Edifícios Históricos de Planaltina: o Paço Municipal

Page 1

Universidade de Brasília Faculdade de Arquitetura e Urbanismo ProIC – Programa de Iniciação Científica

Edifícios Históricos de Planaltina O Paço Municipal

1

Daniel Bruno Vieira de Melo 2 Orientador: Prof. Pedro Paulo Palazzo 3 Brasília, 2013

Resumo: Esta pesquisa intenciona documentar e reconstituir a história do antigo Paço Municipal – Casa de Câmara e Cadeia, um marco da arquitetura neoclássica de Planaltina, inaugurado em 1932, atual Casa do Artesão. Objetiva também avaliar preliminarmente o estado de conservação desse edifício.

Palavras-Chave: Casa de Câmara e Cadeia, Paço Municipal, Arquitetura Neoclássica, Art Déco, Planaltina, Neocolonial. 1

Casa do Artesão de Planaltina. Fonte: acervo pessoal. Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília e bolsista pelo CNPq. 3 Professor Adjunto do Departamento de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. 2

1


Sumário Introdução _______________________________________________________________________ 3 Pesquisa Bibliográfica _____________________________________________________________ 4 1.

Panorama histórico _________________________________________________________ 4 1.1 A Origem das Casas de Câmara e Cadeia e a organização municipal em Portugal e no Brasil ____________________________________________________________________ 4 1.2

Primeiras vilas brasileiras: localização e construção das Casas de Câmara e Cadeia 5

1.3

Programa _____________________________________________________________ 6

1.4

Sistemas construtivos ___________________________________________________ 9

1.6

Composição das Casas de Câmara e Cadeia _______________________________ 12

Reconstituição Histórica ___________________________________________________________ 14 1.

Contexto histórico _________________________________________________________ 14

2.

O Paço Municipal _________________________________________________________ 15

Levantamento Físico ______________________________________________________________ 17 1.

Situação atual do edifício ___________________________________________________ 17

2.

Estado de conservação _____________________________________________________ 17

Pesquisa de Arquivo ______________________________________________________________ 19 1.

Pesquisa, documentação e arquivamento ______________________________________ 19

Conclusão ______________________________________________________________________ 20 Bibliografia _____________________________________________________________________ 21

2


Introdução O reconhecimento do valor histórico do centro da cidade de Planaltina se faz notar através do acervo arquitetônico representativo dos séculos XIX e início do século XX. A fim de documentar e reconstituir a história de um marco da arquitetura neoclássica de Planaltina desse período– o antigo Paço Municipal, atual Casa do Artesão, bem como analisar o estado de conservação desse edifício, é necessário entender os contextos históricos em que a construção está inserida, tanto em maior como em menor dimensão. Dessa forma, é apresentada uma visão geral acerca da tipologia de Casa de Câmara e Cadeia para embasar a reconstituição histórica do objeto da pesquisa – que se apoia também em visitas locais e em registros de arquivo. O trabalho integra três etapas distintas: o levantamento bibliográfico e documental, o levantamento físico e, mediando a ambos, a interpretação histórica acerca do edifício. O levantamento físico oferece fundamentos para a descrição morfológica do objeto, oferecendo indícios quanto ao estado de conservação e a vestígios de eventuais transformações sofridas pelo mesmo ao longo da História. Por outro lado, o levantamento bibliográfico e documental objetiva reconstituir o processo histórico do objeto, sua relevância social de acordo com o contexto histórico e seu papel na memória da comunidade, além de compreender também um panorama de iconografia histórica que ateste as transformações detectadas no levantamento físico.

3


Pesquisa Bibliográfica 1.

Panorama histórico

Para fins de contextualização do Paço Municipal de Planaltina no âmbito de sua tipologia arquitetônica, traçou-se um breve panorama ao longo do tempo na Metrópole e no Brasil, baseado principalmente no trabalho de Paulo Thedin Barreto para a Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Sua pesquisa é fundamentada em apontamentos, em termos de arrematação e de louvação e, principalmente, em atas de câmara – todos documentos originais. 1.1 A Origem das Casas de Câmara e Cadeia e a organização municipal em Portugal e no Brasil A sede da administração e da justiça, à época da comuna medieval, era localizada sempre em lugar de honra na cidade – na praça central ou do mercado. O programa tradicional das chamadas casas municipais consistia em: cadeia, arsenal de milícias, salas diversas, capela e salas de reunião para magistrados, as quais eram acompanhadas frequentemente por torre. A Igreja, de modo geral, era solidária ao movimento comunal e, por vezes, cedia espaço para assembleias populares ou para os mercados. Aparentemente, as regiões tradicionalmente romanas costumam possuir as mais antigas casas municipais. A expressão de conquista e arrogância caracteriza esse tipo de edificação, traduzindo-se em elementos arrojados como as torres. Com o tempo, a torre aparece puramente por tradição nesses edifícios, sendo às vezes substituída por sineira ou tornando-se ausente na composição. Em Portugal, esse tipo de construção ficou conhecido por Paço do Concelho, enquanto no Brasil foi representado pela Casa de Câmara e Cadeia. Em Portugal, o Domus Municipalis de Bragança, datado do século XI, cujo programa é uma simples sala de assembleia em um único pavimento, é considerado a mais antiga das casas municipais. Tais casas apresentavam programas semelhantes entre si – cadeia, salas de reunião, corpo da guarda, capela e elementos eventuais: torre, sineira e escadaria – e instalavam-se sempre na praça nobre da vila. Entretanto, diferentemente das primeiras casas municipais, os Paços do Concelho eram edifícios de caráter severo e sereno. No Brasil, as instituições municipais foram transplantadas da metrópole, mantendo o programa original. Nos quatro séculos iniciais, a Casa de Câmara e Cadeia brasileira compunha o primeiro plano do quadro das vilas e cidades, assim como as igrejas. As instituições municipais caracterizavam-se, basicamente, por oferecer às povoações importantes formadas por homens livres certas garantias e direitos, de forma que elas contribuíssem para a segurança e a prosperidade da crescente monarquia (MERÊA, 1929). Dessa forma, entende-se que foi o município a solução adotada pela defesa territorial e pela administração do reino para sua organização, já que os monarcas portugueses sempre encontraram apoio no popular. No século XIV, havia concelhos espalhados por todo o país, regulamentados pelas cartas de foral. O município, desde seus primórdios, apresentava caráter aristocrático no âmbito coletivo e democrático do concelho: participar da administração era uma regalia restrita somente à classe dos “homens-bons”, por exemplo. É necessário destacar, ainda, a interferência do rei na administração municipal, reconhecida por diversos autores. A razão maior para a intromissão do poder central nos negócios do município era o interesse da coroa pelas despesas locais.

