Revista de literatura
1ªedição
Distribuição Gratuita
maio/junho 2020
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Catarina Dinis Pinto Editora Ecos da Palavra Autora / Poetisa/ contadora de histórias
As palavras contam contos, sentimentos, detalhes de um instante que fica fixo em parágrafos, assim como as imagens e fragmentam-se nos ecos da vida do quotidiano. Assim nasceu Ecos da Palavra, uma revista literária que pretende ajudar a difundir todo este circuito que no quotidiano autores / escritores/ pintores vão construindo. Ecos da Palavra é uma revista literária que idealizei desde há muito tempo e procuro que que seja uma conquista pessoal, mas que também de todos os participantes, ao promover os seus trabalhos. Preparar cada detalhe de Ecos da Palavra foi um verdadeiro desvendar da magia. Devido a Pandemia que fomos assolados nestes últimos tempos, somos marcados por diversas formas de pensar e agir, inclusive no mundo das artes, da literatura. Algo positivo irá surgir entre estes dias de incerteza. Foi assim que optei por realizar um sonho que parecia um pouco distante, o de dar vida a uma revista online e gratuita abrangentes a diferentes públicos. Juntos estamos a construir a diferença em instantes de distanciamento social mas não neste mundo virtual. Agradeço a todos os primeiros intervenientes este passo em conjunto e que assim perdure ao encontrarmo-nos em futuras edições. Parabéns! Por fim a disfrutar de cada palavra e imagem…. Uma boa viagem pelo mundo da leitura.
Catarina Dinis Pinto
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Índice Índice- _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 4 Biografia - Luís Sepúlveda_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 8 Eventos históricos e datas importantes_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 9 Lugares de Portugal- Poema _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 10 Autores Selecionados _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 11 ADNELSON CAMPOS ADRIANO LUIS FONSACA AGNES IZUMI NAGASHIMA ALEX ROSA ALINE ENI ALVARO TALLARICO AMADEU SANTORO SILVA AMÍLCAR ARMANDO RAJA ANA PAULA DE OLIVEIRA GOMES (PSEUDÔNIMO: SOMBRA) ANDERSON NOGUEIRA ANDRÉ AMARAL ANDRESSA CARVALHO ANGELI ROSE AUGUSTO FILIPE GONÇALVES BENÍCIO PACÍFICO BRUNO CENA MACEDO BRUNO RAMALHO CAMILA FRALACOSSI CAROL PITZER
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CECÍLIA CRUZ CLAUDINHO SILVA DAMIÃO ROCHEDO DANIELLE MONTEIRO DEBORA SANTOS DA PAZ EDILSON LEÃO EMÍLIA SILVA ERIANE DANTAS ETELVINA TAPADO EVANDRO NUNES DA SILVA EVELYN MELLO FÁBIO DAFLON FÉLIX HILTON FIFO LAZARINI GABRIEL ALVES DE SOUZA GERMANO VIANA XAVIER GIOVANI ROEHRS GELATI GISELA PEÇANHA GLAUBER CLARES SANTIAGO GUSTAVO H ARAÚJO HELDER DO COUTTO HELENA DURÃES HUDSON HENRIQUE IAGO GONÇALVES BATISTA ISMAR BARROS JR. JAIRO AJALA MIELNIK
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JÉSSICA IANCOSKI JOÃO DINIZ JORGE EDUARDO JOSAFÁ DE ORÓS JOSÉ ATANÁSIO BORGES PINTO JOSÉ Sepúlveda JULIANA KAROL DE OLIVEIRA FALCÃO KATIA S. PARENTE KIMBERLLY ISQUIERDO BONGALHARDO LÍGIA DINIZ DONEGA LILLY MARIA LUÍS PALMA GOMES MANOEL DE OLIVEIRA MARCO ANTONIO BARCELOS LIMA MARIA CRISTINA CACOSSI MARIA CLARA BARBOSA MARIA CRISTINA MARTINS MAURÍCIO LIMEIRA MÓNICA MARGARIDE NESTOR LAMPROS PAOLA FEITOSA DE OLIVEIRA PAULO FLORINDO PAULO LUÍS FERREIRA PEDRO GUERRA DEMINGOS POETA DOS JARDINS REBEKA GABRIELLY FIALHO TASSINARI
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REGINALDA SILVA RENAN MARIANO RIAN LUCAS RICARDO CUNHA RICARDO MONCORVO TONET ROBINSON SILVA ALVES ROQUE ALOISIO WESCHENFELDER ROSA ACASSIA LUIZARI ROSA MARIA SANTOS ROSIANE COVALESKI ROSIANE IGLESIAS SAMMIS REACHERS SENHORINHA GERVÁSIO LOURENÇO BRAGANÇA SIRINEU OLIVEIRA SONIA REGINA ROCHA RODRIGUES THAIS ANDRESSA THAMIRES ANDRADE THIAGO HENRIQUE FERNANDES COELHO TINGA DAS GERAIS V. S. K. WATANABE VALQUÉCIA COSTA VERÔNICA LAZZERONI DEL CET VICTOR AZULAY WESLLEY ALMEIDA
Tema da próxima edição _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
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Biografia Luís Sepúlveda Nasceu a 4 de outubro de 1949 no chile. Seu pai era militante do Partido Comunista e a sua mãe enfermeira de origens mapuche. Tendo falecido em abril de 2020 em Espanha. Autor, romancista, realizador, jornalista, ativista politico entre outros. Vendeu mais de 18 milhões de livros em 60 idiomas, tendo se destacado O Velho que Lia Romances de Amor e História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar. Fundou e dirigiu o Salão do Livro Ibero-americano, destinado a promover o encontro de escritores, editores e livreiros latino-americanos com os seus homólogos europeus. Em 2016, recebeu o Prémio Eduardo Lourenço – que visa galardoar personalidades ou instituições com intervenção relevante no âmbito da cooperação e da cultura ibérica –, uma honra de definiu como «uma emoção muito especial».
