Rico em misericordia - Leia um trecho

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Jo茫o Paulo II

DIVES IN MISERICORDIA Rico em miseric贸rdia

Curitiba 2015


DIVES IN MISERICORDIA Papa João Paulo II © Copyright 1980 - Libreria Editrice Vaticana

Editora Apostolado da Divina Misericórdia Estrada do Ganchinho, 480 81.930-165 Curitiba - PR (41) 3348 5043 editora@misericordia.org.br apostolado@misericordia.org.br www.misericordia.org.br

Projeto Gráfico e Diagramação: Lucas S. Teixeira

Preparação e Revisão: Gislaine Keizanoski Carina Novak, OCV

ISBN: 978-85-61791-54-4 1ª edição: abril de 2015 © Editora Apostolado da Divina Misericórdia, 2015


Sumário Prefácio à Edição Brasileira ................................................05 Quem me vê, vê o Pai Revelação da misericórdia ..................................................11 Encarnação da misericórdia................................................14 Mensagem Messiânica

A Misericórdia no Antigo Testamento O conceito de “misericórdia” no Antigo Testamento ..........23

Sumário

Quando Cristo começou a fazer e a ensinar........................19

A parábola do filho pródigo Analogia ............................................................................31 Consideração especial sobre a dignidade humana ...............35 O Mistério Pascal A misericórdia revelada na Cruz e na Ressurreição .............39 Amor mais forte do que a morte, mais forte do que o pecado ................................................43 A Mãe da Misericórdia .......................................................48

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“Misericórdia... de geração em geração” Imagem da nossa geração ...................................................51 Fontes de inquietação ........................................................54 Bastará a justiça? ................................................................57 A misericórdia de Deus na missão da Igreja Sobre a Misericórdia Divina . Papa João Paulo II

A Igreja professa e proclama a misericórdia de Deus ...........62

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A Igreja procura pôr em prática a misericórdia ...................66 A oração da Igreja dos nossos tempos A Igreja faz apelo à misericórdia divina ..............................75 Nota de fim .......................................................................80


Prefácio à Edição Brasileira

Já no primeiro capítulo dessa Encíclica, escrita em 1980, logo nos primeiros anos do seu Pontificado, o Papa faz referência a tempos críticos e difíceis. De fato, nos dias atuais, sob múltiplas formas, continua a pesar sobre a humanidade o mal, cuja ameaça, contudo, segue ainda se avolumando no horizonte. Mas, afinal, existe um limite contra o qual o poder do mal se detém? Sim, existe! É o que assegura o Papa nessa Encíclica e segue reafirmando no transcorrer de todo o seu Pontificado. O poder que põe um limite ao mal “é definitivamente a divina misericórdia” (João Paulo II, Memória e identidade, pág. 70). Somente a misericórdia divina é capaz de impor tal limite. Somente ela é capaz de tirar o bem inclusive de todas as formas de mal existentes no mundo e no homem. Somente ela é capaz de alcançar o homem esmagado sob toda situação de miséria e resgatá-lo, devolvendo-lhe a dignidade perdida pelo pecado. A

Prefácio à Edição Brasileira

Neste ano de 2015, no qual a Encíclica Dives in misericordia ‒ Rico em misericórdia, escrita pelo Papa João Paulo II, completa 35 anos, o Apostolado da Divina Misericórdia realiza o sonho de disponibilizar aos devotos da Divina Misericórdia esse documento de incalculável valor teológico.

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Sobre a Misericórdia Divina . Papa João Paulo II

misericórdia constitui o conteúdo fundamental da mensagem messiânica de Cristo e a força constitutiva da Sua missão.