4


No século XVI, cessara o momento de organização espontânea do período medieval, além de ter sido aplicado o molde uniforme da regulamentação do poder central estabelecido nas Ordenações – Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. Porquanto, no Brasil-colônia, a administração dos concelhos não teve condições de divergir do modelo metropolitano. O municipalismo brasileiro é resultado, então, da organização do plano colonizador, já que a civilização que para cá se transplantou era regida por cartas das doações, por forais e por Ordenações do Reino. Em relação à interferência da coroa, muitas casas de câmara e cadeia no Brasil foram construídas com recursos da fazenda real. A câmara tinha atribuições administrativas e judiciais, nos campos cível e criminal. Cabia a ela legislar, administrar, policiar e punir (FLEIUSS, 1933). Acerca da organização interna das casas de câmara e cadeia, pode-se dizer que seu corpo era formado, inicialmente, por “oficiais da câmara”, isto é: juiz, vereador e procurador. Em ocasiões de maior gravidade, a população se reunia e, juntamente aos oficiais, deliberava sobre o caso. A legislação colonial vigorou até o início do século XIX, até ser implementada a lei de 1º de outubro de 1828, a qual aboliu o caráter judicial das câmaras, transformando-as em “corporações meramente administrativas”. Estas passaram, então, a depender dos Concelhos Gerais, dos Presidentes da Província e do Governo Geral. Pela Constituição de 1824, as câmaras seriam eletivas. No império, compunham-se de sete ou nove vereadores, eleitos por sufrágio direto. O corpo de funcionários era constituído por: secretário, procurador, porteiro e um corpo anexo de ajudantes, fiscais, suplentes e afins. A citada Constituição aboliu, contudo, as corporações de ofícios, seus juízes, escrivães e mestres. Foram criadas, em 1841, as funções de chefe e delegados de polícia, cujas atribuições policiais eram acompanhadas de poderes judiciais. Entretanto, em 1871 implementou-se uma lei que conferia o poder judiciário exclusivamente às autoridades judiciárias. Tais tentativas de reforma ocorreram na medida em que havia confusão e dificuldade em separar o “poder de prender” e o “poder de julgar”. Somadas a esses movimentos de separação de poderes administrativos e judiciais havia as preocupações penitenciárias. Em 1831, o Império cogitou construir Casa de Correção no Rio de Janeiro – que passou a funcionar duas décadas depois, seguindo o regime de Ausburn. Em 1833, houve propostas para a criação de colônias-agrícolas-penitenciárias, e em 1854, se advogava o regime da Pensilvânia. Sumariamente, até o período da República, a sede da administração e da justiça no Brasil era a Casa de Câmara e Cadeia. 1.2 Primeiras vilas brasileiras: localização e construção das Casas de Câmara e Cadeia Ao longo do século XV, em Portugal, as cidades se caracterizavam por muralhas que envolviam as habitações, amontoadas em ruas estreitas e tortuosas. No topo do monte, a fortaleza com sua torre, protegendo a catedral (igreja matriz), e, não longe dali, os paços do concelho, frente-a-frente com o pelourinho. No Brasil, as vilas e cidades coloniais não tiveram desenvolvimento muito diferente da metrópole: eram cercadas por muros de defesa, tendo os caminhos contornados pelas casas de câmara e cadeia, por pelourinhos e pelas igrejas. Inicialmente, o rei ordenara aos próprios donatários que fizessem vilas de acordo com foro e costume no reino – precisavam ter termo, jurisdição, liberdade e insígnias de vila. Contudo, não se tem notícia de casas de câmara e cadeia nas donatarias. Em 1549, chegou a Vila-Velha Tomé de Sousa, acompanhado por Luís Dias, “mestre das obras da fortaleza”, Diogo Peres, “mestre pedreiro”, e Pedro de Góis, “mestre da pedraria”. O primeiro Governador Geral fundou, então, Salvador, com a igreja, o paço do 5


governo, a Casa de Câmara e Cadeia, o pelourinho, a alfândega e as terracenas. Após um período de aproximados dois anos, Luís Dias informara ao rei que havia feito “cadeia muito boa e bem acabada com casa de audiência e câmara em cima” (BARRETO, 1947), de pedra e barro, rebocada com cal e cobertura telhada. Com apenas quatro anos de morada na colônia, o mestre de obras avisara ao rei que mandara construir casas de audiência e de prisão em todas as vilas. O processo de elevação das vilas no Brasil envolveu preocupação com a localização e instalação de equipamentos como a casa de câmara e cadeia, o pelourinho e a igreja. Tais “monumentos” serviam como referências de níveis para assinalar os destinos das próprias vilas. Na demarcação do termo da vila, entre outras providências, já se reservava e se delimitava o terreno para a construção das igrejas e das casas de câmara e cadeia – destas especificamente porque enobreciam os lados das praças. Enquanto as construções não eram finalizadas, os oficiais da câmara se reuniam em casas cedidas por empréstimos, as prisões aconteciam em locais que oferecessem segurança aos presos, e a justiça era feita em casas de aposentadoria. A casa de câmara e cadeia sempre foi objeto de preocupação do rei, das autoridades e da população, a qual não abria mão de ter a sua própria. Para sua construção, inicialmente se preparavam prospectos e apontamentos – isto é, protótipos de projetos e notas de importância, organizados por governadores, ouvidores e engenheiros. É importante ressaltar que a maioria dos edifícios oficiais não apresentava qualquer documento que os qualificasse como construções projetadas. A etapa seguinte era realizar pregões em praça pública, para fins de arrematação pelo melhor preço. Através dos termos ou autos de arrematação, arrematantes e fiadores obrigavam-se por suas pessoas, por seus bens móveis e imóveis (presentes e futuros) e por suas almas. Os recursos para financiamento das construções das casas de câmara e cadeia tinham origens diversas: rendimentos do rei, dos donatários ou dos alcaides das Câmaras; contribuições especiais ou de câmaras de outras vilas e cidades; empréstimos ou doações de particulares. Em relação à mão-de-obra, pode-se dizer que era gratuita na maior parte dos casos. Negros costumavam transportar materiais, emboços, barreamentos e entulhos, enquanto os indígenas trabalhavam bem em cortes de madeira e transportes. Os serviços de pedreiro, carapina e pintura eram normalmente feitos por oficiais mecânicos. 1.3 Programa A distribuição dos espaços na tipologia edilícia em questão visava satisfazer as necessidades de serviços administrativos e judiciais, penitenciários e religiosos, dividindo-se em duas distintas partes: Câmara e Cadeia. A primeira exigia salas simples para os serviços camarários e judiciários, enquanto a última requisitava apenas celas para prisão. O desenvolvimento da Casa de Câmara e Cadeia varia em função dos recursos materiais de cada município, portanto, não se deve considerar aplicável indistintamente a todos os exemplares a extensão do programa básico.

