz a direção das ações públicas e enfatiza o dever do Estado no cumprimento da legislação e na organização de políticas públicas, traduzidas em sistemas públicos que operacionalizam programas, projetos, serviços, benefícios e ações voltadas à garantia dos direitos dos cidadãos, e zelam pela organização e desenvolvimento dos municípios, estados e nação. Um exemplo desse processo é a política do SUS (Sistema Único de Saúde).

O processo histórico nos revela que existia uma situação de deterioração crescente das condições de saúde da população brasileira, altos índices de doença e morte, irresponsabilidade pública, dificuldade e seletividade no acesso aos serviços, falência das organizações de saúde pública. Um intenso movimento da sociedade gerou transformações significativas na compreensão conceitual, nos princípios e no marco legal que define a organização da saúde pública no Brasil. Em resposta a esse quadro social, na Constituição Federal (BRASIL, 1988), derivada de um processo constituinte ocorrido nessa mesma época, em que o país vivia ainda uma expressiva democratização dos seus processos políticos, foram estabelecidas as bases para uma nova política nacional de saúde. Essa política foi formulada oficialmente pelo Ministério da Saúde, articulado com as organizações da sociedade civil interessadas na saúde, e passou a ser executada e adaptada pelos estados e municípios para cada realidade de saúde, respectivamente. A saúde pública está regulamentada pela Constituição Federal de 1988, art 196 a 200; pela Lei Orgânica de Saúde – Lei nº 8080 que define o Sistema

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Políticas Públicas Único de Saúde – SUS e por um conjunto de legislações complementares que vão reafirmando os princípios presentes nesta política definida para todos: universalização do acesso, descentralização, igualdade, participação da comunidade, entre outros. Então, podemos destacar que a exemplo da saúde, as políticas públicas possuem seu marco legal estabelecido na legislação vigente, e seu movimento e operacionalização são construídos pelos atores envolvidos: gestores públicos, representantes da sociedade (entidades e organizações prestadoras de serviços, trabalhadores da área, usuários dos serviços, população em geral). Para qualificar a política pública de saúde e cumprir com as conquistas legais já institucionalizadas, é necessária uma consciência dos governantes do que é gestão pública e uma participação ativa da sociedade, exigindo serviços de qualidade e na quantidade necessária e controle da ação dos governantes, em especial a administração dos recursos públicos.

1.3 Os objetivos e as finalidades das políticas públicas Em um contexto como a sociedade brasileira atual, apoiando-nos em Teixeira (2002, p. 3), podemos afirmar que as políticas públicas: [...] visam a responder a demandas, principalmente dos setores marginalizados da sociedade, considerados como vulneráveis. Essas demandas são interpretadas por aqueles que ocupam o poder, mas influenciados por uma agenda que se cria na sociedade civil através da pressão e mobilização social. […] Visam ampliar e efetivar direitos de cidadania [...]. [...] objetivam promover o desenvolvimento, criando alternativas de emprego e renda como forma compensatória dos ajustes criados por outras políticas de cunho mais estratégico (econômicas). [...] são necessárias para regular conflitos entre os diversos atores sociais que [...] têm contradições de interesses [...].

As demandas ou necessidades que fazem surgir às políticas públicas são apresentadas por atores sociais ou políticos que estejam interessados, direta ou indiretamente, na tomada de alguma decisão pública para responder àquela situação. Estes atores sociais agem politicamente, interagem com seus pares e oponentes, participam dos processos políticos e transitam no sistema político. A finalidade, seja das políticas públicas especificamente, ou dos processos e sistema político que as compreende, é satisfazer as necessidades sociais e atender as demandas socialmente expressas. Como se pode perceber, o interesse público é pressuposto da legitimidade de toda política pública.

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Capítulo 2

1.4 As diferenças entre políticas públicas e políticas governamentais Para fazer essa distinção, deve-se lembrar que as definições políticas têm seu caráter público condicionado por sua relação [...] com a natureza do regime político em que (se) vive, com o grau de organização da sociedade civil e com a cultura política vigente. [...] Nem sempre políticas governamentais são públicas, embora sejam estatais. Para serem públicas, é preciso considerar a quem se destinam os (seus) resultados ou benefícios, e se o seu processo de elaboração é (ou não) submetido ao debate público. (TEIXEIRA, 2002, p. 2).

Por outro lado, também podem existir políticas públicas não governamentais. São políticas que atendem ao interesse público, tendem a responder a necessidades sociais, são submetidas ao debate e participação popular, mas que são propostas, formuladas e executadas por organizações não pertencentes à estrutura estatal. Pode-se citar, por exemplo, as várias políticas de proteção ao meio ambiente, em sua maior parte coordenadas por Organizações Não Governamentais (ONGs), inclusive internacionais, como é o caso do Greenpeace. Outro exemplo poderia ser o caso de uma política de proteção aos direitos dos trabalhadores, conduzida pelos seus sindicatos e não pelo governo, em que o principal agente político e os interessados naquela política – sindicatos e os trabalhadores – podem se posicionar mesmo contra o governo.

No Brasil existe uma forte participação de Organizações Não Governamentais prestadoras de serviços sociais e assistenciais e de defesa de direitos que ajudam a construir e executar serviços públicos. Ex.: abrigos, albergues, Centros de atendimento e defesa de direitos de crianças, mulheres, dependentes, vítimas de violência, entre outros. Essas organizações prestam serviços com fins públicos, mas não são governamentais. São organizações privadas com fins públicos, não possuem interesses lucrativos, não podem se apropriar dos recursos adquiridos em benefício próprio, mas sim, na questão trabalhada que tem por essência o interesse coletivo. A trajetória histórica da sociedade brasileira revela avanços no campo das políticas públicas e na responsabilização do Estado, e isso se deve a uma intensa participação política da sociedade civil, organizada na garantia dos direitos sociais e na ampliação dos espaços de participação. Teixeira (2002, p. 2)

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Políticas Públicas constata uma “[...] presença cada vez mais ativa da sociedade civil nas questões de interesse geral”, o que vem a enriquecer sobremaneira as políticas públicas. Segundo o referido autor: As políticas públicas tratam de recursos públicos diretamente ou pela renúncia fiscal (isenções), ou de regular relações que envolvem interesses públicos. Elas se realizam num campo extremamente contraditório, em que se entrecruzam interesses e visões de mundo conflitantes e os limites entre público e privado são de difícil demarcação. Daí a necessidade do debate público, da transparência, da sua elaboração em espaços públicos e não nos gabinetes governamentais.

Seção 2 Diferenças entre espaço público e espaço privado O que diferencia o espaço público como espaço de referência das políticas é o interesse público, ou seja: atender a necessidades sociais e responder a interesses da coletividade. Como o espaço público se constrói por meio das relações entre os homens na sociedade, pela via das relações humanas e entre os grupos sociais, para atender aos objetivos específicos desta unidade, vamos agora conhecer, por meio de algumas perguntas e respostas apresentadas a seguir, a concepção de espaço público e espaço privado, segundo o pensamento de Hannah Arendt (TELLES, 1990). Qual a significação política da fragilidade dos negócios humanos?

Para responder a essa pergunta, teremos de voltar mais uma vez às questões históricas dos acontecimentos. Antes da Idade Moderna, a explicação da vida e da morte era considerá-las como vontade de Deus ou de outras forças superiores. Assim, também ocorria com a interpretação dos resultados dos negócios humanos. A partir do racionalismo na filosofia, a exemplo de Comte e Descartes, em várias outras áreas do conhecimento cresce a valorização da racionalidade material como forma de organizar as relações entre os homens. Nesse contexto histórico típico dos séculos XVII e XVIII, frente à impotência da religião ou tradição cultural que não conseguem mais responder às inquietações da vida em sociedade, surge na humanidade uma situação de fragilidade.

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Capítulo 2 Pôde-se reconhecer, neste momento, que a significação política de fragilidade era inerente à condição humana. A partir do século XIX, a sociedade passou a ter que enfrentar os problemas da convivência humana sem mais a pretensa segurança antes oferecida pela religião e tradição. (ARENT, 1979, p.187 apud TELLES, 1990, p.24). Assim, nessa nova condição da fragilidade humana, passam a ser questionados com quais critérios seria possível orientar a convivência entre os grupos sociais. Novos critérios teriam de ser propostos, uma vez que se subverte e se revela a própria finitude dos critérios possíveis para diferir, inclusive o que é verdade do que é mentira, como também, para diferenciar o bem do mal. A falta de referências estáveis foi uma fragilidade. Sua principal significação política foi exigir a construção de novos espaços públicos para suprir essa situação, donde surge o espaço da política. Em quais bases (critérios e referências) os homens construíram seus pontos de apoio para compreensão e julgamento do mundo? Frente à fragilidade dos negócios humanos, para se guiar entre as coisas inevitavelmente instáveis e mutantes do mundo [...] que rompem os automatismos da vida cotidiana (ARENT, 1979, p. 187 apud TELLES, 1990, p. 24), os homens ficam: [...] sem autoevidências, (portanto) [...] sem garantias para se orientar no mundo; e tem que confrontar-se com os problemas elementares da convivência humana; sem critérios seguros para sua compreensão, o que lhes permitiria tornar o mundo familiar, e, sem critérios para seu julgamento, o que implicaria em capacidade de discernimento entre qualidades.

Com a falta de critérios socialmente aceitos, assim, “[...] todas as coisas, a qualquer momento, podem se tornar praticamente qualquer outra coisa.” (ARENT, 1979, p. 131 apud TELLES, 1990, p. 27). Daí o risco da civilização se transformar em barbárie. Então, os pontos de apoio para compreensão e julgamento do mundo na visão de Arent (1979, p. 73 apud TELLES, 1990, p. 27): [...] passam a depender inteiramente da contingência da convivência humana. E sobretudo, da capacidade de os homens construírem, na e através dessa convivência, critérios e referências, que tenham uma validade intersubjetiva geradora de um senso comum.

A convivência humana é, portanto, o espaço da política. Dizendo, discutindo e ouvindo sobre os valores e realidades postas pelas contingências da vida,

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Políticas Públicas as pessoas podem (re)definir em que acreditam, os seus critérios e principais referências (ou crenças) para fundamentar sua postura na vida. É assim que as pessoas constroem suas condições de compreender e julgar os fatos; discutindoos e questionando-os. Para Arendt (1979, p. 131 apud TELLES, 1990, p. 27): [...] entre os elementos que definem essa capacidade de orientação no mundo – vinculada à compreensão e ao julgamento – está a faculdade de discernimento entre verdade/mentira e bem/mal. Essas são categorias não derivadas do conhecimento teórico, são diferentes das verdades da razão, e também não se ancoram nem na cultura ou moralidade da tradição e religião. São critérios e categorias essencialmente políticas. Portanto, “[...] os critérios (de discernimento) de verdade, de justiça e de legitimidade são construídos na experiência intersubjetiva que os homens fazem da realidade do mundo.” Ou seja, dependem das formas de “[...] comunicar-se com todos os demais (humanos) e fazer a experiência da pluralidade humana”, em que a opinião e o julgamento se constituem. (ARENT, 1980, p. 73 apud TELLES, 1990, p. 27). É na vida política, ou melhor, ao participar do que acontece no mundo ao seu redor, que as pessoas se politizam, adquirindo capacidade para opinar e julgar. Quais os riscos políticos da incapacidade de pensamento derivada da banalidade do mal? De acordo com Arent (1979 apud TELLES, 1990), a incapacidade de lidar, vivenciar e enfrentar os fatos e acontecimentos do mundo, sem mais encontrar nessa experiência os princípios de discernimento de que depende o julgamento, levará à sociedade ao processo de destruição do sentido pelo qual nos orientamos no mundo real. Sem vida política, ou melhor, sem querer saber e poder participar do que acontece no mundo ao seu redor, as pessoas perdem a possibilidade de adquirir capacidade para opinar e julgar. Isso acontecendo, corre-se o risco de a sociedade destruir a si mesmo como espaço público de vida entre os homens, abrindo espaço para o fortalecimento do poder totalitário. São três os registros históricos que formam o núcleo da interpretação do fenômeno totalitário. A saber: •• A dissolução do espaço público no mundo moderno; •• A perda do espaço público na esfera da experiência social, superpondo-se o isolamento. •• A perda do espaço público como um registro explicitamente político.

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Capítulo 2 O século XX, com suas guerras e revoluções, foi palco de muita destruição de espaços públicos potenciais para a vida em coletividade, em decorrência de muitos regimes totalitários que atravessaram nosso último século. Objetivando facilitar uma diferenciação entre espaço público e espaço privado, antes de tentar responder a pergunta acima, vamos pensar o que seria o seu ou o meu espaço próprio de privacidade. Como meu espaço privado, posso exemplificar as minhas opções sexuais. Nesse sentido, a um espaço público de discussão poder-se-ia levar a sexualidade da mulher na maturidade, mas não minha vida pessoal. No Brasil, com a tentativa de expor publicamente o cotidiano das vidas privadas, a exemplo do Programa BBB (Big Brother Brasil), às vezes as esferas do público e privado se confundem. Por outro lado, outro exemplo: seria o maltrato a uma criança que é uma questão de interesse público. Trata-se de uma questão de saúde pública. Tanto é assim que temos como instrumento legal da política pública direcionada a este grupo populacional, o Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente. Segundo Arendt (1981, p. 59–60 apud TELLES, 1990, p. 27), o espaço público compreende: [um] [...] mundo comum, que articula os homens numa trama visível feita por fatos e eventos tangíveis no seu acontecimento e que se materializa na comunicação intersubjetiva, através da qual as opiniões se formam e os julgamentos se constituem. [Trata-se do espaço comum entre os homens].

Em outras palavras, espaço público para Arendt (op cit) é onde as pessoas vivem em coletividade. Quer dizer, esse espaço se dá quando as pessoas convivem e conversam sobre o que acontece nas suas vidas e na vida da sociedade em que vivem. Esse espaço opera por meio das relações entre as pessoas, suas falas, gestos, escritos e outras manifestações exteriorizadas. É nesses interrelacionamentos que as pessoas formam as suas opiniões e seus julgamentos sobre a realidade. Esse é o espaço público, das relações livres entre os homens. Por referência ao espaço público de vida das pessoas, do ponto de vista do seu conteúdo, as políticas públicas, ou são sociais ou são econômicas, ou ainda uma junção dessas duas assumindo o caráter de políticas socioeconômicas, configurações que passamos a abordar na próxima seção.

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Políticas Públicas

Seção 3 Políticas sociais Se considerarmos as reflexões de uma renomada cientista social, Fleury Teixeira (1985, p. 400), ela enfatiza que: As políticas sociais, embora carecendo de um maior rigor conceitual, recebem sua melhor definição quando tratado sob a égide do conceito de cidadania. Assim, as políticas sociais tratariam dos planos, programas e medidas necessários ao reconhecimento, implementação, exercício e gozo dos direitos sociais reconhecidos em uma dada sociedade como incluídos na condição de cidadania, gerando uma pauta de direitos e deveres entre aqueles aos quais se atribui a condição de cidadãos e seu Estado. Esta relação jurídica de reciprocidade inclui, além dos direitos sociais, os direitos civis e políticos, sendo que, embora cada um destes elementos tenha tido um curso histórico distinto no seu desenvolvimento, atualmente estão entrelaçados e indissociados.

Demo (1985, p. 118) define política social “como proposta teórica e prática de redução das desigualdades sociais.” Essa é uma relação fundamental para conceituar políticas sociais: são aquelas políticas públicas que se voltam para diminuir as desigualdades em nossa sociedade e para viabilizar o acesso a direitos constitucionalmente assegurados. Reconhecendo que o conceito de política social é polêmico, Demo (1985, p. 118) tece suas considerações voltadas [...] mais especificamente sobre o Brasil. Existem políticas sociais revolucionárias, que partem para superar o sistema (existente). A postura aqui assumida é a de uma ótica intra muros, no sentido da indagação por uma política social dentro do capitalismo.

Trata-se de uma visão que admite a existência de possibilidades de desenvolvimento dentro do capitalismo, inclusive quando subdesenvolvido. Demo (1985, p.119) afirma que: [...] o socialismo não precisaria ser a solução única, e mais, tomando-se em conta que o capitalismo não pode viver apenas do acirramento das desigualdades, porque isto o tornaria suicida, faz muito sentido imaginar a possibilidade de política social num contexto como o brasileiro.

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Capítulo 2 Portanto, diante do exposto, uma política social que efetivamente atenda às necessidades sociais vai trabalhar no sentido da diminuição das desigualdades sociais e do acesso dos cidadãos a direitos sociais. Uma política social não pode ser concebida, de acordo com Demo (1985, p. 119): [...] como resultado consequente do crescimento econômico, porque isto faz dela uma política residualista (que fica só com os resíduos, quer dizer), compensatória e à deriva das sobras econômicas.

Como exemplo, pode-se aqui, trazer a metáfora do bolo: vamos primeiro esperar aumentar o bolo, para depois distribuir. Uma política social não pode esperar por sobras, mesmo que essas fossem asseguradas. Também não pode ser concebida “[...] como autônoma, como se pudesse ser viável sem crescimento econômico.” (DEMO, 1985, p. 119). Tampouco se podem colocar políticas sociais contra os condicionamentos econômicos. Por exemplo, nos aumentos do salário-mínimo, além das razões sociais, mesmo óbvias: [...] é preciso levar em conta até que ponto a produtividade os consegue manter. Se o colocarmos acima da possibilidade real, acabamos não tendo nem indústria, nem salário. (DEMO, 1985, p. 119).

Ainda de acordo com o autor, uma política social não pode ser concebida “[...] na ótica assistencialista, como se fosse doação do Estado ou de entidades de caridade. [...] Trata-se de uma visão muito distorcida da realidade social [...]” (DEMO, 1985, p. 119), por pretender ignorar “[...] que o pobre é vítima do sistema, e, estando o doador geralmente entre os (seus) beneficiários [...]” (DEMO, 1985, p. 119), acumulou privilégios. Assim nem há ajuda, mas apenas restituição de uma dívida. A prática assistencialista tem ainda como consequência negativa o fato de coibir: [...] o aspecto participativo da política social, ou seja, a dimensão da autopromoção – no fundo, ninguém promove ninguém, se a pessoa mesma não se autopromove; porquanto reduz a dimensão do problema ao nível da secundariedade tal, que pode ser solucionado pela esmola, e assim por diante. (DEMO, 1985, p. 119).

Demo (1985, p. 119) concebe a política social, do ponto de vista da desigualdade social, como um “[...] esforço teórico e prático de a reduzir aos níveis mínimos

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Políticas Públicas possíveis.” Pois, mesmo aceitando que não seja possível eliminar a desigualdade social, o autor citado entende que “[...] a política social vive da certeza de que se pode reduzir substancialmente” essa desigualdade. Assim sendo, é esse compromisso redistributivo que move e dá sentido a qualquer política social. Se uma política não tiver esse caráter, então essa política não é social. De acordo com a concepção acima, quais políticas podem ser chamadas de políticas sociais? Para responder, devemos tomar o compromisso redistributivo colocado por Demo (op cit), segundo o qual “[...] talvez tenhamos que excluir do rótulo de social a maioria das políticas que se dizem sociais.” (ibid). Se as políticas de saúde, de moradia, de educação, têm um papel regulador das relações econômico-sociais, absorvendo recursos de fundos públicos captados do desenvolvimento econômico e destinados aos programas sociais, então elas têm um compromisso com a redistribuição social, portanto, são políticas sociais. É bom lembrar que as concepções de Demo (1985) que estamos utilizando foram escritas durante o período de redemocratização da sociedade brasileira, no final da década de 80. A consolidação dos direitos sociais conquistados apresenta várias tendências, no decorrer dessas últimas décadas, com avanços e retrocessos. Ganha força no cenário das políticas sociais a privatização, além da corresponsabilidade nas políticas públicas delegadas às organizações não governamentais (ONGs), organizações sociais (OS), organizações da sociedade civil (OSC), organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPs), a forma brasileira recentemente regulamentada, como também, a responsabilidade social corporativa. A constituição de um Estado Democrático e de Direitos apresenta como princípios basilares a responsabilidade primeira do Estado na organização de políticas públicas e da participação popular na definição e no controle social. As organizações privadas da sociedade civil devem ser parceiras na complementação dos serviços públicos. Em função da complexidade da realidade, essa lógica não deve ser alterada em detrimento dos interesses da iniciativa privada ou da visão filantrópica fortemente presente em nossa cultura. Existem tendências que pretendem alterar o caráter complementar das organizações sociais privadas para um caráter substitutivo do Estado.

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Capítulo 2 Frente à extrema desigualdade que assola a realidade social brasileira como também às tendências neoliberais das políticas públicas brasileiras, a questão que se coloca é: Como assegurar o interesse público e o compromisso redistributivo intrínseco às políticas sociais? Continuando com Demo (1985, p. 119), muitas das políticas ditas sociais no Brasil, “[...] acabam concentrando a renda, o que corresponde a um movimento tendencial do próprio fenômeno da desigualdade.” Tomando como exemplo da situação acima, Demo (1985, p. 120) nos lembra que o crédito agrícola, apesar de destinado aos agricultores mais pobres sem recursos para algum cultivo específico, exige dessas garantias que a sua falta de recursos os impede de apresentar. Assim, “[...] a origem do crédito (a falta de recursos disponíveis) reveste-se na prática em obstáculo.” E tais créditos vão sendo concedidos aos que já têm recursos, aumentando ainda mais a concentração de renda. O mesmo tem acontecido com as políticas habitacionais do governo federal no Brasil. Quanto mais se precisa, maior é o obstáculo: “[...] na prática a pobreza é o maior obstáculo para ser inserido nos financiamentos previstos. Mesmo quando se propõem financiamentos especificamente voltados a certas camadas pobres, aí também é mais fácil atender ao de cima, do que aos de baixo.” (ibid). Segundo a ótica redistributiva, Demo (1985, p. 120) divide a política social em duas grandes áreas: a área socioeconômica, que você vai estudar na seção 5 desta unidade; e a área propriamente política, que gira em torno da questão da participação política. Outra forma de interpretar a política social é lembrando sua condição de também ter uma face de investimento. Mesmo que seu retorno seja a prazos mais longos, o investimento existe. Nesse sentido, Demo (1985, p. 122) nos oferece alguns exemplos: •• Na esfera da profissionalização, na proporção que for mecanismo apto de aumento de produtividade, pode ser tida como investimento social rentável; •• Também na esfera da saúde e da nutrição, na proporção que condições mais favoráveis evitam, no futuro, outros gastos com uma população muito doente ou subnutrida, é possível que os gastos atuais venham a se compensar amplamente.

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Políticas Públicas Por ser muito utilizada como justificativa dos investimentos financeiros, esse caráter dos empreendimentos sociais não deve permitir esquecer que, no entanto, de acordo com Demo (1985, p. 122), “[...] o critério fundamental da política social não é o de poder ser investimento, mas sim o compromisso com a redistribuição.” Como ocorre o controle e a desmobilização frente à política social? Uma faceta demonstrativa da característica controlada e desmobilizante do Estado que temos, está na concepção de política social como questão exclusiva do Estado. Com essa concentração da responsabilidade social sobre o Estado, ignora-se que há política social fora do Estado. Até porque, de acordo com Demo (1996), algumas políticas sociais se fazem contra o Estado. Como exemplos existem os sindicatos que atuam contra ele; ou também, no caso do Brasil, a Associação dos mutuários do SFH (Sistema Financeiro Habitacional), por sua política de atender quem tem recursos. Pensar que a política social é uma questão exclusiva de Estado, reflete a manutenção da atitude tecnocrata que imagina, que o Estado pode falar em nome da sociedade civil. (DEMO, 1996). Se apenas ao Estado coubesse a responsabilidade sobre as políticas sociais, estaria-se excluindo, desse espaço político, a sociedade civil. E quando isso ocorre, acaba-se a democracia e, consequentemente, a participação política. É nesse contexto que os governos assumem e repassam propostas enlatadas, pretendendo que elas sejam implantadas em realidades absolutamente diferentes daquela em que foram concebidas. Se um grupo oficial do aparelho de Estado, formado por tecnocratas que vivem fechados nos seus gabinetes, se autoatribuir a condição de responder as necessidades de uma população, ou vai ter que fazer parte dos grupos sociais e compartilhar o processo, ou delegar esse espaço político. Nesse sentido, podemos afirmar que a sociedade avançou em processos democráticos que pressupõem a gestão das políticas públicas de maneira mais participativa. A população conta com mecanismos que asseguram sua participação ativa nos processos decisórios, na definição de prioridades dos serviços, dos orçamentos e gastos públicos. Destacam-se os Conselhos de políticas públicas, as audiências públicas, as Conferências e Fóruns de políticas públicas.

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Capítulo 2

Seção 4 Políticas econômicas Tomando por referência o que conhecemos sobre a configuração das políticas econômicas no Brasil, facilmente podemos identificar quatro tipos de políticas econômicas, todas altamente relacionadas ao desenvolvimento econômico do país: •• Política monetária: responsável por equilibrar a circulação da moeda, o crédito interno, regulação dos juros e controle da inflação; •• Política cambial: acompanha as oscilações da moeda nacional em relação à moeda estrangeira, e o movimento da balança comercial, buscando obter padrões suportáveis de equilíbrio ou compensação entre importações e exportações; •• Política fiscal: define todas as questões tributárias; •• Política de renda: preocupa-se com os aumentos possíveis e suportáveis da renda, controlando o salário-mínimo, os padrões de emprego e produtividade.

Como também ocorrem com as políticas sociais, as políticas econômicas mudam radicalmente segundo as diferentes concepções mais sociais ou mais neoliberais do modelo de Estado assumido em cada sociedade. Durante o capitalismo industrial, vigente em todo o século XX, predominou no mundo ocidental desenvolvido uma concepção liberal da política econômica. Essa posição definia as orientações que o governo devia seguir e as intervenções que eventualmente devia efetuar para aumentar a riqueza do próprio país. Ainda de acordo com as concepções liberais, em alguns processos de industrialização pode-se observar que existe, na elaboração concreta das orientações de sua política econômica, certo compromisso que se impõe entre os princípios livre-cambiais e as exigências concretas do mundo industrial. Assim, o movimento entre exportação e importação privilegia os interesses internos. É nessa ordem de preocupação que são discutidos os mercados de livre comércio internacional, a exemplo da ALCA (Associação Latino-Americana do Livre Comércio), que tanta discussão tem gerado nesses países.

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Políticas Públicas As atribuições do Estado na concepção liberal da política econômica se traduzem basicamente em duas orientações: a. a orientação conservadora, que entende que não pode, nem deve, justificar a redistribuição da renda; b. a orientação reformista, que, ao contrário, valoriza uma controlada política de redistribuição da renda, entendida como meio capaz de levar a um elevado bem-estar social atrelado ao desenvolvimento econômico.

No contexto da estrutura econômica, Demo (1985, p. 121) ressalta dois blocos de problemas com os quais se defrontam as políticas econômicas: De um lado, como produzir empregados na dimensão quantitativa satisfatória, a fim de inserir tendencialmente toda a mão de obra disponível, evitando o exército de reserva, o subemprego e o desemprego. De outro lado, como alcançar dimensão qualitativa do emprego, para que não seja tendencialmente de salário-mínimo. Grande parte do subdesenvolvimento é isso, incapacidade de inserir de modo satisfatório quantitativa e qualitativamente a mão de obra no mercado de trabalho. Tal incapacidade provém de uma economia desequilibrada, geralmente [...].

Já sabemos que o setor primário é responsável pela produção econômica derivada da extração das riquezas naturais (vegetal, mineral e animal), com destaque para o cultivo da terra e agricultura; o setor secundário compreende a produção industrial; e o setor terciário, que mais cresce nas últimas décadas, é o setor do comércio e serviços, com destaque para a área de informática. A partir da classificação da produção econômica nos três setores acima, Demo (1985, p. 121) propõe uma política econômica preocupada em equilibrar a relação entre emprego e desenvolvimento econômico, afirmando que: Uma situação equilibrada poderia ser aquela em que o setor secundário absorvesse 40% da mão de obra, o primário, entre 10 e 15%, ficando o restante para o terciário (entre 40 e 50%). E isso aconteceu nos países ditos desenvolvidos.

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Capítulo 2

4.1 A relação da política econômica com a política social As políticas econômicas não podem ignorar as suas consequências sociais. E indo mais longe, Demo (1985, p. 121) considera que: “Para a política social, o crescimento econômico é apenas instrumento, já que a finalidade é a redistribuição.” O que não lhe tira a importância, porque sem crescimento econômico o que restaria para combater a desigualdade social seria a redistribuição da miséria. Mas não é esse o nosso caso. Como também, não nos interessa o crescimento a qualquer preço. Pois, de acordo com Demo (1985, p. 122), “muito provavelmente, é preferível crescer menos rapidamente, mas (um crescimento) estando mais voltado para a satisfação das necessidades básicas.” Mesmo reconhecendo que o crescimento econômico é indispensável, ele não perde o caráter de instrumental, inclusive na perspectiva de um desenvolvimento humano com sustentabilidade, tanto ambiental como social. Ou seja, o sentido do desenvolvimento econômico é promover o desenvolvimento social.