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Eventos históricos e datas importantes 1 de maio de 1829 — nascimento José de Alencar, escritor e político brasileiro 3 de maio de 1469 - nascimento do historiador Nicolau Maquiavel 6 de maio de 1968 - Início do maio de 68 - França. 20 de maio de 1498 - O navegador português Vasco da Gama alcança Kappakadavu, próxima a Calecute, permitindo cumprir a Descoberta do caminho marítimo para a Índia para o reino de Portugal e consequentemente para a Europa. 26 de maio de 1992 - Aprova o Texto da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos. 29 de maio: dia Mundial da energia 5 de junho: dia do ambiente 8 de junho : dia dos oceanos 20 de junho: dia mundial dos refugiados
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Poema de Portugal O Porto de há 20 anos atrás…
O Porto de há 20 anos não era tão frio A Chuva não se infiltrava Nem na alma ou nos sapatos, No Porto de há 20 anos não há autocarros assim Com tão poucos lugares E vazio nas horas fugazes… Não há caras carrancudas E despojadas de palavras Não há tanta pedra escura E travessas obscuras No Porto de há 20 anos havia vida Hoje o Porto está doente, moribundo Sem família, nem amor Hoje placas “ vende-se” E eternamente lá ficam vendo passar as poucas pessoas apressadas. No Porto de há 20 anos… A paisagem tinha mais cor Os edifícios são os mesmos, é verdade Só que a chuva e a crise Estiveram lado a lado Para os deixar assim…
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Descoloridos… As janelas onde haviam velhinhos esperando o sol Fecharam-se para a vida… Há 20 anos o campo junto ao Rio Tinto Era árido e vazio Hoje alguém trabalha Para a vida não ser tão pesada… Ao menos uma coisa boa.. Há 20 anos atrás cruzava a Circunvalação E entrava na cidade Hoje entro em mais uma rua… O Porto de há 20 anos Fervilhava de luz e animação Hoje entre uma ou outra rua. O restante exílio cinzento… No Porto de há 20 anos havia fábricas No de hoje deram lugar a mais uma avenida até ao bairro 2014-02-10
Catarina Dinis
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Biografia Adnelson Campos, 56 anos, Administrador, mora em São Mateus do SulPR. Casado com Denise. Pai de Lucas, Vinícius e Helena. Possui mais de oitenta contos publicados em antologias impressas e digitais. www.adnelsoncampos.com.br. Assina a coluna Prismas em www.gazetainformativa.com.br/category/prismas/
Telegrama Adnelson Campos Paranaense de Morretes, meu tio ganhou o apelido de Carioca após prestar serviço militar na então Capital da República. Alguns anos mais tarde foi trabalhar na Rede Ferroviária Federal e em sua carreira chegou ao cargo de maquinista. Nesta época a classe dos ferroviários, bastante valorizada, eram uma das “locomotivas” da economia nacional. Como a maioria dos ferroviários, meu tio morou em diversas cidades, pontos chave dos entroncamentos do trecho coberto pela Rede, como eram chamadas as empresas ligadas à Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Assim, percorria as estradas de ferro da região, subindo e descendo a serra, transportando passageiros ou cargas. Numa das paradas conheceu sua esposa, minha tia, que morava numa pequena cidade “serra abaixo” de Santa Catarina. Também apadrinhou várias crianças e por consequência teve muitos compadres e comadres, pois era uma pessoa agradável, um contador de histórias, além de sempre solicito. Passava dias e noites a bordo de sua locomotiva ao longo de todas as estações do ano. O inverno sempre pareceu mais longo na Região Sul e certas vezes só um gole de cachaça lhe permitia suportar o frio e a saudade de casa. Não demorou muito para ficar viciado na maldita e, como todo mundo que abusa da bebida, adoeceu com o passar do tempo. A gastrite inicial se transforou numa úlcera estomacal. Ele já franzino pelo passar dos anos, com a doença ficou ainda mais magro. Sua coluna se curvou e ele nem aparentava mais o soldado de 1,85m, vestido com o uniforme do exército no quadro da parede da sala.
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Por não obedecer às recomendações médicas, não restou outra alternativa senão uma intervenção cirúrgica que lhe deixou apenas com um terço do estômago. Foram meses de internação hospitalar e as esperanças de que saísse daquele quarto vivo estavam ficando remotas. Como perdera contato com a sua família, os mais próximos eram os parentes de sua esposa e seus compadres, muitos deles morando no litoral catarinense e cidades vizinhas. Naquele início de anos 70, poucos eram os telefones e os meios de comunicação mais utilizados eram os Correios e o telégrafo. A Rede possuía cabos e postes distribuídos ao longo das ferrovias, as mesmas que meu tio costuma frequentar, sendo o meio utilizado para as mensagens urgentes. Preocupada com o precário estado de saúde do Tio Carioca, sua esposa resolveu alertar os familiares e conhecidos, pois achava que iria perdê-lo. Cedinho, mandou um telegrama. O Misto, trem que recebia este nome por transportar tanto passageiros quanto cargas, que saia de São Francisco do Sul no fim de tarde e amanhecia em Porto União, desembarcou mais de trinta pessoas na manhã seguinte. Passava pouco das seis quando a turma toda bateu à porta da casa de minha tia, que se assustou com o alvoroço do pessoal. Todos trajavam roupas escuras, alguns choravam. Senhoras eram amparadas pois ameaçavam desmaiar, afetadas pelo cansaço e pela dor do sentimento. Sem entender o que estava se passando a minha tia foi abrindo a porta da sala e começou a abraçar todo mundo. A única filha do casal saiu do quarto coçando os olhos, de pijama. Desandou a chorar quando um de seus tios lhe desejou os pêsames. – Mãe, o meu pai morreu e você nem me falou!” – exclamou a garota. Minha tia, assustada e surpresa, passou mal e caiu no chão feito uma tábua. Alguns minutos, depois de reanimada, mal conseguia falar, dominada pela emoção. – Como foi que souberam da morte dele? – perguntou minha tia. Os parentes se entreolharam surpresos, até que um deles respondeu:
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– Recebemos ontem no fim de tarde o seu telegrama comunicando a morte dele! Não deu nem tempo de nos ajeitarmos, subimos no trem e viemos!” – Meu Senhor Bom Jesus de Iguape, vi o Carioca vivo ontem perto das 23 horas! – Esboçando um sorriso de alivio. Ninguém mais entendia o que estava acontecendo. Resolveram todos ir até o hospital. As senhoras mais idosas, ainda incrédulas, seguiram puxando o terço e acordando a população do bairro que observa a romaria sem entender o que se passava. A minha tia entrou ansiosa no quarto e ficou feliz em ver que o Carioca estava lá, vivo e tomando o seu primeiro gole de chá, depois de meses preso ao frasco de soro. Um dos cunhados do tio Carioca, também ferroviário foi até o escritório da Rede saber o que tinha acontecido. Descobriu que a minha tia passara um telegrama com a seguinte mensagem: “ESTADO SAUDE CARIOCA EH GRAVE PT TEMO PELO PIOR PT” Entretanto, o responsável pelo recebimento da mensagem esqueceu de passála a quem fazia a entrega das mensagens em domicílio. À tarde, quando percebeu seu erro, tentou remediar a situação e refez o texto da seguinte maneira: “ESTADO SAUDE CARIOCA ERA GRAVE PT ELE MORREU PT” Depois de indagado sobre o porque da mudança no texto ele respondeu: – Se pela manhã o estado de saúde era grave e se a família esperava pelo pior, com certeza à tarde ele já havia morrido e seria melhor que todos já fossem para o seu velório e embarcassem ainda em tempo! Meu tio viveu ainda por muitos anos e se foi velhinho. Já o telegrafista passou a vida atormentado pelo erro, dizem.
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Biografia Adriano Luís Fonsaca é mestre em Estudos de Linguagens pela UTFPR, formou-se em Publicidade e Propaganda e atualmente cursa Letras Polonês na UFPR. Entusiasta das artes, já participou da produção de vários curta-metragens na antiga IFC Produções em Curitiba da qual foi sócio. O curta Última Curva foi premiado no festival Cineminha na Escola e na Praça em Guarulhos - SP (2013). Também atuou em peças teatrais, como A Virgem de Narciso (exibida no Festival de Teatro de Curitiba em 2009). Desde a adolescência, escreve por impulso criativo e, recentemente, seu conto intitulado "Poema de uma tarde de outono" ficou em sexto lugar no "II Baika: Concurso Internacional de Contos Eslavos da Unicentro" e será publicado em uma coletânea.