6


Os serviços de Câmara geralmente se satisfaziam com uma ou duas salas – a Casa da Câmara e a Casa das Audiências, para as quais eram estabelecidas normas para a boa e disciplinar utilização. A casa de câmara contemplava uma nobre sala para reunião dos oficiais, onde tratavam de assuntos de bem comum, atendendo “ao bom regime da República”. A casa de audiência era também uma sala nobre, a qual servia para as audiências dos ouvidores, juízes e outros cargos julgadores (BARRETO, 1947). As Casas de Câmara também apresentavam a função de tribuna, onde generais e governadores tomavam posse de seus cargos – ainda que por diversas vezes tais cerimônias tenham se realizado em igrejas. Existiram também funções peculiares, como a “Casa da Secretaria” e as casas destinadas a Arquivo – designação para arcas e armários em que eram guardados os bens camarários. À disposição da Câmara encontrava-se, por vezes, o Açougue, localizado no pórtico das Casas ou em blocos separados reservados para esse fim, localizado ao fundo da Casa, à maneira dos antigos “mercadinhos”, ou seja, com repartimentos e galeria de circulação. O pórtico, por sua vez, era elemento comum em determinados grupos de Casas de Câmara e Cadeia, e servia, na maioria dos casos, como estacionamento – não eram pórticos com finalidade de circulação, e geralmente eram seccionados ao meio por escadarias. Os sinos, cumprindo seu tradicional papel, quase sempre estavam presentes, comandando e regulando a vida da população. Chamados também de sino-do-povo ou sinode-correr, funcionavam de acordo com um regimento. Depois de tempos, colocou-se ao lado do sino o relógio público. Importa ressaltar que muitas das Casas se utilizaram de pequenos sinos ou sinetas, elevadas a pequenas alturas do nível do solo, pendurados nas paredes ou na verga dos vãos. Em outras, havia simples sineiras ou até mesmo torres para o sino. O regime tinha a Cadeia como elemento de suporte. Todos eram sujeitos à prisão: povo, nobreza e clero. Nem mesmo os oficiais da câmara estavam livres de multas e prisões. Eram previstas penas pecuniárias e corporais, e a menor das infrações era motivo para prisão. As mercadorias não podiam ser vendidas acima dos preços taxados, sob pena de multa e cárcere. As penas pecuniárias que não eram resolvidas com dinheiro eram pagas na cadeia, agregando-se determinado valor para cada dia de prisão. O ócio e a vadiagem eram corrigidos e policiados, sendo que a reincidência implicava em trabalho em obras públicas por trinta dias como pena. Houve casos de mandados de prisão para vereadores, capitães e oficiais da Câmara, por motivos diversos como não tomar posse do cargo ou não cumprir com a função pública. Havia diferentes casas de prisões, onde eram distribuídos os infratores de diversas famílias, estratos sociais, gêneros e cores. Tais casas possuíam denominações diferentes dependendo de sua finalidade: “enxovias de homens, de mulheres, de brancos, de pretos e de galés; caza para prezos; sala-livre; sala-fechada; aljube; segredo ou moxinga e oratória” (BARRETO, 1947). As prisões localizadas no térreo das Casas de Câmara e Cadeia eram conhecidas como enxovias. Acerca de seus acessos, era comum que se fizessem por alçapões abertos no piso do

7


sobrado, com o auxílio de escadas móveis. Muitas enxovias não apresentavam portas, mas apenas janelas gradeadas e, no interior, muitas vezes havia fogões e antigas privadas. A denominação casa para presos compreendia cômodos genéricos pelos quais não é possível avaliar a qualidade da prisão. A sala-livre era destinada às pessoas qualificadas, que possuíam o mínimo de liberdade privilegiada. Por outro lado, a sala-fechada consistia em uma sala reforçada para armazenar presos, acompanhada em seu interior por tronco, em alguns exemplares. Aljube era a casa de prisão para os clérigos. Segredos e moxingas designavam o mesmo gênero de prisão: eram as casas em que se prendia por culpa grave, onde os prisioneiros eram submetidos a interrogatórios e tortura. Nesse tipo de cárcere, não havia qualquer tipo de abertura externa. Por fim, a oratória – ou oratório – era uma prisão penal-religiosa com um altar, onde os condenados à morte passavam seus últimos dias. Suas janelas possuíam grades, garantindo a segurança dos presos. Era normal que os presos recebessem assistência religiosa. Para tanto, foram construídos os Passos ou Capelas. O Passo sintetizava-se em edícula tratada com atenção e construída em alvenaria. Em algumas Casas existiram casas do carcereiro e do corpo-da-guarda destinadas aos carcereiros, responsáveis pelos presos, cuja função era exercida obrigatoriamente na maior parte das vezes. Tais casas compreendiam amplos cômodos, sendo um deles destinado à cozinha. Os hospitais – que na verdade eram pequenas enfermarias das Casas de Câmara e Cadeia – eram constituídos de simples sala com repartimentos e um altar e de cômodo destinado à botica (farmácia). Os presos eram mandados para um hospital real – o Hospital da Misericórdia – somente em casos extremos. Quanto à medicação, as Santas casas de Misericórdia costumavam fornecê-la aos presos pobres. Com a Constituição de 1824, no Império, as Casas de Câmara e Cadeia começaram a passar por reformas significativas, a fim de melhor se adaptarem às tendências da época. As prisões passaram a ser mais arejadas; os ambientes destinados aos oratórios, às salas fechadas e aos segredos ganharam outras finalidades, já que os serviços camarários precisavam de maior número de salas, arquivos, tesouraria e afins. Integrando-se ainda ao programa das Casas de Câmara e Cadeia havia as salas-deentrada, corredores, pátios, terreiros, escadarias e escadas móveis. Entre a casa de câmara e a casa de audiência, havia a sala vaga, também chamada sala do meio. Os corredores se resumiam a pequenas passagens, que em alguns casos se acentuavam. Quanto aos pátios, poderiam ser internos, como em Salvador e Ouro Preto, ou externos, servindo apenas à cadeia ou à Câmara e Cadeia. Era comum, também, que essas casas dispusessem de terrenos murados. As escadas, além de circulação vertical, eram elementos plásticos notórios nas 8