Seção 5 Políticas socioeconômicas Sob uma luz da ordem das colocações de Demo (1985, p. 120-121), “[...] muitas iniciativas de política social não são realistas”, pois não levam em conta os seus condicionamentos tanto de ordem propriamente social como de uma ordem econômica com eles comprometida, o que impõe uma configuração socioeconômica das políticas públicas. Como exemplo dessa situação, o mesmo autor cita o caso de adolescentes em situação de vulnerabilidade que, por mais que necessite de educação e saúde, é a sua inserção satisfatória no mercado de trabalho que vai resolver melhor o problema da sua inclusão e autonomia. Demo (1985) defende a ideia da importância da existência de uma política socioeconômica como forma de viabilizar a ótica redistributiva da política social. Nessa ótica, as políticas socioeconômicas giram “[...] em torno da redistribuição da renda e da satisfação das necessidades básicas.” (DEMO, 1985, p. 120).

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Políticas Públicas Segundo o mesmo autor, a indagação fundamental que as políticas socioeconômicas devem responder: [...] é como construir condições de acesso à renda e à satisfação das necessidades básicas. Se aceita geralmente que uma condição fundamental é a questão do emprego e da renda. Na ótica socioeconômica, a maneira da pessoa se autossustentar é ter uma ocupação satisfatória, da qual retira uma renda também satisfatória. Uma renda satisfatória é aquela que permite não somente sobreviver, atender às necessidades mínimas ou apenas se reproduzir como força de trabalho, mas que permite ademais poupança e lazer, pelo menos. Com um emprego satisfatório temos a condição básica para poder ter acesso à nutrição, à saúde, ao saneamento, à habitação, ao consumo, enfim, à satisfação daquilo que podemos chamar de necessidades básicas.

Na resposta às necessidades sociais está o caráter social da política socioeconômica. Todavia, essa somente se efetivará se puder contar em sua conformação com políticas econômicas seriamente comprometidas com tais finalidades. Ou, continuando com as palavras de Demo (1985, p. 120): O fulcro da questão será, então, como construir uma economia voltada para este desafio, ou seja: — uma economia tão preocupada com a produtividade, quanto com a absorção da mão de obra; — uma economia que não sacrifique gerações por causa do crescimento acelerado; — uma economia que, além de exportar, sobretudo consiga produzir para o consumo interno de massa; — uma economia capaz de superar desequilíbrios regionais; — uma economia capaz de obter o meio termo complicado entre prática tecnológica avançada, mas liberadora de mão de obra, e adaptada, mas absorvedora de mão de obra.

As soluções socioeconômicas para as necessidades de uma população e seu país vão assumir formas diferentes, conforme a orientação política de estruturação do modelo de Estado vigente, de corte mais social ou mais neoliberal, em cada contexto específico.

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Capítulo 3 Formulação das políticas públicas Ruth Terezinha Kehrig

Habilidades

Compreender a composição do processo político que leva às decisões sobre políticas públicas. Identificar as etapas que compõem o processo de formulação de políticas públicas.

Seções de estudo

Seção 1:  O processo e o sistema político Seção 2:  Etapas do processo de formulação de políticas públicas

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Capítulo 3

Seção 1 O processo e o sistema político Uma política pública começa a ter vida material, quando deixa de ser um simples “estado de coisas” frente às necessidades sociais e aos incômodos causados pela desatenção às demandas políticas. Em outras palavras, uma política pública começa a ter vida material a partir do momento que passa a mobilizar as lideranças e autoridades políticas e a compor a agenda governamental. Para satisfazer as necessidades sociais, a organização do sistema político assume diferentes orientações, estruturas e formas de funcionamento. Essas são as características que vão conformando esse sistema. A política se processa em um campo de conflitos sociais, em que os valores, de per se (por si só), orientam as práticas políticas. As pessoas interagem e existem normas de comportamento interno, que são assumidas pelos diferentes grupos, mas que se movem segundo suas crenças e interesses. A mediação política, por mais imprescindível que seja, não significa a solução do conflito. Mas conduz aos encaminhamentos que ativam o processo político. Em um contexto latino-americano, após o desenvolvimentismo da década de 60, os governos centrais, liderados pelos Estados Unidos e pelas organizações internacionais, passam a colocar como condição da liberação de financiamentos externos para os países subdesenvolvidos da América, a existência de planejamento governamental. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e sua representação continental, por meio da Organização Pan-Americana da Saúde (OPS), oferecem ao setor da saúde um documento que propõe uma metodologia para a formulação de políticas de saúde (OPS/ OMS, 1975), que passa a funcionar como um verdadeiro manual de formulação de políticas e planejamento governamental. No primeiro capítulo, o documento da OPS/OMS (1975, p. 5-18) apresenta uma introdução aos conceitos de política e processo político, querendo significar na palavra política, a expressão políticas governamentais e no processo político, o movimento que leva à formulação das políticas públicas. Há que se ter claro que quando estamos usando a referência acima, estamos assumindo uma metodologia que foi desenvolvida em um contexto histórico e ideológico específico. De caráter bastante funcionalista

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Políticas Públicas e que pressupõe o controle do poder instituído sobre a vida da população, do ponto de vista instrumental, a abordagem sistêmica proposta no referido documento ainda é bastante oportuna para o aprendizado do processo de formulação de políticas públicas.

Em uma visão funcionalista da sociedade, conforme o documento da OPS (1975, p. 5) sobre a formulação de políticas, são adotados mecanismos para acomodar as atitudes e os comportamentos às decisões políticas, buscando penalizar as contravenções ou gratificar o seu cumprimento. Nem sempre existe predisposição dos representantes políticos para que o processo de formulação das políticas públicas se efetive com qualidade e transparência. A direção legal, a estruturação dos planos e documentos, a definição de orçamentos e linhas de financiamento nem sempre são compatíveis com aquilo que é de fato executado. Há muitas omissões e tudo precisa ser considerado, pois representam posturas e opções daqueles que estão na administração dos processos. (TEIXEIRA, 2002). As decisões sobre as políticas governamentais são decisões políticas. E quando tomadas pelo Governo constituem as decisões oficiais. Ao tratar de problemas que afetam a toda a sociedade, a política volta-se para os problemas que requerem decisões a ser acatadas por todos. (OPS/OMS, 1975, p. 5).

Na perspectiva acima, como a resolução política implica decisões sobre todos, essas são decisões respaldadas por algum tipo de autoridade, pois são obrigatórias para todos.

1.1 O processo político Pensando em âmbito nacional, a política compreende os processos sociais que conduzem à tomada e execução de decisões por meio das quais são definidos e adotados valores e princípios para toda a sociedade. E, de acordo com esses pressupostos, são definidas as políticas específicas para alguns setores sociais de maior interesse segundo o poder político. (OPS, 1975, p. 5). São reconhecidas como de maior interesse político aquelas demandas que mobilizam mais os vários setores da sociedade.

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Capítulo 3 A opção política, por mobilizar ou não a participação da sociedade civil para colaborar mais efetivamente com os processos políticos, é uma decisão política de caráter ideológico. Assim sendo, as tendências mais liberais tendem a se preocupar menos com os aspectos de educação política para o desenvolvimento social e diminuição das desigualdades da sociedade, enquanto as concepções mais sociais, em países democráticos, tendem a privilegiar o espaço de construção social popular das políticas públicas. Os valores que são politicamente instituídos podem ou ser construídos democraticamente ou ser disseminados autoritariamente.

De acordo com uma visão weberiana de Estado e política, a autoridade oficial tem o monopólio do uso legal da força para se fazer obedecer, usando do seu poder de autoridade política para decidir e fazer com que suas decisões sejam acatadas na sociedade. Democraticamente, o poder político pode ser construído por consenso ou negociações. Em um sentido amplo, processo político quer dizer (OPS, 1975, p.6): todas as interações e relações sociais que levam às decisões políticas, e também aquelas que controlam a sua execução e os seus resultados. O conceito de decisão política, portanto, circunscreve o de processo político.

Figura 3.1 – O processo político e a decisão política

Processo político

Decisão política

Fonte: Elaboração do autor (2008).

Portanto, a partir desse entendimento, limita-se o político às ações e relações especificamente vinculadas à geração, tomada e controle das decisões políticas. Esse passa a ser um critério geral para diferenciar o que é (e não é) político. É no campo da política que são tratados os problemas que dependem de decisões políticas. O campo da política compreende todas as relações e processos sociais que conduzem às decisões políticas. (OPS, 1975, p. 6).

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Políticas Públicas

1.2 O sistema político O sistema político é formado pelos componentes e estruturas por meio dos quais se realiza o processo político no todo social (OPS, 1975, p. 6). Portanto, o sistema político pertence ao contínuo social. O que quer dizer que o sistema político está profundamente inserido no social. Situá-lo (no sistema social concreto) implica verificar quais elementos do sistema social se manifestam em relação às decisões políticas. A função política situa-se entre as relações e os componentes sociais que perpassam ao sistema político, pois cada sistema e seu processo situam-se dentro de um sistema social concreto. É preciso observar e identificar quais os critérios específicos do sistema social que se expressam nas decisões políticas. Esse é um referencial importante para considerar quando se quer analisar e entender as políticas públicas.

Uma destacada razão de ser do sistema político é manter a ordem do sistema social. E isso, funcionalmente, alcança-se por meio de coesão, direção e manutenção. Toda sociedade possui um sistema político direcionado a manter a ordem e a orientação do sistema social. (OPS, 1975, p. 6). O Estado pode, portanto, ser entendido como uma expressão social da síntese dos conflitos sociais existentes em uma sociedade, cabendo-lhe a mediação desses conflitos. A ordem social se desenvolve, é institucionalizada e é regulamentada pelo aparelho (político) de Estado. Existe uma autoridade formal do Estado sobre as decisões políticas. (OPS, 1975, p. 6). Na visão do documento da OPS/OMS (1975), existe um monopólio do Estado para exercício do poder político institucional (formal). Revestido da exclusividade do uso legal da força para obrigar o cumprimento das decisões políticas, o Estado representa a autoridade instituída para tomar decisões políticas. Na sua estruturação, o sistema político é composto tanto por um poder formal, institucionalizado, como por um poder real, que integra as relações sociais. No esquema apresentado a seguir você pode visualizar a configuração desse sistema político.

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Capítulo 3 Figura 3.2 - O sistema político

SISTEMA POLÍTICO

Poder real Grupos de interesse e pressão

Sistema Social População Ambiente Recursos

Poder formal

Necessidades

Demandas políticas

Satisfação

Apoios

Nível técnico-administrativo Informação e assessoria Nível político Autoridades e governo

Situação existente

Nível operacional Implementação e operação

Fonte: Adaptado de OPS/OMS (1975, p. 10).

Na figura anterior, você pôde perceber que o sistema político compreende a junção dos órgãos de poder formal, o aparelho de Estado, com os grupos de interesse e pressão que formam o poder real nos sistemas sociais. O processo político é acionado pelas necessidades sociais e respectivas demandas políticas organizadas e que batem na porta do poder formal. Seja para reunir apoio (ou não) do poder real, seja para invadir com suas reivindicações o espaço do poder formal. O resultado desse processo político são as decisões políticas que devem incidir sobre a situação existente, modificando-a. Entre os partícipes do processo político, que formam o poder real tem-se: •• o Estado; •• as classes sociais; •• os grupos sociais; •• os partidos políticos; •• os cidadãos; •• as associações; •• as ONGs; •• as organizações sociais; •• as empresas.

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Políticas Públicas A distribuição do poder na sociedade dá-se desigualmente, enquanto requisito do próprio sistema político, como também, da definição de política como relação entre desiguais.

Se todos fossem iguais e quisessem as mesmas coisas não haveria necessidade de política, pois tudo já estaria determinado de per se (por si só). Existem diversas formas de exercício do poder político, destacando-se (OPS/ OMS, 1975, p. 9): •• as demandas sociais (diretas e indiretas); •• as demandas de decisões políticas; •• a relativa independência entre Estado e poder real; •• os processos derivados para acumular poder dos atores envolvidos.

1.3 O funcionamento do sistema político Pode-se destacar dois tipos de produtos políticos (OPS/OMS, 1975, p. 14): 1.3.1 O futuro do sistema social Projetado enquanto uma imagem de um objetivo a perseguir, o que se condiciona pelos seguintes aspectos: •• os valores do sistema e sua ideologia a orientar os seus projetos; •• o produto político deriva do consenso possível, construído pelo debate político; •• o produto político traduzido nas políticas públicas.

Aqui se trata dos horizontes onde se pretende chegar com cada política pública. Os princípios, diretrizes e finalidades de cada política. É uma projeção, um norte que dá certa direcionalidade ao sistema político. 1.3.2 A organização e o funcionamento do sistema Como o poder é uma relação que envolve vários atores com projetos e interesses diferenciados e até contraditórios, há necessidade de mediações sociais e institucionais, para que se possa obter um mínimo de consenso, assim, as políticas podem ser legitimadas e obter eficácia. (TEIXEIRA, 2002, p. 2).

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Capítulo 3 Em cada situação concreta essa configuração pode ser diferente. Podemos aqui trazer o exemplo da fixação do salário-mínimo, quando existem interesses conflitantes entre trabalhadores, patrões e governo. E ainda entre as várias representações desses diferentes interesses no Congresso Nacional. A mediação, buscando construir acordos de conciliação de interesses, pode ser assumida por diferentes atores nos vários momentos desse processo político. Outro exemplo que se pode citar é a organização de mulheres donas de casa na pressão popular para defesa dos direitos do consumidor. O governo pode assumir uma mediação entre os interesses desse grupo político e os empresários envolvidos, propondo ao legislativo projetos de lei que visem a resolver alguns conflitos em defesa dos direitos de cidadania consciente. O Ministério Público é uma instituição tipicamente com um papel de mediação entre os interesses da comunidade e as práticas oficiais dos órgãos integrantes do aparelho de Estado, que não respeitam aqueles direitos sociais previstos no ordenamento jurídico. Quem é responsável por pensar as políticas públicas?

Segundo Rua (1998), os responsáveis são todos os atores sociais e políticos do país. São atores as pessoas que têm alguma coisa a ver com aquela questão e que possuem alguma forma de recurso e poder na situação. Os atores sociais são aqueles que podem vir a ganhar ou perder na situação, podendo ser afetados pelas decisões e ações implementadas. Eles têm ou reúnem capacidade para afetar as decisões, por intermédio da sua capacidade de ação organizada, não se limitando a simplesmente reagir utilizando o voto. Tanto os integrantes do poder formal como do poder real, por meio da sociedade civil organizada, compõem os atores sociais de uma política pública. Conforme nos lembra Teixeira (2002, p. 5): [...] as políticas públicas são um processo dinâmico, com negociações, pressões, mobilizações, alianças ou coalizões de interesses. Compreende a formação de uma agenda que pode refletir ou não os interesses dos setores majoritários da população, a depender do grau de mobilização da sociedade civil para se fazer ouvir e do grau de institucionalização de mecanismos que viabilizem sua participação.

A participação da sociedade civil nas políticas públicas mantém as contradições internas à organização da própria sociedade civil. Sabe-se que:

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Políticas Públicas Na sociedade também há uma diversidade de interesses e de visões que precisa ser debatida, confrontada, negociada, buscando-se um consenso mínimo. Essa formulação hoje se torna complexa devido à fragmentação das organizações, apesar de algumas iniciativas de articulação em alguns setores. (TEIXEIRA, 2002, p. 5).

Os Conselhos de Políticas Públicas se constituem, na atualidade, em espaços estratégicos de debate, priorização e definição de políticas, de fiscalização e controle da qualidade das ações empreendidas e dos recursos públicos destinados às frentes priorizadas. Porém, sua operacionalização depende do compromisso dos atores envolvidos. Os interesses restritos e as fragmentações políticas não podem inviabilizar a articulação de propostas de maior interesse social. Há, ainda, uma questão que precede qualquer processo de formulação de políticas públicas: em que base teórico-conceitual, ideológica e legal cada política pública se insere? Isso deve ser discutido e explicitado, pois são esses elementos que vão fundamentar todo o processo da formulação, execução e avaliação de uma política pública.

Seção 2 Etapas do processo de formulação de políticas públicas O processo que antecede e vai da formulação até a avaliação dos resultados das políticas públicas pode ser didaticamente apresentado por meio de uma sequência de etapas, mas convém destacar que, na realidade, esses passos ou movimentos não se comportam assim linearmente. De acordo com Teixeira (2002, p. 2): “Elaborar uma política pública significa definir quem decide o quê, quando, com que consequências e para quem”. Em outras palavras, formular políticas trata-se das definições e alternativas para solucionar problemas políticos e escolher as alternativas a adotar. Logo, terá que se estabelecer o quê será feito no caso, quando, como, com quanto e com que. Nesse sentido, são projetadas ações em longo prazo, buscando antecipar-se no enfrentamento de causas dos problemas existentes e estabelecer as soluções a adotar. Significa também avaliar o resultado das ações realizadas e reformular seu percurso durante esse processo político. (RUA, 1998, grifo do original).

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Capítulo 3 Para a estruturação de políticas públicas já podemos contar com alguns elementos de conteúdo e de processo que estão claros: [...] sustentabilidade, democratização, eficácia, transparência, participação, qualidade de vida. Esses elementos precisam ser traduzidos, contudo em parâmetros objetivos, para que possam nortear a elaboração, implementação e avaliação das políticas propostas. (TEIXEIRA, 2002, p. 5).

É preciso que as políticas públicas sejam bem formuladas, pois somente assim, no momento da sua execução, eles conseguirão produzir os resultados esperados. Para conseguir isso, torna‑se necessário muito empenho e determinação, com inserção e consciência política, pois esse é um caminho que envolve diversos interesses. Constituindo-se em respostas organizadas para resolver problemas sociais e para acessar direitos, as políticas públicas precisam ser apresentadas à agenda do governo e poderes competentes. (RUA, 1998). Partindo de uma relação implícita da formulação de políticas públicas com os processos de planejamento social, pode-se afirmar que tais processos se desenham em torno de um movimento de diagnosticar, planejar, executar e avaliar.

Retomando a base conceitual estudada nessa disciplina, já podemos genericamente pontuar as seguintes etapas para os processos de formulação de políticas públicas: •• Diagnóstico da necessidade social; •• Dimensionamento de pessoas da sociedade que potencialmente podem participar daquele processo; •• Levantamento dos recursos e instituições a mobilizar; •• Análise dos problemas implicados na situação; •• Definição compartilhada dos objetivos e diretrizes da política; •• Delimitação da população coberta pela política; •• Construção das estratégias de formulação da política; •• Detalhamento das ações a serem realizadas; •• Alocação dos recursos necessários à sua implementação; •• Viabilização da organização institucional de suporte à execução e avaliação da política. •• Implementação das ações; •• Acompanhamento e avaliação.

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Políticas Públicas O caráter assumido na prática desses passos é o que vai efetivamente revelar o sentido e os significados de cada política pública. Alguns momentos do processo de formulação das políticas públicas podem ser identificados como pré-requisitos, quando existe um compromisso com a participação efetiva e eficaz da sociedade civil nesse processo. De acordo com Teixeira (2002, p. 5-6), são eles: •• elaboração de um diagnóstico participativo, negociado e estratégico, identificando fatores restritivos, potencialidades, oportunidades (e ameaças); •• identificação de experiências bem-sucedidas no campo e análise dos custos e resultados como uma referência para criar novas alternativas; •• debate público e mobilização da sociedade civil; •• decisão e definição em torno de alternativas, competências, recursos e estratégias de implementação; •• detalhamento de modelos e projetos, diretrizes e estratégias, e das fontes de recursos, dos orçamentos e parcerias; •• execução, publicização e mobilização dos atores; •• avaliação e acompanhamento do processo e resultados analisando inclusive os indicadores; •• redefinição democrática das ações e projetos.

Uma vez desencadeado um conjunto de passos dessa ordem, a política pública objeto desse processo já existe como uma realidade social.

2.1 A gestão de políticas públicas Como já entendemos, a política pública pode ser definida como “[...] o processo de estabelecimento de princípios, prioridades e diretrizes que organizam um conjunto de programas e serviços para uma população” (UFSC/LED, 2002, p. 13), torna-se, portanto, fundamental entender quais as etapas compreendem a gestão desse processo. São elas: •• identificação das necessidades da população a ser atendida; •• organização dos sistemas, planejamento, definição orçamentária, execução, avaliação e monitoramento em todo o processo pelos órgãos responsáveis pela gestão articulados aos Conselhos de Políticas Públicas;

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Capítulo 3 •• elaboração de um processo que integre demandas e prioridades setoriais; •• composição de equipes técnicas multidisciplinares com competência nas áreas definidas; •• articulação de parcerias para a viabilização das ações e montagem do sistema de acompanhamento dos resultados; •• gestores públicos com conhecimento e competência técnicopolítica para administrar a política pública, voltada para o acesso da população a serviços públicos de qualidade.

Refletir sobre a gestão das políticas sociais implica referir a ações públicas como resposta às necessidades sociais que têm origem na sociedade e são incorporadas e processadas pelo Estado em suas diferentes esferas de poder federal, estadual e municipal (RAICHELIS, 2008).

A Constituição Federal e as leis específicas de cada política pública propõem diretrizes para a gestão das políticas públicas que precisam ser efetivadas, entre elas, destacam-se: •• Descentralização político-administrativa; •• Ênfase no município enquanto uma instância primordial de poder; Universalização do acesso às políticas públicas enquanto direitos sociais fundamentais; •• Participação social reafirmando o poder político da sociedade civil no controle e transparência da coisa pública.

O avanço na construção de sistemas organizados de maneira descentralizada e participativa nas políticas públicas exige o compromisso e a primazia do Estado por meio de sua representação governamental e da sociedade civil vigilante no controle social das ações e recursos. Um exemplo: A esfera federal tem por responsabilidade a condução das políticas públicas, coordenando-as, definindo diretrizes, priorizando recursos nos fundos públicos específicos para cada política pública e assessorando a implantação das políticas em âmbito estadual e municipal. Os Estados gerenciam as políticas em âmbito estadual e têm responsabilidades em dinamizar ações regionais, garantindo recursos e assessoria à operacionalização das ações planejadas. Os municípios

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Políticas Públicas têm a atribuição de pensar e executar as políticas em âmbito local, fazendo acontecer os planos plurianuais municipais, dinamizando serviços, programas, projetos, benefícios que viabilizem o acesso dos cidadãos aos sistemas públicos.

A organização das políticas públicas tem sua base legal, além da CF de 1988, nas leis específicas de cada política e nas normas operacionais complementares. Destacamos algumas leis complementares específicas que definem a organização de políticas públicas: •• LOS – Lei Orgânica de Saúde 8080 – 19 de setembro de 1990. •• LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394 – 20 de dezembro de 1996. •• LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social 8742 – 7 de dezembro de 1993.

Temos ainda um conjunto de legislações especiais que expressam direitos sociais por segmento, na perspectiva de serem alcançados por meio de políticas públicas, entre elas destacam-se: •• ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente 8069 – de 13 de julho de 1990. •• EI – Estatuto do Idoso 10741 – de 4 de janeiro de 1994, dentre outros.

As legislações complementares e normas operacionais estabelecem princípios, diretrizes, competências, formas de organização e financiamento das ações, conduzindo os representantes governamentais à responsabilidade de administrar em benefício dos interesses e direitos da coletividade. Os atores políticos, que compõem a gestão das políticas públicas, têm responsabilidade pública na consolidação e qualidade das ações. Não se aceita mais amadorismos, vinculação apenas partidária, relações clientelistas, pessoas despreparadas coordenando as políticas públicas. Do gestor público se espera conhecimento na área, domínio da legislação e da organização do sistema, visão da realidade social, ética e responsabilidade pública, vontade de servir a coletividade e de administrar com seriedade os recursos públicos.

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Capítulo 3 Então, reflita sobre a administração de um município, por exemplo. Nesse caso, a dinamização de políticas públicas implica o cumprimento de alguns pré-requisitos essenciais. Verifique a seguir a descrição de cada um deles: •• O planejamento precisa ser construído com prioridades objetivas e visão gerencial. O plano plurianual geral e por políticas públicas específicas deve ser a expressão das prioridades decididas pela coletividade por meio de metodologias participativas; •• O orçamento público e as peças orçamentárias (Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei Orçamentária) precisam ser a expressão coerente das prioridades que interessam ao desenvolvimento da cidade e ao acesso da população aos serviços públicos; •• As administrações precisam ser enxutas, com técnicos habilitados às funções e com efetivação da qualidade dos serviços, evitando desperdícios e gastos excessivos com equipes desqualificadas para o exercício das funções públicas; •• A descentralização dos recursos públicos da esfera federal e estadual precisam fortalecer os fundos específicos das políticas públicas em âmbito municipal com flexibilidade diante da realidade e planejamento local; •• Democratização do poder na gestão pública. Construção de uma Gestão Participativa composta por governo e sociedade civil fortalecendo a participação e o controle social.

Por fim, por referência à teoria organizacional, a gestão de políticas públicas implica definir seu norte, organizar os recursos necessários, direcionar o processo de sua execução e avaliar seu processo e resultados, tudo por referência à população a que se destina.

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Capítulo 4 Metodologia de análise e avaliação em políticas públicas Ruth Terezinha Kehrig

Habilidades

Entender o que significa analisar políticas públicas. Perceber a potencialidade do controle social sobre as políticas públicas. Reconhecer o importante papel do acompanhamento e avaliação das políticas públicas.

Seções de estudo

Seção 1:  A análise de políticas públicas Seção 2:  O controle social sobre as políticas públicas Seção 3:  O acompanhamento e avaliação das políticas públicas Seção 4:  Roteiro de análise de políticas públicas

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Capítulo 4

Seção 1 A análise de políticas públicas Pela análise política podem ser descritos e explicados os fenômenos políticos. Easton (1953 apud AGNINO, 2002, p. 2) considera “uma política (policy) uma teia de decisões que alocam valor”. Sendo mais específico, Jenkins (1978 apud AGNINO, 2002, p.2) entende política como um “conjunto de decisões interrelacionadas”, direcionadas para a seleção de metas e dos meios para alcançálas, dentro de uma determinada situação. E ainda, segundo o próprio Agnino (2002, p.2), “ao se trabalhar com análise de políticas há que lembrar que o termo política pode ser empregado de muitas maneiras”, designando, por exemplo, por referência à política econômica, como: •• campo de atividade; •• objetivo ou situação desejada (estabilidade econômica); •• propósito específico (inflação zero), em geral relacionado a outros de menor ou maior ordem; •• decisões do governo frente a situações emergenciais; •• autorização formal (diploma legal), ainda que sem viabilidade de implementação; •• sistema (envolvendo leis, organizações, estruturas, recursos); •• resultado (o que é obtido na realidade e não os propósitos anunciados ou legalmente autorizados); •• impacto (diferente de resultado esperado, trata de analisar o que alterou na realidade); •• teoria ou modelo que busca explicar a relação entre ações e resultados; •• processo (considera as etapas construídas de maneira processual).

Ao estudar como se faz a análise de políticas públicas, recupera-se a contribuição de autores sobre este tema, na perspectiva de poder contribuir para melhorar a compreensão do processo de elaboração e execução das políticas que têm sido desenvolvidas no âmbito do Estado contemporâneo, no nosso caso, pensando na sociedade brasileira. Seguindo a pista oferecida por Agnino (2002, p.1), nesta unidade, a análise de políticas públicas é abordada no contexto das “áreas onde é importante a

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Políticas Públicas presença do Estado (seja) na produção (ou sua regulação) de bens e serviços para a população (energia, saúde, educação, transporte etc.).” A base de análise de uma política deve incidir sobre o processo de sua elaboração. Isso porque esse âmbito reúne elementos fundamentais para permitir um adequado “acompanhamento, avaliação e crítica de políticas cuja responsabilidade de formulação e implementação corresponde a um outro ator.” (AGNINO, 2002, p.1). Em outras palavras, de uma maneira mais simples, fazer a análise das políticas públicas serve como instrumentalização do cidadão para verificar a prática institucional ou governamental na área das políticas públicas. Para Dye (1976 apud AGNINO, 2002, p.4): fazer “[...] análise de política é descobrir o que os governos fazem, por que fazem e que diferença isto faz”. Assim entendida “a análise de política é a descrição e explicação das causas e consequências da ação do governo.” (ibid., loc. cit.). Ou, dos órgãos que assumem aquela política pública que está sendo analisada. Reconhecendo que várias definições existem também sobre análise de políticas públicas, pode-se considerá-la [...] como um conjunto de conhecimentos proporcionado por diversas disciplinas das ciências humanas e sociais utilizados para buscar resolver ou analisar problemas concretos em política (policy) pública. (BARDACH, 1995 apud AGNINO, 2002, p.3).

Conforme alerta Agnino (2002, p.4): O escopo da análise de política, porém, vai muito além dos estudos e decisões dos analistas, porque a política pública pode influenciar a vida de todos os afetados por problemas das esferas públicas (policy) e política (politics), dado que os processos e resultados de políticas sempre envolvem vários grupos sociais e porque as políticas públicas se constituem em objeto específico e qualificado de disputa entre os diferentes agrupamentos políticos com algum grau de interesse pelas questões que têm no aparelho de Estado um locus privilegiado de expressão.