A Tribuna da Madrugada Adriano Luís Fonsaca
Sérgio, cerca de quarenta anos de idade, vivia na região metropolitana de Curitiba. Ele morava com a esposa e seus dois filhos em uma velha casa de madeira. O quintal aos fundos estava um matagal há meses. Foi o que o homem pensou antes de apagar seu último cigarro e adentrar sua casa para dormir após mais um dia monótono de trabalho. Sérgio trabalhava para um pequeno jornal de sua cidade, o qual lhe emprestava uma velha caminhonete azul para sair em busca de furos jornalísticos, ele também usava o veículo para levar os filhos para a escola e a mulher ao mercado. Muitas vezes esses “furos jornalísticos” consistiam em identificar um orelhão estragado não arrumado pela companhia telefônica há mais de um ano ou sobre o gato Loló da dona Gertrudes ficando preso mais uma vez em um poste e dando um trabalhão para ser resgatado pelos bombeiros. No ápice de sua carreira, Sérgio descobriu um desvio de verbas na prefeitura e o pequeno jornaleco foi o primeiro a noticiar. Contudo, em algumas horas, os jornalões começaram a também falar da denúncia e ninguém nunca mais lembrou quem descobriu o estardalhaço que fez o prefeito demitir metade de seus assessores.
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Como o jornal era pequeno, de uma cidade mediana, Sérgio desempenhava múltiplas funções no trabalho: ia ao local anotar o acontecido, tirava as fotos, escrevia toda a matéria e, às vezes, investigava os tão bem quistos furos jornalísticos que seu editor sempre cobrava e praticamente nunca conseguiam. A Tribuna da Madrugada só chegava às bancas após o meio-dia, o jornal se resumia a anúncios de negócios locais, fotos de moças de biquíni, placares do futebol do dia anterior e meia dúzia de informações sobre a cidade, os “furos” de Sérgio. Apesar da aparente vida não muito bem-sucedida de um homem que sempre quis ser um detetive capaz de desvendar grandes mistérios onde, apesar de se meter em enrascadas, conseguiria se livrar e salvar o dia como o Agente 86 da televisão, Sérgio era grato por ter conseguido virar, de alguma forma, um investigador e sustentar a família com isso. Afinal, só havia cursado os primeiros anos do ensino fundamental, o que não lhe permitiu se quer tentar ingresso numa faculdade de jornalismo. Ao menos sua certificação de “detetive” conseguido pelo curso por correspondência do Instituto Brasileiro, lhe agraciou esse emprego de repórter. Era grato também por não ter ficado calvo, pois sempre gostou de ostentar sua cabeleira, devidamente ajustada ao corte pigmaleão todas as sextas-feiras no cabelereiro. É claro que seu avantajado bigode também era sempre bem aparado nos cantos. Nesta quarta-feira, Sérgio acordou mais cedo do que de costume, o telefone havia tocado. Ele senta na cama, coça a barriga avantajada e atende ao telefone, é seu chefe. Ele diz para Sérgio se arrumar logo, havia acontecido um enorme engavetamento na rodovia que levava a capital e aparentemente ninguém, fora os acidentados, estavam sabendo disso. Se noticiassem por primeiro, seria um grande furo e de primeira mão para A Tribuna da Madrugada. O chefe disse que segurou a prensa e eles estariam com a vantagem, pois o jornal deles saía adiantado em relação aos outros e, provavelmente, só no dia seguinte os grandes jornalões falariam do ocorrido. Sérgio desliga e sorri, afinal A Tribuna da Madrugada sempre saiu atrasada em relação aos outros jornais. Toda manhã, os jornais diários estão nas bancas, pois foram impressos durante a madrugada. Contudo, desde que foi lançada, A Tribuna da Madrugada é posta na prensa às oito da manhã e, por demoras também na distribuição, chega nas bancas só no
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final do horário do almoço. Esse fato irônico entre o nome do jornal e seu atraso, enfim, seria uma vantagem. A esposa de Sérgio, acordada com o tocar do telefone, pergunta ao marido o que havia acontecido, ele responde enquanto se veste. Ela pergunta se hoje seu marido voltará cedo para casa ao invés de ir beber no bar à noite. Ele fica em silêncio, coça o nariz envergado após abotoar o cinto da sua calça jeans. Sua esposa se irrita com o silêncio e diz, já com um tom de voz alterado, para ele não ficar gastando o pouco dinheiro que ganha com bebida, deveria se preocupar mais com a família. Sérgio fica calado, anda de um lado para o outro, termina de se vestir colocando uma velha jaqueta de couro marrom, pois aquela manhã de junho estava fria como se tivesse geado.
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Biografia Agnes Izumi Nagashima nasceu em Maringá e atualmente reside em Londrina. Graduação em Biotecnologia pela Unesp e especialização em Genética Aplicada e Biotecnologia e Mestrado em Ciência de Alimentos pela UEL. Sempre teve gosto pela leitura e ganhou prêmio da Biblioteca Pública Municipal de Maringá como uma das crianças que mais leu livro no ano. Sempre gostou de escrever poesias e contos.
JARDIM DE DESILUSÃO Era um andar de mãos atadas, pés descalços e corações apertados. Sonhado compartilhou-se, e de dois corações, um só se uniu. Foi assim, um sorriso, um olhar que conseguiu mergulhar, transbordar e acabou. Tão rápido, veio e foi, nem chegou e se virou. Mesmo que os muros se ergam, pelo simples fechar dos meus olhos, valeu a pena cada momento dessas lágrimas escorridas. Lágrima incolor como a ausência do seu sorriso, sem sabor como a falta do seu beijo. Sem você, é só o mais obscuro dos acasos, é o completo ocaso. É abrir os olhos e não te ver, é despertar e ver que era um sonho que se teve só e distante. Mas está em mim, está sim, não desmente por mais que tente me esconder. Coragem é o que preciso para minha vida volver desse jardim de desilusão.
