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ENTREVISTA
A POTÊNCIA DAS FAVELAS
Entender o potencial de compra das favelas deve ser a “lição de casa” do varejo brasileiro
Por Giuliano Gonçalves, da Redação do E-Commerce Brasil
Imagine uma solução de marketing que, além de promover retorno financeiro aos anunciantes, gera renda para famílias da periferia? Ela não só existe desde 2012, como já contribuiu com R$ 15 milhões para mais de 42 mil famílias de regiões carentes. Esse é o Outdoor Social, um negócio pioneiro em mídia OOH (out of home, ou fora de casa, em português) em comunidades, que, mesmo durante a pandemia, ascendeu 34% e espera crescer 100% este ano.
Criado pela jornalista carioca Emília Rabello, o Outdoor Social nasceu por conta do interesse e da determinação da empresária em unir as questões da rentabilidade e do “fazer o bem”. Conversamos com Rabello a fim de entender a dinâmica de seu negócio e o quanto ele tem a agregar às pessoas que moram nas favelas, às marcas e - por que não? - ao e-commerce.
Entre as respostas de Rabello, você encontra dados da pesquisa do Outdoor Social Persona Favela(p), que entrevistou 447 moradores das 15 maiores comunidades do país.
E-Commerce Brasil: Primeiramente, como surgiu a ideia do projeto do Outdoor Social?
Rabello: Ele surgiu de uma demanda do mercado. Eu empreendo desde os 24 anos e, antes mesmo do Outdoor Social, tive uma agência que criava soluções de publicidade na qual a mídia convencional não chegava. Em uma das ocasiões, tivemos uma demanda para entrar com carros de som nas favelas do Rio de Janeiro, o que era meio impossível. Afinal, além da questão da segurança, há toda uma logística que impossibilita a passagem de carros. Um tempo depois, ganhei um livro da minha mãe (que é socióloga) chamado “O banqueiro dos pobres”, do autor Muhammad Yunus. Eu li e entendi que havia uma possibilidade de criar um negócio que ao mesmo tempo gerasse um impacto social.
Pesquisa Persona Favela(p) - Dos 447 participantes da pesquisa, 54% possuem o ensino médio, 31% só estudaram até o ensino fundamental, 13% têm faculdade e 2% não possuem nenhum tipo de formação.
ECBR: Como você vê o e-commerce em relação à periferia?
Rabello: As empresas que anunciam com a gente são inúmeras, como Netflix, Casas Bahia, Magalu, maquininhas de cartões, fintechs, aplicativos de bancos convencio-
nais… Com a pandemia, pensamos no Projeto Fluxo, que gera sinal de internet gratuita (Wi-Fi) e, a partir disso, começou a entrar a oferta de mídia online. Posso dizer que o Mercado Livre e a Shopee investem há algum tempo em entregas dentro das favelas. Eles
perceberam a potência aquisitiva que existe nas favelas e romperam aquela visão antiga de que favela é sinônimo de criminalidade ou pobreza extrema. p. Segundo o levantamento, 38% das pessoas das favelas compram pela internet. O potencial de consumo das comunidades selecionadas no estudo é de R$ 9,9 bilhões ao ano, sendo a renda salarial média mensal de R$ 2.781,44. Além disso, 37,1% deles compram insumos de atacados/atacarejos e 58% usam as redes sociais, principalmente o WhatsApp (60%), para negociar seus produtos/serviços.
ECBR: O que você pode compartilhar sobre o problema das entregas nas favelas?
Mostramos com o Outdoor Social e nossas pesquisas do Persona na Favela que existem muitos brasileiros que moram ali, que precisam ser identificados, devidamente valorizados e inseridos como empreendedores no sistema econômico. Eles querem comprar produtos bons, de boa qualidade. Até porque há uma característica em comum entre eles que é “não posso errar na compra”. Portanto, ao comprar uma máquina de lavar, eles levam em consideração que aquele produto não pode quebrar ou, se quebrar, ter uma boa assistência técnica que resolva o problema o quanto antes. Afinal, é um investimento grande na renda daquela pessoa. Rabello: A grande questão do e-commerce nessas regiões está na entrega dos produtos em territórios que não têm endereço. Há algumas iniciativas que estão resolvendo isso, como Na Porta, Favela LLog e Favela Brasil Xpress, que identificam as casas e facilitam a logística. Isso eleva o sentimento dessas pessoas de pertencimento ao mundo, uma vez que elas são como qualquer um de nós. Esse mapeamento é muito importante, e é onde os dois lados ganham, consumidor e empresa. Ou melhor, ganha a sociedade como um todo.
Que eu me lembre, o Mercado Livre foi um dos primeiros a entregar nas favelas. Acredito que por serem de fora do país, não têm essa visão míope e acabam focando nos números, e não em todo o lance de preconceito com esse público. Eles modelaram esse
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formato na Argentina, trouxeram para cá e deu muito certo. Lembrando que empresas como o Mercado Livre acabam gerando emprego nas favelas, pois precisam das pessoas para auxiliar nas entregas e entendem que “a Dona Maria mora atrás da casa da Dona Emília”, por exemplo.
p. A maior parte dos moradores de favelas é composta por mulheres (56%), seguida por homens (46%). As populações dessas regiões, em sua maioria, são formadas por jovens, entre os grupos de 18 a 24 anos (27%) e de 25 a 34 anos (24%). São seguidos pelos grupos de 35 a 44 anos (20%), de 45 a 54 anos (16%), e 55 anos ou mais (13%).