A análise de política engloba um grande espectro de atividades, todas elas envolvidas de uma maneira ou de outra com o exame das causas e consequências da ação governamental. Assim, uma definição correntemente aceita sugere que a análise de política tem como objeto os problemas com que se defrontam os fazedores de políticas (policy makers) e como objetivo auxiliar o seu equacionamento por meio do emprego de criatividade, imaginação e habilidade.

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Capítulo 4

Seção 2 O controle social sobre as políticas públicas Os conselhos são estruturas sociais públicas que integram o Estado brasileiro, desde a última Constituição (BRASIL, 1988), visando a realizar o controle social da sociedade civil organizada sobre as políticas públicas. Diante desse mecanismo de participação política, busca-se garantir que as ações implementadas em nome das políticas públicas, efetivamente, contem com a participação popular, fator indispensável ao alcance da sua efetividade social. Todos os municípios brasileiros têm, por exemplo, um Conselho Municipal de Saúde, o que é obrigatório por força de lei, que condiciona o repasse de recursos públicos para a execução das ações de saúde. A função básica desse conselho é participar da formulação e acompanhar a execução da política municipal de saúde, assim como aprovar e avaliar as aplicações dos recursos do Fundo Municipal de Saúde.

Tem-se, nos conselhos, a abertura de espaços democráticos de controle social sobre as ações governamentais, sendo que a representação popular nesses conselhos é, a princípio, paritária em relação à representação do governo. Além de que, em sua filosofia de criação, os conselhos devem ter o caráter deliberativo sobre as decisões tomadas quanto às políticas públicas. Tanto para os gestores públicos, como para a sociedade civil, é imprescindível compreender a natureza e o funcionamento desses conselhos, enquanto ferramenta privilegiada de gestão democrática das políticas públicas em nossa sociedade. Eles são mecanismos importantes para contribuir com a avaliação de Políticas Públicas governamentais e não governamentais. Muitos conselhos já existem e foram legalmente instituídos, segundo as contingências próprias de cada política pública. Entre os exemplos mais conhecidos, temos os conselhos de saúde, de educação, de assistência social, de proteção dos direitos da criança e do adolescente, de segurança, de habitação. Muitos outros estão em processo de formatação e outros ainda precisam ser pensados.

Em cada setor específico, temos conselhos nacionais, estaduais, municipais, comunitários e de serviços específicos. Como exemplo, por referência à política de saúde, temos:

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Políticas Públicas •• Conselho Nacional de Saúde; •• Conselho Estadual de Saúde; •• Conselho Municipal de Saúde; •• Conselho Comunitário de Saúde; •• Conselho Gestor de Unidade de Saúde.

Mesmo com tantos mecanismos democráticos de participação e controle social da população sobre as políticas públicas, é ainda bastante frequente que a cidadania em muitas situações se sinta lesada e impotente ao ver seus direitos sociais desrespeitados, quando não, literalmente, usurpados. É nessa situação que a organização do Estado Brasileiro de direito ainda oferece mais uma alternativa: o Ministério Público e a Procuradoria Pública. São órgãos que existem para defender o direito e interesse coletivo. De acordo com Frischeisen (2000, p.16), a Constituição Federal de 1988, formada a partir de um processo democrático, enuncia, “[...] entre outros princípios asseguradores desses direitos (humanos, individuais e políticos, sociais, econômicos e culturais, e inclusive a sua proteção) e, em particular, daqueles relativos à concretização da ordem social [...]”, onde estão especificados os direitos sociais, cabe ao Ministério Público: a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (art.127, BRASIL, 1988). A autora acima defende, por um lado, que se faça: “[...] uso da ação civil pública para o suprimento de ações de governo [...]” De outro lado, discorre sobre a via de atuação extrajudicial, como criadora de um espaço de negociação em que podem “ser contempladas as grandes questões atinentes à implementação de políticas públicas, como as temporais, orçamentárias e de conciliação entre as várias demandas existentes na sociedade.” (FRISCHEISEN, 2000, p.14). Por meio da ação civil pública, qualquer pessoa, no gozo dos seus direitos de cidadania, pode recorrer, sem custas ou ônus, à esfera judicial para reclamar sobre algum direito legal de interesse coletivo que não esteja sendo respeitado pelo aparelho de Estado. Por exemplo, ao identificar a ocorrência de crime ambiental, como no caso de uma construção em área de preservação permanente, pode entrar com uma ação civil pública, quer dizer, pública por estar defendendo o direito da população em ter o seu meio ambiente preservado. Quando uma pessoa ou grupo social se sente lesado em seus direitos sociais de cidadania, cabe-lhes agir politicamente, administrativamente, juridicamente, ou, simultaneamente em todas essas dimensões.

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Capítulo 4

Seção 3 O acompanhamento e avaliação das políticas públicas Ainda são recentes e existem relativamente “[...] poucas experiências e tradição de avaliação sistemática de desempenho e de resultados [...] da implementação de políticas públicas.” (BELLONI; MAGALHÃES; SOUZA, 2000, p. 9). O que se encontra, de forma um pouco mais frequente, são geralmente avaliações quantitativas do efeito (impacto) objetivo imediato das ações desenvolvidas. Essas avaliações normalmente são feitas pelas instituições, as quais são inadequadas para avaliar a execução de políticas públicas. Por que será? Isso acontece devido ao caráter diferenciado dessas ações políticas, em razão do seu interesse coletivo. As ações realizadas como políticas públicas têm resultados ou consequências difusas, seja no tempo (curto, médio e longo prazo), seja por que se dirigem a vários tipos de beneficiários (diretos e indiretos); também por haver políticas públicas de várias ordens, destacando-se, aqui, por exemplo, a qualificação para o trabalho e o conhecimento de direitos sociais. As condições anteriores exigem também uma avaliação diferenciada. De acordo com Belloni, Magalhães e Souza (2000, p. 9): •• a avaliação torna-se mais relevante quando pode oferecer informações não apenas sobre impacto, mas sobre resultados ou consequências mais amplas e difusas das ações desenvolvidas; •• a avaliação deve abranger (todo) o processo de formulação e implementação das ações e os seus resultados; •• a avaliação é um instrumento fundamental para a tomada de decisão e para o aperfeiçoamento das ações desenvolvidas.

Qual é o objeto da Avaliação?

Não estamos falando aqui de objetivo ou finalidade, mas de objeto. Já sabemos o que quer dizer o objeto de alguma profissão, um estudo ou disciplina? Por exemplo, qual o objeto de trabalho do dentista? O dente; ou, a saúde da boca. E do administrador? As empresas, ou seja, as organizações. O que queremos aprender a avaliar neste caso? As políticas públicas. Esse é o nosso objeto de avaliação.

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Políticas Públicas É importante que você não confunda “objeto” com “objetivos”, que no primeiro caso seria: para que avaliar? Com que finalidade? Aqui se coloca a nossa intenção de buscar melhorar as formas como se realizam o processo político e os resultados alcançados.

3.1 As diferenças entre avaliação institucional e avaliação de políticas públicas Fique atento para não confundir a avaliação de políticas públicas com uma avaliação institucional, a qual deve ser vista de modo global e sistemática. De acordo com Belloni, Magalhães e Souza (2000, p. 10), as avaliações institucionais englobam: •• “as políticas institucionais e os programas desenvolvidos [...]; •• o atendimento aos objetivos de cada uma das políticas e projetos a cargo da instituição; •• os objetivos e finalidades da instituição – sua ‘missão institucional’.”

Logo, “[...] as instituições responsáveis pela formulação ou implementação da política não são parte do objeto de avaliação” (BELLONI; MAGALHÃES; SOUZA (2000, p. 10.). Apenas alguns dados de uma avaliação institucional podem ser úteis e utilizados na avaliação de uma política pública específica, exclusivamente aqueles que conseguirmos isolar por referência comparativa à política analisada, no caso de existir naquela instituição uma organização central de coordenação da política pública a avaliar. Como uma política pública é geralmente executada com a participação de diversas instituições, no caso de que haja uma instituição que coordene o processo de formulação, para a execução e a avaliação dessa política, pode-se fazer uma avaliação dessa política pública em duas esferas complementares: •• buscando dados na avaliação institucional daquela organização que coordena a política, logo aqui não vai interessar avaliar a instituição mas apenas o que ela faz com a política pública que está sendo avaliada; •• avaliando todos os demais aspectos do processo de formulação, implantação e implementação daquela mesma política, buscando informações em todas as organizações e atores sociais.

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Capítulo 4 A eficiência, a eficácia e a efetividade social de uma política pública é o que deve ser avaliado.

Na avaliação de eficiência devem ser quantificados e avaliados os recursos e toda a estrutura alocada para a realização da política, no sentido de atender as necessidades dos serviços implementados e evitar o desperdício do patrimônio público. Na avaliação de eficácia deve ser analisado o cumprimento dos objetivos definidos no processo de formulação da política pública sob análise. A qualidade das políticas e a satisfação dos seus usuários pode ser analisada a partir de uma avaliação do próprio processo de formulação, implantação e implementação de uma política pública. Na avaliação de efetividade deve ser analisada a continuidade e manutenção dos resultados sociais da política, ou seja, o seu efeito sobre as populações beneficiárias das ações planejadas.

3.2 Características de avaliação em políticas públicas Para saber o que é avaliação de uma política pública, temos que primeiro reconhecer que existem diferentes concepções de avaliação. Nesse momento vamos adotar uma. Para Belloni, Magalhães; Souza (2000, p. 14), avaliar “[...] é um instrumento fundamental para conhecer, compreender, aperfeiçoar e orientar as ações de indivíduos ou grupos.” Todos nós estamos continuamente realizando avaliações informais, isso ocorre como um processo natural, instintivo, assistemático. Quando aqui tratamos da avaliação de políticas públicas, estamos falando de uma avaliação formal ou sistemática, isto é, um processo avaliativo “[...] com possibilidades de compreender todas as dimensões e implicações da atividade, fatos, ou coisa avaliada.” (BELLONI; MAGALHÃES; SOUZA, 2000, p. 14). [Trata-se de] um processo sistemático de análise de uma atividade, fatos ou coisas, que permite compreender, de forma contextualizada, todas as suas dimensões e implicações, com vistas a estimular seu aperfeiçoamento. [...] avaliação de política pública é um dos instrumentos de aperfeiçoamento da gestão do Estado que visam ao desenvolvimento de ações eficientes e eficazes em face das necessidades da população. (ibid).

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Políticas Públicas Segundo Belloni, Magalhães e Souza (2000, p. 14), é preciso ter claro a atividade a ser avaliada, o que não se trata de comparar metas com o alcançado, mas sim: •• os processos de formulação e desenvolvimento; •• as ações implementadas ou fatos ocorridos; •• assim como os resultados alcançados; •• histórica e socialmente contextualizados.

Para compreender o espaço da avaliação de políticas públicas, por referência aos seus respectivos sistemas, reportamo-nos a Agnoni (2002, p. 27): Finalmente, ocorre a avaliação da política, quando os resultados – entendidos como produtos e metas definidos e esperados num âmbito mais restrito – e os impactos – entendidos como produtos sobre um contexto mais amplo e muitas vezes não esperados ou desejados – decorrentes de sua implementação são comparados com o planejado. Ou, no limite, quando a formulação se dá de forma totalmente incremental, aprovado através de um critério de satisfação dos interesses dos atores envolvidos.

É o grau de racionalidade na fase da formulação e o estilo de implementação que definem como irá ocorrer a avaliação. No extremo racional, em que existe uma intencionalidade da mudança de um determinado sistema, a avaliação é condição necessária. É por meio dela que o trânsito do sistema de uma situação inicial para outra situação, tida como desejada, pode ser promovida. É a avaliação que aponta as direções de mudança e as ações a serem implementadas num momento ulterior. Após a implementação dessas, e a avaliação dos resultados alcançados, é que, literalmente, serão propostas novas ações que levarão o sistema a aproximar-se do cenário desejado.

Seção 4 Roteiro de análise de políticas públicas Um dos processos fundamentais quando tratamos de política pública está relacionado ao acompanhamento e avaliação da efetividade, dos resultados e impactos que elas têm gerado em benefício da população. Os recursos públicos precisam ser bem aplicados, os planejamentos e orçamentos públicos bem

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Capítulo 4 gerenciados, visando à ampliação do acesso aos direitos e ao desenvolvimento sustentável para Municípios, Estados e País. Tomando por inspiração as metodologias genericamente utilizadas em pesquisa qualitativa, apresentamos, a seguir, a proposta de um roteiro, possível e já testado em trabalhos acadêmicos de graduação em Administração Pública, para pesquisa avaliativa sobre uma política pública:

4.1 Introdução a. Delimitação do tema: Identifique qual o tipo de política que será analisada, conceituando-a genericamente. Contextualize a temática. b. Objeto de estudo: Especifique qual o recorte da política selecionada que será analisado (aqui seria como passá-la por um funil e delimitar o pedaço dela que você vai estudar: pode ser sobre um grupo populacional específico, uma região, um problema exclusivo). Defina quais as dimensões (aspectos) do objeto que você tem interesse em pesquisar. c. Problemática: Pode-se definir uma problemática mostrando a distância existente entre as referências conceituais e o como deve ser uma política versus como ela se apresenta na realidade. Devese explicitar qual o problema que tem essa política que justifique seu estudo e qual a importância social do problema. d. Questão de pesquisa: A quais perguntas sua pesquisa avaliativa vai responder? O que se pretende encontrar com a pesquisa. Sintetize as questões acima enunciadas, entre outras que julgar pertinentes, em uma única pesquisa. Se aqui você detalhar muitas questões, após sintetizá-las em uma única questão de pesquisa, você pode transportá-las para o seu roteiro-guia (item 3.2.2). e. Pressupostos: Que resposta(s) você acha que vai encontrar à sua questão de pesquisa. Reporte-se à sua fundamentação teórica para formular seus pressupostos. f. Objetivos: Objetivo geral: 1) diga o que pretende atingir com o trabalho. Objetivos específicos: 1) detalhe sequencialmente cada passo que vai ser realizado; 2) verifique se o conjunto dos objetivos específicos dá conta do objetivo geral.

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Políticas Públicas

4.2 Fundamentação Histórico-Conceitual a. Políticas públicas b. A política X no Brasil e em Santa Catarina c. A política municipal de X

4.3 Metodologia a. Tipo de estudo (trata-se de um estudo qualitativo na forma de uma pesquisa avaliativa). b. Coleta de dados c. Técnicas de coleta de dados d. Análise documental (serão levantadas informações secundárias oficiais). e. Entrevistas (serão entrevistados um ou dois informantes-chave no processo de formulação e/ou execução e/ou avaliação da política estudada). f. Observação direta (você assiste a alguma reunião (ou algumas reuniões) realizada em função do processo político que você está estudando, participa de algumas ações desenvolvidas e anota as suas impressões ou observações diretas sobre o mesmo). g. Roteiro-guia de levantamento dos dados: Aqui você elabora o seu roteiro-guia sobre quais informações você quer obter a respeito da política X que está sendo analisada. Esse é um dos passos mais importantes de nossa proposta para evitar que primeiro você levante o que lhe aparece como disponível e deixe de ir atrás do que realmente pode ser muito mais relevante para a sua análise. De onde vem a definição conceitual do que você precisa levantar de dados e informações? Da sua fundamentação teórica e pressupostos. Assim, se lá você afirmou que as políticas públicas atendem a necessidades sociais, aqui no seu roteiro-guia deve constar: a) A quais necessidades sociais esta política X está atendendo? b) Como foram definidas essas necessidades? Depois você vai comparar esse dado com o que você teoricamente afirmou sobre como se definem necessidades sociais. Mesmo sabendo que em cada política e cada contexto, esse seu guia para levantar as informações é diferente, vou agora ilustrar essa afirmação indicando apenas algumas sugestões:

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Capítulo 4

Qual instituição ou organização coordena a política X no seu município? Como ocorre a descentralização da política nacional X e política estadual X em relação à nossa política municipal X? Que parcerias existem para a execução da política X? Qual a efetividade social dessa política? Que participação social existe durante os processos de formulação, execução e avaliação nessa política? Existe um Plano Municipal da política específica que está analisando: como está organizado o planejamento da execução do trabalho. Existe coerência entre o planejado e o executado? Que orçamento está destinado para esta política pública? Tem Conselho Municipal? Ele funciona regularmente?

Você vai estruturar a forma de organização dos dados levantados, a partir do desenho do seu roteiro-guia, pois são as informações daqui derivadas que você vai levar como resultados da pesquisa (item 4) que aqui denominamos como “A análise da Política X”. h) Indicativos para a análise dos dados: a) Relevância e adequação. b) Coerência e compatibilidade.

4.4 Análise da Política X Neste espaço, você vai organizar os dados coletados e construir sua análise sobre a política pública avaliada. Destaque os seguintes aspectos: a) Metodologia utilizada para aproximação da realidade, coleta dos dados e informações sobre a Política Pública avaliada. b) Descrição e análise da realidade estudada (você poderá detalhar itens conforme seu interesse, destacando como avançou na sequência numérica de itens existentes no roteiro elaborado e aplicado).

4.5 Considerações Finais a) Elaborar uma síntese concluindo a que conclusão chegou à análise realizada. b) Apreciar como foi o alcance de cada objetivo. c) Explicitar se os pressupostos foram confirmados. d) Sugestões e recomendações.

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4.6 Referências Apêndices Material produzido pelo aluno – por exemplo, instrumento de coleta de dados.

4.7 ANEXOS Documentos que foram consultados e que tiveram relevância no trabalho.

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Capítulo 5 Ética e Direitos Humanos Georgia Maria Ferro Benetti

Habilidades

Conhecer o desenvolvimento histórico dos Direitos Humanos, tanto em âmbito internacional como nacional. Compreender Direitos Humanos e sua relação com as Políticas Públicas.

Seções de estudo

Seção 1:  Introdução aos Direitos Humanos Seção 2:  Direitos Humanos: um projeto em aberto Seção 3:  Direitos Humanos e Políticas Públicas

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Capítulo 5

Seção 1 Introdução aos Direitos Humanos Dizem que definir direitos humanos é uma tarefa difícil, em parte porque esse grupo de direitos se constitui tanto no campo da razão quanto no da emoção. Pensando nisso, cheguei à conclusão que não haveria problema em abrir o texto falando diretamente com a emoção. Enquanto estava pesquisando para escrever este capítulo, algum texto que resgatou do fundo da minha memória a música “Comida” (Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Brito, 198...). Parece mesmo que ela tem bastante relação como o tema dos direitos humanos, convido você para refletir comigo: Bebida é água! Comida é pasto! Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?... A gente não quer só comida A gente quer comida Diversão e arte A gente não quer só comida A gente quer saída Para qualquer parte... A gente não quer só comida A gente quer bebida Diversão, balé A gente não quer só comida A gente quer a vida Como a vida quer... (...) A gente não quer só comer A gente quer comer E quer fazer amor A gente não quer só comer A gente quer prazer Prá aliviar a dor...

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Políticas Públicas

1.1 O que são direitos humanos? Por que protegê-los? Olhando para o labirinto da história Neste capítulo, partiremos da ideia de que a perspectiva dos Direitos Humanos (DH) é um modo particular de reconhecer o que é ser humano e de estabelecer uma relação pessoa-governo que vai além das ordens constitucionais nacionais e da abrangência dos Estados. Direitos Humanos são direitos civis, políticos, econômicos, sociais ou culturais de todos os seres humanos, independente das suas condições particulares ou individuais. São direitos que se pretendem universais e gerais dos quais nenhuma pessoa poderá ser excluída, em nenhuma condição ou situação. Também é importante dizer, logo no começo, que tais direitos são mais do que apenas doutrina registrada em documentos, pois “baseiam-se numa disposição em relação às outras pessoas, um conjunto de convicções sobre como são as pessoas e como elas distinguem o certo e o errado no mundo secular.” (HUNT, 2009 p. 25). Apesar de ser possível apresentar uma definição sobre Direitos Humanos logo nos primeiros parágrafos do capítulo, não devemos pensar que a pergunta estampada no título é fácil de responder. Tenham em mente que existe uma pluralidade de entendimentos acerca do que sejam Direitos Humanos. O projeto desses Direitos vem se difundindo pelas nações da terra e ganhou grande importância na política internacional, mas está marcado por profundas contradições. A questão é tão antiga que se formos buscar origens para o seu surgimento, seremos desafiados pelos labirintos da História, das tradições filosóficas e do desenvolvimento da teoria política. Seremos remetidos à antiguidade clássica, as leis que não foram escritas e ao pensamento dos primeiros filósofos. Passaremos também por guerras e conflitos Europeus ocorridos há séculos, que levaram a refletir sobre a importância da democracia e assim chegamos à contemporaneidade. Passaremos por movimentos históricos que autorizam e depois desautorizam certas práticas como legais, passando a condená-las, como é o caso da tortura introduzida como método judicial e depois abolida nos anos 1700. A perspectiva histórica de análise do tema é importante, mas também é longa e complexa. Conforme Hunt (2009), o tema dos direitos humanos está tão ligado a nossa própria história que a história dos direitos humanos pode se confundir com a da humanidade. Sendo assim, não será possível esgotá-la nesse breve capítulo. Mesmo assim, pretendo que fiquem motivados a conhecê-la em outro momento, recorrendo a fontes de informação complementares e se dedicando às atividades propostas pelo tutor da unidade de aprendizagem. O assunto é polêmico e a reflexão sobre ele remonta à antiguidade. A tragédia grega Antígona, de Sófocles, já trazia questões políticas que hoje são tratadas no

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Capítulo 5 projeto dos Direitos Humanos, sendo frequentemente utilizada como referência pelos autores que tratam do tema. Um trecho da tragédia mostra a personagem Antígona fazendo frente ao que pode ser considerado um excesso de poder do rei Morto Polícines, irmão de Antígona, numa batalha contra o reino de Tebas, o rei Creonte baixa um édito determinando que o corpo do traidor fique insepulto, para ser devorado pelos cães e abutres. Revoltada, Antígona enterra o irmão. É presa pelos soldados do rei e levada a sua presença, que indaga: “sabias que um édito proibia aquilo?” Antígona responde que “sabia. Como ignoraria? Era notório.” O rei então indaga “Como ousastes desobedecer às leis?”, ao que Antígona por fim responde: Mas Zeus não foi o arauto delas para mim, nem essas leis são as ditadas entre os homens pela Justiça... e nem me pareceu que tuas determinações tivessem força para impor aos mortais até a obrigação de transgredir normas divinas, não escritas, inevitáveis; não é de hoje, não é de ontem é desde os tempos mais remotos que elas vigem, sem que ninguém possa dizer quando surgiram (VIEIRA, 2002)

Antígona traz à tona a ideia de direitos naturais. Os direitos naturais podem ser considerados precursores dos direitos humanos. São direitos que podem não fazer parte da lei escrita ou positivada, mas que dizem respeito à natureza humana e por isso seriam hierarquicamente superiores aos que são elaboração humana. Antígona também vai questionar as fontes do direito e fazer pensar que a lei deve ter outra origem que não o poder constituído. O texto de Antígona expressa uma ligação entre natureza e divindade. O trecho “mas Zeus não foi o arauto delas para mim” caracteriza bem a ligação entre divino e direitos naturais que era bem aceita na antiguidade. Essa ligação foi sendo abandonada com o passar do tempo e ao longo do texto vamos ver que os deuses foram substituídos pela razão como principal fonte de direitos, de modo que o desígnio divino foi perdendo espaço para a vontade humana, até que os direitos pudessem vir a ser compreendidos como construção humana e produto de um processo de emancipação política. Conforme Vieira (2002), [...] ao buscar dar outro fundamento de validade ao direito, que não o poder, Antígona vacila entre a transcendência divina e a Justiça, que também é uma deusa. Ao fundar os direitos na autoridade divina e colocá-los como entidades atemporais, Antígona pressupõe a crença e a própria existência de deuses.

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Políticas Públicas Muito embora este tipo de argumento tenha sido aceito por um longo período da história, principalmente durante aquele período em que prevaleceu no ocidente o domínio quase que absoluto do cristianismo, este direito de origem divina perde o seu principal suporte numa sociedade dominada pelo racionalismo.

Ainda assim, a tragédia citada lança um dos pilares dos direitos humanos, a ideia de que existem “direitos legitimamente atribuíveis a todo homem em função de sua humanidade”. Conjunto esse que tem fundamentos éticos e jurídicos universais, com valor superior às leis e governos, cuja função principal seria proteger e fazer valer esse grupo de direitos. (GIACOIA JUNIOR, 2008). O estudo desse pequeno trecho de Antígona nos permite destacar características importantes do pensamento acerca do que seja direitos humanos: •• todas as pessoas são igualmente titulares deles pelos singular fato de serem humanos; •• são ligados à natureza humana e por isso são dotados de universalidade, ou seja, estensíveis a todos e superiores ao poder constituído. Na base da elaboração do projeto de direitos humanos está a ideia de que há algo comum a todos os humanos e que isso os torna, como grande grupo, sujeitos de direitos específicos. As ideias de igualdade e universalidade contidas nessa linha de pensamento estabelecem um fundamento ético claro: o caráter universal de tais direitos é sutentado por um fundamento natural que define o que é ser humano. Entretanto, as mesmas ideias deixam em aberto questões que serão mais tarde desenvolvidas só mais tarde: O que é uma pessoa? Quem são todos? Embora tenham origem comum, o conjunto de fundamentos baseado nos princípios de igualdade e a universalidade que reúne o caráter natural dos direitos humanos não se desenvolveu de modo equilibrado. Hunt (2009) diz que direitos humanos requerem três qualidades encadeadas: devem ser naturais (inerentes nos seres humanos), iguais (os mesmos para todo m u n d o ) e universais (aplicáveis por toda parte). Para que os direitos sejam direitos humanos, todos os humanos em todas as regiões do m u n d o devem possuí-los igualmente e apenas por causa de seu status como seres humanos.

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Capítulo 5 A autora argumenta que a qualidade natural dos direitos humanos foi mais bem aceita do que sua igualdade e universalidade. É fato que na antiguidade clássica já se pensava na existência de uma igualdade essencial à humanidade, não importando sexo, raça, religião, costumes, mas esse pensamento jamais se estendeu para a vida política ou jurídica com igualdade entre todos. Um breve olhar para a história da humanidade faz notar que os sitemas de governo que sucederam a democracia antiga foram marcados pelos privilégios, exclusões e desigualdades. Hunt (2009) elabora algumas questões que nos ajudam a notar algumas das desigualdades que ainda persistem atualmente: Qual a idade ideal para começar a participar da vida política? De que direitos constitucionais podem participar emigrantes? E assim por diante. A luta pela igualdade e universalidade ainda está sendo travada na época contemporânea, enquanto que o fundamento natural passa por autoevidente. Hunt (2009) argumenta que um fundamento autoevidente trabalha com a emoção, relaciona-se com algo que “ressoa dentro do indivíduo”, mas que também é largamente compartilhado por outros, produzindo convicções arraigadas. A história da humanidade está pontuada por episódios em que “uns são mais iguais que outros”, ou seja, em que grupos específicos foram privilegiados em função de diferentes situações, como nascimento, crença religiosa ou poder econômico. Nikken chega a afirmar que a história universal tem sido mais relacionada à ignorância do que à proteção dos direitos dos seres humanos frente ao poder. Por vários séculos, os poderes constituídos se exerceram sem muitas limitações. Escravidão e tortura eram práticas recorrentes, apoiadas por fundamentos legais e religiosos. Mas no período compreendido entre o final do século XVII e início do século XVIII ocorre o que pode ser chamado de uma suspensão de privilégios. O privilégio, que era fonte de direitos, passa a ser oposto à ideia de direitos, esse é um ponto de virada do direito natural para os direitos humanos e de encontro entre os direitos naturais e dos cidadãos diante do poder público. A substituição de um sistema de privilégios por um de direitos parece ser socialmente vantajosa já que, pelo menos no plano dos ideais, “enquanto os privilégios constituem proteção de interesses de um determinado grupo ou classe, os direitos se apresentam como algo que deve a todos proteger. (...) Os direitos tendem a estabelecer relações horizontais e de reciprocidade, em contrapartida com as relações verticais e hierarquizadas (...) decorrentes por um universo regulado por privilégios”. (VIEIRA, 2002). Ao tratar da história constitucional do ocidente, Nikken ensina que é inglês o primeiro documento significativo a estabelecer limites jurídicos ao exercício do poder de estado: a Carta Magna de 1215. Para o autor, junto ao Habeas Corpus de 1679 e o Bill of Rights de 1689, forma o conjunto considerado precursor das

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Políticas Públicas modernas declarações de direito, já que não se baseiam em direitos inerentes à pessoa, mas tem foco em conquistas sociais. Ou seja, eles não tratam de direitos de cada pessoa, mas sim de direitos do povo e estabelecem deveres para os governos em relação aos seus cidadãos. Ainda para Nikken, as primeiras declarações concretas de direitos individuais e que alcançaram amparo legal foram Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776 e Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Vamos nos concentrar em um artigo da Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776, editada na emancipação das treze colônias norte-americanas. Segundo Hunt (2009), durante a independência americana, Thomas Jefferson registra contestação contra injustiças políticas em um documento que viria a ser considerado a primeira lista e “proclamaçao persistente dos direitos Humanos”. O artigo I da declaração de independência americana tem a seguinte redação: Consideramos estas verdades autoevidentes, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo seu Criador de certos Direitos inalienáveis, que entre esses estão a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade.