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Biografia Alex Rosa nasceu na cidade de Jundiaí-SP. Premiado em mais de 40 concursos, nacional e internacional. Publicado em Antologias e Revistas literárias com textos em prosa e poesia. e-mail: alexrosa84@gmail.com
Poesia: À margem da poética Alex Rosa
A poesia não pode ser escrita por anseios Ela transcende a vulgaridade das palavras Mesmo dizendo tudo, finge o nada. Sussurrando nas linhas mais atentas Não pode ser fruto do desamor Nem consolo aos martírios mais intensos Como se fosse ela feita apenas para refúgio Aquém das convicções mais sinceras; À parte das regras dos eruditos Como se, ao escrevê-la, eu trilhasse cegamente. Pelas métricas dos recursos e analogias Mas não atingisse o essencial – a alma. Que outros o fizeram com tanta maestria Aflorados num jardim extenso Apenas se livrando de enredadas tentativas Conseguiram encontrar o complexo da simplicidade Mas não eu,
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Eu que sempre fui agarrado aos seus calcanhares Como se estivesse pisando em falso Num jogo de palavras Ă deriva Na constante incerteza dos versos
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Biografia Aline Eni , Guará - Brasília DF é uma jovem escritora de 28 anos. Nascida no interior de Minas Gerais; Adotada e criada na cidade de Ibirité-MG, formada no ensino médio. Atualmente reside em Brasília. Dotada de muito bom humor e carisma. Lançou sua obra Enxergando na Escuridão em Jul/2019, uma critica social que trata sobre os preconceitos presentes no nosso dia a dia os quais fingimos não ver ou não existirem. https://www.facebook.com/linnyeny/ https://www.instagram.com/alineeniescritora/
A Gente Enfrenta A minha alma chora Mais um jovem se cortou A minha alma chora Ela se ilude Pensa que isso vai acabar com sua dor Coração no peito implora Um basta em tudo isso que a gente vê Mais um negro descriminado na escola Na rua pensam que é ladrão Ligando a TV posso ver Tem muito ladrão de terno É tanto horror Não tem para onde correr Vejo o protesto Mulheres nuas saindo para a rua Bastava apenas despir o coração Toca mais o que se tem para dizer. Mendigos pedindo esmola Feito pobres tapetes surrados em nossas calçadas Ao invés de ir à escola
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Brincar e jogar bola Tem criança no sinal Pedindo o pão Ao invés de investir Em saúde e educação Estão a viajar de avião Mais uma mulher foi morta Vítima do marido Ou companheiro Ou vítima da síndrome de Narciso. Ela comeu Depois se arrependeu A numeração não deu Respeite suas curvas Mais um idoso maltratado No canto jogado Deficientes e cadeirantes Foram votar Não tinha rampa lá. Como no transporte publico Nada funciona. Mais um morreu na fila do hospital Erro médico. Aquela que era para dar amor A sua criança espancou Até que seu choro se calou Morte da esperança Ainda pequeno Teve sua trajetória interrompida Alguns impedidos de nascer Não conheceram a vida Mas tem muitas vidas E muitas delas Talvez melhor não conhecer Tem coisa que é difícil. Se perdeu no vicio O criminoso preso
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Já esta solto. Aqui esta tudo revirado Bem bagunçado Crimes por ódio Número um no pódio Escolha nenhuma merece sentença. Protestou de forma bruta E grotesca Cuidado com os excessos Ordem E Progresso Trate como quer receber Sem guerra entre grupos Conquiste o seu espaço Sem ser só mais um Apenas ame Respeite as diferenças Saiba ouvir Não sejamos como “animais” (Que me desculpem os animais) Vamos ser racionais Menos regras Menos rótulos Menos grupos Já tentaram isso E como pode ver não deu certo Seja esperto Vamos ser todos Um. Somos iguais em nossas diferenças. Cada qual com a sua crença.
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Biografia Alvaro Tallarico é jornalista cultural. Um ser vivente e andante que acredita na arte como energia propulsora de um mundo mais humano. Gaivota rumo ao proposito – Alvaro Tallarico
Por do sol em Búzios. Rio de Janeiro – Alvaro Tallarico
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Foto Alvaro Tallarico
O grafite e o velhote. Ruas do Porto. Portugal-Foto Alvaro Tallarico
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Biografia Amadeu Santoro Silva, pseudônimo de Luiz Fernando M. Júnior, nasceu em Iporã-PR. Desde pequeno gostava de ler e de fantasiar situações. Na escola promoveu vários projetos de leitura, como, também, de escrita, focando em temas objetivos e reflexivos.
PROSINHA LAMENTA Foi sobre estes tijolos que me ergui. Foi neste chão que me apoiei. E agora? Lama! Mas o homem, sendo um animal pensante, Como poderia deixar que levasse esta gente, Onde trabalho mais trabalho gera dignidade, A perder aquilo que viveu, A ver tanta gente que morreu, O passo lento, que se perdeu, E tudo se esmoreceu, E ficou assim? Veja, pois, Graciano, o desatino desta canção: Afina as cordas que haveremos de cantar, A lenda do barro que engole gente, Que virou semente para os filhos “contá”.
Amadeu Santoro Silva
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Biografia Amílcar Armando Raja, nascido ao 09 de Abril de 1997, natural da cidade de Nampula, província de Nampula – Moçambique – Africa. Engenheiro Ambiental de Profissão, apaixonado pela literatura desde tenra idade, mas, comecei a escrever textos literários apenas no ano de 2015. Actualmente tenho um conto “A Poderosa Voz do Escravo” publicado na Antologia “Um Hino ao Imperio” do concurso Glorioso Imperio do Brasil. Continuo motivado escrevendo no intuito de tornar-me um escritor renomado e conceituado no mundo da literatura.
Hienas e Leões evoluídos – Crónica Numa manhã chuvosa três técnicos de HST (higiene e segurança no trabalho) questionavam-se mutuamente – “Se realmente o homem é a versão evoluída do macaco após milhões de anos! Porque é que os outros animais incluindo o próprio homem não continuam evoluindo até a atualidade?”. O outro entreviu com os seguintes argumentos – “As características da atmosfera primitiva: Erupções vulcânicas, elevadas temperaturas, invernos intensos, entre outras (quais? Pense!), foram determinantes e aceleraram o processo evolutivo há milhões de anos. Actualmente a atmosfera é mais estável e as exigências de mudanças/adaptações cingem-se em aprimoramentos na qualidade de vida, bemestar, inovação dos transportes e comunicação, modernização da agricultura”. O mais prudente e sábio do grupo entreviu – “Ilustres! Se olharmos ao nosso redor com minúcia, vamos perceber que hienas e os leões também evoluíram, desenvolveram inteligência, aptidões físicas de locomoção bípede (seu desejo primordial descoberto nos tempos remotos, nas savanas africanas ao anoitecer, quando hienas caminhavam por instantes com as patas traseiras para serem confundidas com pessoas e darem o bote a sua presa) e capacidade de viver em sociedades desenvolvidas e organizadas”. Os outros dois, atónitos, estupefactos e coçando a cabeça questionaram simultaneamente – “Onde localizam-se tais hienas e leões evoluídos?”. O outro no seu imenso acervo de conhecimentos e experiências proferiu calmamente – “As hienas e os leões evoluídos infelizmente estão inseridas nas nossas sociedades, são todos aqueles seres humanos que fazem planos maquiavélicos para castigar, fazer sangrar e destruir os seus semelhantes. Os
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terroristas espalhados pelo mundo, os que recentemente vêm atacando o norte de Moçambique – Província de Cabo Delgado – Distrito de Palma; todos aqueles que não se comovem ao ver o seu semelhante sofrer, lacrimejar, implorar por misericórdia e, salteiam, destruem os bens alheios, queimam, violam as mulheres, matam e perpetuam o tráfico de órgãos humanos em troca de míseros trocados, transformando os sonhos dos recém órfãos em pesadelos”. Após ouvirem essas palavras, o quartzo que vendava a vista dos outros dois desfez-se e finalmente enxergaram que os leões e hienas evoluídos estão presentes na contemporaneidade e, outro acrescentou altivamente – “Agora vejo! hienas e leões evoluídos são todos aqueles governantes, monopolistas, ditadores camuflados de democratas, detentores de instâncias e iates luxuosos, empresas, casas e milhões provenientes das ajudas internacionais milionárias que nunca são canalizadas ao povo. E cada vez mais este mesmo povo empobrece, os sistemas de saneamento básico confundem-se com escórias de ratos/chiqueiros, novas colonizações surgem, mas desta vez perpetradas pelas doenças de veiculação hídrica, malária, febre tifoide e até pandemias (o raro que se tornou vulgar na contemporaneidade) e, o povo para se safar, refugia-se nas drogas e na prostituição”. O mais sábio, sorrindo, não pela situação em que a sociedade esta inserida, mas por ter chamado a realidade seus colegas, dissertou – “os humanos precisam redefinir suas posturas e atitudes, viver a real dimensão do ser pessoa: indivíduo de natureza racional segundo os Romanos e, ser com moral, ética, autoconsciência e poder deôntico vigorante segundo os colossos filósofos cientes! Creio eu que após alcançarmos este estado de equilíbrio a terra voltará a sua profunda estabilidade, beatitude e a euforia ideal para a existência de vida emergirá”. A conversa fora instigante, mas o dever os chamava a realidade. Os três voltavam aos seus afazeres e, enquanto trabalhavam seus neurónios refletiam e sondavam seriamente suas almas no intuito de encontram os caminhos que os levarão a plenitude do ser pessoa – “eu acho que devemos engrenar nesta vereda, tentar achar dentro de nós os métodos (científicos/empíricos) que nos trarão quietude necessária para voltar a comunhão com Deus!”. Por – Amílcar Armando Raja
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Biografia Ana Paula de Oliveira Gomes (pseudĂ´nimo: Sombra): professora, jurista e escritora cearense. Judia brasileira.