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“Em nenhum momento e em nenhum período da história, especialmente numa época tão crítica como a nossa ‒ disse o Papa João Paulo II, em 17.08.2002, quando confiou solenemente o mundo à Divina Misericórdia ‒ pode a Igreja esquecer a oração que é um grito de súplica à misericórdia de Deus, perante as múltiplas formas do mal que pesam sobre a humanidade e a ameaçam”. No mar agitado dos nossos tempos, a Encíclica Dives in Misericordia ‒ como um farol cuja luz se mantém sempre acessa, e tanto mais forte quanto mais negra se apresenta a tempestade ‒ segue nos orientando para Cristo, o Rosto do Pai, que é o “Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação” (cf. 2Cor 1,3). Em Cristo, todo coração contrito encontra o dom do Seu amor que perdoa, reconcilia e abre novamente o ânimo à esperança. Somente na misericórdia de Deus o mundo encontrará a paz e o homem a felicidade, afirmou repetidas vezes São João Paulo II, ecoando as palavras do próprio Jesus registradas por Santa Faustina Kowalska no parágrafo 300 do seu Diário: “A humanidade não encontrará paz enquanto não se voltar com confiança para a Minha misericórdia”. O Papa João Paulo II era convencido do urgente e fundamental direito e ao mesmo tempo dever da Igreja, para com Deus e para com os homens, levando em conta as circunstâncias do tempo, de em toda a sua missão dar testemunho da misericórdia divina. Ao longo de todo o seu Pontificado ele considerou a mensagem do amor misericordioso de Deus sua tarefa primordial. No parágrafo 15 desta Encíclica, por


exemplo, lemos: “Quanto mais a consciência humana, sucumbindo à secularização, perder o sentido do significado próprio da palavra ‘misericórdia’, e quanto mais, afastando-se de Deus, se afastar do mistério da misericórdia, tanto mais a Igreja tem o direito e o dever de apelar ‘com grande clamor’ (cf. Hb 5,7) para o Deus da misericórdia”.

Com a canonização do Papa João Paulo II, chegou a hora de transmitir o fogo da misericórdia divina a todo o Brasil, e não só Brasil, mas ao mundo inteiro! Que ninguém ignore que Deus é Rico em Misericórdia: para que ninguém tenha medo de se aproximar Dele, mostrar-Lhe todas as feridas e receber a Sua paz. “É preciso acender esta centelha da graça de Deus. É necessário transmitir ao mundo este fogo da misericórdia. Na misericórdia de Deus o mundo encontrará a paz, e o homem a felicidade! (...) Confio-vos esta tarefa a vós, (...). Sede testemunhas da misericórdia!” (João Paulo II, 17.08.2002). Fazemos voto de que a mensagem, tão atual, contida nessa Encíclica possa chegar a todos os lares, proporcionando o encontro de cada coração contrito com o Coração Misericordioso de Deus. E que não fique sem uma generosa resposta. Que, mergulhados no oceano inesgotável de misericórdia contido no Coração de Cristo, cada leitor possa, cumulado de esperança, ser testemunha da Misericórdia Divina.

Prefácio à Edição Brasileira

Para nós, equipe do Apostolado da Divina Misericórdia no Brasil, significativo é também o fato (não poderíamos deixar de registrar aqui) de que a data da publicação dessa Encíclica ‒ 30.11.1980 ‒ coincidiu com o ano da fundação, pela Congregação dos Padres Marianos da Imaculada Conceição, do Apostolado da Divina Misericórdia em solo brasileiro.

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Sobre a Misericórdia Divina . Papa João Paulo II 8

Se João Paulo II pôde exclamar: “América, terra de Cristo e de Maria!”, indicando dessa forma a identidade mais profunda das suas nações (cf. seu discurso no estádio Azteca da Cidade do México em 23.01.95), possa do Céu ajuntar: América, terra de Cristo e de Maria! Terra da Misericórdia! Verdadeiramente Continente da Esperança! ...Ele, que tantas vezes convidou-nos, a Igreja de hoje, a ser a casa da misericórdia, para acolher a todos aqueles que precisam de ajuda, de perdão e de amor, interceda por nós. Pedimos, por fim, Àquela que engrandecia o Senhor exclamando que “de geração em geração se estende a Sua misericórdia” e que no Calvário recebeu o Seu testamento de amor, Mãe de Cristo, Mãe de Misericórdia, que nos ajude a ser verdadeiras testemunhas e apóstolos da misericórdia de Deus. Desejamos uma profunda e fecunda leitura! Equipe de Redação do Apostolado da Divina Misericódia. Curitiba, 12 de abril de 2015 - Festa da Misericórdia


CARTA ENCÍCLICA DIVES IN MISERICORDIA DO SUMO PONTÍFICE JOÃO PAULO II SOBRE A MISERICÓRDIA DIVINA


Sobre a Misericórdia Divina . Papa João Paulo II 10

Veneráveis irmãos e caríssimos filhos e filhas: saúde e bênção apostólica!