Esse artigo é extremamente importante porque significa a eliminação dos privilégios relacionados ao nascimento, que fundamentavam os sistemas de governo monárquicos, detentores do poder das nações do mundo ocidental e resgatam a ideia de universalidade e caráter natural dos direitos. Cabe também lembrar aqui que privilégio e direito se opõem, já que o privilégio está reservado a pessoas ou grupos específicos, enquanto os direitos devem atingir a todos. Ideias semelhantes circularam na França e contribuíram para que ocorresse a queda da monarquia absolutista que a governava. Cerca de treze anos depois da independência americana, ocorre a Revolução Francesa, durante a qual se acalentou a ideia de que os seres humanos são sujeitos de direitos e por isso podem ser reunidos em uma universalidade. Assim sendo, são também superiores às organizações estatais e jurídicas. O conflito francês culminou na redação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, cujo primeiro artigo é “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.” Essas declarações são apenas exemplos de centenas de outros documentos semelhantes que não serão enumerados na redação deste texto, embora o seu conhecimento seja interessante para a compreensão do tema. Logo, o destaque dado no texto para esses poucos documentos não é aleatório, à medida que marcaram uma revolução no pensamento político e reconheceram todos os seres humanos como iguais em dignidade e direitos.

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Capítulo 5 Sua publicação como declaração de direitos comprometeu os Estados com o respeito e a proteção dos princípios neles contidos, já que todo sistema de direitos cria obrigações formais para sistemas, organizações e pessoas. O que significa ter um direito? Temos direitos a coisas distintas, como à propriedade, à liberdade de expressão, ao voto, à educação ou à saúde, à prestação jurisdicional. Esses direitos podem aparecer formalmente como: direito-pretensão, liberdade, poder, ou imunidade, gerando, por sua vez, obrigações correlatas em terceiros, na forma de: dever, não direito, sujeição e incompetência. (...) Portanto, para cada um desses direitos existirão distintas formas de deveres. Nesse sentido é muito difícil falar em direito sem imediatamente pensar em uma obrigação ou em um dever, que pode significar simplesmente o dever de se abster de uma determinada conduta (não torturar), como na obrigação de fazer algo (obrigação da polícia de investigar um caso de tortura). Destaque-se, ainda, que para cada um desses direitos há distintas pessoas ou instituições que estarão obrigadas a respeitá-los. Há direitos que obrigam apenas uma pessoa, como os derivados de um contrato. Outros obrigam o Estado, como o direito à educação básica, expresso em nossa Constituição. Há direitos, por sua vez, que criam obrigações universais, ou seja, que obrigam a todas as pessoas e instituições. O direito a não ser torturado, como reconhecido por diversos instrumentos, entre os quais a Convenção Contra a Tortura, é um bom candidato a essa categoria. (VIEIRA, 2002)

Além disso, esses documentos contêm um princípio ético conforme o qual não é licito exercer poder de qualquer modo, mas o poder deve exercer-se a favor das pessoas e dos seus direitos e nunca contra eles. Nesse sentido, Hunt (2009, p 20) cita Thomas Jefferson: “Eu lhes felicito, colegas cidadãos, por estar próximo o período em que poderão interpor constitucionalmente a sua autoridade”. A partir do final do século XVII passa a existir uma restrição ética, política e jurídica para o exercício do poder público, que é então colocado sob a condição de proteger e garantir a dignidade humana. Nesse ponto, o fundamento da dignidade humana passa a ser central na compreensão que representa o entendimento contemporâneo de direitos humanos. Para Oliveira (2010), eles são um rol de direitos elementares para que o homem viva dignamente e tenha possibilidade de desenvolver amplamente suas potencialidades físicas ou intelectuais e por estarem intrinsecamente ligados à existência humana, que é um processo complexo de evolução, tais direitos não permitem uma conceituação descontextualizada. Ou seja, não basta nomear um direito humano, mas é preciso avaliar se o conteúdo de determinado direito se destina à proteção da dignidade da pessoa humana “sob uma ótica ético-valorativa e em determinado contexto histórico”.

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Políticas Públicas Nesse trecho do texto, chegamos ao momento de retomar a pergunta: O que é uma pessoa? Ou melhor, quem é uma pessoa? Conforme Comparato (2010), o conceito de pessoa teve várias fases, primeiro a igualdade humana se organizaria em torno da liberdade e da razão, mais tarde passou a se fundamentar no conceito de espécie e ganhou fundamento biológico e status de lei natural. A derivação de direitos desse ente abstrato chamado razão vem sofrendo várias críticas, não vou desenvolver essa discussão aqui, mas apenas registrá-la para que possamos melhor compreender o desenvolvimento dos fundamentos éticos dos DH. O filósofo Kant opõem eticamente pessoas e coisas e sedimenta os princípios da dignidade da pessoa humana, ao afirmar que todos os seres racionais são fins em si mesmos e por isso não podem ser utilizados como meios ou coisas. Para Kant, as pessoas teriam valor absoluto fundado na sua dignidade, enquanto as coisas teriam valor relativo firmado em termos de um preço. As pessoas são únicas, valem por sua individualidade, não têm equivalente e por isso não podem ser substituídas ou trocadas por outrem, como é possível fazer com as coisas. Depois, será somada a essas percepções a ideia de que as pessoas são dotadas de vontade, aí será incluída a liberdade como princípio ético. A compreensão da reflexão filosófica acerca do conceito de pessoa é fundamental para entender o projeto dos Direitos Humanos. Não só porque esse conceito é um dos pressupostos que lhes dá base ética, mas também porque “ser reconhecido como pessoa” é um dos diretos declarados na DUDH. Ser reconhecido como pessoa significa algo que não é exatamente igual a ser humano Art VI Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.

Desse reconhecimento como pessoa, decorrem dois pontos importantes relacionados aos Direitos Humanos. O primeiro ponto é que esse conjunto de direitos opera segundo o pressuposto de que cada pessoa é única, e uma vez que desapareça não pode, portanto, ser substituída, e a perda ou a ofensa à integridade física de uma pessoa não é passível de reparação material. Essa concepção refere-se diretamente ao princípio da dignidade substancial da pessoa diante da qual especificidades individuais e grupais são secundárias. Conforme Comparato (2010), o princípio da dignidade substancial da pessoa foi absorvido, no período pós-guerra, pelas constituições de vários países e deu origem a uma série dilemas éticos. Alguns dos principais vão girar em torno da pergunta: Quando começa a vida do ser humano? A partir dela vão se desdobrar uma série de polêmicas dos dias atuais, que têm relação com células tronco, embriões, aborto, entre outros.

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Capítulo 5 Vários desses dilemas vão envolver novamente a dimensão corporal, algumas correntes de pensamento dizem que o ser humano só passa a existir como tal quando está fora do corpo de sua mãe, entretanto, mesmo sendo um “projeto de pessoa” é titular dos direitos que lhe serão legítimos, quando for efetivamente uma pessoa. Outra questão problemática a ser considerada a partir das revoluções liberais é que a igualdade de direitos não trouxe igualdade social. Para Vieira (2002), a igualdade defendida por Jefferson escondia uma construção ética, ela não se referia à igualdade de condições materiais, mas sim à igualdade moral. De fato, o modelo econômico que se instalou a partir do final do século XVIII, com a Revolução Industrial, gerou profundas desigualdades sociais. Conforme Hunt (2009), igualdade e universalidade não bastam para legitimar os direitos humanos. Eles não tratam da humanidade em seu estado natural ou selvagem, mas precisam estar inseridos no contexto da vida social e devem ganhar conteúdo político. A autora chama a atenção para como a ideia de “todos os homens” foi, a princípio, limitada e muitos foram excluídos da vida política [...] as crianças, os insanos, os prisioneiros ou os estrangeiros eram incapazes ou indignos de plena participação no processo político, pois pensamos da mesma maneira. Mas eles também excluíam aqueles sem propriedade, os escravos, os negros livres, em alguns casos as minorias religiosas e, sempre e por toda parte, as mulheres (HUNT, 2009, p. 16).

Essa exclusão dirigiu-se àqueles que não eram vistos como capazes de plena autonomia moral, portanto baseou-se em um fundamento ético relacionado à razão. Para ser moralmente autônoma, a pessoa precisaria ser capaz de raciocinar e livre para decidir. Assim, todos os dependentes e os com raciocínio não funcionando a plena capacidade foram excluídos da vida política. Outro ponto a destacar é que o princípio de liberdade citado pelos DH envolve também a liberdade de escolha, o que coloca os seres humanos como fonte da ética. Em adição aos direitos naturais, as desigualdades sociais observadas levaram à necessidade política de garantir direitos com conteúdo social, como os relacionado à educação e ao trabalho, por exemplo. Nessa linha observou-se a atribuição de direito fundamental aos Direitos trabalhistas na Constituição Mexicana de 1917 e a Declaração dos Direitos do Povo e do Trabalhador Explorado, editada na Rússia, em 1918, antes do término da Primeira Guerra Mundial. (OLIVEIRA, 2010). Embora se fundamentasse em universalidade, a questão dos direitos naturais vinha sendo historicamente tratada em esferas mais locais e se limitava ao estado

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Políticas Públicas e seus nacionais. Passaram-se dois milênios depois desde Antígona até que uma organização internacional com representantes de quase todos os países da terra viria a declarar a igualdade da humanidade em um documento que estabelece fundamentos a serem adotados em todo o globo terrestre. (COMPARATO, 2010). Autores relatam que após períodos de opressão e sofrimento, vê-se aflorar uma nova sensibilidade ética nas comunidades políticas. A internacionalização dos direitos humanos parece estar relacionada a isso, ocorreu na década de 40 do século XX, motivada pelo fim da Segunda Guerra Mundial. Naquela época houve em reação ao nazi-fascismo, em um movimento de regulamentação internacional de direitos básicos, relacionados à manutenção da paz mundial, coordenado pela recém constituída Organização das Nações Unidas (ONU). Do ponto de vista ético, essa atitude pode se identificar com o impulso ético que conduz o movimento das ações humanas no sentido do bem ainda não alcançado. Como um dos resultados desse trabalho, a Assembleia Geral da ONU proclamou, na data de 10 de Dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), documentada pela Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral. Viera (2002, grifo nosso), faz interessante análise da carta, que transcrevo resumidamente O fundamento Kantiano aparece logo no preâmbulo da Declaração ao estabelecer que o “reconhecimento da dignidade e dos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana é o fundamento da liberdade, justiça e paz no mundo”. Foram reconhecidos pela Declaração especialmente direitos civis. Do artigo 1º ao 20 temos vemos aqueles direitos que foram moldados a partir dos séculos XVII e XVII, pelas revoluções liberais, porém com uma nova linguagem, especialmente no que se refere a não discriminação de qualquer natureza. No artigo 21 são reconhecidos os direitos políticos e do 23 ao 27 os direitos econômicos sociais e culturais. O artigo 28 trata da solidariedade internacional, o 29 dos deveres para com a comunidade e o 30 é uma cláusula interpretativa.

Essa declaração é considerada o marco dos DH na era contemporânea, já que por intermédio dela as nações do mundo se comprometeram a promover proteção universal dos direitos humanos. A ideia foi acolhida pelos quatro cantos do mundo, conforme a ONU (...) a DUDH está disponível em 360 idiomas e é atualmente o documento mais traduzido do mundo, o que indica a expansão global do projeto dos direitos humanos. O documento elaborado pela ONU inicia com um preâmbulo onde são listadas várias considerações que justificam a proclamação da resolução. Vejamos um importante fragmento do texto que auxiliará a compreender o tema:

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Capítulo 5 Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum. (ONU, 1948, p.1).

Os “atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade”, mencionados no texto, foram os praticados durante a Segunda Guerra Mundial pelo exército nazista. A segunda guerra envolveu violação dos direitos humanos, baseada na ideia de que os titulares de direitos na Europa seriam apenas os pertencentes à raça ariana. As principais vítimas dessa guerra foram nacionais vitimados pelo seu próprio estado, “no período que vai de meados dos anos 30 até o final da II Guerra morreram cerca de 45.000.000 pessoas. Mais da metade desses mortos não foram soldados vitimados em combate, mas civis mortos pelos seus próprios Estados”. (VIEIRA, 2002). Um dos fatos mais espantosos acerca das violações praticadas na segunda guerra é que elas foram amparadas pelo “manto da lei”. Os governos nazi-fascistas se utilizaram de dispositivos políticos como o Ato de Habilitação alemão, que conferiram amparo legal às violências que praticaram. Isso revelou o quanto pode ser frágil a proteção que os cidadãos recebem de seus próprios países, o quanto as ordens constitucionais não eram suficientes para oferecer proteção às populações e, portanto, era necessário que alguma ordem exterior ao estado protegesse as pessoas. Racial Ao longo da história, podemos identificar várias construções de preconceitos raciais fundamentadas em quesitos que nada tem a ver com a definição de raça, tais como superioridade econômica, militar, científica e assim por diante. Note-se que nesses casos a identificação racial era feita com base em características de aparência física.

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A questão da Segunda Guerra é de exposição longa e complexa, que não pode ser esgotada nesse capítulo, mas em uma perspectiva superficial e resumida, pode-se dizer que a ideia nazista de unidade étnica deu origem ao preconceito racial que excluiu certas pessoas de sua humanidade, tornado-as indesejáveis e descartáveis. Principalmente os pertencentes às raças consideradas sub ou parasitas. Aliada ao nacionalismo alemão, a concepção de unidade étnica configurou o movimento político nazista e deu fundamento para o projeto expulsão, confinamento e extermínio dos que não se enquadrassem, em função de suas características raciais, crenças religiosas, orientação sexual, estado de saúde mental e outras particularidades.


Políticas Públicas O Estado nazista se utilizou do direito, e por intermédio do direito conseguiu liquidar grupos raciais, religiosos e dissidentes políticos, numa escala assustadora (Vieira, 2002.) A consequência do nazismo alemão foi o extermínio de milhões de pessoas, depois de terem sido mantidas aprisionadas em campos de concentração, passando fome, sem condições mínimas de higiene e sendo submetidas a torturas e experimentos que envolviam manipulação de seres humanos, de maneiras que hoje não são aprovadas eticamente. Esse extermínio em massa, chamado Holocausto nazista, envolveu prática de atos bárbaros, tão atrozes, que levaram a comunidade mundial a buscar um meio de garantir que algo semelhante jamais se repetiria. O surgimento de sensibilidade ética diferente após episódios violentos é mencionado por Comparato (2010 p.50) como grandes de afirmação da dignidade humana ao longo da história, em consequência de dor física e sofrimento moral. [...] a compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos, no curso da História, tem sido, em grande parte, o fruto da dor física e do sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o remorso pelas torturas, as mutilações em massa, os massacres coletivos e as explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos.

A mudança de sensibilidade em relação à dor e ao sofrimento alheio é importante ponto de discussão relacionado ao projeto dos direitos humanos. Muitos autores defendem que fatores emocionais como a capacidade de identificação e empatia influenciam a consciência moral e promovem mudanças as quais têm relação com a erradicação de práticas violentas e dolorosas que foram e são coordenadas por organizações representantes da ordem estatal. Isso daria justificação emocional aos direitos humanos, considerada legítima por uns e criticada por outros que seguem defendendo a necessidade de uma justificação racional desses direitos. Comparato (2010) ensina que embora tenha sido uma reação ao final da segunda guerra, a DHDU incorporou as ideias de outros movimentos políticos que vinham ocorrendo e que visavam à luta contra a escravidão, à proteção dos direitos humanitários e à proteção dos direitos do trabalhador, sendo que além desses também contemplou outros tipos de direitos humanos, como os dos povos e da humanidade. Conforme Oliveira (2010), o período pós-segunda Segunda Guerra Mundial pode ser considerado como o início de uma fase de fundamentação e justificação

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Capítulo 5 dos direitos humanos, que se consolidou com a positivação de tais direitos em inúmeros tratados internacionais e em várias constituições de diferentes nações, bem como na produção de jurisprudência internacional. Porém, depois do final da Segunda Guerra Mundial ainda persistiram e surgiram estados totalitários em diferentes localidades do globo e diferentes tempos históricos que se organizaram com políticas e ações contrárias aos DH. São exemplos disso, a ditadura de Stalin, as ditaduras na América Latina, entre outros. Abordar a questão dos direitos humanos no Brasil mereceria um capítulo próprio. Até os anos oitenta, o Brasil permaneceu à margem do sistema internacional de DH. Somos uma democracia jovem e passamos por uma ditadura militar na qual foram praticadas várias violações de direitos. Mas a constituição brasileira de 1988 foi pródiga na incorporação do projeto dos direitos humanos, ao passo que incorpora os direitos internacionais, dando a eles status de direitos constitucionais. Com base nisso, é possível dizer que no século XXI a principal preocupação da causa dos DH passa a ser a implementação e a real proteção desse grupo de direitos. Para Oliveira (2010) a implementação dos DH abrange a observância, promoção e repressão às violações e o processo de implementação está amparado por um sistema que abrange sistemas regionais e um sistema internacional global, alicerçado na já mencionada DUDH e na Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Internacional sobre Direitos Sociais, Culturais e Econômicos. Esses dois últimos documentos são também chamados respectivamente de pacto dos direitos civis e políticos e pacto dos direitos sociais, econômicos e culturais, ambos datando de 1966. Os sistemas global e regional são considerados complementares. Conforme Nikken, os Direitos Civis e Políticos constituem a primeira geração de direitos humanos e tutelam a liberdade, a seguridade, a integridade física e moral, bem como o direito de participar da vida pública. Já os dos direitos sociais, econômicos e culturais, são chamados de segunda geração de direitos humanos, e se referem à existência de condições de vida, acesso a bens materiais e culturais, em termos adequados à dignidade humana. O caráter global reivindicado pelos DH estabelece um dilema de origem, que é construir perspectivas universais em um mundo tão diverso e plural, como o que vivemos, e traz consigo uma tensão permanente entre normas que são locais e particulares e as normas que possam atingir a todos. O caráter universal do projeto de Direitos Humanos o coloca em posição hierárquica de superioridade a quaisquer práticas ou costumes locais, particulares e culturais, que desrespeitem seus princípios.

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Políticas Públicas Direitos Humanos são fortemente ligados a valores a pressupostos carregados de subjetividade e marcados por aspectos culturais. É um conjunto de garantias que se baseiam no princípio de que todas as pessoas as merecem por que são pessoas, não importando características particulares como raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião, nem os atos que tenha cometido. Quer dizer que esse conjunto de direitos não pode ser violado nem mesmo nos casos em que uma pessoa tenha violado os mesmos direitos de outra (“olho por olho e o mundo todo ficará cego” Ghandi). São exemplos desse conjunto de garantias o direito de não ser escravizado e não ser torturado, registrados na DUDH: Artigo IV Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas. Artigo V Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante

Seção 2 Direitos Humanos: um projeto em aberto Na seção anterior vimos que a concepção contemporânea de DH tem origem no despertar de uma nova “sensibilidade ética” que se opõem atos praticados em uma época histórica específica. Mas será que a sensibilidade é suficiente para fundamentar o projeto de defesa direitos humanos na atualidade? O tema dos Direitos Humanos envolve várias áreas, sua justificação racional vai do ético ao jurídico, tem interfaces com o Direito Internacional, Constitucional e com questões políticas e sociais. A concepção contemporânea é recente e tem múltiplas interfaces é, portanto, um problema em aberto que demanda reflexão e pesquisa. Uma das interfaces é a reflexão acerca do conceito de pessoa, atualmente entendese que o ser humano é permanentemente inacabado e está sempre em construção. Outra é o movimento das dinâmicas sociais, embora ainda ocorram guerras e conflitos, nenhuma delas envolveu práticas mais cruéis que as observadas nas anteriores e demandassem revisão radical da DHDU. Hoje, o que tem desafiado a compreensão dos DH são as descobertas científicas e tecnológicas.

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Capítulo 5 Por isso, não é possível apresentar quando se trata de construir um edifício ou um automóvel. Devido à natureza do tema, tais soluções talvez nunca venham a ficar disponíveis. Existem pontos bem estabelecidos em relação aos Direitos Humanos, mas eles permanecem em constante mudança para abranger novas situações e carências que venham a se apresentar no curso da história e das dinâmicas sociais, em função do que novos direitos podem ser identificados e incluídos na lista. Conforme Oliveira (2010), a sistemática internacional de proteção aos direitos humanos vem se modificando desde o pós–guerra, com objetivos e preocupações que correspondem as novas formas de violação, as quais foram surgindo ao longo das décadas. Além disso, para a autora, uma dos principais desafios da atualidade que veio a suceder, superando a fase de fundamentação dos direitos humanos, é a implementação prática dos direitos humanos. Um dos pontos que tem se mantido estável é a ideia de que são extensíveis a todos os seres humanos. Na DUDH encontraremos as seguintes redações: Artigo I Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. (...) Artigo IV Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Dizer que existem direitos que são universais e extensíveis a todas as pessoas em qualquer ordenamento jurídico vigente na esfera mundial, requer um projeto ético compatível, que não relativize essa condição. Mas a forte relação com valores que existe na causa dos direitos configura polêmicas. Nas palavras de Hunt (2009), Os direitos humanos não são apenas nina doutrina formulada em documentos: baseiam-se numa disposição em relação às outras pessoas, um conjunto de convicções sobre como são as pessoas e como elas distinguem o certo e o eirado no mundo secular.

Valores são usualmente considerados relativos, já que estão ligados a aspectos culturais, ao passo que os Direitos Humanos abrangem todas as pessoas. Olhando por essa lente está estabelecida uma contradição aparente: o relativismo ético de valores não é compatível com a ideia de universalidade de direitos requerida pela causa dos DH. (Murcho)

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Políticas Públicas Conforme Murcho, a superficial contradição entre a relatividade dos valores que embasam os direitos humanos e a intenção de universalidade de tais direitos pode ser rapidamente desfeita, levando em conta que relativismo cultural e diversidade cultural são perspectivas diferentes, e o estudo da ética pode ajudar a discernir o que é uma boa ação, à medida que estabelece reflexão criteriosa e consequente desenvolvimento de argumentação acerca das razões a favor ou contra determinada conduta. O relativismo de valores (ou relativismo cultural) é uma tese ética, não é uma verdade, mas um modo possível de pensar. Já a diversidade diz respeito aos modos de vida de diferentes culturas. Assumir o relativismo ético equivale a dizer que não é possível estabelecer se uma determinada ação é boa ou má, correta ou incorreta, mas que a possibilidade de atribuir um juízo de valor a determinado ato estará sempre em função de outra referência, como a época histórica, as características individuais e particulares, os modos de viver e de pensar. Por exemplo, se olharmos do prisma do relativismo ético, é correto que as famílias de determinada crença religiosa persigam e matem os membros que de alguma forma envergonharem ou mancharem a honra da família. Esse problema é exclusivo daquela cultura e nenhuma organização internacional poderá dele se ocupar. Ou ainda, se numa cultura se considerar que é moral excluir as mulheres ou os negros da vida política, então é realmente moral fazer tal coisa. Dado que no séc. XIX se considerava isso mesmo na Europa e noutros países, então, era realmente moral fazer isso. É interessante manter ao alcance dos olhos que a perspectiva cultural pode ser algo extremamente positivo, à medida que permite a compreensão do contexto em que determinada situação aconteceu. Já adotar o relativismo ético significa dizer que tudo pode, dependendo do contexto de justificação em que o ato esteja inserido. No relativismo ético, as elaborações culturais assumem primazia sobre a razão e não há fundamento ou argumento que permita avaliar as práticas do modo de vida, como boas ou más, corretas ou incorretas. Com base nos fundamentos do relativismo ético, é impossível fazer crítica baseada em preceito racional à relação entre supremacia étnica e supremacia nacional, que possibilitou o holocausto nazista, por exemplo. Todo o ocorrido estaria justificado como consequência das tendências científicas da época e como resposta à situação de inferioridade que os alemães viviam em relação aos italianos. O relativismo absoluto vem sendo amplamente criticado, esbarra já nos mais elementares limites da lógica. A lógica demonstra que o relativismo cultural é contraditório e impossível. A frase mais clássica que argumenta contra o relativismo absoluto é: “todas as verdades são relativas”. Ora, se todas as verdades são realtivas, essa afirmação não poderia existir, pois ela desenha uma verdade absoluta.

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Capítulo 5 Logo, veremos que não há espaço para relativismo ético na causa dos direitos humanos, existe um projeto ético claro e definido atrelado a ela. Defender a existência de Direitos Humanos é defender a existência de valores éticos que são também universais e inerentes à condição humana. Embora o respeito às diversidades culturais seja amplamente valorizado na causa dos direitos humanos, o projeto ético que a sustenta carrega a ideia de que apenas alguns valores são relativos à cultura, outros dizem respeito à condição humana e devem ser globalmente respeitados, não importando a situação. Esse pensamento traz na sua origem uma posição hierárquica que coloca os direitos humanos acima de outros valores existentes no meio social, e dos costumes. Contudo, essa posição hierárquica nem sempre coincide com as particularidades locais, culturais ou religiosas. A democracia contemporânea opera distinguindo lei e moral, o que significa uma tensão constante entre lei e costume. Para aos preceitos democráticos, defendese que os costumes culturais dos diferentes grupos que compõem as nações não devem equivaler à lei. (SEGATO, 2006). Leis e costumes são distintos, as leis passam por constantes elaborações e transformações, como consequência das disputas entre diferentes grupos de interesse que compõem as sociedades nacionais e a comunidade internacional, já os costumes compõem o patrimônio cultural que deve ser conservado a título de assegurar a riqueza da diversidade cultural. Os estados democráticos de direito podem abrigar, administrar e mediar vários grupos constituídos por costumes e normas que são próprios de cada um. Entretanto, em nome da igualdade, o estado deve sempre ser distinto de cada um dos grupos que o constituem, do contrário estará impondo costumes de grupo dominante aos outros cidadãos. Em Direitos Humanos, trabalha-se com a ideia de que é possível conservar o patrimônio e a diversidade cultural, mesmo com a modificação de alguns valores não compatíveis com o projeto ético que defende a universalidade de alguns valores, os quais deveriam ser aspiração comum de todas as nações da terra. O preâmbulo da DUDH anuncia alguns desses valores: [...] os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla (ONU...p. 2)

Outra concepção importante aportada pela filosofia à causa dos DH é o contextualismo moral, o qual sustenta a possibilidade de privar uma pessoa da

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Políticas Públicas liberdade em algumas situações, como no caso do aprisionamento para cumprir sansão criminal, por exemplo. Também por causa dele é possível suspender garantias em situações especiais, porém, sempre para proporcionar máxima proteção ao indivíduo, como nos casos em que se decreta toque de recolher, por exemplo, ou até mesmo declarar temporariamente ”Estado de sítio”. “Não bastasse o contraditório já inerente ao contextualismo moral, sua aplicação pode estar aliada a conceitos bastante subjetivos, como “ordem pública” ou “ bem comum”. Nesse cenário, a filosofia desempenha importante papel no sentido que pode contribuir para a compreensão de questões que vão sendo abertas pela tensão provocada pelas aparentes contradições inerentes ao campo dos DH. Conforme Murcho a solução de vários problemas sociais requer discernimento, e isso a reflexão filosófica pode ajudar a construir, de modo que seja possível tomar boas decisões sem garantias científicas de que se está fazendo o melhor. Um grande contribuição que pode ser provida pela filosofia é a análise rigorosa dos preconceitos, ajudando a decidir se eles têm fundamento de verdade ou não. Por exemplo, em nível mundial existem conflitos acerca do ideário universalista dos direitos humanos. Vários países orientais vivem com leis que têm fundamento religioso. Embora possam ter conflitos entre eles, unem-se na crítica de que o mundo ocidental pretende arrogar-se de superioridade moral.

Seção 3 Direitos Humanos e Políticas Públicas Conforme (VIEIRA, 2002), a definição de direito não é mecânica, assim como a relação entre direito e obrigação não é automática, mas sim mediada. O fato de ter um direito não gera obrigações e sim razões para que os outros se sintam obrigados em relação a quem possui o direito. Conforme Oliveira (2010), a complexidade do campo abrangido pelos Direitos Humanos pode implicar os Estados na efetivação de certas ações de reparação e proteção, por meio de políticas públicas. Isso quer dizer que a elaboração de certas políticas públicas equivale a importante ação de concretização de direitos humanos. Em uma ordem social que abarca pluralidade de valores e interesses, as políticas públicas podem ser instrumento de mediação entre os direitos existentes e os legítimos interesses sociais.