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Biografia Anderson Almeida Nogueira nasceu em Magé/RJ em 26/12/1966, é morador de Cachoeiras de Macacu. Iniciou-se na literatura durante a atuação profissional, onde desenvolveu material de orientação e ministrou treinamentos para diversos profissionais nas especialidades de orçamento, financeiro, contratos, controle interno, prestação de contas e diligências do Tribunal de Contas. Autor independente, publicou o seu 1º livro em 2017 pela Editora Gramma. “Assim Falou Jaburu” é uma homenagem ao um dos grandes nomes da cultura cachoeirense, Wellington Lyra, sobrinho do autor. O 2º livro, “Conversando com o Tribunal”, publicado pela Editora Pod em 2018, é de conteúdo técnico sobre as suas áreas de atuação profissional, resultado de consultas ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Também em 2018 publicou pela Editora Pod o seu 3º livro, “Da Janela Lateral – Crônicas e Contos de Tiradentes”, que fala da paixão do autor pela cidade histórica mineira. Em 2019 publicou o seu 4º livro, “O Grande Visionário” pela Editora Autografia. Trata-se de uma obra de ficção que viaja por países, personagens históricos e grandes obras dos séculos XIX e XX, costurados com uma dose sutil de humor. Os estilos de suas publicações são variados, indo do cotidiano ao técnico; do biográfico à ficção. Utiliza, além da escrita, fotografias de sua autoria e imagens de domínio público para ilustrar suas obras. É membro da Academia Cachoeirense de Letras onde ocupa a Cadeira de nº 18. RIO Anderson Nogueira Rio. Água que nasce da pedra, No seio da terra, no verde da mata, Ou no clarão do vazio, como um fio. Rio. Água clara, sem cor, sem sabor, Vai engrossando, ganhando volume, Abre caminho, irriga o estio. Rio.
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Água que vence barreiras, Que faz corredeiras e poço profundo, Margeia a prainha, acalma o cio. Rio. Água que chega à cidade, Debaixo de ponte, garante o pescado, Margeia o progresso, suporta navio. Rio. Água que agora tem cor, tem sabor, Gosto de lama, cheiro que agride, Te lançam esgoto, lixo, ficas sombrio. Rio. Água cinza, não nascestes assim, Não há mais pescado, não se pode banhar, Não desistes, continua teu rumo, bravio. Rio. Água que vence a metrópole, segue seu desafio. Seu curso agora é triste, lento, fastio. O mar o acolhe, está vencido o desafio. Com brio! Rio.
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Biografia André Amaral Bicho-de-mato, manezinho da Ilha. Biólogo por vocação, fotógrafo por desocupação e secretamente poeta. Instagram: @amaral.ap
O preceder
Após a vida, a obra Após a obra, há Vida. Há, pois, agora, algo que vibra e que retarda a hora temida; Um enleio que arde e se equilibra entre a tarde que falta e o tempo que sobra...
Após a vida, há obra. E um vento frio que a carne corta E há tudo o mais que se denota entre a nuvem caída e um lago que brota...
Após a Obra, a vida... A opus magnum de todo artista é o sopro estafo que produz a brisa e então concretiza a maior conquista, num moto-continuum que se realiza, na figura da cobra com a cauda mordida.
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A Obra precede a Vida, A vida precede a obra...
De um coral de aves raras fazem-se melodias soadas por doces flautas em longas noites e dias: do canto fez-se o encontro, o ninho, encanto, e mais passarinho; da flauta fez serenata, a cama, a pauta, e mais alma humana.
É posto que a vinda suceda a ida E que o tempo finda quando nada sobra Mas o vento há de mostrar ainda Que, se ao fim da vida só resta a obra, O fim da obra é dar-se à Vida. André Amaral, 2019
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Biografia Andressa Carvalho (15 de novembro de 2002), aos 17 anos compõe poesias e prosas, que fazem o leitor refletir sobre muitos dos seus sentimentos, bem como vários aspectos da vida, pois abordam questões existenciais através da conexão profunda entre as palavras mais dignas de reflexão e leitura. Escreve há três anos, tempo em que desenvolveu bastante a complexidade de sua escrita. Sempre gostou de ler, a começar pelos gibis que ganhava dos pais quando criança, e a partir disso percebeu que gostava de criar histórias. Suas poesias mais conhecidas são Pigmentado, Assim Como Van Gogh e À Procura de Novas Estrelas. Em suas composições, aborda também conhecimentos filosóficos, físicos e matemáticos sob uma perspectiva poética, que tornam a temática atraente a qualquer leitor curioso. Andressa possui uma página no Instagram (@desaperceber) com alguns de seus escritos cheios de vocábulos intensos, que em maioria, são inspirados na própria Andressa. Também se inspira em outros artistas, como o cantor Eden, a escritora Clarice Lispector, o pintor Van Gogh e os filósofos Charles Bukowski e Arthur Schopenhauer, o que faz de suas poesias e prosas verdadeiras obras de arte, que encantam qualquer público sedento por conhecimento extra e estímulos das mais incríveis sensações. Pretende escrever um livro e ser reconhecida por seus textos. Suéllen Barbosa
de um a um, iam batendo contra o vidro estatelando-se contra o material denso e frio rompendo vasos e implodindo os cérebros percebi, sem querer, a continuidade daqueles fatos ploft! mais um passarinho morto no chão segundos e segundos seu corpo continuara tremendo de forma sôfrega
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anuindo lentamente a pancada é brutal o choque contra as paredes transparente acabam totalmente com os órgãos internos tudo culpa da mudança na dinâmica de vida só queriam entrar no lar lar. lugar de pertencimento. só queria o que era seu por direito, mas tudo fora arrancado de si escorregando por suas penas cobertas de uma secreção oleosa as gotículas caíam assim como dos olhos daquela garotinha negra, ao ver seu pai preso ao tronco apanhando séculos atrás da mesma forma que as lágrimas escorrem dos olhos assustados de uma mãe sem filho escorrem. tudo escorre. infelizmente a fluidez fora em direção e sentido contrários retrógrado e retardado são esses movimentos errôneos das massas o todo escapa pelas falanges e evapora o axônio perdera a funcionalidade massa encefálica idiota, para que serves, se não isso? a realidade de lar se perdera em todas aquelas construções altas e monstruosas o passarinho ficou sem lar
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e morreu. mas, o lar asseguraria sua vivência? o tempo de vida fora encurtado ou a predeterminação viera mais cedo? o sopro de vida livre e alegre seria, então, completamente deturpado por forças exteriores? interiores. eu sinto dores interiores. eu mato passarinhos internos. eu acabo com uma ascensão de um vôo. eu, simplesmente, eu. perdi novamente a meada de todo o conceito minha mente não é um lugar de pertencimento como poderei viver em um lugar que não é meu lar? por que passarinhos vêm até mim e morrem em meu encéfalo? perguntas, indagações, dilemas e impasses ploft! C<me transfiguro em passarinho. me coloco a alçar vôo me estatelo contra o vidro. eu sou o passarinho. e eu só queria o meu lar.