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QUEM ME VÊ, VÊ O PAI (cf. Jo 14,9)

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“Deus, rico em misericórdia” (Ef 2,4) é Aquele que Jesus Cristo nos revelou como Pai. Foi o Seu próprio Filho quem, em Si mesmo, no-Lo manifestou e deu a conhecer (cf. Jo 1,18; Hb 1,1s). Convém recordar, a este propósito, o momento em que Filipe, um dos doze Apóstolos, dirigindo-se a Cristo lhe disse: “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta”. Jesus respondeu-lhe deste modo: “Há tanto tempo estou convosco, e não me conheces? Quem me vê, vê o Pai”(Jo 14,8s). Estas palavras foram proferidas no último discurso com que Cristo se despediu dos seus no princípio da Ceia Pascal.

Seguiram-se os acontecimentos daqueles dias sagrados, durante os quais havia de confirmar-se, de uma vez para sempre, o fato de que “Deus, rico em misericórdia, pelo imenso amor com que nos amou, quando ainda estávamos mortos por causa dos nossos pecados, deu-nos a vida juntamente com Cristo” (Ef 2,4).

Quem me vê, vê o Pai

Revelação da misericórdia

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Sobre a Misericórdia Divina . Papa João Paulo II

Seguindo a doutrina do Concílio Vaticano II, e atendendo às necessidades particulares dos tempos em que vivemos, dediquei a Encíclica Redemptor Hominis à verdade sobre o homem; verdade que, na sua plenitude e profundidade, nos é revelada em Cristo.

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Uma exigência de não menor importância, nestes tempos críticos e difíceis, leva-nos a descobrir, também, no mesmo Cristo, o rosto do Pai, que é “Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação” (2Cor 1,3). Lê-se, de fato, na Constituição Gaudium et Spes: “Cristo, novo Adão... revela o homem a si mesmo plenamente e descobre-lhe a sua sublime vocação”. E o faz precisamente “na revelação do mistério do Pai e do Seu amor”1. As palavras citadas atestam com clareza que a manifestação do homem, na plena dignidade da sua natureza, não pode verificar-se sem a referência — não apenas conceitual, mas integralmente existencial — a Deus. O homem e a sua vocação suprema desvendam-se em Cristo, mediante a revelação do mistério do Pai e do Seu amor. Por esse motivo é que convém agora desenvolver esse mistério. Sugerem-no múltiplas experiências da Igreja e do homem contemporâneo; e exigem-no também as aspirações de tantos corações humanos, os seus sofrimentos e esperanças, as suas angústias e expectativas. Se é verdade que todos e cada um dos homens, em certo sentido, são o caminho da Igreja — como afirmei na Encíclica Redemptor Hominis — também é verdade que o Evangelho e toda a Tradição nos indicam constantemente que devemos percorrer com todos e cada um dos 1 Const. past. sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo Gaudium et Spes, 22: AAS, 58 (1966), p. 1042.


homens este caminho, tal como Cristo o traçou, ao revelar em Si mesmo o Pai e o Seu amor2. Em Cristo Jesus, todos os caminhos que se dirigem ao homem, tais como eles foram confiados de uma vez para sempre à Igreja, no mutável contexto dos tempos, são simultaneamente um caminhar ao encontro com o Pai e Seu amor. O Concílio Vaticano II confirmou esta verdade segundo as exigências dos nossos tempos.

Enquanto as várias correntes do pensamento humano, no passado e no presente, têm sido e continuam a ser marcadas pela tendência a separar e até mesmo a contrapor o teocentrismo e o antropocentrismo, a Igreja, seguindo a Cristo, procura, ao contrário, uni-los conjuntamente na história do homem, de maneira orgânica e profunda. Isso é também um dos princípios fundamentais, e talvez o mais importante, do magistério do último Concílio. Se na fase atual da história da Igreja nos propomos como tarefa principal pôr em prática a doutrina do grande Concílio, devemos precisamente procurar ater-nos a este princípio com fé, com mente aberta e com o coração. Na minha já citada Encíclica, procurei pôr em realce que o aprofundamento e o enriquecimento multiforme da consciência da Igreja, frutos do mesmo Concílio, devem abrir mais amplamente o nosso entendimento e o nosso coração ao próprio 2

Cf. ibid.