Casas de Câmara e Cadeia. As escadarias externas funcionavam como tribuna – aplicação de expressão tradicional. Nos inventários das cadeia geralmente verifica-se a existência de escadas de mão, destinada aos carcereiros. Completando a extensão do programa das Casas de Câmara e Cadeia no Brasil, faziase presente a praça. Área de maior circulação a serviço da Câmara, este centro cívico era usado em várias cerimônias camarárias e era também o local dos pregões. Resoluções da Câmara eram lidas pelos porteiros, posicionados nas escadas ou em alguma janela voltada para a praça. Os serviços e necessidades da Casa aconteciam com frequência na praça: convocava-se o clero, a nobreza e o povo para reuniões – para fins deliberativos junto aos oficiais da câmara sobre questões de ordem pública –, festejos, procissões, nascimentos, casamentos ou aniversários importantes. A praça da Câmara era também onde os mercadores firmavam suas tendas e barracas em dias de feira e onde a população preparava festejos a cavalo. 1.4 Sistemas construtivos Os sistemas construtivos empregados na fábrica das Casas de Câmara e Cadeia – os mesmos dos demais “monumentos” da colônia – agregavam as técnicas da taipa-de-pilão, do frontal, do tijolo e da pedra. Junto com Tomé de Sousa vieram pedreiros, carpinteiros e profissionais da cal, da telha e do tijolo. Os colonizadores encontraram no Brasil boas terras, rígidas madeiras e pedras das mais diversas composições. A taipa consiste em sistema de construção de variadas técnicas, que se caracteriza pelo “apiloamento” do material ou aglomerado e que requer o taipal – forma ou molde de madeira onde é colocada a mistura, semelhante à forma de concreto utilizada na contemporaneidade. A taipa-de-pilão foi a técnica mais empregada nas construções coloniais no Brasil, devido à abundância de matéria-prima (barro vermelho), à relativa facilidade de execução, à notória durabilidade (VASCONCELLOS, 1979) e às excelentes condições de proteção que oferece quando tratada adequadamente. É uma técnica de origem mourisca praticada pelos portugueses e espanhóis desde tempos anteriores a qualquer registro conhecido, utilizada também pelos africanos. Era de uso comum na Europa, até meados do século XIX. A técnica consiste em amassar com os pés ou com um pilão o barro colocado nos taipais, que possuem somente os elementos laterais, estruturados por tábuas e montantes de madeira, fixados por meio de cunhas, em baixo, e por um torniquete, em cima. Deve ser uma mistura dosada de argila e areia e alguma fibra vegetal, crina de animal ou mesmo estrume. Pode-se também misturar óleo de baleia, que “conferia uma resistência extraordinária” (BAZIN, 1956). A secagem costumava durar de 4 a 6 meses, ao final dos quais as paredes poderiam começar a receber revestimento – geralmente argamassa de cal e areia, que aumentam a resistência. À argamassa era, às vezes, acrescentada “bosta de vaca”, a qual confere capacidade de resistência “à mais forte e duradoura chuva” (BARRETO, 1947). Após a secagem, os taipais são desmontados e deslocados para a posição vizinha, e assim sucessivamente. A perfeição dessas formas era extremamente valorizada pelas Câmaras, tanto 9


que eram arrecadadas em penhor pelos oficiais. O uso de grandes beirais, a elevação da Casa em relação ao nível do terreno e o bom apiloamento eram providências tomadas para que as águas pluviais não danificassem a taipa. Uma variante do sistema, chamada formigão, consistia em misturar à massa de barro pedras miúdas e pedras maiores (pedras de mão). A taipa-de-pilão foi mais utilizada nas regiões de São Paulo e Goiás. Nas cadeias, quando não era possível sua execução com pedra e cal, a taipa era reforçada com gradeados de madeira nas paredes e nos pisos. Por outro lado, o frontal era obra de carpintaria e pedraria, caracterizada pela estrutura independente de madeira – o chamado engradamento ou esqueleto – organizada com esteios principais, baldrames e frechais. Os frontais são distinguidos pelo sistema adotado na construção dos panos, das paredes de fechamento, dos paineis do esqueleto. A variação de frontal adotada pelas Casas de Câmara e Cadeia foi o pau-a-pique. Pau-a-pique, taipa de sebe, taipa de mão, barro armado ou taipa de sopapo, são denominações para um mesmo sistema, bastante utilizado na colônia devido ao seu baixo custo – já que todos os materiais são naturais, resistência e durabilidade. Era conhecido dos indígenas e dos negros africanos, muito utilizado no Nordeste e em Minas Gerais. Na sua versão mais depurada, consistia em uma estrutura mestra de peças de madeira composta de esteios – peças verticais enterradas no solo, baldrames – peças horizontais inferiores, e frechais – peças horizontais superiores. Os esteios costumavam ter comprimento de até 15 metros, dos quais 2 a 4 eram enterrados. A extremidade dos esteios que ficava enterrada não era lapidada em seção quadrada, mantendo a forma roliça natural. Entre os esteios e os frechais eram então colocados paus roliços verticais (paus-a-pique), de aproximadamente 10 centímetros de diâmetro. A estes eram ligados horizontalmente outros mais finos, criando uma malha quadrangular. A trama era então amarrada com cordões de seda, linho, cânhamo ou buriti, para que o barro fosse aplicado e apertado com as mãos – o sopapo. A taipa-de-mão era técnica muito utilizada para divisórias internas, sobretudo nos pavimentos elevados, em construções cujas paredes externas eram de taipa-de-pilão. Quanto à utilização do tijolo, há de se considerar o cru e o cozido. O tijolo cru, ou adobe, é uma lajota feita de barro, compactada manualmente em formas de madeira – adobeiras – e seca naturalmente à sombra, por determinado período, e depois ao sol. O barro deve conter dosagem correta de argila e areia, para não ficar quebradiço ou plástico demais. A fim de melhorar sua resistência, pode-se acrescentar fibras vegetais ou estrume de boi. O adobe é assentado com barro, podendo ser revestido com reboco de argamassa de cal e areia. Usualmente, era aplicado nas divisórias internas das Casas de Câmara e Cadeia. Usando a mesma matéria prima, a argila, o tijolo cozido difere do adobe pelas suas dimensões, menores, e pelo fato de ser cozido em fornos, a altas temperaturas. Sua durabilidade pode ser comparada à da pedra. As alvenarias de tijolos somente se tornaram comuns no século XIX. Entretanto, há registros de fiadas de tijolos associadas à pedra em muros de pedra e cal. Finalmente, a técnica mais desejada e que sempre foi a mais “rica” é a da pedra – pedra-e-barro ou pedra-e-cal. Material que conferia maior resistência aos muros, a pedra era utilizada em fortificações, igrejas monumentais e em construções oficiais. No início da 10