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Capítulo 5 É passível de nota, que o chamado “século das luzes” coloca a proteção dos direitos sob jurisdição nacional atrelada ao Estado. Contudo, também impõe limites a ele, desconstruindo a concepção de estado que permite compreendêlo como um fim em si mesmo. Às ideias de igualdade, liberdade e dignidade, somaram-se princípios originários da democracia ateniense, conforme os quais os governantes deveriam estar a serviço do povo e não poderiam se servir dessa posição para benefício próprio. Para encerrar, recorro à lição de Nikken. Tratar de direitos humanos é tratar da relação das pessoas com o poder público, em uma perspectiva que mobiliza elementos filosóficos, políticos e históricos. O reconhecimento desses direitos é uma grande conquista histórica para os tempos recentes, requerendo elementos jurídicos e éticos. O projeto dos direitos humanos promove um deslocamento territorial da nossa condição humana. Ela amplia o espectro do território que podemos legitimamente habitar. Em reação aos processos de desnacionalização impingidos a milhões de pessoas durante a Segunda Guerra, o projeto dos direitos humanos nos promove, em tese, de habitantes circunscritos a fronteiras físicas e socioculturais nacionais para habitantes de todo esse planeta.

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Capítulo 6 Cultura, Identidade e Relações Étnico-Raciais Joana Célia dos Passos

Habilidades

Este capítulo tem como objetivo apresentar alguns conceitos que subsidiam as discussões sobre relações raciais no Brasil, assim como discutir o processo de construção das desigualdades entre brancos e negros, traçando um panorama das políticas públicas: educação, saúde e mercado de trabalho.

Seções de estudo

Seção 1:  Ancorando o debate a partir de alguns conceitos Seção 2:  Discriminação racial e estruturação das desigualdades: breves apontamentos históricos Seção 3:  Políticas de promoção da igualdade racial

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Capítulo 6

Seção 1 Ancorando o debate a partir de alguns conceitos Para início de conversa, vamos destacar aqui alguns conceitos que nos permitem compreender o tema em foco: É importante explicitar que partimos da concepção de “raça” como construção histórica, social, política e cultural, produzida nas relações sociais e de poder. Portanto, não estamos falando da existência biológica de raças, mas da existência de práticas sociais racializadas e racistas. Nesse sentido, Guimarães (2002, p. 20) nos orienta que: Raça é um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-se ao contrário, de um conceito que se denota tão somente uma forma de classificação social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupos sociais, e informada por uma noção específica de natureza, como algo endodeterminado.

Práticas essas constitutivas de muitas de nossas experiências cotidianas corriqueiras, quer sejamos negros ou brancos e que se manifestam em toda a sociedade brasileira, no sistema de ensino, da educação infantil à pós-graduação, no mercado de trabalho, no acesso à saúde etc. Em nosso entendimento, o racismo estrutura as desigualdades sociais e econômicas no Brasil e incide perversamente sobre a população negra, determinando suas condições de existência por gerações. A pesquisadora Gomes (2205, p. 52)considera que o racismo é: por um lado, um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes, do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como: cor da pele, tipo de cabelo etc. Ele é, por outro lado, um conjunto de ideias e imagens referentes aos grupos humanos que acreditam na existência de raças superiores e inferiores. O racismo também resulta da vontade de impor uma verdade ou crença particular como única e verdadeira.

O racismo se expressa de duas formas interligadas: a individual, quando os atos discriminatórios são contra outros indivíduos e a institucional, quando as práticas discriminatórias são fomentadas pelo Estado ou com seu apoio (BORGES, MEDEIROS, D’ADESKI apud GOMES, 2005). No caso desse último, Cashmore

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Políticas Públicas (2000, p. 470) explica que “o racismo institucional é camuflado, uma vez que suas causas específicas não são detectáveis, embora seus efeitos e resultados sejam bastante visíveis”. Gomes (2005, p. 53), tendo como base os estudiosos acima citados, menciona que o racismo institucional, implica práticas discriminatórias sistemáticas, fomentadas pelo Estado ou com seu apoio indireto. Elas se manifestam sob a forma de isolamento dos negros em determinados bairros, escolas e empregos. Essas práticas racistas manifestam-se, também, nos livros didáticos tanto na presença de personagens negros com imagens deturpadas e estereotipadas quanto na ausência da história positiva do povo negro no Brasil. Manifesta-se também na mídia (propagandas, publicidade, novelas) a qual insiste em retratar os negros, e outros grupos étnico/raciais que vivem alguma forma de exclusão, de maneira indevida e equivocada.

Desse modo, o racismo se constitui como um elemento de estratificação social, e se materializa na cultura, no comportamento e nos valores dos indivíduos e das instituições na sociedade brasileira, perpetuando uma estrutura desigual de oportunidades sociais para 52% da população brasileira. Contudo, a sociedade brasileira ainda alimenta o mito da democracia racial, ou seja, nega a existência das desigualdades entre brancos e negros como produção do racismo. Os adeptos dessa corrente ideológica acreditam na convivência pacífica entre brancos e negros e afirmam haver igualdade de oportunidades e de tratamento entre os dois grupos. Gomes (2005) nos alerta que o racismo não deve ser confundido com o etnocentrismo. Para essa autora, o etnocentrismo “é um termo que designa o sentimento de superioridade que uma cultura tem em relação a outras. (...) O etnocêntrico acredita que os seus valores e a sua cultura são os melhores, os mais corretos e isso lhe é suficiente”. (GOMES, 2005, p. 53). Quando esse sentimento se amplia para uma convicção de que há inferioridade biológica, o etnocentrismo se transforma em racismo. Chauí (1993, p. 61) contribui com esse entendimento, afirmando que cultura é: A criação coletiva de representação, valores, símbolos e práticas que determinam para uma coletividade suas formas de relação como o espaço, o tempo, a natureza, e os outros homens, definindo o sagrado e o profano, o necessário e o possível, o contraditório e o impossível, o justo e o injusto, o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o legítimo e o ilegítimo, o nós e o eles.

Nesse sentido, as culturas se diferenciam se considerarmos os diversos espaços e tempos. Por isso, também, as culturas vão sendo recriadas, reinterpretadas e

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Capítulo 6 renovadas pelos grupos culturais. Essa concepção reforça a compreensão de que o racismo é um construto cultural e, portanto, algo historicamente determinado. Outro conceito importante para a discussão que aqui se faz é a identidade. A identidade não é algo inato. Ela se refere a um modo de ser no mundo e com os outros. (...) indica traços culturais que se expressam através de práticas linguísticas, festivas, rituais, comportamentos alimentares e tradições populares referências civilizatórias que marcam a condição humana. (...) ela não se prende apenas ao nível da cultura. Ela envolve também, os níveis sociopolítico e histórico de cada sociedade. (GOMES, 2005, p. 41).

Para Novaes (1993, p. 25), a identidade é invocada quando um grupo reivindica uma maior visibilidade social face ao apagamento a que foi historicamente submetido. Isso pode ser percebido em relação aos negros, indígenas, mulheres, homossexuais, entre outros, socialmente segregados. Esses conceitos se constituem em noções importantes para o atual debate sobre as políticas públicas, principalmente quando essas focalizam um público específico, considerando os princípios do reconhecimento e da igualdade. Fazemos aqui a discussão sobre redistribuição e reconhecimento, porque esses dois aspectos perpassam as relações sociorraciais na sociedade brasileira e acabam por influenciar a formulação das políticas públicas. Por um lado, ao negar a associação entre as duas dimensões e por outro ao conceber que tanto o reconhecimento quanto a redistribuição (princípio da igualdade) compõem elementos para que se constitua uma política pública como direito para todos. Os movimentos por afirmação de identidades grupais colocaram na agenda política, no século XX, o reconhecimento das diferenças como condição para o direito à igualdade. Se na década de 1980 a abordagem cultural da diferença, identidade e reconhecimento se fez numa perspectiva culturalista, menosprezando os aspectos econômicos e políticos, neste novo milênio há que se recuperar o equilíbrio entre essas polarizações, sobretudo, quando o pertencimento a grupos historicamente discriminados traz como consequência a exclusão social e o não acesso a bens culturais, mostrando que a relação entre economia e cultura é cada vez mais intrínseca. Nesse contexto, mulheres, crianças, negros, migrantes, pessoas com deficiência, homossexuais, entre outros, devem ser vistos em suas especificidades e peculiaridades de sua condição social. As formas de opressão e de exclusão contra as quais lutam não podem em geral, ser abolidas com a mera concessão de direitos, como é típico da cidadania; exigem uma reconversão global dos

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Políticas Públicas processos de socialização e de inculcação cultural e dos modelos de desenvolvimento ou exigem transformações concretas imediatas e locais (…) exigências que, em ambos os casos, extravasam da mera concessão de direitos abstratos e universais. (…) As lutas em que se traduzem pautam-se por formas organizativas (democracia participativa) diferentes das que presidiram às lutas pela cidadania. (SOUSA, 1996, p. 260). “A emancipação não é mais que um conjunto de lutas processuais, sem fim definido. O que a distingue de outros conjuntos de lutas é o sentido político da processualidade das lutas. Esse sentido é, para o campo social da emancipação, a ampliação e o aprofundamento das lutas, democráticas em todos os estados estruturais da prática social”. (SOUSA, 1996, p. 277).

Para Santos (2008, p. 194), o potencial emancipatório dessas lutas “baseia-se na ideia de que uma política de igualdade centrada na redistribuição social da riqueza não pode ser conduzida com sucesso sem uma política de reconhecimento da diferença racial, étnica, cultural ou sexual e, vice-versa”. O que não significa que os dois tipos de política estejam presentes com a mesma intensidade nas diferentes formas de luta ou movimentos sociais. Algumas lutas privilegiam uma política da igualdade, outras lutas e movimentos uma política da diferença. Porém, segundo o autor, as lutas que têm como reivindicações o reconhecimento das diferenças, combinam-na explicitamente com as políticas da igualdade.

Santos (2008, p. 199) persegue a afirmação de que “não há reconhecimento sem redistribuição”, por isso, ele recorre à noção de um “meta-direito fundamental: o direito de ter direitos”. Diz ele: “Temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito a sermos diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza”. Portanto, a igualdade não é o suficiente para a emancipação social de homens e mulheres, pois corre-se o risco de ocultar “exclusões e marginalidades, tornando-se duplamente opressiva (pelo que oculta e silencia e pelo que revela)”. (SANTOS, 2008, 426). Nessa mesma direção e a partir do que denominou de “o dilema redistribuiçãoreconhecimento”, Fraser (2007, p. 103) afirma que: Justiça, hoje requer tanto redistribuição quanto reconhecimento; nenhum deles é, sozinho é suficiente. A partir do momento em que se adota essa tese, entretanto, a questão de como combinálos torna-se urgente. Sustento que os aspectos emancipatórios das duas problemáticas precisam ser integrados em um modelo abrangente e singular. A tarefa, em parte, é elaborar um conceito amplo de justiça, que consiga acomodar tanto as reivindicações defensáveis de igualdade social quanto as reivindicações defensáveis de reconhecimento da diferença.

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Capítulo 6 No seu entendimento, é preciso superar a dicotomia das teorias da justiça contemporânea que ora privilegiam as injustiças de ordem socioeconômicas, ora restringem-se às injustiças culturais. Ela vai afirmar então que “os eixos da injustiça são simultaneamente culturais e socioeconômicos”. Fraser (2007) propõe a conjunção de uma política econômica socialista, cuja intenção seria a redução das desigualdades sociais e econômicas e uma política cultural desconstrutivista, que levaria a desconstrução das identidades, na tentativa de superar a lógica das diferenças e das relações de subordinação das minorias. Para ela, essa perspectiva não somente possibilitaria o combate simultâneo das injustiças sociais e culturais, mas também, possibilitaria articulações e coalizões entre os grupos discriminados. Aqui consiste uma dificuldade, a articulação entre políticas de igualdade e políticas de reconhecimento, na redução das desigualdades e na construção de uma globalização contra-hegemônica. Junto a essa grande dificuldade, outras duas se destacam: a necessidade de que o Estado seja reinventado para este novo enfoque de política e de justiça e a definição de espaços e tempos privilegiados para a organização das lutas sociais dentro e fora do marco do Estado. (SANTOS, 2008). Santos (2008) admite a necessidade da articulação entre as duas dimensões (igualdade e reconhecimento), para a criação de um novo paradigma de justiça e propõe a “reconstrução intercultural dos direitos humanos” numa perspectiva contra-hegemônica. O que significa dizer que uma política contra-hegemônica, nesses tempos, não pode ignorar o diálogo entre o direito universal e o direito local, baseado em outros princípios de dignidade humana ou processos de subjetivação. Para o autor, [...] enquanto forem concebidos como direitos humanos universais em abstrato, os Direitos Humanos tenderão a operar como um localismo globalizado, e, portanto, como uma forma de globalização hegemônica. Para poderem operar como forma de cosmopolitismo insurgente, como globalização contrahegemônica, os Direitos Humanos têm de ser reconceptualizados como interculturais. (SANTOS, 2008, p. 441-442).

Santos (2003) identifica a universalidade dos direitos humanos como algo próprio/específico da cultura ocidental, pois, para ele, embora todas as culturas estabeleçam os seus valores como os mais abrangentes, somente a cultura ocidental os formula como universais. O Ocidente parece ser a única referência impondo uma política homogeneizadora e negando os particularismos, as especificidades culturais, as necessidades e aspirações culturais, étnicas, raciais, religiosas, regionais etc.

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Políticas Públicas Todorov (1993) reconhece a diversidade humana como infinita e, nessa, a existência de valores universais, que extrapolam os particularismos. Para ele a questão da unidade e da diversidade se altera para o problema do universal e do relativo. É desse ponto de vista que o autor vai decorrer sobre a relação entre o universal e o etnocentrismo. A opção universalista pode se encarnar em diversas figuras. O etnocentrismo merece ser posto à frente, pois é a mais comum entre elas. Na acepção dada aqui a este termo consiste em, de maneira indevida, erigir em valores universais os valores próprios à sociedade a que pertenço. O etnocêntrico é, por assim dizer, a caricatura natural do universalista: este, em sua aspiração ao universal, parte de um particular, que se empenha em generalizar; e tal particularidade deve forçosamente lhe ser familiar, quer dizer, na prática, encontrar-se em sua cultura. A única diferença – mas, evidentemente, decisiva – é que o etnocêntrico segue a linha do menor esforço e procede de maneira não crítica: crê que seus valores são os valores e isso lhe basta; nunca busca verdadeiramente prová-lo. O universalista não etnocêntrico (pode-se pelo menos tentar imaginar um) buscaria fundar na razão a preferência que sente por certos valores em detrimento de outros; seria particularmente vigilante a respeito daquilo que, embora lhe pareça universal, encontra-se em sua própria tradição; e estaria disposto a abandonar o que lhe é familiar e abraçar uma solução observada num país estrangeiro, ou encontrada por dedução (TODOROV, 1993, p. 21-22).

Desse modo, o etnocentrismo apresenta, por um lado, a pretensão universal, por outro, o conteúdo particular, em que os valores de uma dada sociedade se sobrepõem aos demais valores construídos, sob outras lógicas e por outros grupos sociais. A afirmação da igualdade com base em pressupostos universalistas, ou concepções ocidentais individualistas dos direitos humanos, leva, na maioria das vezes, à descaracterização e negação de culturas e de experiências históricas diferenciadas. Entretanto, numa relação dialética e paralelamente a esses discursos e práticas hegemônicas, são desenvolvidos por movimentos sociais e organizações da sociedade civil, discursos e práticas contra-hegemônicas, que além de terem os direitos humanos como instrumentos contra a opressão, apresentam concepções não ocidentais sobre eles, e realizam diálogos interculturais sobre os direitos humanos e outros princípios de dignidade humana. Nessa ótica, Santos (2008) propõe o “cosmopolitismo subalterno insurgente” gerado pela globalização contra-hegemônica. O autor denomina como “cosmopolitismo subalterno insurgente”, um conjunto amplo e plural de iniciativas, movimentos e organizações sociais que partilham lutas contra a

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Capítulo 6 exclusão, a discriminação social, o modelo de desenvolvimento, a cultura hegemônica e a destruição ambiental, recorrendo a articulações transnacionais, ainda que facilitadas pelas tecnologias da informação e de comunicação, como é o caso do Fórum Social Mundial, exemplificado por Boaventura Sousa Santos. Para além da dimensão da classe social, o cosmopolitismo subalterno insurgente inclui outros aspectos que vitimizam grupos sociais com a exclusão social (discriminação sexual, étnica, racial, religiosa, de gênero etc.). O ponto de vista defendido por Santos (2008) se orienta pela construção de uma sociedade democrática e plural. Por concordar com Santos (2008) é que trazemos as cinco premissas relacionadas por ele, para a reconceptualização e a construção de uma política contra-hegemônica dos direitos humanos: São elas: 2. “A superação do debate entre o universalismo e o relativismo cultural”. Ainda que todas as culturas se organizem a partir de seus contextos, o universalismo de uma cultura sobre as outras é incorreto. Por outro lado, uma alternativa contra o universalismo é a construção de diálogos interculturais, ou seja a partir de universos culturais diferentes. 3. “Todas as culturas possuem concepções de dignidade humana, mas nem todas elas a concebem em termos de direitos humanos”. Com isso, torna-se importante identificar conceitos, preocupações, aspirações e designações semelhantes ou mutuamente inteligíveis entre culturas diferentes. 4. “Todas as culturas são incompletas e problemáticas nas suas concepções de dignidade humana”. Uma única cultura não é capaz de fornecer respostas satisfatórias aos questionamentos e perplexidades daí, a necessidade do diálogo entre as diferentes culturas. O reconhecimento da concepção de incompletude cultural é um aspecto fundamental na construção de um diálogo intercultural na ótica emancipadora dos direitos humanos. 5. “Nenhuma cultura é monolítica”. Todas as culturas apresentam versões diferenciadas de dignidade humana. Algumas mais amplas que outras; algumas com um círculo de reciprocidade maior que outras, algumas mais abertas a culturas diferentes do que outras. Há que observar aquela versão que represente o círculo de reciprocidade, ou seja, aquela que mais amplia o reconhecimento do outro. 6. “Todas as culturas tendem a distribuir as pessoas e os grupos sociais entre dois princípios competitivos de pertença hierárquica: o princípio da igualdade e o princípio da diferença”. Embora os dois princípios se sobreponham com alguma frequência é preciso que a política emancipatória de direitos humanos saiba distingui-los a fim de poder atuar eficazmente em sua garantia.

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Políticas Públicas As premissas apresentadas constituem a base para a “reconstrução intercultural dos direitos humanos”, explicitam o tensionamento entre igualdade e diferença, entre o universal e particular e indicam quão desafiador é reconstruir conceitualmente justiça e direitos humanos numa abordagem crítica e emancipatória, numa sociedade marcada pela discriminação e pela desigualdade racial, de gênero e de classe.

Seção 2 Discriminação racial e estruturação das desigualdades: breves apontamentos históricos A partir da Constituição de 1824, que declarava a todos os cidadãos o direito à instrução primária gratuita (Art. 179, 32), foi crescente a necessidade de instruir e civilizar o povo. Isso coloca a aprendizagem da leitura, da escrita e das contas, bem como a frequência à escola como um aspecto de suma importância para a edificação de uma nova sociedade. Três fatores vão influenciar essa necessidade do letramento na sociedade imperial brasileira: o discurso da missão civilizadora da escola por parte das elites governantes, as precárias condições das escolas públicas e o alto índice de analfabetismo (VEIGA, 2008), que, em 1872, chegava a 84% da população. Mas, a quem se destinava essa escola? A titularidade da cidadania, definida constitucionalmente, era restrita aos livres e aos libertos, valia tanto para a educação das crianças quanto para jovens e adultos. Essa compreensão seria reproduzida nos dispositivos jurídicos imperiais, tais como na Lei número 1, de 14 de janeiro de 1837, quando as escolas e os cursos noturnos vetavam o acesso de escravos, como se pode perceber na regulamentação: “São proibidos de frequentar as escolas públicas: Primeiro: Todas as pessoas que padecem de moléstias contagiosas. Segundo: os escravos e os pretos africanos, ainda que sejam livres ou libertos”. (FONSECA, 2002, p. 12). A exclusão dos escravos e portadores de doenças contagiosas do acesso à educação, na análise de Fonseca (2002), pode ser entendida sob dois aspectos: pelo perigo que a instrução, entendida aqui como acesso à leitura e escrita, poderia representar para a estabilidade da sociedade escravista; e, segundo, pela influência que os escravizados poderiam exercer nos estabelecimentos de ensino. Alegavam que os escravizados transformariam essas instituições em centros de proliferação de moléstias, que poderiam “contaminar” o espaço social. Reforçavam com isso uma concepção de que os escravizados poderiam

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Capítulo 6 “contaminar” as crianças com uma cultura primitiva, a qual remontava à África. O que estava em jogo com essas proibições era que os escravos poderiam influenciar com seu comportamento a convivência com os brancos e esses, por conseguinte, poderiam assimilá-los. Além do ordenamento jurídico de inserção dos negros na sociedade, há que se destacar a incorporação das múltiplas formas em que “raça” passa a moldar o espaço público e dá continuidade a diferentes formas de interdição para esse segmento. Dora Bertúlio (2001; 2002) destaca a vinculação entre as teorias racistas e o ordenamento da “nova sociedade” que se tentava implantar em fins do século XIX, sobretudo por meio da legislação vigente à época. O Estado brasileiro se preparava, então, para atender as transformações que a consolidação do capitalismo internacional exigia dos Estados de economia dependente. A organização socioeconômica relativamente à realidade da existência de uma população negra que fatalmente iria se misturar nos espaços e no direito da sociedade branca – elite ou não – impõe aos poderes do Estado estabelecer, no seu braço regulador e ordenador social, qual seja, do direito, as diretrizes para a manutenção e desenvolvimento da nova nação que surgia a fim de adequá-la aos parâmetros já definidos racialmente, qual seja uma nação branca. (BERTÚLIO, 2002, p. 284).

Para a pesquisadora, o processo de ordenamento jurídico dos espaços a serem permitidos aos negros na sociedade brasileira se inicia com a chamada Lei de Terras (Lei nº 601, de 1850). A terra passava a ser um bem patrimonial, cuja aquisição se consolidava pela compra e venda, o que impossibilitava aos negros livres o acesso elas, pelo simples motivo de que tinham passado anos formando pecúlio para comprar sua liberdade. Segundo Theodoro (2008), a promulgação desse ato legislativo, ao definir a compra como única forma de aquisição de terra, impediu a emergência de um sistema econômico que absorvesse a mão de obra livre, pois, ao dificultar o acesso à terra, fez com que o trabalhador livre não tivesse outra alternativa senão permanecer nas fazendas, submetido à grande propriedade e afastado do processo de participação nos setores dinâmicos da economia. Bertúlio (2002) apresenta os vários mecanismos legislativos em que o Estado brasileiro propiciou a apreensão do indivíduo negro na sociedade, a partir de sua inferioridade e desumanidade frente ao grupo branco. Entre eles estão: as

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Políticas Públicas Posturas Municipais, as regras de comportamento do município que organizavam as cidades, tratando sobre o trabalho e os espaços de locomoção e permanência permitidos aos negros. É proibido ao negociante de molhados consentir em seus negócios pretos e cativos – sem que estejam comprando. O negociante sofrerá multa [...]. São proibidas as cantorias de pretos, se não pagarem aos chefes de tais divertimentos o imposto de $10, se em tais reuniões consentir a política. Ninguém poderá conservar em sua casa, por mais de três dias, liberto algum sem que dê parte à polícia para obrigá-lo a tomar uma ocupação. (GEBARA, 1986, apud BERTÚLIO, 2001, p. 14).

A pesquisadora procura evidenciar que as normas não estabeleciam distinção entre os livres e os escravos, uma vez que utilizavam termos como preto, liberto, cativo, escravo, alimentando a segregação sobre o indivíduo com base na raça e não na sua condição de escravo; e, ainda, retirando do imaginário social de negros e brancos a ideia jurídica de liberdade para os negros. Essas ideias e valores produzidos e reproduzidos na sociedade brasileira não concediam aos negros o enquadramento que lhe concedesse o direito à cidadania. Ainda mais, identifica os mecanismos legais e de procedimentos construídos para a interdição do acesso dos negros à escola, o que se constituiu ponto determinante nas desigualdades educacionais entre negros e brancos, como, por exemplo, a Lei do Ventre Livre, editada em 1871, que estabeleceu: Art. 1º. Os filhos da mulher escrava, que nascerem no Império, desde a data desta lei, serão considerados de condição livre. § 1º Os filhos da mulher escrava ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a opção, ou de receber do Estado indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso, o Governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei. (Lei nº 2040, de 28/09/1871 Apud BERTÚLIO, 2001, p. 11).

A liberdade restringia-se à criança ser entregue aos oito anos para uma instituição do Governo ou continuar escravo até os 21 anos, certamente como opção do

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Capítulo 6 senhor da escrava mãe. Essa lei transformou-se em significativo instrumento de orientação ideológica para a estruturação do racismo brasileiro. [...] trabalhos comprovam terem sido essas Instituições, que recebiam os filhos de escravas ‘livres’, fontes das atuais casas de correção para crianças e adolescentes delinquentes – FEBEM. [...] O Governo encaminhava aquelas crianças para um regime de prisão e trabalho forçado, como, aliás, era o destino de escravos que fossem irregularmente transacionados por seus senhores ou os chamados escravos perdidos em que, após divulgação de terem sido encontrados, não eram reclamados pelos seus respectivos donos. O destino destes indivíduos, como os ingênuos, ou crianças libertadas era a Instituição correcional do Estado. (BERTÚLIO, 2001, p. 12).

Para Nogueira (2004), a Lei de Locação de Serviços foi mais um dispositivo jurídico que normatizou as desigualdades, pois proibia aos libertos acessarem o mercado de trabalho, produzindo efeitos sociais devastadores no início da República, combinado, posteriormente, com a nova estratégia das elites: por um lado, a ideologia do branqueamento; por outro, a intensificação da imigração dos trabalhadores do continente europeu, como alternativa de mão de obra, em detrimento da força de trabalho nacional. Tais elementos indiciam como o Estado brasileiro desenvolveu ações fortemente discriminatórias do ponto de vista racial, impedindo o acesso da maioria da população negra aos bens, recursos e serviços produzidos por ela mesma. Desde os anos 1870, as teorias raciais passaram a ser adotadas no Brasil, principalmente em instituições de pesquisa e de ensino predominantes na época. Essas teorias deterministas, segundo Schwarcz (2000), buscavam estabelecer diferenças ontológicas entre as raças e consideravam a miscigenação como fator potencial de fracasso e degeneração de uma nação. Assim, os negros e mestiços, considerados cidadãos de segunda categoria, foram responsabilizados e culpados pelos males da nação brasileira do futuro. Ao investigar as influências que a biologia e a antropologia exerceram sobre o estabelecimento das teorias racistas durante o século XIX, Santos (2002) afirma que o “ser negro” se originou no âmbito das relações sociais e das necessidades políticas, fazendo com que diferentes áreas do conhecimento justificassem e reinventassem, a cada momento, o lugar do negro na sociedade. Para essa produção, ora houve uma sobreposição, ora uma conjunção de teses sobre as diferenças raciais formuladas pela biologia. Com base na fisiologia, foram utilizadas teorias sobre a transformação da cor dos indivíduos em uma face visível de suas essências; a antropologia argumentou que cada raça

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Políticas Públicas está submetida a uma hierarquia temporal ou é motor da história; a frenologia acreditou “constatar” que a raça e o tamanho dos crânios determinava o caráter e a capacidade mental dos indivíduos. Andrews (1998), em seu estudo Negros e Brancos em São Paulo (1888-1988), observa que há um vínculo entre o racismo institucional e a política estatal no longo período estudado. O autor apresenta evidências da relação entre o governo de São Paulo e os proprietários rurais de terra, para fomentar o desenvolvimento econômico, subsidiar a imigração europeia e impedir a diversificação profissional dos negros recém libertos. Tal processo articula-se diretamente à ideologia do branqueamento, cujo substrato foram as teorias raciais do século XIX. Tal ideologia ganhou expressão na política para a educação pública, considerando-se o seu papel na construção da sociedade moderna, branca e desenvolvida. O estudo de Dávila (2006) sobre a política social e racial implementada no Brasil, no período de 1917 a 1945, concluiu que O sistema de educação pública foi uma das principais áreas de ação social para aqueles que mais ativamente estudavam a importância da raça na sociedade brasileira e mais se empenhavam na busca de uma nação social e culturalmente branca. Como a educação é uma área de políticas públicas, revela as formas pelas quais os pensadores raciais colocaram suas ideias e hipóteses em prática. (DÁVILA, 2006, p. 36).