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•and•
Andressa Carvalho (pseudônimo and) desapercebercontato@gmail.com
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Biografia ANGELI ROSE é colunista do Jornal Clarín Brasil semanalmente; professora há mais de 20 anos, Dh.C em Educação(FEBACLA) e Belas Artes(CONCLAB); Doutora em Letras, Ph.I em Estudos Filosóficos(ALB/Campos-R); e Ph.D. em Educação(UFR);Escritora, poeta premiada; e pesquisadora, carioca e contadora de histórias. Foi agraciada com diversos títulos honoríficos, entre eles, o de Embaixatriz da Paz com o troféu Evita Perón e a Medalha Marielle Franco (LITERARTE); Comendadora em Educação (Braslíder); é associada a várias academias, associações e grêmios literários, como a ABRALIC; autora de diversos artigos acadêmicos, dois e-Books acadêmicos (Editora Atena); tem participação como coautora selecionada em antologias nacionais, inclusive da ABL (2004), e internacionais; Recebeu prêmios ‘Amo Amar você’ de poesia e de contos; em 2003, por projeto de pesquisa da ‘Fundación María Zambrano’ na Espanha; atua em cursos de graduação e pósgraduação presenciais e EAD; palestrante, é autora de “BIOGRAFIA NÃO AUTORIZADA DE UMA MULHER PANCADA”.
http://lattes.cnpq.br/4872899612204008 facebook capitu nascimento // Instagram nascimento capitu
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Foto AR, Abril/Posto 6,Copacabana – RJ/Br .
Dias de sol Angeli Rose Ele chegou piou, piou Depois piou E enquanto não fui saudá-lo de lá não saiu Então voou, voou...
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Biografia Augusto Filipe Gonçalves nasci a 20 de Junho de 1984, sou natural e residente em Penafiel, jurista, licenciado em direito, pós graduado em ciências forenses, investigação criminal e comportamento desviante, mestre em ciências jurídicas, internacionais e europeias. Co- Autor da Antologia de Poesia Livre Liberdade- Chiado Books Có- Autor da Antologia de Poesia Portuguesa Entre o Sono e o Sonho – Chiado Books Có-Autor III Volume da Coletânea Tres Quartos de Um Amor – Chiado Books Có- Autor da Obra Quarentena – Memórias de Um País Confinado – Chiado Books
Vai em Frente
Falar sozinho é necessário, É algo fundamental, Para fugir do fadário, Da vida trivial.
É comunhão com os pensamentos, É ato introspetivo assertivo, Que nos ajuda em múltiplos momentos, Para que tenhamos o espírito vivo.
É necessário para melhorar, A exteriorização de comportamentos, Sim, porque relações estamos sempre a criar, E devem ser assentes,
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Devem ser competentes, Não deambularem com os ventos.
Por vezes somos a melhor companhia, Aquela que verdadeiramente, Percebe na plenitude nossa agonia, E nos pode dar a solução, Quando mergulhados na imensidão, Diz-nos vai seguro, em frente.
Augusto Filipe Gonçalves
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Biografia Benício Pacífico é o pseudônimo do jornalista e escritor Ricardo Mituti, coautor de O Brasil do Sol Nascente e autor de Histórias (Quase) Verídicas e Órfãos de São Paulo. É, ainda, idealizador e apresentador do talk show lítero-cultural Epígrafes, no ar na internet entre 2016 e 2018, e da experiência literária Viva Livros. Também é coordenador de Laboratório de Leitura, metodologia de leitura e releitura compartilhada que fomenta a humanização pelos livros Facebook: https://www.facebook.com/ricardomitutiescritor/ E-mail: contato@mituti.com.br
Tempo Benício Pacífico Tempo, traiçoeiro, afirmo: desconheces a bondade. Há pouco fazias-me inteiro; hoje, fazes-me somente metade. Quando te quis ligeiro, atrasaste: egoísta, fez tua vontade. Agora que te quero lento, ó brejeiro, Aceleras, sem piedade. És implacável, matreiro, mas quero pedir-te, por caridade: não escondas o sol que alumia meu terreiro antes que eu encontre a felicidade.
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Biografia Bruno Cena Macedo é piauiense, poeta, professor recém graduado em Letras pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI), pós-graduando em Psicopedagogia pela Faculdade de Administração, Ciências e Educação (FAMART), participou de várias antologias e é autor do livro Aos clementes, esperançai-vos editado pela Editora Porto de Lenha. Contato: brunocenamacedo@gmail.com
Quarentena Muitos estão em casa, trancados Mas seus corações estão nas ruas Ruas pequenas, grandes, são ruas As ruas sem o povo, é um tormento Só que agora, por enquanto, isso é preciso É preciso estar em casa, isolados Aquietar-se é preservar a vida Por mais que ela seja passageira Um dia, quem sabe, a gente volta Cheios de mais humanidade e respeito Queria mesmo era que o vírus do respeito Se disseminasse e contagiasse a todos Um dia, quem sabe, a gente volta Com mais leveza, mais carinho e atenção.
Neste momento, todo cuidado é pouco Qualquer demonstração de carinho Que envolva contato físico, o toque É uma arma letal, se afaste 43
Ame de longe, para depois Amar de perto, outra vez.
Bruno Cena Macedo
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Biografia Bruno Ramalho, 42 anos, é poeta, médico, arranha no trompete e se interessa por filosofia. Autor de livra-me, poesia (2019, Scortecci), Do amor deveras e das quimeras (2009, Emooby, livro digital) e A penúltima coisa que se faz (1999, edição do autor). Participou de diversas antologias poéticas e, no momento, escreve seu próximo livro de poemas, que tende a se chamar Colaterais.
#1 Resumo da existência hoje: sonhos de hashtag e emoções de emoji.
#2 Um poema, às vezes, é um silêncio em movimento.
#3 Nada faz mais eco que um coração oco.
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#4 Um poema, às vezes, é um movimento do silêncio.
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Biografia Camila Cristina Crosgnac Fracalossi (29 anos) é campineira de nascença, botucatuense de alma e paraense de coração. Aprendeu a escrever muito cedo e sempre desenhou palavras e coloriu folhas em branco com sua prosa e poesia. Médica veterinária de carreira e poeta de coração, perdeu temporariamente suas palavras pelos tortuosos caminhos do adultescer, mas encontrou-as novamente em novas aventuras e histórias a serem contadas. https://www.instagram.com/caaams/ https://camilafracalossi.tumblr.com/
Chove Chuva Por Camila Cristina Crosgnac Fracalossi Chove chuva e chora Chora todas as lágrimas de agora Chora chuva os teus prantos Chove e derrama sobre a terra os teus mantos.