colonização, ainda no século XVI, era possível encontrar construções assim realizadas. As pedras utilizadas eram calcários, arenitos ou pedra de rio e granitos, e mesmo a pedra-sabão e a canga. As argamassas eram feitas com cal e areia, mais resistente, ou com barro, nas regiões que não dispunham de cal. As pedras eram, naturalmente, de tamanhos variáveis – 40 centímetros na maior dimensão ou mais, e acabamento irregular, sem qualquer trabalho de aparelhagem. Pedras menores calçavam as maiores. Na alvenaria de pedra seca, era dispensada a argamassa. As paredes eram espessas – 60 a 100 centímetros, e eram assentadas com o auxílio de formas de madeira. Esta técnica era mais utilizada para muros exteriores. Nas Casas de Câmara, era comum se dispor de serviços de alvenaria, cantaria e silharia. A alvenaria é uma técnica de confecção baseada em elementos aglutinados entre si por meio de argamassa. No período do Brasil colonial, as argamassas mais utilizadas eram de cal e areia ou de barro. Por cantaria compreende-se o serviço que utiliza a pedra lavrada de maneira precisa, de modo que as peças se ajustam perfeitamente umas sobre as outras sem o auxílio de aglutinante. No Brasil, entretanto, como também em Portugal, devido à indisponibilidade de mão de obra qualificada e ao alto custo, a cantaria não era utilizada na totalidade do edifício, mas apenas em suas partes mais importantes: nos frontispícios, nas soleiras, nas pilastras, nas cornijas, nos portais, nas janelas e nos cunhais, sendo, no restante das vedações, utilizada outra técnica mural. Já a silharia ou enxilharia é a denominação conferida ao trabalho que objetiva a visão completa do conjunto, e não das pedras e juntas isoladamente. A diretriz principal que orientava a construção da Cadeia é a segurança dos presos. Para a Câmara, o primor pela delicadeza era o mais importante. Tal contraste contribuiu, ao longo dos séculos, para soluções plásticas sólidas e expressivas, quando as formas passaram a ser subordinadas a traçados reguladores e modulações. Os sistemas de construção empregados – a taipa, os esteios, o adobe e a pedra, por exemplo, já constituíam, por eles próprios, módulos e perfis de composição. 1.5 Detalhes Construtivos Nas construções de taipa, era normal que a execução dos alicerces também fosse em terra apiloada. A espessura das paredes costumava variar entre 40 e 60 centímetros, e a altura média dos alicerces era de aproximadamente 50 centímetros. Nas cadeias, as paredes e os alicerces eram reforçados – eram forrados e rodeados com vigas fortes e gradeados por dentro. Em suma, a cadeia de pau-a-pique era barreada e rebocada pelo lado de fora, e as enxovias tinham as paredes forradas de cima-a-baixo em seus interiores. Nas Casas de Câmara e Cadeia de adobe, o costume era que possuíssem baldrames de pedra. Não existem registros que indicassem a necessidade de reforço para as paredes de adobe, apesar de até as cadeias de pedra terem sido fortificadas. Em relação aos alicerces e paredes das cadeias de pedra-e-cal, sabe-se que “a obra de alvenaria do fundo do alicerce até a altura das soleiras das janelas de baixo (das enxovias) fosse da maior pedra que se pudesse conduzir” (BARRETO, 1947). O material e a técnica de construção dos muros acompanhavam as construções oficiais, sendo os mesmos. Telhas, tijolos e pedras quase sempre protegiam esses muros e

11


paredes, cumprindo não somente necessidades funcionais como também estéticas, enquanto soluções plásticas. A transição da parede para o beiral das Casas de Câmara era proporcionada pelas cornijas ou cimalhas. O coroamento dos edifícios oficiais também costumava ser feito com platibandas, simples ou ornamentadas, muitas vezes interrompidas por falsos frontões. A platibanda na fachada principal era elemento típico caracterizador do estilo neoclássico, predominante na maioria dos exemplares brasileiros. Quanto ao embasamento das construções, havia aqueles que se reduziam a simples degraus de escadas, os que serviam apenas de pedestais para pilares e os núcleos em talude, que conferiam “força ao pedestal e elegância ao monumento”. Ainda que não cumprissem sua função primeira – a técnica, como muro de sustentação, esses taludes evitavam potenciais deformações óticas em relação à ilusão de o edifício tornar-se mais comprido. As estatuárias ajudavam também a diminuir essa ilusão. As paredes, enquadradas ou não pelos embasamentos, baldrames ou pelas cimalhas, recebiam revestimento a régua, desempenadeira ou a colher. Outro detalhe notório era a presença de cordões, que marcavam na fachada os andares da edificação. Os elementos constitutivos dessas paredes faziam as vezes de decoração, além das cores de seus materiais. Os elementos construtivos decorativos utilizados até então perderam, no século XIX, sua função. A ornamentação e os contrastes cromáticos deixaram de aparecer com frequência, concentrando-se em detalhes tímidos de frontões, por exemplo. 1.6 Composição das Casas de Câmara e Cadeia Primeiramente, devem ser notadas as Casas de Câmara e Cadeia de um só pavimento, como a de Araracruz – construção da segunda metade do século XIX. Os registros apontam esses edifícios de pavimento único como sendo apenas Casas de Câmara, sem cadeia complementar, a qual passou a acontecer em edifício separado. A quase totalidade dos exemplos conhecidos eram construções assobradadas, o que se prova pelos vestígios de alçapão no teto das salas que serviam de cárcere. A variação da topografia não era um empecilho. Algumas Casas – como as de Salvador, Ouro Preto e Jaguaripe, tiraram partido do terreno acidentado para compor suas formas com escadas e parapeitos, por exemplo. Sobre a implantação e a orientação solar, não existem registros sobre qual era a melhor adaptação, já que as vereações e as audiências aconteciam no período da manhã. Havia fachadas principais voltadas para noroeste, nordeste, sudoeste e sudeste, sem predominância de qualquer uma delas. As Casas de Câmara e Cadeia podiam se posicionar no centro do terreno, formando pátios externos, fechados com muro de cintura ou aberto – apenas gradeado no lado da frente. Podiam também ser dispostas em canto no terreiro, murado ou não. Podiam ainda ser independentes do terreno, completamente isoladas nas vilas e cidades, cercadas por vias públicas. Acerca dos pátios internos, sua relação com a composição horizontal do edifício estava diretamente relacionada: podiam ser construções maciças ou vazadas, com saguões. 12