O mesmo autor evidencia que as instituições educacionais foram sendo criadas sob influência do pensamento racial, que guiava as políticas públicas da época. Intelectuais, médicos e cientistas sociais acreditavam que a criação de uma escola universal poderia embranquecer a nação, liberando o Brasil do que eles imaginavam ser a degeneração de sua população. A intenção era “transformar uma população, geralmente não branca e pobre, em pessoas embranquecidas em sua cultura, higiene, comportamento e até, eventualmente, na cor da pele”. (DÁVILA, 2006, p. 13). Não obstante o acesso à educação tenha sido ampliado nesse período a alguns segmentos socialmente marginalizados, por outro lado, estabeleceu formas diferenciadas e desiguais no atendimento às crianças oriundas desses segmentos, como mostra o autor: “participantes na educação pública foram tratados de maneira desigual – os alunos pobres e de cor foram marcados como doentes, mal adaptados e problemáticos”. (DÁVILA, 2006, p. 13). Novamente se identifica a contribuição do Estado brasileiro e sua responsabilidade com a produção das desigualdades educacionais da população negra. Utilizando-se de uma retórica científica, técnica, meritocrática e médica,

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Capítulo 6 os intelectuais da época e os gestores públicos influenciaram as políticas educacionais com base em ideias racistas. Do currículo à seleção de alunos, distribuição e promoção, testes e medidas, seleção de professores, programas de saúde e higiene, essas políticas, como consequência, “não só colocavam novos obstáculos no caminho da integração social e racial no Brasil, como deixavam apenas pálidos sinais de seus efeitos, limitando a capacidade dos afro-brasileiros de desafiarem sua justiça inerente”. (DÁVILA, p. 22). O projeto de escola republicana não incorporou, pois, um projeto de emancipação da população negra, pelo contrário, continuou alimentando o racismo e produzindo a exclusão de crianças e jovens negros dos bancos escolares. As teorias racistas amplamente difundidas foram naturalizando as desigualdades raciais em novo ambiente político e jurídico. Consolidou-se uma forte política de branqueamento, como projeto nacional, de modo a conciliar a crença na superioridade branca com o progressivo desaparecimento do negro, cuja presença estava relacionada ao atraso. O modelo de desenvolvimento pretendido estava diretamente associado ao projeto de uma nação branca. As elites, ao interpretarem o Brasil, projetavam a necessidade da regeneração das populações brasileiras, tidas como “doentes, indolentes e improdutivas”, de onde extraíram o papel cívico de redenção nacional para a educação para torná-las “saudáveis, disciplinadas e produtivas”. (CARVALHO, 1989, p. 10). Para Dávila (2006), os “alunos de cor” não sofreram impedimento no acesso à escola, exatamente pela expectativa de “aperfeiçoar a raça”, “criar uma raça brasileira” (DÁVILA, 2006, p. 21). Nessa perspectiva, à escola atribui-se o papel de “clínicas em que os males nacionais associados à mistura de raça poderiam ser curados” (DÁVILA, 2006, p. 22). A lógica médica e científico-social presente nas ideias raciais molda as políticas educacionais, produzindo as desigualdades, num processo articulado e contínuo para “a desvantagem de brasileiros pobres e não brancos, negando-lhes acesso equitativos aos programas, às instituições e às recompensas sociais que as políticas educacionais proporcionavam” (DÁVILA, 2006, p. 22). Expressão disso se estabelece na mudança de perfil dos professores do Rio de Janeiro do início do século XX, nos anos 40, quando pesquisas identificaram, por meio de fotografias de professores, a redução gradual do número de afrodescendentes, mostrando a incidência da “dinâmica de branqueamento” também nos “processos de profissionalização de ensino e de treinamento de professores” (DÁVILA, 2006, p. 147). Assim também, a produção das desigualdades é flagrada na grande diferença nos índices de alfabetização entre negros e brancos, na década de 40 do século XX, conforme demonstrado na Tabela a seguir:

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Políticas Públicas Tabela 1 - Porcentagem da população alfabetizada com mais de cinco anos em 1940, por estados

Brancos

Pretos

Pardos

Total

M

F

M

F

M

F

M

F

Bahia

42

34

16

11

24

16

25

17

Distrito Federal

86

81

59

44

76

64

81

73

Mato Grosso

54

46

29

16

-

-

46

42

Paraná

51

39

29

16

36

21

49

37

Rio G. Do Norte

48

39

13

12

22

21

28

27

Nota: os dados do Mato Grosso incluem alunos com seis ou mais anos de idade; a categoria pardos está incluída em pretos. Fonte: DÁVILA (2006, p. 123).

A década dos anos 1950 dará continuidade às diferenças nos índices de alfabetização, mostrando 53% dos brancos alfabetizados contra 24% e 27% de pretos e pardos, respectivamente. (DÁVILA, 2006). Com Dávila (2006), somos levados a apreender a educação como a área social estratégica para a implementação do ideário racial que constituía o projeto (republicano) de nação no Brasil. Interessa aqui destacar aspectos de sua investigação, que nos esclarecem sobre distintos elementos que confluíram para a configuração, como para a implementação das ideias racistas em seu nível mais cotidiano das relações sociais no Brasil. O autor identifica três aspectos que influenciaram “intelectuais e funcionários públicos brancos progressistas” para a implantação da educação pública universal no início do século XX: Primeiro, basearam-se em séculos de dominação por uma casta de colonizadores europeus brancos e seus descendentes, que mandavam em seus escravos, povos indígenas e indivíduos de ascendência mista. Durante séculos, esta elite branca também recorreu à Europa no empréstimo de cultura, ideias e autodefinição. Segundo, embora esses intelectuais e formuladores de políticas tivessem se tornado cada vez mais críticos em relação a essa herança (indo até o ponto de celebrarem a mistura racial), invariavelmente, vinham da elite branca e permaneciam presos a valores sociais que, depois de séculos de colonialismo e dominação racial, continuavam a associar a brancura à força, saúde e virtude – valores preservados e reforçados por meio da depreciação de outros grupos. Terceiro, como criaram políticas educacionais em busca de um sonho utópico de um Brasil moderno, desenvolvido e democrático, sua visão era influenciada pelos significados que atribuíam à raça. (DÁVILA, p. 2006, 24).

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Capítulo 6 A transformação das ideias racistas entre os intelectuais ganhou, nos anos 40 do século XX, a tradução pela democracia racial. Essa ideia reinventa uma história de convivência harmoniosa e integrada culturalmente entre todos no Brasil, com “raça” cedendo à ideia de cultura, nas Ciências Sociais. O ideal de branqueamento foi sendo substituído pela afirmação e valorização do povo brasileiro. Jaccoud (2008) examina essa importante modificação na construção do racismo, tematizando a relação entre o mito da democracia racial e a reprodução da desigualdade racial entre 1930 e 1970. O mito da democracia racial tem em sua base um pensamento sobre relações raciais na sociedade brasileira em que, da regeneração do povo, por meio da assimilação, o tipo humano negro é substituído pela emergência da defesa da possibilidade “de unidade do povo brasileiro como produto das diferentes raças” (idem, p. 54), (brancos, negros e indígenas). Essa ideia é reforçada pela crença de que a “dimensão positiva da mestiçagem” e a “convivência harmônica” entre os grupos raciais fazem com que, no Brasil, não existam os conflitos raciais observados em outros países. Os anos 60 e 70 são marcados pelo silenciamento que a opressão do regime político ditatorial, que faz “desaparecer” a questão racial do debate público e a “democracia racial passa de mito a dogma” (IDEM, p. 56), pois, se não há discriminação racial, não há porque ter medidas para assegurar a igualdade racial. Porém, como sabido pelos movimentos negros, os estereótipos e preconceitos raciais não tiveram trégua, pelo contrário, influenciaram e continuam influenciando a mobilidade intergeracional, desqualificando e restringindo o lugar social de homens e mulheres negros no mercado de trabalho e na educação (ibdem, 2008). As organizações negras não deixaram de existir nesse período, pelo contrário, ampliaram-se com o surgimento de outras e, portanto, a luta antirracista se manteve na agenda nacional. O debate sobre o racismo e as desigualdades raciais tomou outras proporções com o processo de redemocratização da sociedade brasileira, ainda que, muitas vezes, essas questões estivessem diluídas no debate sobre justiça social e distribuição de renda. Entretanto, a atuação das organizações negras passou a ser mais incisiva na denúncia do mito da democracia racial e do racismo, localizando-os na estrutura social, política, econômica e educacional brasileira. Isso resultou, na segunda metade da década de 1990, no reconhecimento, pelo Estado brasileiro, da existência do racismo e, por conseguinte, da necessidade de políticas de ações afirmativas voltadas à população negra. Gomes (2005, p. 53) define ações afirmativas como sendo: um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência física e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos

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Políticas Públicas presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego.

Ao reconhecer publicamente o Brasil como um país racista, o que se configurou foi o comprometimento do governo e da sociedade no combate à discriminação racial e na institucionalização de mecanismos que diminuam as desigualdades entre brancos e negros. Jaccoud (2008) identifica entre os anos 1980 e 2000 três gerações de iniciativas governamentais para a igualdade racial: a primeira geração tem como contexto o processo de redemocratização da sociedade brasileira, com crescente mobilização social pelos direitos civis e políticos. Nesse, a reorganização do movimento social negro foi fundamental para trazer para o debate político a discriminação racial; a segunda geração caracteriza-se pela intensificação do combate ao racismo e à discriminação por meio de sua criminalização; e a terceira geração dá início ao debate sobre ações afirmativas e o racismo institucional, objetivando o combate à discriminação por meio de políticas públicas.

Esse novo cenário impõe ao Estado brasileiro uma nova agenda e força atitudes políticas e debates públicos sobre as desigualdades raciais na sociedade brasileira: as políticas universalistas são questionadas e se revelam como insuficientes, na medida em que não conseguem atingir a população negra. Educação de Jovens e Adultos A significativa presença de estudantes negros na modalidade educação de jovens e adultos, em âmbito nacional, atingiu a marca de 56% no ano de 2009. Devese isso também à persistência do racismo na sociedade brasileira, que continua impedindo muitas crianças e jovens negros de concluírem a escolarização básica.

Os aspectos abordados até aqui demonstram o quanto o Estado brasileiro foi forjando e normatizando juridicamente a exclusão da população negra das políticas educacionais. A construção das desigualdades educacionais, quer seja no âmbito do legislativo, quer seja na ausência de condições materiais plenas para o exercício do direito, reflete-se até hoje nos indicadores de analfabetismo, de reprovação e evasão escolar, e no perfil do público da Educação de Jovens e Adultos. Essa realidade foi sendo construída durante o período de transição do trabalho escravo para o trabalho livre no século XIX, ganhando proporções gigantescas de desigualdades educacionais e sociais no século XX. Por outro lado, percebe-se, nesses últimos anos, a ação do Estado na tentativa de reverter esse quadro nefasto das desigualdades raciais, principalmente quando focalizamos as ações e os programas que vêm sendo desenvolvidos no campo educacional.

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Capítulo 6 Como pode se perceber, as teorias racistas amplamente difundidas no final do século XIX e até metade do século XX foram naturalizando as desigualdades raciais em novo ambiente político e jurídico. Consolidou-se uma forte política de branqueamento como projeto nacional, de modo a conciliar a crença na superioridade branca com o progressivo desaparecimento do negro, cuja presença estava relacionada ao atraso. O modelo de desenvolvimento pretendido estava diretamente associado ao projeto de uma nação branca. As elites, ao interpretarem o Brasil, projetavam a necessidade da regeneração das populações brasileiras, tidas como “doentes, indolentes e improdutivas” (CARVALHO, 1989, p. 10), de onde extraíram o papel cívico de redenção nacional para a educação, a fim de tornar essas pessoas saudáveis, disciplinadas e produtivas. Desse modo, pode-se perceber que as desigualdades raciais no Brasil, que acometem os negros, resultam de injustos processos sociais, culturais e econômicos. E esses trazem prejuízos imensos a esse grupo social até os dias de hoje, quando se constata, por exemplo, que os negros correspondem a 65% da população pobre e 70% da população extremamente pobre.

Seção 3 Políticas de promoção da igualdade racial Há décadas, o Movimento Negro denuncia o racismo e propõem políticas para a sua superação, mas, somente na segunda metade da década de 1990, o Estado brasileiro reconheceu a existência do racismo e a necessidade de adotar políticas de ações afirmativas voltadas à população negra. O enfrentamento ao racismo e às desigualdades raciais pelos movimentos negros, ao longo da história brasileira, foi, sem dúvida, elemento propulsor, que congregou militantes, organizações negras e setores do governo brasileiro na construção de uma agenda voltada para a superação das desigualdades raciais na sociedade brasileira, entre elas, as políticas afirmativas. Nessa dinâmica, a participação ativa dos movimentos negros na III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, realizada em 2001, em Durban, na África do Sul, influenciou, sobremaneira, a agenda governamental para o desencadeamento de políticas de promoção da igualdade racial no Brasil. Examinando-se a referida Declaração e Programa de Ação, encontra-se um documento minucioso que contempla desde concepções, diretrizes, campos sociais a serem privilegiados e combinados no enfrentamento de todas as formas de opressão e interdição sociais, que ainda constituem as relações sociais e os

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Políticas Públicas tecidos institucionais na contemporaneidade. Nela está presente um conjunto de instrumentos para que os estados nacionais possam articular forças políticas, bem como delinear, debater e implementar políticas públicas. Os compromissos assumidos pelo Estado Brasileiro naquela Conferência, e originados na Declaração e Programa de Ação, de 8 de setembro de 2001, tomam maior impulso, a partir de 2003, com a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), na esfera da Presidência da República, histórica reivindicação dos movimentos negros. Vinculado à SEPPIR, foi criado o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), um órgão colegiado, de caráter consultivo, que reúne sociedade civil e governo, e que tem como objetivo “combater o racismo, o preconceito e a discriminação e reduzir as desigualdades raciais, inclusive no aspecto econômico e financeiro, social, político e cultural, ampliando o processo de controle social sobre as referidas políticas”. (BRASIL, 2009, p. 35). Também orgânico à SEPPIR, o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (FIPIR) reúne organismos executivos estaduais e municipais (secretarias, coordenadorias, assessorias etc.) e tem como objetivo articular os entes federados para a implementação de políticas de promoção da igualdade racial. Na avaliação de Jaccoud (2008), a criação da estrutura administrativa e de organismos participativos representa um adensamento da ação pública do Estado numa área, até então, sem relevância política.

Essa Secretaria foi anunciada com as funções de: acompanhar e coordenar políticas de diferentes ministérios e outros órgãos do governo brasileiro para a promoção da igualdade racial; articular, promover e acompanhar a execução de diversos programas de cooperação com organismos públicos e privados, nacionais e internacionais e, ainda, acompanhar e promover o cumprimento de acordos e convenções internacionais assinados pelo Brasil que digam respeito à promoção da igualdade racial e ao combate ao racismo. (BRASIL, 2003, p. 4).

Para a construção da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR), a SEPPIR ancorou-se em diversos instrumentos, tais como: a Convenção Internacional sobre eliminação de todas as formas de discriminação racial; o documento elaborado para o programa do governo Lula, Brasil sem racismo; o Plano de Ação Durban, resultante da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância (BRASIL, 2003). Definiu também três princípios para orientar a execução dessa política:

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Capítulo 6 •• da transversalidade, a qual pressupõe que a redução das desigualdades raciais e a promoção da igualdade racial passam a fazer parte do conjunto das políticas de governo. Desse modo, os ministérios e seus órgãos vinculados e as secretarias devem executar programas, projetos e ações no campo da igualdade racial; •• da descentralização, que exige uma relação efetiva entre União, Estados e Distrito Federal para inserir a igualdade racial no sistema federativo. Para isso, a SEPPIR disponibiliza apoio político, técnico e logístico para que experiências de promoção da igualdade racial, implementadas por municípios, estados ou organizações da sociedade civil possam obter resultados exitosos; •• da gestão democrática, propicia a formulação, o monitoramento, a execução e o controle social da política pelo governo e sociedade civil. (BRASIL, 2009a).

A deliberação da SEPPIR, pelos princípios descritos, indica para a necessidade de construir a capilaridade da política de promoção da igualdade racial nos estados e municípios e a sua transversalidade nos organismos da União, para solidificar e fortalecer essa política. (NOGUEIRA, 2005). Esse novo cenário tensiona a lógica de funcionamento do Estado brasileiro, instigando a construção de uma nova agenda e forçando atitudes políticas e debates públicos sobre as desigualdades raciais na sociedade brasileira: as políticas universalistas são questionadas na medida em que não conseguem atingir a população negra. É nesse contexto que o Estatuto de Promoção da Igualdade Racial, Lei 12.288, foi aprovado em 20 de julho de 2010, com a atribuição de servir como um instrumento jurídico, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos, e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica (Art. 1º). Para isso, ele estabelece as políticas de promoção da igualdade racial que visam a garantir a igualdade de oportunidades da população negra na vida econômica, social, política e cultural do país por meio de: I - inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social; II - adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa; III - modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado enfrentamento e a superação das desigualdades étnicas decorrentes do preconceito e da discriminação étnica;

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Políticas Públicas IV - promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à discriminação étnica e às desigualdades étnicas, em todas as suas manifestações individuais, institucionais e estruturais; V - eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada; VI - estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às desigualdades étnicas, inclusive mediante a implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos públicos; VII - implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros. Parágrafo único. Os programas de ação afirmativa constituirse-ão em políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas pública e privada, durante o processo de formação social do País. (BRASIL, 2010, Art. 4º)

3.1 Educação Concomitante à dinâmica de institucionalização de órgãos no âmbito do Governo Federal, com a missão de instituir políticas capazes de superar os abismos existentes entre negros e brancos, foi criada, em 2004, no Ministério da Educação, a Secretaria de Educação Continuada e Diversidade (SECAD (atualmente chama-se Secretaria de Educação Continuada e Diversidade e Inclusão (SECADI)), reunindo, em seu interior, alguns temas: a Educação do Campo, a Educação Indígena, a Educação Ambiental, a Educação Étnico-racial e a Educação de Jovens e Adultos. Porém, não se pode ignorar que existam dificuldades de naturezas várias, na consolidação das políticas públicas de promoção da igualdade racial. Afinal, essas entram em confronto com as práticas racistas e o imaginário racial, ainda presentes na estrutura social brasileira, como o mito da democracia racial, a ideologia do branqueamento, a negação do racismo e do preconceito e a naturalização das desigualdades raciais que impregnam as relações pessoais e institucionais, fenômenos esses que interferem e definem as oportunidades nos diferentes setores (educação, mercado de trabalho, saúde, moradia etc.) para a população negra. Isso implica que a formulação e a implementação de políticas públicas não estão desvinculadas dos processos políticos e dos projetos em disputa na sociedade brasileira.

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Capítulo 6 As ações de promoção da igualdade racial na educação, em âmbito do governo federal, têm sido desenvolvidas por meio do Protocolo de Intenções MEC/ SEPPIR, firmado em 2003, a partir dos seguintes eixos: garantia de acesso e permanência das crianças negras na escola; promoção da alfabetização e da qualificação profissional de jovens e adultos negros; incentivo e inserção de jovens negros na universidade; implementação da Lei nº 10639/2003, que alterou a LDB ao introduzir a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares e instituir o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra, no calendário escolar; e estímulo a uma pedagogia não racista, não sexista e não homofóbica no sistema educacional brasileiro (BRASIL, 2009b). Dando prosseguimento às políticas de ações afirmativas na educação, em 2004, o Conselho Nacional de Educação aprovou o Parecer nº CNE/CP 03/2004 e a Resolução nº CNE/CP 01/2004, que regulamentam a Lei nº 10639/03, instituindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Em 2008, com a promulgação da Lei nº 11645/08, foi incluída a obrigatoriedade do estudo da história e cultura indígena nos currículos escolares. Desse modo, as Leis nº 10639/03 e nº 11645/08 se complementam e alteram a LDB de 1996, colocando o direito à educação e o direito à diversidade no mesmo patamar, configurandose como uma política afirmativa de Estado. Em 2012, o Conselho nacional de Educação aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola. Essas compreendem as escolas localizadas em territórios quilombolas e as escolas que atendem estudantes oriundos de territórios quilombolas. De acordo com o artigo 2º do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, os quilombos são “grupos étnico-raciais segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”. As comunidades quilombolas no Brasil são múltiplas e variadas e se encontram distribuídas em todo o território nacional, tanto no campo quanto nas cidades. No Brasil, existem, hoje, segundo os dados da Fundação Cultural Palmares do Ministério da Cultura, 3.754 comunidades identificadas, com maior concentração no Maranhão, na Bahia e em Minas Gerais. Em SC são 15 comunidades.

No ensino superior, um balanço elaborado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e a Pesquisa (INCTI), intitulada, Mapa das Ações Afirmativas no Brasil (2012), constataram que das 278 Instituições de Ensino Superior Públicas, 125 desenvolvem alguma modalidade de ações

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Políticas Públicas afirmativas, tendo como sujeitos beneficiados: estudantes de escolas públicas, indígenas, negros, pessoas com deficiência, residentes de determinadas regiões, baixa renda e quilombolas. Na diversidade de programas de ações afirmativas é possível identificar: 107 para escola pública, 63 para indígenas, 51 para negros, 26 para residentes de determinadas regiões, 32 para pessoas com deficiência, 17 para estudantes de baixa renda e 7 para quilombolas. Decorrente da ação de Arguição de Descumprimento de preceito Fundamental da Constituição (ADPF) 186, ajuizada em 2009 pelo Partido Democratas (DEM), o STF realizou nos dias 3 e 4 de março de 2010 uma audiência pública com a finalidade de ouvir os favoráveis e os contrários às ações afirmativas e, em 25 e 26 de abril de 2012, o STF aprovou por unanimidade a constitucionalidade das cotas para negros no ensino superior. No dia 09 de maio de 2012 julgou constitucional as cotas para estudantes oriundos de escolas públicas. Desse modo, o STF consolidou juridicamente a reserva de vagas para negros no ensino superior brasileiro, o que não significa eliminar os tensionamentos. Já em agosto de 2012, com a aprovação da Lei nº 12.711, ficou estabelecida a obrigatoriedade da reserva de 50% das vagas de cada curso para estudantes oriundos da escola pública em instituições federais de educação superior e instituições federais de ensino técnico de nível médio. Em que pese o tensionamento que se explicita com a implementação das ações afirmativas, essas são ações concretas que visam a ultrapassar a igualdade formal. De acordo com Gomes (2005, p. 47 ), em sua apresentação acerca da referência jurídico-política sobre essas ações, (...) em lugar da concepção “estática” da igualdade extraída das revoluções francesa e americana, cuida-se nos dias atuais de consolidar a noção de igualdade material ou substancial, que, longe de se apegar ao formalismo e á abstração da concepção liberal oitocentista, recomenda, inversamente, uma noção dinâmica, “militante” de igualdade, na qual, necessariamente, são devidamente pesadas e avaliadas as desigualdades concretas existentes na sociedade, de sorte que as situações desiguais sejam tratadas de maneira dessemelhante, evitando-se, assim, o aprofundamento e a perpetuação de desigualdades engendradas na própria sociedade.

Importante dizer sempre que os dispositivos legais em destaque são parte de uma luta intensa e sem trégua dos movimentos negros contra o racismo e pelo direito ao reconhecimento. Leis similares foram aprovadas e implementadas, desde o final dos anos 1980, em muitos municípios brasileiros, e subsidiaram a construção do atual marco legal.

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Capítulo 6 Gomes (2009, p. 41)) nos alerta que Essa legislação e suas diretrizes precisam ser compreendidas dentro do complexo campo das relações raciais brasileiras sobre o qual incidem. Isso significa ir além da adoção de programas e projetos específicos voltados para a diversidade etnicorracial realizados de forma aleatória e descontínua. (...). Significa, portanto, a realização de uma mudança radical nas políticas universalistas, a ponto de toda e qualquer iniciativa de política pública no Brasil passar a incorporar explicitamente a diversidade etnicorracial.

A educação e o mercado de trabalho são as duas esferas onde é impossível não perceber as desigualdades raciais no Brasil, conforme demonstramos a seguir.

3.2 Mercado de trabalho As marcas das desigualdades educacionais, como consequência do racismo, atingem também o mercado de trabalho no Brasil. Exemplo disso são os dados revelados pelas pesquisas. Estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o impacto de características étnico-raciais na vida social mostrou que 71% dos entrevistados informaram que a cor ou a raça influencia no mercado de trabalho; 68,3% afirmaram que influencia a justiça/política e 65% o convívio social. Se analisadas as questões raciais combinadas com gênero, vamos encontrar as taxas mais elevadas de desemprego e os menores rendimentos para a população negra, ainda que tenham o mesmo nível de escolaridade: o rendimento dos homens negros é 78,6% do total do rendimento dos homens brancos. E a taxa de desemprego das mulheres negras é de 12,6 %, comparada a de 9,3% de mulheres brancas. Isso porque a entrada no mercado de trabalho não é igualitária para os diferentes grupos populacionais. Tanto mulheres como os negros encontram maiores dificuldades para ocupar postos de trabalho, sejam eles formais ou informais. Em 2003, 8% dos homens e 10,6% dos brancos encontravam-se desempregados, enquanto que 12,4% era o índice de mulheres e 12,6% dos negros. A taxa de desemprego entre 1996 e 2003 se deu de forma mais intensa para mulheres e negros, do que para a população branca ou masculina. A inserção no mercado em condições mais precárias do que os brancos, faz com que negros tenham maior tendência a estarem sujeitos a relações informais de trabalho e, portanto, a terem contribuído menos para a previdência: 34,5% dos brancos estão em ocupações com carteira assinada e apenas 25,6% dos negros estão na mesma situação. De forma semelhante, 5,9% dos brancos são empregadores, apenas 2,3% dos negros o são (UNIFEM/IPEA, s/d).

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Políticas Públicas De acordo com a Lei n. 12.288, de 20 de julho de 2010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, o poder público deverá implementar medidas que visem a assegurar a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra: nas contratações do setor público, incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas; políticas e programas de formação profissional, de emprego e geração de renda; acesso ao crédito para a pequena produção nos meios rural e urbano; financiamento para constituição e ampliação de pequenas e médias empresas e estímulo à promoção de empresários negros. Como pode se perceber nos destaques abaixo, o racismo ainda incide fortemente sobre a população negra neste século:

AÇÃO MULHERES!!!!!!!!!!! Ação: Blitz dia 10/09 (TERÇA) Praça: FLORIANÓPOLIS Horário de Trabalho: 10h às 22h Cachê/ dia: R$ 120,00 Perfil candidatos: •• Bonitas •• Altura acima de 1.65 •• Pele branca •• Acima de 18 anos •• Ser desenvolta, comunicativa Interessados enviar Dados (manequim, altura, idade e sapato) + currículo + fotos de rosto e corpo inteiro para ...

O anúncio acima, recentemente publicado por uma agência de empregos de Florianópolis, reforça nosso entendimento que a discriminação racial perpassa as relações sociais cotidianas e estruturam as desigualdades no Brasil. Outro exemplo, muito recente foi publicado no dia 17 de outubro de 2013, na coluna Livre Mercado, no jornal A Notícia, assinada pelo jornalista de economia Cláudio Loetz: Em Joinville, considerando-se todos os tipos e portes de empresas, há vagas em aberto para aproximadamente 7 mil trabalhadores. A estimativa é do vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos em Santa Catarina (ABRH-SC), Pedro Luiz Pereira. O perfil ideal do trabalhador procurado é homem, branco, de 25 a 35 anos… (grifos nossos).

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Capítulo 6 Essas constatações explicitam ainda mais a o racismo e a longevidade das desigualdades, com enorme prejuízo à população negra, como pode se observar na Tabela a seguir, sistematizada por Silvério (2009, p, 31): Tabela 2 - Velocidade de redução de taxas de desigualdades entre negros e brancos – 1995-2005

Educacional Diferença em anos de escolarização desfavorável aos negros

Projeção de igualdade

Período

1995

2005

Jovens e adultos > 14 anos

2,1 anos

1,8 anos

67 anos

Jovens e adultos de 15 a 24 anos

1,9 anos

1,5 anos

40 anos

Emprego e renda – Rendimento per capita Diferença de rendimentos desfavorável aos negros Período

1995

2005

Brancos

R$ 582,00

R$ 590,00

Negros

R$ 245,00

R$ 270,00

58,00%

54,30%

Projeção de igualdade

+ de 100 anos

Pobreza Negros e brancos abaixo da linha da pobreza Período

1995

2005

Brancos

25,60%

22,90%

Negros

53,40%

46,30%

Projeção da saída da linha da pobreza

65 anos

Fonte: IPEA, 2007. In: Silvério (2009, p. 31).

Vemos na Tabela acima que mantida a velocidade da redução de desigualdades entre os dois grupos, negros e brancos, se a educação correspondesse à formação esperada pela sociedade, os negros levariam de 40 a 67 anos para atingir a escolarização média em relação aos brancos, e mais de cem anos para atingir os mesmos níveis salariais. Enquanto que em relação à linha da pobreza, os negros somam mais que o dobro da população branca, assim, se mantida a velocidade nos 10 anos observados, os negros levariam 65 anos para sair dessa

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Políticas Públicas situação. Essa percepção evidencia que as políticas universais não impactam na redução das desigualdades entre negros e brancos, sendo necessária, por isso, a implementação de políticas afirmativas.

