Angola – Antes e Depois do Adeus
PARA OS MEUS FILHOS José M. R. Martins, Carlos Luiz da R. Martins, Rui Filipe da R. Martins, Sérgio Miguel da R. Martins, Mário Jorge da R. Martins falecido em Lisboa e Maria Margarida da R. Martins falecida em Angola, na cidade de Moçâmedes. Forçados a abandonar a terra que os viu nascer, sem tempo para conhecer esse berço amado que vos pertence por direito Universal, na medida em que, por força da continuidade aos antepassados por parte de vossa mãe, são a 4ª geração ali nascidos. A vossa saída como a de tantos outros angolanos, brancos, negros e portugueses, naquela debandada provocada com todos os atropelos daí recorrentes, não foi por acaso, mas antes premeditado e estudado para uma saída perfeitamente consentânea com os ideais do M.F.A. e políticos coniventes com o golpe de estado do 25 de Abril de 1974. Foram estes senhores, que não se cansavam de dizer que foi uma revolução de cravos, mas não foi, não senhor; em Portugal morreu muita gente que, ainda hoje, grande parte dos portugueses desconhece o número de mortos e desaparecidos. Os senhores que dizem trazer a verdade consigo, fecharam os olhos à vergonha do que se passou realmente. Na Guiné, Moçambique, Timor e Angola não estavam lá portugueses, angolanos negros e brancos? O que se passou em Angola? Mortes por fuzilamento, prisões nas mais asquerosas condições, onde presos conviviam com ratos e outros parasitas; fome, doenças; e o que fez o histórico Dr. Mário Apeiron Edições
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Soares quando tinha conhecimento desses factos? Absolutamente nada. O seu socialismo bestial, de um fundamentalismo profundo e ainda subjugado ao comunismo não lhe dava o direito de socorrer as suas gentes, porque lá estavam muitos portugueses, que segundo esse senhor, eram a razão do que se estava a passar. João Rosa, jornalista que escreveu o livro Jonas Savimbi, sob forma de entrevista, na página 67 pergunta ao presidente da UNITA, depois de Alvor: Qual a posição da delegação portuguesa? A que Savimbi responde: “a delegação Portuguesa diz que aceitaria o quer que fosse que os movimentos de libertação viessem a aprovar”, sem nenhuma tentativa na defesa dos valores, bens e vidas dos portugueses. O Dr. Mário Soares até declarou ali, como antes fizera numa entrevista concedida em Paris, “que nunca tinha sido colono e logo, nada tinha a ver com os colonos...” e isso para nós era de uma grave irresponsabilidade, pois éramos nós os angolanos, que ali estávamos a defender a justiça para os portugueses; aliás, a delegação portuguesa estava influenciada por Rosa Coutinho, que apesar de vetado para fazer parte da delegação portuguesa, esteve sempre presente no Hotel da Penina durante as negociações. Foi este Dr. Mário Soares, que através das rádios angolanas lançava comunicados diários, dizendo que os transportes aéreos para Portugal terminariam de imediato. Foi ele que gerou o êxodo por terra desses valentes colonos portugueses, nas condições mais horríveis, em viaturas apenas com um diferencial, pelo Namibe, atravessando o rio Cunene. Muitos desses valentes perderam tudo quanto transpor-
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tavam pelo deserto do Kalahari, sendo resgatados por helicópteros Sul-Africanos. A saída rápida de Porto Alexandre fez-se em traineiras em direcção a Walvis-Bay e daí para Portimão e outros portos de Portugal, com mulheres e crianças a bordo. Quanto a nós, chegámos a Portimão vindos de Lisboa, acompanhando-nos sempre a Teresa de Jesus, que não quis ficar em Moçâmedes por nada. Como tínhamos pouco dinheiro e éramos 8 na família, resolvemos comprar uma barraca de lona onde todos coubéssemos; montamos a barraca ao pé de uma figueira onde havia uma pequena fonte de água, atrás do Hotel da Rocha; isto por volta de 1976. Ali estivemos cerca de 45 dias. Foi muito duro. Este meu livro pode e em muito, ajudar-vos a compreender e conhecer um pouco mais o vosso distrito de Moçâmedes, na medida em que de lá saíram muito novinhos. Escrevo o que vi e observei, até à saída da terra que amávamos. Vocês no porão de um navio de carga portuguesa, creio que no “CUBANGO”, eu, a vossa Mãe e a Teresa, a bordo do navio petroleiro “S. NICOLAU”. Juntámo-nos em Luanda, no campo de concentração perto do Grafanil, onde ficamos cerca de uma semana, com alimentação de combate, tinha o Miguel 4 aninhos, e seguimos depois para Lisboa. Aos que persistem em ficar como históricos do 25 de Abril, pretendo dizer que ainda é cedo para pensarem nisso. A verdadeira história ainda está a ser feita, mas não escrita.
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Escrevo o que vi e observei, sem pretender ser o dono de nenhuma verdade. Os meus conhecimentos foram arrecadados dos muitos anos vividos no nosso distrito de Moçâmedes, visitando tribos e regiões em dois tipos de viaturas: um Ford A de 1920 e o jeep Willys, dois maravilhosos carros. Moçâmedes foi a capital de um distrito que muito contribuiu com as suas gentes para o engrandecimento de Angola, nos mais diversos campos, do comércio à indústria, geologia, flora e fauna. Na minha vida, repito, nunca pretendi ser o dono da verdade, e creio mesmo que neste mundo ninguém o é; não quero dar conselhos a ninguém mas, tão só, a minha opinião, quando para isso sou solicitado e se estou por dentro do assunto que me é proposto. Relativamente ao facto de tão bem conhecer os 55.946 Km2, deste nosso distrito, foi subindo e descendo rios, visitando quedas de água, lagos e lagoas, pretendendo conhecer um pouco da cultura das tribos, conhecer a flora e fauna, como certos grupos de ofídeos, insectos e aves, as divisões distritais com o distrito do Cunene e Lubango até ao norte, a povoação de Mamué e, a oeste o pequeno rio Cangala, que faz a divisão com o distrito de Benguela, a costa marítima por onde passei muitas vezes, da Lucira à foz do Cunene, bem como a travessia de Porto Alexandre para a Baía dos Tigres, sempre junto ao mar, que só se passava quando a maré estava na vazante, pois havia que se ter muito cuidado nas horas em que se fazia esta travessia, importando saber como se colocam as
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rodas do jeep, para contornar as pequenas enchentes que se espraiavam pela areia. Meus queridos filhos, por aqui me fico, dedicando-vos aquilo que vou escrever, com um abraço do vosso Pai muito amigo, Carlos Tendinha Martins
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