Até o século XVIII, a área reservada à cadeia era sempre maior que a da câmara, por implicações do próprio programa. A situação se inverteu a partir do século XIX, não somente nas novas construções, mas também nas Casas submetidas a reformas, devido às novas exigências de organização administrativo-judicial e penitenciária. No sobrado, ficavam a câmara e a casa de audiências – e suas dependências, como a secretaria e o arquivo. Esses ambientes se dispunham ao longo da fachada frontal, lugar de honra no edifício, com vista para a praça. No pavimento superior localizavam-se também as demais prisões que não fossem as enxovias – as quais instalavam-se sempre no andar de baixo. As moxingas, os açougues e os corpos-de-guarda costumavam ficar também no térreo, quando existiam. A casa do carcereiro não seguia exigências, podendo localizar-se tanto no térreo como no sobrado, bem como as salas-de-entrada. Pequenas passagens deram lugar, no século XIX, a corredores avantajados que trabalhavam como verdadeiras galerias de circulação a serviço das câmaras e das cadeias; normalmente era nos corredores que se implantavam as escadas para o pavimento superior. Salas-de-entrada, corredores, pátios e escadas internas formavam um conjunto centrado na planta das casas oficiais. Geralmente as Casas de Câmara e Cadeia eram servidas por uma entrada comum, ainda que existissem aquelas com duas entradas – geralmente as oriundas do século XIX: uma para a câmara e outra para a cadeia. Portas, portadas, torres, sineiras e escadas concentravam-se ao centro nas fachadas. As escadas externas eventualmente tomavam outra posição, situando-se nas fachadas laterais. As janelas se dispunham de forma regular e equidistante. As vergas das portas (exceto a principal), janelas e frestas mantinham-se no mesmo nível, tanto no térreo quanto no sobrado. Era comum conservar com vergas retilíneas as portas e janelas das fachadas, tratando de forma diferenciada – tanto formal como dimensionalmente – apenas a porta principal, a fim de destacá-la no conjunto (REIS FILHO, 1976). As janelas-de-púlpito e as varandas corridas ficavam preferencialmente nas fachadas principais, enquanto nas fachadas laterais e posteriores frequentemente localizavam-se as janelas-de-peito. Durante o século XIX, era comum ver janelas-de-peito substituindo as de púlpito. Nas enxovias, eram instaladas janelas simples. Os fechamentos dos vãos podiam ser simples ou duplos (com folhas de segurança), com batentes de calha ou chanfro, almofadados ou gradeados. Bandeiras, caixilhos, vidraças e grades caracterizavam as Casas de Câmara e Cadeia e suas finalidades. Os elementos eram ordenados segundo eixos principais e secundários, nos sentidos horizontal e vertical. A ornamentação limitava-se geralmente a pontos focais – como o centro da frontaria e pequenos atributos: cumeeiras, pirâmides, quartões de torres, balaústres de varandas, colunas de escadas e outros. A cor realçava a composição. A monumentalidade das Casas de Câmara e Cadeia não residia em suas dimensões, mas na dinâmica de escalas – a das proporções visuais e a humana. A forma quadrada ou retangular predominava, submetendo fachadas e plantas a traçados reguladores. Os elementos de distribuição, circulação e os “ornamentos” também se subordinavam a relações geométricas. As Casas de Câmara e Cadeia possuíam, em menor ou maior grau, expressão estética, sendo “a coisa mais essencial das vilas e que mais as autorizam e enobrecem” (BARRETO, 1947).

13


Reconstituição Histórica 1. Contexto histórico O sítio onde se implanta Planaltina atualmente pertenceu, até 1837, à vila de Santa Luzia – hoje Luziânia. O arraial de Mestre d’Armas – topônimo usado na região, talvez em referência à habitação de um ferreiro que se estabelecera anteriormente nesse sítio – esteve, a partir daquele ano, vinculado ora à administração de Couros (posteriormente Vila Formosa da Imperatriz, atual Formosa), ora à de Santa Luzia. Em 1859, foi elevado a distrito municipal de Couros. Já em 1891, emancipou-se a Vila de Mestre d’Armas, elevando-se à categoria de município, que passou a contar com câmara municipal, cadeia pública, escola de primeiras letras e paço municipal (SILVA, 2012). A localização original de todas essas instituições é hoje desconhecida, identificando-se apenas suas sedes definitivas erguidas no século XX. Com a proclamação da República, foi impulsionado o plano pombalino de interiorização da capital. Determinada a mudança na Constituição de 1891, constituiu-se sob a presidência de Floriano Peixoto uma comissão chefiada por Luiz Cruls, astrônomo belga, para determinar o futuro sítio da capital. A comissão viajou ao Planalto Central em duas ocasiões, 1892 e 1894, e publicou suas conclusões em 1896. O quadrilátero constitucional foi então demarcado, englobando Formosa e Mestre d’Armas, e tangenciando os núcleos urbanos de Santa Luzia e Meia Ponte (atual Pirenópolis). A demarcação, que iniciava o processo de concretização do projeto pombalino, reforçou os laços políticos já fortes entre Mestre d’Armas e a capital do Estado. Juntamente com diversas cidades goianas vizinhas, houve repetidas “modernizações” no nome da vila, que foi rebatizada Altamir em 1911, devido aos mirantes privilegiados, e que em 1917 adotou o nome de Planaltina. Em 1938, Planaltina foi elevada, por decreto, de vila a cidade. No início do século XX, a prefeitura de Mestre d’Armas empreendeu obras e iniciativas para aprimorar a malha de transportes e as condições de vida da população. Na década de 1920, a cidade recebeu distribuição de energia elétrica e em 1938 inaugurou-se uma estrada de rodagem ligando Planaltina a Ipameri via Cristalina. Em 1926, a base pecuarista da economia local teve perdas irrecuperáveis devido a situações climáticas que prejudicaram a produção do charque. Todas as charqueadas de Planaltina foram, então, fechadas. No início do século XX, o centro econômico do estado concentrou-se no sudeste, finalizando o declínio do oeste aurífero e, portanto, das estradas da Bahia e do Nascente e da própria cidade de Planaltina. Após esse período, sua economia urbana reconverteu-se no comércio de abrangência local, atendendo à população rural da vizinhança, sem recuperar, contudo, o auge da pecuária. Nos anos seguintes, uma permuta de terras entre a prefeitura e a Igreja Católica transferiu ao poder público as terras da freguesia original de São Sebastião, sobre as quais estava edificada a cidade. Em 1931, foram construídos o Fórum, o Paço Municipal e a Cadeia Pública na Avenida Marechal Deodoro, e em 1932, foram oficialmente inaugurados o Fórum, a Prefeitura e a Cadeia Pública na mesma avenida. 14


2. O Paço Municipal Inaugurada em 1932, a antiga Casa de Câmara e Cadeia de Planaltina, originalmente, era uma construção de cunho administrativo. Era costume da administração colonial e imperial do Brasil que neste tipo de edifício se instalassem os órgãos da administração pública municipal, formando seu caráter de edifício público. O Paço Municipal sofreu consideráveis alterações morfológicas ao longo do tempo. Inicialmente, era constituído por dois pavimentos – como a maior parte das Casas de Câmara e Cadeia da História, comportando em seu primeiro nível a cadeia e, no segundo, a administração, à típica maneira brasileira (CASTRO, 1986). A linguagem original das fachadas seguia o estilo art déco, as quais foram refeitas em estilo neocolonial após a demolição do segundo pavimento, no final da década de 1960. A partir da análise de imagens históricas, é possível confirmar a configuração original do edifício em dois pavimentos com cobertura oculta por platibanda contidamente ornamentada. O despojo ornamental, típico do estilo, apresentava-se simultaneamente em elementos diversos: no frontão retangular, nos frisos que antecipavam a platibanda e também nos que marcavam o limite entre os dois pavimentos, nas linhas simples que atravessavam a fachada principal de uma extremidade à outra, passando pelos vãos das janelas e porta. Os fechamentos eram todos ortogonais e recuados em relação à empena. A composição da fachada claramente seguia um traçado regulador regido pela simetria, pela horizontalidade e pela compacidade (figura 1). Em fotografia antiga da construção de uma igreja neogótica na praça Padre Antônio Marcigaglia é possível ver a antiga Casa de Câmara e Cadeia: um volume compacto e impermeável, de caráter sóbrio (figura 2).