3.3 Saúde Como já vimos anteriormente, o Brasil é um país com grandes marcas de desigualdades raciais. Na saúde, essas desigualdades se refletem nos dados epidemiológicos que evidenciam diminuição da qualidade e da expectativa de vida da população negra, tanto pelas altas taxas de morte materna e infantil como pela violência vivenciada de forma mais intensa por esse grupo populacional. Alguns dados da pesquisa “Saúde Brasil 2005: uma análise da situação da saúde” confirma a afirmação acima: a maior porcentagem de nascidos vivos prematuros foi registrada nos recém-nascidos indígenas e negros; o risco de uma criança indígena ou negra morrer antes dos cinco anos por doenças infecciosas e parasitárias é de 60% maior do que o risco de uma criança branca; o risco de morte por desnutrição é 90% maior entre crianças negras do que entre as brancas; 2% dos nascimentos ocorrem na faixa etária materna de 10 a 14 anos entre as indígenas, o dobro da média nacional; os nascimentos provenientes de mães entre 15 e 19 anos foram de 29% para os nascidos vivos negros, ou seja, 1,7% maior que a de nascidos vivos brancos; 62% das mães de nascidos brancos passaram por sete ou mais consultas de pré-natal, enquanto que as indígenas 27% e as negras 36%; as mulheres negras grávidas morrem mais de causas maternas (hipertensão, por exemplo) do que as brancas (BRASIL, 2010b). O mesmo relatório constatou que o risco de uma pessoa negra morrer por causa externa é 56% maior do que uma pessoa branca. No caso de um homem negro, o risco é 70% maior que de um homem branco. E ainda, o risco de morte por homicídios é maior na população negra, independentemente do sexo. Surpreendentemente é que a análise dos índices dos homicídios associada a anos de escolarização mostrou que pessoas com menor escolaridade apresentam maior risco de morte, quando comparadas as de maior escolaridade. Entretanto, para os negros o risco é maior, independente da escolaridade. Isso mostra o quanto a população negra está mais exposta à violência. Em relação às doenças, é preciso destacar aqui que há aquelas que atingem em maior número a população negra, sendo agrupadas conforme as categorias: a) geneticamnete determinadas: doença falciforme; b) adquirida em condições desfavoráveis: desnutrição, anemia ferropriva, doenças do trabalho, DST/HIV/AIDS, abortos sépticos, sofrimento psíquico, estresse, depressão, tuberculose, transtornos mentais; c) de evolução agravada ou tratamento dificultado: hipertensão arterial, diabetes melito, coronariopatias, insuficiência renal crônica, câncer e miomatoses.

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Capítulo 6 Além das especificidades acima apresentadas relativas à saúde da população negra, é preciso levar conta a persistência do racismo no Brasil, como já expusemos anteriormente. Nesse sentido, para a superação das desigualdades, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra propõe como objetivos: I - a promoção da saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnicas e o combate à discriminação nas instituições e serviços do SUS; II - a melhoria da qualidade dos sistemas de informação do SUS no que tange à coleta, ao processamento e à análise dos dados desagregados por cor, etnia e gênero; III - o fomento à realização de estudos e pesquisas sobre racismo e saúde da população negra; IV - a inclusão do conteúdo da saúde da população negra nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde; V - a inclusão da temática saúde da população negra nos processos de formação política das lideranças de movimentos sociais para o exercício da participação e controle social no SUS. Parágrafo único. Os moradores das comunidades de remanescentes de quilombos serão beneficiários de incentivos específicos para a garantia do direito à saúde, incluindo melhorias nas condições ambientais, no saneamento básico, na segurança alimentar e nutricional e na atenção integral à saúde (BRASIL, 2010a Art. 8º)

Como pode se perceber, as desigualdades são graves e múltiplas, afetando a inserção da população negra na sociedade brasileira, em diferentes áreas, comprometendo o projeto de construção de um país democrático e com oportunidades para todos.

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Capítulo 7 Meio Ambiente e Dinâmicas Sociais Silene Rebelo

Habilidades

Refletir sobre a expressão política no governo e em outros espaços de interesse político nas relações entre os grupos sociais. Identificar as formas de participação política da sociedade civil nas políticas públicas. Reconhecer o importante papel do acompanhamento e avaliação das políticas públicas.

Seções de estudo

Seção 1:  O contexto histórico da questão ambiental Seção 2:  O movimento ambientalista brasileiro Seção 3:  As políticas públicas na legislação ambiental brasileira

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Capítulo 7

Seção 1 O contexto histórico da questão ambiental A discussão da problemática ambiental é, relativamente, recente. Somente a partir da segunda metade do século XX é que as questões ambientais começam a ser objeto de discussões tanto em nível internacional como nacional. Segundo Moraes (1994), os processos produtivos, tecnológicos e civilizatórios sofreram mudanças significativas nos últimos dois séculos. Contudo, todo o processo de modernização, que remete a essas mudanças, inaugurado com a Revolução Industrial, tem seu cenário montado, em nível internacional, após a década de trinta do século passado, num ritmo bastante acelerado. Um fato marcante da história e que fez a humanidade como um todo refletir o poderio da ciência em oposição à vida como um todo do planeta, foi o lançamento das primeiras bombas atômicas, em 1945, pelos Estados Unidos, primeiro experimentalmente no deserto de Los Alamos e depois sobre as populações civis de Hiroshima e Nagasaki, ao término da Segunda Guerra Mundial. Em meio a essa corrida à modernização, surgiu, a partir da década de sessenta do século XX, em nível mundial, uma série de movimentos sociais que “não criticam exclusivamente o modo de produção, mas, fundamentalmente, o modo de vida” (Gonçalves, 1989, p.11). Entre esses, nasce o movimento ecológico, que se caracteriza por incluir na sua esfera de ação questões que abrangem tanto a extinção das espécies e a poluição, como a explosão demográfica e a concentração do poder. Primavera Silenciosa A publicação do livro “Primavera Silenciosa” criou muitas polêmicas, pois além de denunciar o impacto ambiental dos agrotóxicos, em especial dos organoclorados como o DDT, questionou o modelo agrícola convencional e sua crescente dependência do petróleo.

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Assim, vale destacar, que movimento ambientalista não tem sua origem bem definida, delimitada no tempo e no espaço, tanto em nível mundial como nacional, ou seja, não houve um evento isolado ou um marco que se transformasse em movimento de massa. Percebe-se que tal movimento vai se estruturando de formas, em lugares e tempos diferentes, fundamentado, inicialmente, em questões locais. Nesse sentido, na década de sessenta do século XX, destacam-se duas publicações que tiveram uma grande repercussão mundial, o livro de Rachel Carson, “Primavera Silenciosa” (Silent Spring), publicado em 1962, e a formação do Clube de Roma, em 1968 (Dias, 1993).


Políticas Públicas O Clube de Roma era um grupo de cientistas, economistas e altos funcionários governamentais, de várias áreas, que se reuniram, a partir de 1968, para discutir a crise atual e futura da humanidade. A ideia central desse grupo era de que o planeta é um sistema com recursos finitos, que se encontrava constantemente submetido às pressões do crescimento exponencial da população e da produção econômica. Propunham um gerenciamento global da demografia e da economia, a fim de alcançar um estado de equilíbrio dinâmico.

Outro marco desses questionamentos foi a Conferência Internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972. Nessa Conferência, foram apresentadas importantes contribuições aos debates das causas e soluções dos problemas de ordem ambiental, como a proposta do Clube de Roma, que propunha o crescimento zero, e o Manifesto pela Sobrevivência, que atribuía ao consumismo exacerbado, incentivado pelo industrialismo capitalista, a responsabilidade da degradação ambiental (HERCULANO, 1992). O Brasil foi um dos países contrários ao reconhecimento da importância da problemática ambiental, visto que a política econômica brasileira da época (“milagre econômico”) estimulava a transferência para o país das indústrias e produtos poluentes (VIOLA, 1992; HERCULANO, 1992; DIAS, 1993). Os nossos enviados declararam “que o compromisso prioritário brasileiro era com o desenvolvimento acelerado e que a recuperação de desequilíbrios ambientais deveria ser responsabilidade do Primeiro Mundo”. (HERCULANO, 1992, p.09). A partir da Conferência de Estocolmo, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA e, também, a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - CMMAD, composta por 21 países-membros da ONU. O período que vai até meados dos anos setenta do século XX é caracterizado por um momento de passividade com relação aos aspectos ambientais. Adentra-se a década de oitenta do século passado, por um lado, com perspectivas positivas no empenho para a melhoria da qualidade de vida, tanto em nível internacional como nacional, e, por outro, com acontecimentos marcantes de degradação ambiental. Na esfera global, a catástrofe de Chernobyl marcou o mundo em 1986. A Figura 1 mostra as zonas ativas e monitoradas, resultantes do acidente nuclear.

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Capítulo 7 Outro acidente marcante da década foi o do petroleiro Exxon Valdez, em março de 1989, que encalhou e rompeu seus tanques na baia de Prince William Sound, no Estado do Alasca, vazando mais de 40 milhões de litros de petróleo. Esse, na época, foi o maior acidente ambiental da história dos EUA e do mundo. Segundo Tôsto e Pereira (2013), o óleo se espalhou por mais de 26 mil km2 de água e contaminou mais de 2,6 mil km de praia, matando milhares de animais selvagens. Seus impactos sobre o ambiente, muitos desconhecidos, permaneceram por anos, afetando, entre outros: superfície da água e sedimentos; uso dos recursos naturais; plantas marinhas e microrganismos; peixes, crustáceos e outros invertebrados marinhos; mamíferos marinhos, incluindo lontras, focas e aves marinhas.

Figura 7.1 - Radiação resultante do acidente de Chernobyl

Fonte: Biblioteca Online - Universidade do Texas (2014)

A CMMAD, durante cinco anos (1983/87), então presidida pela Primeira Ministra da Noruega, Sra. Gro Harlem Brundtland, levantou a situação da degradação ambiental e econômica do planeta, produzindo o relatório intitulado ‘Nosso Futuro

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Políticas Públicas Comum’, também conhecido como Relatório Brundtland, publicado em 1988. Esse relatório difundiu e enfatizou a crescente interdependência dos processos ecológicos, culturais e econômicos mundiais, bem como a insustentabilidade do estilo de desenvolvimento vigente. Nele, elucida-se a qualificação utilizada na atualidade para desenvolvimento, ou seja, sustentável. Define-se então que “o desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991, pg.46). Esse documento trouxe um referencial teórico de grande importância para a redefinição do desenvolvimento. Outro documento importante assinado nesta década, em 1985, foi a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio, que deu origem ao Protocolo de Montreal sobre substâncias que destroem a camada de ozônio, assinado em 1987. No Brasil, destaca-se, nessa década, a promulgação da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA; a inclusão da temática ambiental na Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), por meio do artigo 225 e a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente – IBAMA, pela Lei 7735, de 22 de fevereiro de 1989, com a finalidade de formular, coordenar e executar a política nacional do meio ambiente. Os anos noventa do século XX representam o momento de maior discussão e divulgação do tema, visto que, tanto na esfera nacional e internacional, a sustentabilidade é o tema do momento. A década dos anos oitenta do século passado se caracteriza pelo período do início da ação com relação à problemática ambiental. O principal marco tanto internacional como nacional foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - CNUMAD, também conhecida como RIO-92 ou ECO-92, sediada pelo Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. Diversos acordos foram assinados durante a conferência, servindo para ampliar e fortalecer o aparato filosófico, jurídico e político do desenvolvimento futuro. Os principais documentos elaborados foram: •• Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que estabelece os princípios de conduta básicos das nações nas suas relações recíprocas e com a terra; •• Convenção sobre a Diversidade Biológica, que estabelece metas para preservação da diversidade biológica e para a exploração sustentável do patrimônio genético, sem prejudicar ou impedir o desenvolvimento de cada país;

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Capítulo 7 •• Convenção-Quadro das Nações Unidas Sobre Mudança do Clima, que estabelece estratégias de combate ao efeito estufa. A convenção deu origem ao Protocolo de Quioto (ou Kyoto), por meio do qual as nações ricas devem reduzir suas emissões de gases que causam o aquecimento anormal da Terra; •• Declaração de Princípios sobre Florestas, que garante aos Estados o direito soberano de aproveitar suas florestas de modo sustentável, de acordo com suas necessidades de desenvolvimento; •• Agenda 21, que é um programa dinâmico, na qual são descritas as bases para a ação, objetivos, atividades e meios de implementação do desenvolvimento sustentável até e durante o século XXI.

No setor empresarial foi promulgada, em 1991, pela Câmara Internacional do Comércio (ICC), a Carta Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (Carta de Roterdã). Essa carta foi apresentada na Rio-92 e tem16 princípios que têm servido de base para a maioria das políticas ambientais adotadas por organizações empresariais. Nesta década, outro marco neste mesmo setor veio da entidade International Organization for Standardization (ISO), com sede em Genebra, Suíça. Essa entidade tem a função de elaborar padrões ou normas internacionais, de modo a facilitar as relações comerciais entre os diferentes países. A ISO congrega mais de 150 nações, e no Brasil ela é representada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Em outubro de 1996, essa organização emite a primeira versão da Norma ISO 14001 – Sistema de Gestão Ambiental, a qual foi revisada em 2004. No País destaca-se, também, no final dessa década, a inclusão na esfera penal das questões ambientais, por meio da promulgação da Lei nº 9.065, de 12 de fevereiro de 1998, a qual dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. A partir dos anos noventa, inicia-se uma fase que pode ser caracterizada como ativa nos aspectos referentes às questões ambientais. Isso se justifica pelo fato de os problemas ambientais se tornarem mais visíveis e cotidianos. Adentra-se o século XXI com perspectivas não muito otimistas na área ambiental. Esse início de século é marcado, primeiro, pela preocupação com os recursos hídricos do planeta e nos últimos anos os questionamentos, discussões e tomadas de decisão centram-se no debate sobre o aquecimento global, desertificação, diminuição da biodiversidade, poluição (atmosférica, visual, sonora, lixo) entre outros. Os problemas ambientais tomam conta da mídia e do ideário da população em geral.

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Políticas Públicas Um marco internacional deste século foi a Cúpula Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Johanesburgo, em 2002, também denominada Rio+10, Cimeira da Terra ou Cúpula da Terra. O objetivo principal dessa conferência era rever as metas propostas pela Agenda 21 e direcionar as realizações às áreas que requerem um esforço adicional para sua implementação, assim como refletir sobre outros acordos e tratados da Rio-92. Para esse evento foram identificados cinco temas que mereceram atenção especial durante a Cúpula: recursos hídricos, energia, saúde, agricultura e biodiversidade. Como resultado da Rio+10 produziram-se dois documentos oficiais, adotados pelos representantes dos 191 países presentes na conferência: a Declaração Política — O Compromisso de Johanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável — e o Plano de Implementação. Contudo, tais documentos não têm caráter mandatício, pois não apresentam qualquer sistema de monitoração ou sanção para coibir o descumprimento dos países signatários. Representam apenas um conjunto de diretrizes e princípios para as nações de caráter voluntário e de longo prazo, cabendo a cada país transformá-las em leis nacionais para garantir a sua realização, e apostam nas diretrizes de mercado para solucionar problemas globais como a pobreza e a degradação ambiental (LANGONE, 2003; SEQUINEL, 2002). O clima das negociações e os resultados da Cúpula da Terra refletem uma inoperância e falta de eficiência e compromisso dos mecanismos tradicionais de negociação nas relações multilaterais. Além de refletir um retrocesso no firme propósito alcançado nas últimas décadas do século passado, ou seja, o que norteia as ações planetárias são as decisões que priorizam todas as nuances do desenvolvimento e não somente a questão econômica. Outro exemplo dessa inoperância é a trajetória das negociações do Protocolo de Quioto. Esse acordo internacional foi elaborado pela ONU em 1997 e só conseguiu entrar em vigor em 2005, pela ratificação de 141 países. Atualmente, já são 194 que ratificaram, mas o principal emissor de gases de efeito estufa para a atmosfera, os Estados Unidos, continuam reticentes à ratificação. Desde 1992, quando foi elaborada a Convenção-Quadro das Nações Unidas Sobre Mudança do Clima (Protocolo de Quioto) foram realizadas 18 Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COPs), sendo que a COP-18 não obteve grandes avanços, gerando uma grande incerteza com relação às Conferências subsequentes. A próxima será realiza em novembro de 2013 na Varsóvia. Por outro lado, vários eventos, fenômenos e catástrofes naturais marcam a primeira década do século XXI. Pode-se citar em nível internacional a onda de calor que assolou a Europa no verão de 2003, matando milhares de pessoas. Já em nível nacional pode-se citar o Ciclone Catarina, que ocorreu em 2004 no sul do País, a seca na Amazônia em 2005, entre outros.

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Capítulo 7 No início da segunda década do século XXI ocorreu o maior desastre ambiental já visto no planeta. No dia 20 de abril de 2010, uma explosão na plataforma da British Petroleum Deepwater Horizon, no Golfo do México, matou 11 pessoas e rompeu tubulações no fundo do oceano. Mais 4 milhões de barris de petróleo vazaram. A mais recente conferência da ONU realizada foi a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS), conhecida também como Rio+20. Tal conferência foi realizada entre os dias 13 e 22 de junho de 2012 na cidade do Rio de Janeiro. Teve como objetivo central discutir sobre a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável. A Rio + 20 teve como objetivos: a. assegurar um comprometimento político renovado para o desenvolvimento sustentável; b. avaliar o progresso feito até o momento e as lacunas que ainda existem na implementação dos resultados dos principais encontros sobre desenvolvimento sustentável; c. abordar os desafios novos e emergentes.

Teve como foco o debate de dois temas centrais: I. A transição para uma economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza. II. O quadro institucional (instrumentos de governança) para o desenvolvimento sustentável.

Guimarães e Fontoura (2012, p. 30) analisaram os resultados da Rio+20 e concluem que a principal questão que se evidenciou, talvez mais uma vez, para o não avanço do real enfrentamento que a nações deveriam adotar para minimizar o efeitos da degradação ambiental mundial é a falta de vontade política para efetivamente agir. Afirmam que Esta barreira se dá essencialmente pelo conflito de interesses na atual governança ambiental global, no qual cada ator busca ter seus interesses favorecidos, tornando cada vez mais distante a adoção de pontos convergentes. Vê-se claramente que os interesses setoriais e os respectivos campos de atuação continuam a diferir consideravelmente, como revelam as situações do setor privado versus movimentos sociais ou países desenvolvidos e países em desenvolvimento.

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Políticas Públicas Por fim, analisando-se o processo histórico da questão ambiental, pode-se inferir que o cerne do problema concentra-se, por um lado, no reconhecimento e na tomada de decisão de que tais questões são imprescindíveis para a manutenção do planeta e para a sobrevivência da humanidade. E, por outro, que o cerne da problemática ambiental concentra-se no padrão de consumo da sociedade moderna e, consequentemente, sua relação com os bens naturais. Prescinde-se, assim, de um novo direcionamento da sociedade como um todo na busca, do que hoje se convencionou denominar de consumo consciente. Consumo consciente é o ato de consumir como um ato de cidadania. O consumidor consciente busca seu bem-estar, mas avalia as consequências ecológicas e as necessidades sociais de suas escolhas de consumo. Ou seja, preocupa-se em não adquirir produtos ou serviços que possam causar algum tipo de impacto negativo à natureza e à sociedade, tanto na sua produção como no seu consumo.

O século XXI caracteriza-se, por um lado, pelo agravamento e maior visibilidade dos problemas ambientais e, por outro, pela inoperância e falta de eficiência e compromisso dos mecanismos tradicionais de negociação na área ambiental. Como se pode perceber, os aspectos relacionados às questões ambientais têm uma abordagem muito recente e muito ainda é necessário ser feito para que se possa equalizar todos os aspectos envolvidos nessa temática tão complexa.

Seção 2 O movimento ambientalista brasileiro Analisando a história percebe-se que a modernidade que surge a partir do século XVI, em função das expansões ultramarinas e das revoluções científica e industrial, transforma a cultura num processo civilizatório, no qual se estabelece uma relação de oposição entre cultura/civilização e natureza. Verifica-se, também, que o pensamento ambientalista não é recente, sendo visualizado já no século XVIII. Todavia, nessa época, prevalecia uma visão romântica e bucólica, que idealizava a simplicidade da vida rural e criticava a sociedade industrial que surgia. (PEPPER, 1986; WORSTER, 1979; O’RIORDAN, 1981 apud HERCULANO, 2002). Esse viés do pensamento ambientalista perpetua-se até o século XX, quando esse, primeiramente, surge imbuído de uma crítica e uma recusa ao mundo moderno e sua ciência, reflexo dos eventos anteriormente mencionados como o lançamento das bombas atômicas no final da segunda Guerra Mundial.

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Capítulo 7 No século XX é que o movimento ambientalista começa a tomar corpo e expressão. Tentando sistematizar o entendimento da estruturação desse movimento social. Herculano (2002) categoriza o pensamento ambientalista contemporâneo em ordem cronológica em algumas vertentes ou correntes de pensamento, os quais serão apresentados a seguir. Antes de falar do movimento ambientalista brasileiro é importante entender que o pensamento e o movimento ambientalista não se conjugam no singular. Ou seja, como bem coloca Layrargues (2003, p. 60), O ambientalismo é um fenômeno social que se conjuga no plural, porque ele engloba múltiplas visões sobre a crise ambiental; múltiplas interpretações sobre as causas das questões ambientais; múltiplas percepções do relacionamento do humano com a natureza; múltiplos interesses pela preservação da natureza; múltiplas representações dos conceitos analíticos que preenchem cognitivamente tais fontes de interpretação, a exemplo de natureza, meio ambiente, problema ambiental, conflito sócio-ambiental, entre outros.

Esse mesmo autor analisa que existem algumas classificações na literatura, que procuram delimitar as características definidoras desse movimento, a fim de se identificar com maior detalhe esse fenômeno social. Conclui afirmando que A diversidade de opções ambientalistas resulta numa certa conflituosidade que necessariamente conduz ao campo político da negociação dos valores e interesses na condução democrática de políticas públicas, tornando o processo de gestão ambiental inequivocamente participativo. (LAYRARGUES, 2003, p. 69).

Dessas classificações, duas são as mais mencionadas na literatura. Para Layrargues (2003, p. 60) uma já é de censo comum e classifica as reações frente à crise ambiental, num gradiente com pelo menos cinco categorias: •• Exponencialistas, que entendem ser possível e necessário exaurir a natureza, considerada ilimitada e inesgotável, já que a tendência humana seria a artificialização da natureza, conquistando inclusive outros corpos celestes além do planeta Terra, desde que a racionalidade instrumental permita tal empreitada; •• Desenvolvimentistas, que entendem ser possível usar e destruir a natureza, para a seguir recuperá-la com a riqueza gerada. Aqui, a poluição é tida como um mal necessário no processo de desenvolvimento;

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Políticas Públicas •• Compatibilistas, que advogam a possibilidade de se efetuar o desenvolvimento com concomitante proteção ambiental, pois essa perspectiva entende ser menos prejudicial prevenir do que remediar; •• Socioambientalistas, que julgam que a luta ambiental deve ser subordinada às lutas sociais contra a exclusão social ou melhoria da qualidade de vida humana; •• Conservacionistas, que almejam o uso ‘racional’ e parcimonioso dos recursos naturais; •• Preservacionistas, que vislumbram a necessidade de se colocar a natureza e a vida selvagem em completo isolamento com relação ao ser humano.

Outra bastante citada é a estabelecida por Herculano (1992), que destaca sete vertentes, de acordo com as percepções a respeito das causas e respectivas propostas de enfrentamento da crise ambiental: •• Alternativos, que se inserem no movimento da contracultura e preconizam a critica ao produtivismo e consumismo, à rebeldia diante de um Estado autoritário e belicista. Seria a vertente arcadiana e antiprogressista do pensamento ambientalista. •• Neomalthusianos, que preconizam o controle populacional humano, o que evitaria a degradação da qualidade de vida. •• Zeristas, influenciados pelas recomendações do Clube de Roma (Meadows, 1978) propõem o crescimento zero. Propõem o ecosocialismo; •• Marxistas, colocam o capitalismo e o consumo exacerbado como sendo os responsáveis pela degradação ambiental. •• Verdes ou Ecologistas Sociais, combatem tanto o capitalismo como o socialismo. São partidários da descentralização, do não consumo, do ativismo, do pacifismo, da distribuição do trabalho, além da distribuição das riquezas, da Ética. Propõem a autogestão e descentralização, sob forte inspiração anarquista. •• Fundamentalistas, partidários da Ecologia Profunda (expoentes defensores do preservacionismo e propõem um nostálgico retorno à natureza). Combatem o antropocentrismo e propõem o ecocentrismo. •• Eco-tecnicista ou tecnocentrismo acreditam na superação da crise ambiental por meio do desenvolvimento da ciência e suas novas técnicas. Propõem o otimismo tecnológico.

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Capítulo 7 A verificação da existência e de classificações e interpretações distintas das várias correntes e vertentes do ambientalismo não desqualificam nem tornam tal movimento contraditório. Na realidade, deve-se encarar esse movimento como (...) um fenômeno social que se conjuga no plural, porque ele engloba múltiplas visões sobre a crise ambiental, múltiplas interpretações sobre as causas das questões ambientais, múltiplas percepções do relacionamento do humano com a natureza, múltiplos interesses pela preservação da natureza; múltiplas representações dos conceitos analíticos que preenchem cognitivamente tais fontes de interpretação, a exemplo de natureza, meio ambiente, problema ambiental, conflito socioambiental, entre outros. (Layrargues, 2003, p. 60).

De forma similar a outros processos sociais, tanto a consciência ecológica, como o ambientalismo no Brasil se estruturam tardiamente em relação aos países desenvolvidos. Contudo, a sua estruturação é o reflexo de uma influência marcante, principalmente, do ativismo ambientalista da Europa e dos EUA. Não existe um consenso sobre o início da estruturação do movimento ambientalista brasileiro. Para Almeida (2002), tal início se dá, em 1930, com a fundação da Sociedade dos Amigos das Árvores. Já Viola e Leis (1992) entendem este início a partir da criação da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN), órgão vinculado à União Internacional para a Conservação da Natureza, em 1958. Por fim, Sirkis (1992) remete ao início do ambientalismo brasileiro à fundação da Associação Gaúcha de Proteção do Ambiente Natural (AGAPAN). Independente de firmar um marco inicial, o que se verifica na prática é que tal movimento passa a ter maior expressão na sociedade brasileira, a partir da década de 70. Isso devido à Conferência de Estocolmo em 1972, à volta dos exilados políticos e, internamente, devido “à superação do mito desenvolvimentista, pelo aumento da devastação amazônica, a formação de uma nova classe média, influenciada pelos novos debates sobre a qualidade de vida, e o malogro dos movimentos armados de esquerda”. (JACOBI, 2003, p. 519). Na busca de fazer um paralelo com as vertentes anteriormente apresentadas será considerado aqui o marco inicial considerado por Urban (1998). Essa autora não data o início do ambientalismo especificamente a fundação de uma entidade ou num ano ou evento específico, mas sim remete aos primórdios do século XX, com o início da formação do preservacionismo no Brasil. Assim, pioneiramente, em 1930, fundou-se a Sociedade dos Amigos das Árvores, pelo botânico Alberto Sampaio, atuando na luta pela proteção da natureza junto

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Políticas Públicas ao governo, esta congregava intelectuais, jornalistas e políticos. Essa fundação tinha como símbolo o Pinheiro Brasileiro (Araucária angustifólia), que devido à acelerada colonização no norte do Paraná era objeto da extração florestal desenfreada. Essa sociedade organizou, em 1934, a 1º Conferência Brasileira para Proteção da Natureza, com o objetivo de discutir políticas de proteção ao meio ambiente e defesa da flora, fauna, sítios de monumentos naturais. (URBAN, 1998). Ainda na década de 30 e fruto do movimento ambientalista nacional foram criadas três das primeiras Unidades de Conservação brasileiras: •• Parque Nacional de Itatiaia – na divisa dos estados do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e São Paulo, na Serra da Mantiqueira; tendo como função a preservação ambiental; criado pelo Decreto nº 1.713 de 14 de junho de 1937. •• Parque Nacional das Serra dos Órgãos – num trecho da Serra do Mar na região serrana do Estado do Rio de Janeiro; tendo com o objetivo proteger a excepcional paisagem e a biodiversidade do local; criado pelo Decreto-Lei nº 1822, de 30 de novembro de 1939. •• Parque Nacional do Iguaçu – na região do extremo oeste paranaense; com o objetivo de preservas as Cataratas do Iguaçu; criado pelo Decreto n.° 1.035 de 10 de janeiro de 1939; foi tombado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) como Patrimônio Natural da Humanidade devido a sua grande importância ecológica.

O movimento ambientalista, nesse primeiro momento de sua história, restringe-se às discussões sobre proteção das florestas ou da fauna, tendo contribuído para o surgimento de algumas legislações correlatas, como será abordado na próxima seção. Segundo Ferreira (2008), divide as manifestações do movimento ambientalista brasileiro em protecionista, nacionalista e conservacionista. Os representantes do protecionismo seriam os cientistas que preconizavam a proteção das florestas; já os nacionalistas eram representados pelos pensadores nacionalistas que defendiam a necessidade de preservar os principais recursos do país, como forma de manter a independência da nação; e os conservacionistas buscavam a conciliação da utilização e a conservação dos recursos pela sociedade. Nos anos 40 do século passado, pequenos grupos de conservacionistas, com influência sobre o governo e à opinião pública, criaram associações, demonstrando grande capacidade de organização.