Chove chuva e molha Chora águas e olha Chora ressentimentos ressequidos Chove por todos os teus sentidos
Chove chuva e ameniza Chora por teus prantos, agoniza Chora tudo e te acalma Chove chuva e lava a alma.
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Biografia Carol Pitzer é atriz, dramaturga e arte-educadora, formada pela SP Escola de Teatro e pelo Núcleo de Dramaturgia SESI - British Council. É autora das peças “Enquanto ela dormia” (edições SESI) e “Nomes difíceis para objetos inúteis” (PVB Editoriais). www.carolpitzer.com carolpitzer@gmail.com
solidão/solitude Carol Pitzer solidão são 9 da noite e chove lá fora faz frio no estômago, um vazio a roupa molhada congela o corpo deito na cama - conchinha de mim mesma são 9 da noite e chove aqui dentro trovões estremecem meus ossos mas não vejo luz alguma relampejar são 9 da noite e, molhada, caio no sono enquanto o mundo cai lá fora do outro lado da janela são 10 e meia e acordo assustada
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não sei se foi sonho ou outra trovoada são 10 e meia e me embalo acordada molhada.
chovo até de manhã. solitude são 9 da noite e chove lá fora faz frio tiro a roupa molhada, sorrio e depois do banho quente, o aconchego da cama o som das gotas me mima, me nina são 9 da noite e, quentinha, caio no sono enquanto o mundo cai lá fora do outro lado da janela são 10 e meia e acordo assustada não sei se foi sonho ou uma trovoada são 10 e meia e me embalo acordada calada
silencio até de manhã.
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Biografia Cecília Cruz acabo de me formar em Letras-Português pela UFSC e estava prestes a me assumir escritora em São Paulo quando o mundo acabou, de modo que minhas asas encontram-se por enquanto recolhidas em Florianópolis. Conto com 25 invernos, uns mais frios que outros, e me julgo entusiasta de arte e paixões mal-resolvidas. Já morei no deserto e na neve, mas não sei bem porque isso interessa. O bule Encontrei o bule da minha avó esquecida num armário ontem à noite. Corri à despensa em busca de ervas para infusão com toda a certeza que somente a filha de minha mãe poderia ter ao abrir a segunda porta do armário da cozinha e encontrar as caixas com diversos tipos chá, dispostas da exata maneira que se dispunham às minhas mãos mais jovens, quando buscavam qualquer conforto em uma tarde fria de inverno ou em uma manhã acompanhada à mesa do café. O bule carrega todo o charme de uma cultura apreciadora de sabores & fragrâncias e não se desculpa pela obsolescência de seu uso. É grande e pesado de segurar, da maneira como só a porcelana e as lembranças queridas me pesam quando meu coração lembra de seu bater despreocupado nas tardes mornas da minha infância, quando ele mesmo era mais inteiro e meus cabelos, mais claros. Quando minhas preocupações eram penduradas com a mochila junto à porta na volta da escola. Lembro de minha avó. Lembro de sua teimosa coragem de quem já serviu por tempo demais o prato para que cuspissem. Lembro do ranger da terceira porta do roupeiro que ela ouvia da cozinha quando eu atentava o furto de algum enfeite de cabelo, nos anos em que minha irmã me ensaiava aos sussurros para a tarefa de ser mulher. Lembro do afeto crepitando em seu peito nos nossos domingos preguiçosos em que me servia bananas assadas e eu a assistia contando suas últimas primaveras, prostrada em frente à novela das nove. Lembro de suas histórias às quais eu ouvia atentamente para no fim apenas dizer “De novo!" e lembro de suas mãos já trêmulas me ensinando os pontos básicos do tricô e seu cuidado com as plantas. E, acima de tudo, lembro de nossas últimas palavras trocadas, antes de bater as pantufas; eu arrumava as malas para uma grande viagem quando me fez prometer, perante Deus ou algo assim, que nunca casaria com um americano.
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Biografia Claudinho Silva Jovem senhor de 36 anos (minhas costas dizem que tenho bem mais), formado em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru, Mestrando em Língua Portuguesa pela Universidade de Pernambuco e Professor de Língua Portuguesa. Apaixonado pelas palavras e pela pluralidade que elas apresentam, deixando-nos retirar delas, muitas vezes, apenas aquilo que somos e muitas vezes nem conhecemos. Espero que as minhas palavras encontrem muitos de vocês, e que esse encontro traga muita reflexão e deleite. e-mail: claudio.jr.silva@gmail.com
Próxima Parada É chegado o trem na estação da vida Um berro! Um apito anuncia a chegada E a velha estação renovada, florida Vê a passageira a tanto aguardada Primeira parada. Há tantas ainda E a locomotiva nunca se demora Hoje, em meus braços, choras decidida Amanhã és grande. Voas... Vais embora... Mas nesse vagão embarcamos nós todos Agora seguimos na mesma viagem Conheçamos um ao outro pouco a pouco Interagindo paragem após paragem E se lá na frente vier tempestade E se lá na frente faltar confiança Que eu seja bonança a ti de verdade Que sejamos, para nós, segurança
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Te imaginei... eu estava sonhando Agora te vejo gritando atrevida Um berro... Um apito... Todo mundo olhando É chegado o trem na estação da vida
Autor: Claudinho Silva (Claudio José da Silva Júnior)
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Biografia Meu nome é Damião Rochedo, 28 anos, moro em Tavares, Paraíba. Sou formado em Administração de Empresas e pós-graduado em Gestão Ambiental de Municípios. Em 2019 escrevi meu primeiro livro, Pecado S.A.: os sete pecados capitais no mundo dos negócios, publicado de maneira independente pela editora Autografia. Atualmente estou trabalhando no segundo livro, voltado para poesia. Minhas principais influências na arte poética são Charles Baudelaire, Fernando Pessoa, Álvares de Azevedo, Augusto dos Anjos, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Charles Bukowski, entre outros. Contatos: (83) 99806-0421 Página Oficial no Facebook: https://www.facebook.com/rochedo.escritor/?modal=admin_todo_tour Página Oficial no Instagram: https://www.instagram.com/therochedo/?hl=pt-br
OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER Oh querida Charlotte, nesse trágico momento Em que escrevo essa carta a você, Quero transmitir-lhe meu derradeiro pensamento: “Quero morrer! Quero morrer!” Amada e estimada Lotte, Que em vários momentos me fez sorrir, Prefiro antes a iniludível morte A viver distante de ti. Oh anjo divino, amada minha, Quero levar-te sempre comigo; Conte ao mundo a vida triste que tinha Esse teu infeliz amigo. Adorei você desde o primeiro instante E tão adorável é a tua figura. Oh anjo gentil e galante,
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Levarei tua lembrança à sepultura. Desta prisão terrena minh’alma parte E rumarei direto à Eternidade. Que minha morte possa, de algum modo, dar-te Algum lampejo de felicidade.