Quem me vê, vê o Pai

Quanto mais a missão desenvolvida pela Igreja se centrar no homem — quanto mais for, por assim dizer, antropocêntrica — tanto mais deve confirmar-se e realizar-se de modo teocêntrico, isto é, orientar-se em Jesus Cristo em direção ao Pai.

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Cristo. Hoje quero expor que a abertura para Cristo que, como Redentor do mundo, revela plenamente o homem ao próprio homem, não pode realizar-se senão mediante uma referência sempre mais consciente ao Pai e ao Seu amor.

Sobre a Misericórdia Divina . Papa João Paulo II

Encarnação da misericórdia

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Deus, que “habita numa luz inacessível” (1Tm 6,16), fala também ao homem através da linguagem de todo o universo: “De fato, as perfeições invisíveis de Deus ‒ não somente seu poder eterno, mas também a sua eterna divindade ‒ são percebidas pelo intelecto, através de suas obras, desde a criação do mundo” (Rm 1,20). Este conhecimento indireto e imperfeito, obra da inteligência que procura Deus por meio das criaturas, através do mundo visível, não é ainda “visão do Pai”. “Ninguém jamais viu a Deus”, escreve São João para dar maior relevo à verdade segundo a qual “o Filho unigênito, que é Deus e está na intimidade do Pai, foi quem o deu a conhecer” (Jo 1,18). Esta “revelação” manifesta Deus no insondável mistério do Seu ser - uno e trino rodeado de “luz inacessível” (1Tm 6,16). Mediante esta “revelação” de Cristo, contudo, conhecemos Deus antes de mais nada na sua relação de amor para com o homem: na sua “filantropia”3 (cf. Tt 3,4). É precisamente aqui que “as suas perfeições invisíveis” se tornam de maneira particular “visíveis”, incomparavelmente mais visíveis do que através de todas as outras “obras por Ele realizadas”: tornam-se visíveis em Cristo e por meio de Cristo, por intermédio das Suas ações e palavras e, por fim, mediante a Sua morte na cruz e a Sua ressurreição. 3

Filantropia = benignidade (N. Rev.)


A mentalidade contemporânea, talvez mais do que a do homem do passado, parece opor-se ao Deus de misericórdia e, além disso, tende a separar da vida e a tirar do coração humano a própria ideia da misericórdia. A palavra e o conceito de misericórdia parecem causar mal-estar ao homem, o qual, graças ao enorme desenvolvimento da ciência e da técnica, nunca antes verificado na história, se tornou senhor da terra, subjugou-a e dominou-a (cf. Gn 1,28). Tal domínio sobre a terra, entendido por vezes unilateral e superficialmente, parece não deixar espaço para a misericórdia. A este propósito, podemos reportar-nos com proveito à imagem da “condição do homem no mundo contemporâneo”, como está delineada no início da Constituição Gaudium et Spes, onde lemos, entre outras, as afirmações seguintes: “Assim, o mundo atual apresenta-se simultaneamente poderoso e débil, capaz do melhor e do pior; abre-se na sua frente o caminho da liberdade ou da escravidão, do progresso ou do retrocesso, da fraternidade ou do ódio. Além disso, o homem toma consciência

Quem me vê, vê o Pai

Deste modo, também, em Cristo e por Cristo, Deus, em Sua misericórdia, torna-se particularmente visível; isto é, põe-se em evidência aquele atributo da divindade, que já o Antigo Testamento, servindo-se de diversos conceitos e termos, havia definido “misericórdia”. Cristo confere a toda a tradição do Antigo Testamento sobre a misericórdia divina um significado definitivo. Não somente fala dela e a explica com o uso de comparações e parábolas, mas sobretudo Ele próprio a encarna e a personifica. Ele próprio é, em certo sentido, a misericórdia. Para quem a vê Nele — e Nele a encontra — Deus torna-se particularmente “visível” como Pai “rico em misericórdia” (Ef 2,4).

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