Figura 2: Igreja antiga em construção, com antiga Câmara e Cadeia ao fundo. Figura 1: Fachada principal da antiga Casa de Câmara e Cadeia Fonte: Arquivo da SUPHAC Fonte: Biblioteca Pública de Planaltina

Localizado no Lote 9 da Quadra 53 do Setor Tradicional de Planaltina, em terreno de esquina (Av. Marechal Deodoro da Fonseca com R. 13 de Maio), o edifício foco deste trabalho passou por trâmites imobiliários diversos desde sua construção. 15


Em 1932, é inaugurado como Casa de Câmara e Cadeia. Em 1960, tem o pavimento superior demolido, passando a funcionar como a 16ª Delegacia de Polícia (figura 3). Em decorrência do estado precário de conservação do imóvel, a delegacia transferiu-se para outro edifício em meados da década de 1970. Desde então, a propriedade foi cedida temporariamente a um dos servidores da mesma delegacia, o qual nela passou a residir até 1979, quando os constantes pedidos de desocupação por parte da Administração fizeram efeito. Finalmente, em 1981, a construção passa a servir para fins socioculturais e de artesanato.

Figura 3: Edifício funcionando como a 16ª Delegacia de Polícia Fonte: Biblioteca Pública de Planaltina

A planta da edificação atualmente é configurada por quatro cômodos e um corredor central. Segundo registros de cartório obtidos no Arquivo Técnico da Administração Regional de Planaltina, o edifício foi inaugurado em 1932 contando com 1600 metros quadrados e com as seguintes dependências: uma área de circulação, uma sala para o gabinete do delegado, uma sala para o cartório, uma sala para o “destramento” policial, duas celas para presos, uma sala para arquivo, um banheiro e dois WC. As duas únicas celas localizavam-se no pavimento térreo na parte posterior, visto o costume brasileiro e a presença de grades, hoje, em duas das quatro dependências da Casa do Artesão. O corredor distribuidor central indica a possível localização da circulação vertical do antigo Paço Municipal. Na faixa nobre do edifício, isto é, nas salas localizadas à margem frontal do prédio, é provável que se dispusessem o gabinete do delegado, o cartório e salas de audiência. Funções que não precisassem de notoriedade, como os banheiros e o treinamento de funcionários, eram distribuídos aos fundos, no pavimento superior – justifica-se tal zoneamento até mesmo por não haver indícios de alçapões sobre as salas carcerárias. .

16


Levantamento Físico 1. Situação atual do edifício O edifício da Casa do Artesão, antigo Paço Municipal, é caracterizado por uma planta compacta, com ocupação central no terreno e está implantado em topografia de aclive em relação à avenida principal, com a fachada frontal orientada a oeste. Atualmente apresenta pavimento único acima do nível da rua. Contíguo a ele, há edificações anexas recentes, erguidas na década de 1980: uma nos fundos e outra ao norte do lote, feitas de materiais construtivos distintos dos do edifício histórico. Nelas situam-se parte dos ateliês dos artesãos. A área externa que contorna o terreno agrega uma “área verde” sem cuidados e sem tratamento paisagístico, caminhos improvisados e desgastados e muro e portão externo baixos. Desde 1984, a Associação dos Artesãos de Planaltina ocupa o edifício para produção, armazenamento e venda de variadas peças artesanais, como arranjos de flores do cerrado e marcenaria. Os cômodos do edifício são utilizados de maneira completamente improvisada e sem qualquer logística de produção, funcionando como depósito. A Associação dos Artesãos não se responsabiliza pela manutenção da edificação histórica, porém tenta agilizar o processo de restauração do local, sem sucesso até então. Os artesãos anseiam por uma melhor adequação dos espaços já existentes na antiga Casa de Câmara e Cadeia, com o objetivo de abrigar sala de reuniões, loja, sala para oficina, depósito e melhora nos blocos anexos. Os principais frequentadores são os próprios artesãos, os quais recebem, algumas vezes, aprendizes e visitantes. 2. Estado de conservação A Casa do Artesão encontra-se em péssimas condições, na medida em que não existe manutenção local. Os problemas mais urgentes residem em profundas rachaduras, fundações desfalcadas, aberturas quebradas e telhado sem manutenção adequada. O edifício histórico possui paredes portantes, tanto externas como internas, de adobe e alvenaria maciça sobre alicerces de alvenaria e pedra, as quais apresentam problemas de conservação evidenciados pelas fissuras, infiltrações, manchas consequentes de umidade acumulada e desgaste causado por insetos xilófagos. Em relação ao acabamento das paredes, uma parte é caiada de branco – as fachadas frontal e lateral esquerda, além das divisórias internas – e outras são pintadas com murais de paisagens pelos próprios artesãos – as fachadas lateral direita e posterior. Os blocos anexos têm vedações em tijolo cozido e estrutura de concreto, obedecendo uma malha ortogonal com espaços de cheios e vazios intercalados. Mesmo sendo construções mais recentes, as paredes encontram-se desgastadas e algumas possuem buracos, dificultando o trabalho dos artesãos.

17


Os muros que limitam o terreno da Casa do Artesão aparentam ser resistentes ao tempo, não apresentando fissurações ou crateras. São muros baixos de alvenaria com embasamento de pedra, caiados de branco. A cobertura da antiga Casa de Câmara e Cadeia pós-demolição do pavimento superior possui quatro águas e é composta de telhas cerâmicas e beirais maciços. O estado de conservação é precário, já que não há manutenção. Os beirais, de taipa, estão fissurados, formando crateras em alguns pontos, expondo parte da sua estrutura de madeira. O telhado cerâmico é deteriorado gradualmente, porque não há limpeza ou qualquer tipo de cuidado. As edificações mais recentes possuem duas águas com beiral de caibros. A fachada em estilo neocolonial dispensa elementos ornamentais. As janelas são verticais de folhas duplas com vidro e esquadria de madeira, possuindo caixilhos fixos na parte superior. As grades metálicas das aberturas da antiga prisão ainda existem, apesar de não serem utilizadas – fato que, associado à falta de manutenção, levou-as à oxidação parcial. Todas as portas são duplas, em madeira e dotadas também de caixilhos fixos na parte superior. Os vãos, assim como os demais elementos da antiga construção oficial, não recebem qualquer manutenção, ficando então vulneráveis às ações das intempéries. As portas e janelas originais de madeira estão ressecadas e levemente fissuradas, o que as fez perder a cor e a textura naturais. O piso de cimento queimado avermelhado encontra-se também deteriorado, já que apresenta rachaduras em alguns pontos. Por outro lado, o forro de madeira encontra-se em bom estado, sem o menor sinal de fissuração. Os artesãos sentem-se inseguros com a falta de infraestrutura e o perigo estrutural iminente. Contudo, por não haver outro lugar para produzir seu artesanato, são obrigados a conviver com esses problemas. Quanto à Administração Regional de Planaltina, o único suporte oferecido à Associação é o financiamento do abastecimento de luz e água. Desde 2010, a mesma Administração não disponibiliza vigilantes para a segurança do lugar. Assim, os próprios artesãos, por diversas vezes, vigiam e dormem na Casa para assegurar a integridade dos produtos armazenados.