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ECBR: Quais dicas você daria para que as empresas de e-commerce conquistem esse público cada vez mais?
Rabello: Uma coisa que eu descobri trabalhando com esse público é que as roupas estão entre os produtos mais adquiridos no e-commerce, seguidas pelos eletrodomésticos. E engana-se quem acha que só os grandes e-commerces têm chances de vender nessas regiões, pelo contrário. Quanto menor a empresa, mais diretamente ela consegue conversar com esse perfil, olhando nos olhos. Aliás, será dessa forma que o negócio entenderá como e o que vender para o comprador das favelas. E por falar em como essas pessoas querem comprar, já deixo uma segunda dica: ofereça crédito! Mas não aquele crédito que vai apertar no final do mês, com juros absurdos. É preciso estudar juros que caibam dentro da renda dessas pessoas, lembrando que elas têm cartão de crédito também. Há um oceano azul enorme dentro desse perfil, e é preciso incluir o povo das favelas na cadeia de produção, mostrar a legitimidade da sua proposta de valor ao falar com esse alvo. E, acima de tudo, dar capilaridade a essa entrega. Quanto mais a empresa conseguir expandir isso dentro das favelas, mais gente ela consegue colocar em sua base.
p. 49% das vendas de produtos e serviços nas favelas são realizadas através de dinheiro vivo e transferências bancárias. Por outro lado, 93,7% dos negócios próprios dessas regiões precisam e querem crédito, mas não têm acesso.
ECBR: Além do valor de aluguel da parede das casas, há alguma outra forma de remuneração gerada pelo Outdoor Social?
Rabello: Nós remuneramos quem exibe os cartazes, quem instala, e ainda há a doação dos anúncios às cooperativas de reciclagem. Já geramos mais de R$ 15 milhões em renda para mais de 42 mil famílias. São mais de seis mil comunidades participando desse ecossistema, que já receberam comunicação eficiente de 180 empresas. O material dos anúncios tem grande valor na reciclagem da logística reversa. Esse material é doado à reciclagem, que o envia à indústria. Ela então reutiliza o plástico, que volta para as novas impressões.
p. 99, Ambev, Avon, Itaú, Carrefour, Coca-Cola, Drogaria São Paulo, FMU, Havaianas e Netflix são alguns dos clientes, que, juntos, já movimentaram R$ 44,8 milhões com o Outdoor Social. Cada morador ou comer-
ciante que aluga o muro recebe, em média, R$100.
ECBR: Vocês atuam em parceria com outros projetos ou organizações?
Rabello: Nós nos associamos a ONGs e líderes comunitários… Mas eu sempre busquei ONGs menores, com uma atuação local. Para nós, é muito mais precioso valorizar essa base da pirâmide e fortalecer esse tecido social do que buscar grandes organizações. Muitas vezes, eles (ONGs menores) sequer são oficializados ou têm CNPJ, porém fazem uma entrega social muito grande dentro desses territórios. Quem valida a nossa proposta de valor são os coordenadores, que entendem o nosso interesse e explicam ao morador o que será feito com a exposição do nosso material.
p. Desde 2012, o Outdoor Social já instalou 79.654 mil faces (propagandas) em 36,5 mil pontos geolocalizados em favelas de todo o Brasil.
ECBR: Vocês identificaram um perfil de empresa ou produto com maior demanda de anúncios e procura?
Rabello: Na verdade, nós temos um perfil bastante variado. Há setores educacionais, de bebidas, bancário, seguro funerário… É muito heterogênea a procura de anunciantes pelo Outdoor Social. Isso comprova que a favela é potência, que há consumo lá dentro. Se o anunciante não tem retorno nesses locais, ele para de anunciar, e não é o caso. Como elaboramos todo um estudo dentro das comunidades, abordamos clientes que têm aderência ao perfil dos moradores. E, quando notamos algum anúncio que foge do perfil, direcionamos o cliente para corrigir e adaptar a mensagem para aquele meio. Fazemos uma consultoria sobre como anunciar na favela, muitas vezes até redigindo o conteúdo para conectar ao público.
p. Os moradores das 15 maiores favelas e comunidades brasileiras, em sua maioria, são de etnia preta/parda (74%). Desses, 55% pertencem à classe C, 35,8% trabalham sem carteira assinada, 33% são autônomos e 17% estão desempregados.
ECBR: Quais são os principais desafios que o Outdoor Social ainda enfrenta?
Rabello: Acho que a questão da desconstrução da palavra “favelado” continua sendo o nosso café da manhã, almoço e jantar. Todos os dias, a gente fala para o mercado que a favela consome, que a favela é potência… Por isso é muito importante seguir levando essa pauta para as mídias e realizar cada vez mais pesquisas para dar visibilidade a esse nicho. Ainda acho que essa será a nossa pauta por alguns anos.
p. Dos pesquisados, 58% afirmam utilizar a internet para comercializar produtos e serviços. Já sobre as ferramentas para a venda, 60% disseram utilizar o WhatsApp, 41,8% o Instagram, 26,5% o Facebook, 5,9% aplicativos e 1,5% o OLX.
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