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Capítulo 7 Destaca-se a criação, em 1956, da Associação de Defesa da Flora e da Fauna de São Paulo (ADEMASP), pelo renomado jurista e naturalista Paulo Nogueira Neto, junto com José Carlos Magalhães e Lauro Travesso. A ADEMASP até hoje se encontra em atividade. (URBAN, 1998). Devido à influência e ligação de cientistas brasileiros com o movimento conservacionista internacional, em 1958, foi criada a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN), no Rio de Janeiro. Vivencia-se, então, um novo momento do ambientalismo brasileiro, representando uma reação ao desenvolvimentismo acentuado e a qualquer preço. A FBCN conseguiu uma amplitude e repercussão de suas ações em todo o país, por isso a sua criação é considerada um marco para o ambientalismo brasileiro. (FERREIRA, 2008). O resultado da ação dos membros dessas duas instituições, devido ao grande poder de influência desses na esfera governamental, remeteu a um momento de conquistas do movimento ambientalista e de consolidação da política conservacionista do país. Isso se refletiu na retomada da criação de parques como instrumento de conservação, sendo que entre 1959 e 1961 foram criados onze. Isso foi possível e viabilizado, pois nesse período Victor Farah Abdennur, um dos fundadores da FBCN, era o presidente do Conselho Federal Florestal. (URBAN, 1998). Com relação ao aparato institucional do governo federal, o primeiro órgão criado para lidar especificamente com a conservação da natureza no Brasil foi o Serviço Florestal, ligado ao Ministério da Agricultura, que funcionou de 1921 a 1959. Esse órgão não teve uma atuação significativa nos seus primeiros anos, mas foi sendo aparelhado e aos poucos sua atuação foi aumentando. Em 1959, foi substituído pelo Departamento de Recursos Naturais Renováveis (DRNR), que funcionou até 1967, quando foi novamente substituído pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), uma repartição do Ministério da Agricultura. O Departamento de Pesquisa e Conservação da Natureza, do IBDF, era a estrutura que de forma inicial contribuiu para o ambientalismo. Tinha como atribuição conservar os recursos naturais renováveis e contava com conservacionistas na sua equipe, que se utilizavam da sua função para pressionar o governo para criação de novas áreas protegidas, no período, foram criados vinte novos parques. No início da criação do aparato institucional na área ambiental, com relação aos programas de governo, a realidade era completamente outra. Era reafirmada, nas ações de governo, a posição que seria manifestada na década seguinte na Conferência de Estocolmo da ONU, ou seja, que as preocupações com a defesa ambiental iam de encontro com o momento de crescimento econômico, fundamentado na industrialização, sem preocupação ambiental dos países desenvolvidos.

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Políticas Públicas Durante a década de 70, ocorreu uma ampla industrialização e uma crescente urbanização no Brasil, em função do milagre econômico. Paralelamente cresce o espírito libertário e contestatório, representado pelo Tropicalismo, fazendo o movimento ambientalista abandonar o conservacionismo e adotar uma nova abordagem sobre a questão ambiental, que para Sirkis (1992) denomina-se Ecologia Política. Inserem-se, nesse momento, os socioambientalistas. Como nessa época vigoravam normas ditatoriais, censura ao direito de expressão, prisões e desaparecimentos de opositores ao regime militar, abriuse espaço para a questão ambiental, visto que era cerceada a manifestação de assuntos mais estritamente políticos, e não havia bloqueio ao tema meio ambiente. Uma das válvulas de escape para alguns foi a militância pela natureza. Destaca-se, nesse momento, o ativismo intenso e participativo do ambientalismo do Sul do país, principalmente no Rio Grande do Sul. Um dos ícones deste movimento no Sul foi Engenheiro Agrônomo José Antonio Lutzenberger, que apesar de ter se especializado em adubação química dos solos e ter trabalhado em empresas agroquímicas tanto nacional como multinacional (BASF na Alemanha), por cerca de 20 anos, verificou os malefícios desses produtos ao ambiente como um todo. Foi um dos fundadores da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), em Porto Alegre, em 1971. Essa associação começa sua atuação em cima de questões mais pontuais em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, depois desponta no cenário nacional (SIRKIS; 1992). A década de 70 é marcada pela fundação de várias organizações, que tinham como lema a atuação na área ambiental em todos os estados brasileiros. Entre esses pode-se citar: a Ação Democrática Feminina Gaúcha (ADFG), no Rio Grande do Sul em 1972; o Movimento Arte e Pensamento Ecológico (MAPE), em São Paulo em 1973; e a Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA), em 1978, em Minas Gerais. Essa fase marca a ação dos movimentos populares no processo de construção da sociedade civil organizada ambiental, a qual percebe o seu poder de mobilizar e pressionar os poderes públicos e de levar seus ideais ao grande público. Além do que, nessa década, reforça-se, como resposta à pressão internacional pós Conferência da ONU em Estocolmo, o aparato institucional do governo na área ambiental. Cria-se em 1974 a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), vinculada ao Ministério do Interior, a primeira agência governamental nessa área. A SEMA foi chefiada 12 anos por Paulo Nogueira Neto, que conseguiu levar a cabo a criação de várias unidades de conservação e incentivou os governos estaduais a terem sua política ambiental. Destaca-se a criação das agências ambientais, principalmente no sul e sudeste do país, para controle da poluição,

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Capítulo 7 como a Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental (CETESB), em São Paulo, e a Fundação de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), no Rio de Janeiro. (JACOBI, 2003). Contudo, durante todo o regime militar, a SEMA teve pouca projeção, sendo que a linha mestra da política ambiental do governo foi o “desenvolvimento com baixo custo ecológico”, o que se constituiu em um eufemismo criado pelo regime militar para dissimular o verdadeiro sentimento da “ideologia desenvolvimentista” de enfoque predominantemente econômico (FERREIRA, 1998, p.126 apud COSTA, 2005, p. 153). Em consonância com o ambientalismo mundial, na década de 80, o Brasil sofre um processo de politização da questão ambiental. O tema insere-se nas instituições públicas, havendo a criação de órgãos exclusivos e a tradução dessa dimensão como problemas de política pública. As entidades ambientalistas passam a fazer parte do cenário nacional por meio da organização e maior participação da sociedade civil organizada, da articulação com os governos estaduais e da descentralização da gestão ambiental. (FERREIRA, 2008). Neste período, com a sua redemocratização do país, ocorre uma explosão de organizações não governamentais (ONGs), ganhando, o terceiro setor, importância quantitativa e qualitativa em todas as áreas. Isso não foi diferente na esfera ambiental, a qual passou a ser institucionalizada sob a forma de organizações civis, chegando a ganhar caráter de função pública. No início da década, institucionaliza-se a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), pela promulgação da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Entre as primeiras atuações dessa política destaca-se, num primeiro momento, a ação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Esse é um órgão consultivo e deliberativo, formado por representantes de ministérios e entidades setoriais da Administração Federal, diretamente envolvidos com a questão ambiental, bem como de órgãos ambientais estaduais e municipais, de entidades de classe e de organizações não governamentais. Pelo CONAMA inseriu-se a sociedade civil organizada dentro da estrutura administrativa de governo, o que representou um grande avanço para o ambientalismo brasileiro, permitindo uma participação concreta da sociedade nas decisões políticas na esfera ambiental. Nessa fase, marcada pela politização da questão ambiental, ocorre, também, a aproximação do movimento com os partidos políticos e o ingresso de alguns ativistas ambientais em partidos de oposição ao governo. O Partido Verde foi criado em 1986, no Rio de Janeiro, por um grupo composto por escritores, jornalistas, ecologistas, artistas e também por ex-exilados políticos. Participaram nesse grupo Alfredo Sirkis, Herbert Daniel, Guido Gelli, Lucélia Santos e Fernando Gabeira, entre outros. (SIRKIS, 1992).

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Políticas Públicas Apesar dos avanços políticos da década de 80 na área ambiental, essa, também, foi marcada por grandes queimadas na floresta amazônica, estimuladas por incentivos fiscais do regime militar para a colonização da Amazônia, principalmente no estado do Acre, onde o governo estimulou a substituição da floresta, seringais, por extensas áreas de pastagem para a criação de gado. Contrário à devastação da Amazônia, o seringueiro, sindicalista e ativista ambiental Chico Mendes, nascido em Xapuri/AC, foi quem organizou mobilizações de resistência pacíficas dos seringueiros e suas famílias. Encabeçou a proposta União dos Povos da Floresta, um projeto que buscava unir os interesses dos indígenas, seringueiros, castanheiros, pequenos pescadores, quebradeiras de coco babaçu e populações ribeirinhas, por meio criação de reservas extrativistas, as quais preservariam as áreas indígenas e a floresta, além de ser um instrumento da reforma agrária. Sua luta, junto com os seringueiros, pela preservação do seu modo de vida, adquiriu grande repercussão nacional e internacional. (FERREIRA, 2008). Nesta década, fica mais evidente a influência da preocupação ambiental internacional, também como reflexo a atuação de Chico Mendes, devido às exigências estabelecidas pelas agências de financiamento externo. Um exemplo é o acordo celebrado com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para a pavimentação da BR-364 (trecho Porto Velho - Rio Branco). Com resposta a tais exigências, foi criado o Programa de Proteção ao Meio Ambiente e às Comunidades Indígenas (PMACI), em 1985, e, em março de 1987, o Decreto 94.075 estabeleceu que todo empreendimento que recebesse incentivos fiscais na área da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) estaria sujeito à fiscalização quanto à proteção e controle ambiental. (COSTA, 2005). Em 1988, um acontecimento trágico marca a trajetória do movimento ambientalista e agrário nacional. Chico Mendes foi assassinado na porta de sua casa em 22 de dezembro. Tal acontecimento coloca, definitivamente, os problemas ecológicos do Brasil, particularmente a destruição da Amazônia, no centro da atenção internacional. Neste mesmo ano, o presidente José Sarney cria o Programa de Defesa do Complexo de Ecossistemas da Amazônia Legal, denominado Programa Nossa Natureza. No ano seguinte, ainda em decorrência das repercussões internacionais negativas sobre o desmatamento na Amazônia e assassinato de Chico Mendes, foi criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), primeiro órgão executor da PNMA.

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Capítulo 7 Adentra-se a década de noventa com a inserção do setor empresarial, além dos que já existiam, a sociedade civil organizada, representando o movimento ambientalista, e o poder público que aos poucos vai sendo aparelhado, passando a pautar sua atuação na sustentabilidade. Em junho de 1992, realizou-se, no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), que tinha como objetivo o exame de estratégias de desenvolvimento adotadas pelos estados membros e a perspectiva da consideração dos seres humanos no centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Um dos documentos resultantes dessa Conferência é que impulsionou, por um lado, a inserção ambiental na esfera empresária, a Agenda 21. Por outro lado, como já foi mencionado na seção anterior, a Norma ISO 14001 também estimulou esta inserção. Um marco neste setor foi a criação, em 1997, do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). A CEBDS tem como objetivos e formas de atuação principais: implantar a ecoeficiência e a Responsabilidade Social corporativa (RSC) como princípio fundamental de todas as empresas; fomentar a comunicação e o diálogo entre os empresários, o Estado, as ONGs e a comunidade acadêmica; participar da definição de políticas que conduzam ao desenvolvimento sustentável e manter junto às grandes organizações nacionais e internacionais um estreito intercâmbio de informações sobre melhores práticas em desenvolvimento sustentável faz parte da Comissão de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21. (ALMEIDA; 2002, p. 68)

A inserção do setor empresarial no contexto ambiental é marcante para o movimento ambientalista, pois passa a existir uma grande demanda por serviços técnicos e especializados, tornando o movimento multissetorial e complexo. Assim, paralelamente às ONGs tradicionais focadas na denúncia e de conduta voluntarista, ocorre um movimento de profissionalização das entidades. Nesse contexto, surgem e adequam-se muitas das entidades existentes a uma estrutura de funcionamento mais profissional, capaz de atrair recursos de organizações ambientalistas de outros países, bem como de empresas públicas e privadas, nacionais e multinacionais. Outra mudança significativa que surge no movimento foi a constituição de fóruns e redes, os quais apresentam uma importância estratégica para expandir e consolidar o caráter multissetorial do ambientalismo. Destacam-se, entre tais

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Políticas Públicas redes e fóruns: a rede de ONGs da Mata Atlântica; A Coalizão Rios Vivos; o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA); a AS-PTA Assessoria e Serviços a Projetos de Agricultura Alternativa; a Rede Cerrado; entre outras. O século XXI é para o movimento ambientalista nacional o momento onde tal profissionalização se concretiza, sendo que se verifica a crescente inserção desse setor na instituição de várias políticas públicas importantes que serão descritas na seção a seguir Por fim, verifica-se ao longo da explanação do histórico do movimento ambientalista nacional que esse assumiu, ao longo de sua história, uma influência marcante e crescente na formulação e implementação de políticas públicas e na promoção de estratégias para um novo estilo sustentável de desenvolvimento.

Seção 3 As políticas públicas na legislação ambiental brasileira As crises internacionais de 1914-19 e 1929-31 demonstraram a fragilidade da economia nacional baseada na exportação de produtos primários. Isso fortaleceu e propulsionou a posição da parcela da elite brasileira que defendia o desenvolvimento da indústria. Com a Revolução de 1930 e a tomada do poder pelo grupo liderado por Getúlio Vargas, inicia-se a troca do modelo econômico de agrário para industrial. Tal mudança exige uma maior utilização da energia elétrica para a geração de riquezas. A regulação desse novo modelo é expressa na visão nacionalista acerca dos recursos naturais, como água, florestas e minérios, constante na Constituição Federal de 1934. Isso possibilitou a criação de instituições que iriam regular os usos desses recursos e de vários atos normativos, com relação ao uso e propriedade desses recursos. Com relação ao movimento ambientalista, esse período remete ao preservacionismo, quando a discussão e atuação estavam ainda restritas aos cientistas e intelectuais. Neste momento, uma grande contribuição do movimento nas discussões ambientais no Brasil foi o subsídio da elaboração do primeiro Código Florestal, Decreto nº 23.793, de 23 de janeiro de 1934. Sua elaboração foi resultado da contribuição da Sociedade dos Amigos das Árvores, na figura de Durval Ribeiro de Pinho, representante desse momento histórico. (URBAN, 1998).

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Capítulo 7 Esse instrumento legal promulgava a direta intervenção do Estado na proteção de florestas, mesmo em terras privadas, pois as florestas eram consideradas bens de interesse comum a todos e tinham função pública. Sua aplicação não se efetivou, devido ao desaparelhamento estatal e pelo total desprezo, tanto por parte da sociedade como do Poder Público. Neste mesmo ano foi promulgado o Decreto nº 24.643, de 10 de junho de 1934, Código das Águas, ainda em vigor atualmente, mesmo que modificado por novas leis e decretos-lei e complementado por legislação correlata. É um instrumento legal bastante abrangente, tratando das águas doces e marinhas, das águas superficiais e subterrâneas, das águas pluviais, da contaminação e poluição hídrica, das margens e dos álveos, da navegação e hidroeletricidade. Tal decreto foi de autoria do Jurista Alfredo Valadão. Outro instrumento legal criado foi o Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934, que estabelecia a proteção de animais. Este decreto foi revogado e, atualmente, a Lei n° 5.197, de 3 de janeiro de 1967 dispõe sobre a proteção à fauna, a qual estabelece que a fauna silvestre é propriedade do Estado. Essa legislação foi alterada pela Lei nº 7.653 de 12 de fevereiro de 1988, conhecida como Lei Fragelli, a qual criminalizou os atos ilegais contra fauna e transforma a caça ilegal em crime inafiançável. Essa última legislação influenciou, devido à pressão popular e ao movimento ambientalista, o estabelecimento de legislações estaduais de proteção da fauna. Observa-se que da mesma forma que a legislação referente à fauna, que sofre modificações após 30 anos da promulgação do primeiro ato normativo da matéria, a legislação florestal também é substituída no mesmo período. Em 1965, é promulgado o Novo Código Florestal, a Lei nº 4.771, de 15 de setembro. O novo código era modernizador, por ter aperfeiçoado alguns dos instrumentos da antiga lei, mas manteve os pressupostos e objetivos da legislação anterior. Da mesma forma que o código de 1934, não foram adotadas outras medidas ou políticas que o fizessem sair do papel. Somente a criação do IBDF, em 1967, que teve sua maior atuação no estímulo aos reflorestamentos com espécies exóticas do que as políticas de conservação, que eram inexistentes. Em meio ao período militar e como forma de dar uma resposta à pressão internacional e nacional, o parlamento brasileiro promulga a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, a qual dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) e cria o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), ou seja, a articulação de órgãos que seriam responsáveis pela gestão ambiental pública, em todas as esferas de governo. Tal política, mesmo sendo lei supraconstitucional, é absorvida pela Constituição Federal de 1988, a qual conta com um capítulo dedicado ao Meio ambiente,

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Políticas Públicas sobretudo pela pressão do movimento ambiental brasileiro. No artigo 225 da constituição afirma-se que Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988, art. 225).

A elevação do direito ambiental a um direito constitucional e a um interesse difuso fortaleceu e consolidou o movimento ambientalista brasileiro, pois legitimou a participação e atuação da população na preservação e na defesa ambiental. Outro marco legal da década de 80 foi a promulgação da Lei dos Agrotóxicos, Lei nº 7.802 de 10 de julho de 1989, dessa forma, fica proibida a produção e a comercialização de agrotóxicos com características carcinogênicas, mutagênicas ou com potencial de provocar danos hormonais. Destacam-se três matérias ambientais importantes tratadas na década de noventa no país. O bioma Mata Atlântica, um dos únicos biomas brasileiros com legislação própria, conta com duas iniciativas legais na década de 90. A primeira é o Decreto n° 99.547 de 25 de setembro de 1990, que vedava o corte e a exploração da vegetação nativa da Mata Atlântica, remetendo o bioma à intocabilidade absoluta. Apesar de bem intencionado, o Decreto foi considerado inconstitucional. Tal decreto foi revogado pelo Decreto n° 750, de 10 de fevereiro de 1993, que foi resultado, segundo Capobianco e Lima (1997, p. 10), de um amplo processo de discussão nacional, apoiado na realização de várias audiências públicas. Tal decreto tinha como a definição do que poderia ser realizado no bioma, “orientando as ações e criando instrumentos de controle eficazes, que contem com a participação efetiva da sociedade, a maior interessada na conservação”. A promulgação da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). Essa orienta a gestão das águas no Brasil, por meio de um conjunto de diretrizes, metas e programas, e foi construída em amplo processo de mobilização e participação social. Tal legislação traz grandes avanços para a gestão das águas. Um é a proposição da gestão participativa e descentralizada. Outro é o reconhecimento da finitude desse recurso natural, mesmo sendo considerado renovável, e seu inequívoco valor econômico e socioambiental. Outra novidade diz respeito à dominialidade das águas, já definida na Constituição Federal de 1988, mas reafirmada na PNRH como bem público de uso comum, devendo-se assegurar prioridade básica, em situações de escassez, ao consumo humano e de animais. Além

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Capítulo 7 disso, outros fundamentos importantes da PNRH são o reconhecimento da bacia hidrográfica como unidade territorial para implementação da Política, bem como a necessidade de se integrar com a gestão ambiental e a do uso do solo. Com o objetivo de regulamentar o referido art. 225 da Constituição Federal de 1988, nos seus aspectos penais, foi promulgada a Lei nº 9.605 de 30 de março de 1998, conhecida como a Lei de Crimes Ambientais. Tal legislação trouxe uma série de avanços, sendo que o primeiro foi a tutela penal do ambiente. Outra foi a consolidação, em grande parte, de diversos textos legais que se encontravam esparsos. Também a priorização da reparação de danos causados a partir de práticas lesivas ao meio ambiente tipificadas. Além da criminalização das pessoas jurídicas. No século XXI, o arcabouço legal correlacionado ao meio ambiente, aliado à consolidação de políticas públicas, teve significativos avanços. Projetos de lei que tramitavam há décadas no Congresso Nacional finalmente foram sancionados. Em 18 de julho de 2000 foi promulgada a Lei nº 9.985, que regulamenta os incisos I, II, III e IV do 1º, do art. 225, da Constituição Federal de 1988, por meio da instituição do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). Essa lei remete a um grande avanço na esfera da conservação ambiental, pois consolida em um único instrumento legal inúmeras leis dispostas sobre manejo. Além do que define critérios e normas para o estabelecimento e gestão das áreas protegidas, as unidades de conservação. No ambiente urbano destaca-se a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que institui o Estatuto das Cidades. Tal lei tem como princípios básicos o planejamento participativo e a função socioambiental da propriedade. Prevê a instalação da população de baixa renda em áreas dotadas de infraestrutura, evitando-se a ocupação de áreas frágeis, como manguezais, encostas de morros e zonas inundáveis. Estimula os municípios a adotarem a sustentabilidade ambiental, como diretriz para o planejamento urbano e, ainda, prevê a obrigatoriedade do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) para grandes obras, como a construção de shopping centers. Resultado de um amplo debate e da mobilização da sociedade civil, através da Rede ONGs da Mata Atlântica, é aprovado, depois de 14 anos de tramitação no Congresso a Lei da Mata Atlântica, Lei nº 11.428 de 22 de dezembro de 2006. Essa lei configura-se como um instrumento fundamental para a implantação de diretrizes e políticas de proteção e recuperação da Mata Atlântica. Traz inúmeros pontos positivos no sentido da recuperação e da proteção do Bioma e apresenta vários avanços com relação ao Decreto 750/1993, principalmente na área econômica e financeira, prevendo inclusive a criação de um Fundo para contemplar projetos de recuperação e conservação. Protege de forma

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Políticas Públicas categórica a mata primária, vedando o seu corte, também vincula a exploração da mata secundária ao cumprimento de várias condições, a fim de proteger seus remanescentes. Em 2007, instituem-se as diretrizes nacionais para o saneamento básico, pela Lei nº 11.445, de 5 de janeiro. Este é um marco jurídico muito importante na área do saneamento do Brasil, visto que até então o setor era tratado pelo poder público somente através de programas e planos de governo, os quais apresentavam a fragilidade de serem abandonados, quando da mudança de gestão para partidos ou coligações de oposição. Fortalece-se, assim, a política de saneamento nacional, com grandes ganhos na área da saúde e ambiental. Sancionada a Lei nº 12.305 em 2 de agosto de 2010, após mais de 20 anos de tramitação no Congresso, a Política Nacional de Resíduos Sólidos. A lei traz vários avanços para o setor, procurando organizar a forma como o país trata o lixo, incentivando a reciclagem e a sustentabilidade. Dentro dos aspectos da nova lei destacam-se a logística reversa e o fechamento de lixões até 2014, só o que não tem como ser reciclado poderá ser enviado para os aterros sanitários e a obrigação dos municípios de elaborar seus planos de gestão de resíduos sólidos. Por fim, o que não pode ser considerado como um avanço da legislação ambiental foi aprovação do Novo Código Florestal, pela Lei nº 12.651, de 25 de abril de 2012. A discussão com relação à proposta reforma do Código Florestal inicia-se na década de 90, suscitando muita polêmica entre ruralistas e ambientalistas. Antes da sua aprovação, o Brasil vivenciou um momento de ampla manifestação popular contra ao projeto e os vetos que resultaram no texto final da lei. Ao visualizar o histórico da legislação ambiental brasileira verifica-se que esse campo jurídico ainda está se estruturando, mas nos últimos anos houve grandes avanços em termos de políticas ambientais ou correlatas no país. O movimento ambientalista tem um grande papel na coerência da formulação das leis ambientais, colocando um contraponto em relação àqueles que só visam ao lucro e ao benefício próprio, esquecendo-se que o meio ambiente é interesse difuso, portanto, é um direito da sociedade a qualidade ambiental e um dever sua conservação e preservação..

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Considerações Finais Você concluiu os estudos referentes às Políticas Públicas e espero que todo esse conhecimento acompanhe a sua prática profissional e social por toda a vida. Estou certa que através do processo interativo que acompanhou você em seus estudos, agora você já consegue se referir a Estado, política e políticas públicas, em suas muitas relações possíveis e necessárias, com conhecimento de causa. O que vimos: •• a relação que existe entre Estado e sociedade; •• a relação histórica vigente entre Estado, governo e política; •• a relação do Estado (liberal, neoliberal e social) com seus diferentes papéis por referência às políticas públicas; •• c ompreendeu as implicações do processo político partidário e da participação política na execução das políticas públicas; •• d iscutir os elementos fundamentais de algumas políticas sociais e econômicas no contexto nacional e regional; •• habilidades básicas de formulação e avaliação de políticas públicas. •• q uestões relacionadas ao meio ambiente, aos direitos humanos e cultura e identidade foram estudados sob a luz das políticas públicas.

Um abraço, Professora Ruth Kehrig

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Sobre o Professor Conteudista Ruth Terezinha Kehrig Graduada em Administração de Empresas pela FURB – Fundação Universidade Regional de Blumenau (1977). Especialista em Administração Pública pela ESAG/UDESC (1978). Licenciada em Saúde Pública em nível de pós-graduação pela Universidade do Chile (1979). Mestre em Saúde Pública com menção em Administração de Saúde pela Universidade do Chile, e, doutora em Saúde Pública com área de concentração em Políticas, Planejamento e Administração. Tem experiência profissional de 27 anos junto à Secretaria de Estado da Saúde onde desempenhou diversas funções, destacando-se: Coordenadora de Regional de Saúde, Assessora de Planejamento, Diretora de Serviços Básicos de Saúde e Chefe de Desenvolvimento de Recursos Humanos. É professora do Mestrado em Saúde Coletiva da UNOESC de Joaçaba, e na graduação nos Cursos de Administração Pública e Gestão de Cidades da FASSESC onde trabalha com as disciplinas de Teoria Organizacional e de Políticas Públicas, assim como na Unisul Virtual. É pesquisadora e tem trabalhos publicados na área de políticas públicas de saúde e teoria organizacional.

Elivete Cecília de Andrade (4ª edição) Graduada em Serviço Social pela Fundação Educacional do Sul de Santa Catarina (1986). Especialista em Metodologias do Ensino Superior e também em Gerontologia. Mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1996). Tem experiência profissional de vinte e dois anos, exercendo funções na docência no ensino, pesquisa e extensão e em funções gerenciais na Unisul. É professora de disciplinas voltadas à área social e de Políticas Públicas na modalidade presencial e virtual. É pesquisadora e coordena grupos de trabalho na área social e políticas públicas. Realiza projetos de extensão articulados aos municípios da região e participa da dinâmica dos Conselhos Municipais de Políticas Públicas. Trabalha processos de capacitação de gestores públicos (secretários, técnicos e conselheiros).

Georgia Maria Ferro Benetti Licenciada em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria (1993). Mestre em Ciência do Movimento Humano pela Universidade Federal de Santa Maria (2001). Doutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa

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Catarina (2010). É Analista Acadêmico no Núcleo de Apoio à Pós-Graduação, integrante da equipe técnica da Pró Reitoria de Ensino e docente no curso de Educação Física da Universidade do Sul de Santa Catarina. Tem experiência nas áreas de dança, esporte, pedagogia do movimento, educação (educação infantil, ensino fundamental e ensino superior) com ênfase em Ciências Humanas, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, ensino superior, formação de professores, gênero, cibercultura e antropologia do ciberespaço.

Joana Célia dos Passos Possui graduação em Pedagogia, Mestrado (1997) e Doutorado em Educação (2010) pela Universidade Federal de Santa Catarina. Realiza estágio Pós-doutoral em Sociologia Política no PPGSP/UFSC. Atualmente é docente no Departamento de Estudos Especializados em Educação da UFSC. É pesquisadora associada ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa Núcleo de Santa Catarina (INCTi-SC/UFSC) e ao Núcleo de Pesquisas em Movimentos Sociais (NPMS/UFSC). É membro efetiva da organização catarinense do movimento negro - Núcleo de Estudos Negros (NEN). Foi consultora da UNESCO e do PNUD na formulação de políticas educação de jovens e adultos. Atuou na SECAD/MEC na formulação do Programa Saberes da Terra. É membro titular do Fórum Permanente de Educação de Santa Catarina e do Fórum Estadual de Educação das Relações Étnico-Raciais. Desenvolve pesquisas em Educação e relações raciais, com foco em: política curricular, educação de jovens e adultos, formação de professores e ações afirmativas.

Silene Rebelo Possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Catarina (1989) e mestrado em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (1998). Atualmente é professora da Universidade do Sul de Santa Catarina — UNISUL, conselheira e prestadora de serviço ocasional da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (APREMAVI). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Ambiental e mobilização social, atuando principalmente nos seguintes temas: educação ambiental, recursos naturais, mata atlântica, medicinais, saúde ambiental, legislação ambiental e agricultura alternativa. Desenvolve projetos de pesquisa e extensão nas áreas relacionadas, tanto junto a Unisul como a Apremavi.

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