18


Pesquisa de Arquivo 1.

Pesquisa, documentação e arquivamento

Para subsidiar a preservação do patrimônio histórico material, é necessária a preservação da sua documentação, a fim de reconstituir o processo histórico do Paço Municipal de Planaltina, sua relevância social e seu papel na memória comunitária. O processo para o levantamento documental desta pesquisa baseou-se em três fontes potenciais: o Arquivo Público do Distrito Federal (ArPDF), o Arquivo Técnico da Administração Regional de Planaltina (ArTec) e a Igreja Matriz São Sebastião. Criado em 1985, o ArPDF está vinculado à Casa Civil do Distrito Federal e “tem a responsabilidade de planejar e coordenar o recolhimento de documentos produzidos e acumulados pelo Poder Executivo da capital brasileira, assim como de documentos privados de interesse público. Uma vez integrados ao acervo, o órgão tem a missão de preservar esse material com a intuição de colocá-los à disposição da sociedade, dentro da política de acessibilidade adotada pelo Governo do Distrito Federal (GDF). (...) Além dos documentos de valor permanente acumulados pelos órgãos do Governo do Distrito Federal, o ArPDF pode recolher a documentação de caráter privado, quando o acervo for considerado relevante para a história do Distrito Federal e não houver outra solução viável para sua preservação ou acesso.” (ArPDF, 2013) O Arquivo Público passou recentemente por um longo processo de reestruturação da organização dos arquivos. Apesar desse fato, a busca e a obtenção de documentos continuam a apresentar barreiras de dificuldade. Durante o levantamento documental, o acesso a alguns arquivos não foi permitido, pois não é possível saber quais são os conteúdos catalogados de acordo com o ArPDF que agregam o assunto específico – no caso, o objeto da pesquisa. Em relação a Planaltina, a documentação é escassa. Faz-se aqui um apelo para que pesquisas e documentos sejam melhor arquivados para o bom usufruto e maior acesso por parte da população. Em relação à Administração de Planaltina, percebeu-se um sistema burocrático para a obtenção de qualquer informação. Devido ao descaso de administrações passadas para com o patrimônio da cidade, é praticamente impossível encontrar qualquer documentação em referência à arquitetura oficial da cidade. Não obstante a pouca solicitude e a escassez de arquivos, no Arquivo Técnico foi encontrada a documentação referente ao lote da Casa do Artesão. Sobre a documentação arquitetônica – o projeto do Paço Municipal, não é possível afirmar se já existiu ou não. Em consequência das boas relações entre a Igreja e o Estado, buscou-se documentação sobre a Casa de Câmara e Cadeia também nos arquivos da Igreja Matriz de São Sebastião – sem sucesso.

19


Conclusão O relato interpretativo reconstituindo a história do Paço Municipal de Planaltina, desde sua construção até a atualidade, seguiu a metodologia proposta. Produto original, mesmo no campo das Preexistências de Brasília, o relato aqui exposto apresenta insumos para complementar o conhecimento existente acerca do patrimônio histórico da cidade de Planaltina, uma vez que não existem, até o presente momento, estudos aprofundados sobre o edifício foco desta pesquisa. O exercício do levantamento histórico da Antiga Casa de Câmara e Cadeia de Planaltina desperta a atenção para as dificuldades existentes no processo de pesquisa e de preservação da memória de uma cidade. O levantamento documental deste trabalho revela um sistema inadequado, ainda que em aperfeiçoamento, de busca por arquivos específicos. O acesso é limitado, seja pelo método de busca que não permite conhecer os documentos armazenados previamente, seja pela inadimplência de regimentos passados, não preocupados com a preservação histórica de registros históricos relevantes. Aspecto não menos importante é o descaso da administração pública para com o objeto em questão. O levantamento físico demonstra o péssimo estado de conservação do edifício histórico, em que se explicita o perigo estrutural, bem como as inapropriadas condições em que trabalham os artesãos. Faz-se necessária e urgente a execução de projeto de restauro na edificação e em seu entorno. O presente escrito pode constituir subsídio para uma possível proteção patrimonial ao objeto, dada a sua importância histórica como testemunho material da arquitetura de Planaltina.

20


Bibliografia Arquitetura Civil I, II e III. Textos Escolhidos da Revista do IPHAN. São Paulo: FAUUSP e MECIPHAN, 1975. Arquitetura Oficial I e II. Textos Escolhidos da Revista do IPHAN. São Paulo: FAUUSP e MEC-IPHAN, 1975. ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL. Sobre o ArPDF. Disponível em <http://www.arpdf.df.gov.br/sobre-o-arquivo/o-arquivo-publico-do-df.html>. Acesso em julho de 2013. BARDOU, Patrick e ARZOUMANIAN, Varoujan. Arquitecturas de adobe. Barcelona: Gustavo Gili, 1981. BARRETO, Paulo Thedin, “Casas de Câmara e Cadeia”, in Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. n° 11, janeiro de 1947, Rio de Janeiro. BAZIN, Germain. A arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1983. 2 vols. CASTRO, M. A realidade pioneira. Brasília: Thesaurus, 1986. COELHO, Gustavo Neiva. Arquitetura da Mineração em Góias. 2. ed. Goiânia-GO, Trilhas urbanas, 2007. p.31. CORONA, Eduardo e LEMOS, Carlos A. C. Dicionário da arquitetura brasileira. São Paulo: Edart, 1972. FLEIUSS, Max. Apostilas de História do Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Volume Especial, 1933. MAGALHÃES, L. R., & ELEUTÉRIO, R. Estrada Geral do Sertão - na rota das nascentes. Brasília: Terra Mater Brasilis, 2008. MERÊA, MANUEL PAULO. Organização Social e Administração Pública”, in História de Portugal. Volume II, 1929. PESSOA DE QUEIROZ, E., A formação histórica da região do Distrito Federal e entorno: dos municípios-gênese à presente configuração territorial. Brasília: Instituto de Ciências Humanas: Departamento de Geografia: Universidade de Brasília, 2007. REIS FILHO, Nestor G. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1976. RIBEIRO DE FREITAS, B. Reminiscência de Planaltina II. Planaltina: Publi, 2006. RODRIGUES, José Wasth. Documentário arquitetônico. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Edusp, 1979. SANTOS, Paulo F. Arquitetura religiosa em Ouro Preto. Rio de Janeiro: Kosmos, 1951. SILVA, Elias Manoel da. De Mestre d’Armas a Planaltina: Reflexão histórico-crítica sobre a fundação da cidade, Brasília, Edição própria, 2012. VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura no Brasil: sistemas construtivos. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1979.

21


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.