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Biografia Danielle Monteiro Assistente Social de formação, psicanalista, mestre e doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e pela Universidade de Coimbra, Portugal. Desenvolve trabalhos de escrita voltados para processos imersivos que unem a memória e o olhar. Em 2020, publicou seu primeiro livro de poesias – Avesso. Email: dani.ttm@gmail.com. Facebook: Imersao.blog Secura Travessia finita. Chão de terra vermelha. Poeira que cobria a pele. Calor e cor que queimavam os pés. Cansaço exalado em suor. O corpo não era mais corpo. Máquina fracassada. Carne crua sem desejo e medo. Não sinto mais o cheiro da terra. Percebo a poeira que pesa em meu rosto. E os pés caminham. Não sinto mais o cheiro da terra. Os braços não se levantam. E pés e mãos queimam juntos. A derrota do corpo se anuncia: É Ela que chega! Eu não sinto mais o cheiro. O vento toca meu rosto, fecha meus olhos, e o ar invade o peito.
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⁃ Eu sinto muito. Sinto muito. O corpo cai, se entrega ao chão, mistura-se à terra e levita. Voa leve como a poeira que pesava em meu rosto. Eu não sinto mais o cheiro da terra.
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Biografia Debora Santos da Paz é moradora do subúrbio carioca. Polímata, é técnica em química industrial, já passou pelas faculdades de Biologia, Agronomia e Pedagogia, mas encontrou seu amor verdadeiro na faculdade de Letras. Hoje é graduada de Língua Portuguesa e Literaturas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Trabalha como revisora de livros literários e, atualmente, é uma estudiosa de Literatura Africana em Língua Portuguesa.
EIXO DA COVA
Caiu duro sem tutu, nem capim, duro na cova rasa.
Havia mais uma terra passageira. A garoa os mestiçava: o índio, o negro, o duro.
Agora o brasileiro descansava, e cedia a outros duros.
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BIOGRAFIA Nome Literário: Edílson Nascimento Leão. Pseudônimo: Vaguinho-Idade 60 anos. Escolaridade: Graduado no Curso Normal Superior, Professor - Pós-Graduado em Metodologia e Didática do Ensino Superior (Docência), Técnico em Agricultura, Pedagogo, Escritor e Analista Judiciário. Título da Obra na modalidade Poesia: Lindo HorizonteTelefone: 77- 99130-0485/3456-2081 E-Mail: edilsonnascimentoleao@yahoo.com.br- Endereço: Rua Isaac Pedro Rodrigues, 35 – Bairro DC-5 - Urandi Bahia CEP: 46.350-000
LINDO HORIZONTE.
Ecoou na imensidão celeste um cântico numa singela sinfonia coisa que não se vê e nem acontece todo dia. Era o cantar do pássaro uirapuru que sobrevoava enfeitando o panorama. Era pura magia e encanto em um dia dominical, coisa celestial. O uirapuru nos trazia encanto e emoção e desfilava como se numa passarela. Que coisa bela! E eu o observando daqui da janela! Que se espalhe o eco da palavra do poeta que dizia: “Além do horizonte deve ter algum lugar bonito pra viver em paz.” (EDILSON LEÃO)
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Biografia Emília Silva, nasci em Portugal a 16 de Maio de 1999, sou natural de Alijó e autora do blogue “Um Poema, Um Desabafo”. Comecei a escrever poesia há 8 anos, e tenho como sonho editar o meu livro de poesia.
No teu ninho No teu ninho Encontro a harmonia, No teu beijo Um vício, Necessito da tua companhia Para que nada Seja fictício.
Sou tudo em ti Porque me regas E me fazes florescer, Se eu antes pensava Ter visto tudo, Agora sei que há mais Para se ver, E entender Neste mundo de sonhos esvoaçantes.
Faço do teu ombro A nuvem onde sei
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Que posso repousar, Dos teus braços Faço a casa Á qual irei regressar.
Do teu "não" faço A minha salvação, Do teu "sim" Faço certezas, Nas tuas palavras Ganho coragem Para abrir as asas Que antes Estavam presas. Emília Silva
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Biografia Eriane Dantas, sou escritora iniciante e registro no blog Histórias em mim minhas leituras e meus próprios projetos de escrita. Eriane Dantas http://www.historiasemmim.com.br/ erianeead@gmail.com https://www.facebook.com/eriane.dantas.528/ https://www.facebook.com/historiasemmim Fácil falar não é Eriane Dantas Quem disse falar é fácil não sabe que às vezes as palavras ficam presas na garganta e a gente se sente entalada, enjoada, precisando vomitar. A gente coloca o dedo lá dentro, tosse e pigarra, mas elas continuam lá, como um pedaço de carne mal-mastigado. Outras vezes a gente dá sorte e as palavras escorregam da garganta, mas ficam penduradas na ponta da língua, como um alpinista que se desequilibrou
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ao subir a montanha e se segurou na única coisa que viu pela frente. Em outros dias a gente se distrai e joga pra fora as palavras que já foram alpinista desequilibrado, que já foram pedaço de carne mal-mastigado, mas assim que a gente percebe tenta engoli-las de volta. Palavras assim, tão desacostumadas a ver o mundo aqui fora, parecem desajeitadas, não sabem se comportar, não entendem os ouvidos que as bloqueiam ou os ouvidos que as filtram e as fazem se transformar em outras palavras. Por isso as palavras vão ficando lá dentro, se amontoando, sem nem mesmo chegar à garganta. Mas chega o dia em que descobrem que lá dentro nem são palavras de verdade, são só pensamento, e que precisam sair
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de vez em quando e passear por aĂ e talvez encontrar ouvidos que as acolham. E acham um jeito de se mostrar e escorrem pela ponta dos dedos e pingam em um papel branco que sempre esteve ali, Ă espera de palavras.
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Biografia Etelvina Tapado Natural de Fânzeres, Gondomar a residir em em Rio Tinto a 4 anos). Estado Civil, viúva. Tenho o 9`ano... Formação em Modelismo... Fui empresária na área do vestuário. Desde criança sempre gostei de escrever pequenos textos. Gostos pessoais... Arte, Poesia, Natureza...
"Liberdade Será que somos livres? É uma pergunta que cada um de nós vai fazer a si próprio... O que é a nossa vida, um conjunto de vários tempos, quase não nos deixa respirar, por outro lado somos seres vivos, como tal que viver, a vida é uma lei a qual temos de obedecer... Liberdade a quanto nos obrigas. 19/04/2020 Etelvina Tapado Foto/Net
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Biografia Evandro Nunes da Silva, nasceu em Caruaru, PE. Formou-se em Administração pela Faculdade Estácio de Sá. Foi professor na cidade de Itaíba, PE, em seguida ingressou no Banco do Brasil, aposentando-se após 35 anos dedicados à carreira bancária. Cordelista, poeta, contista e romancista. Suas conquistas literárias são poesias e contos publicados em várias antologias, blogs e revistas literárias. Atualmente vive em São Luís, MA. Cidade e estado onde reside: SÃO LUÍS – MARANHÃO; Endereço: Rua Nove, nº. 16 – Quadra 14 – Planalto Vinhais I, CEP: 65074-855 Telefones: Residencial: (98) 3304-8979 Celular: (98) 98819-7597 E-mail: evandronunesbb@gmail.com https://www.facebook.com/evandronunesdasilva.d.dasilva
MAR DE PLÁSTICO (Evandro Nunes) Um golfinho morrendo afogado Porque não subiu para respirar Ficou preso na rede, enrolado Lutou até morrer no seu mar.
Os oceanos agonizam sufocados Lixo plástico contamina seu ambiente Toneladas todo dia são descartados Enchendo o mar de resíduo poluente.
Uma baleia morreu engasgada Com plásticos tapando a garganta Uma tartaruga na areia foi achada Rede de pesca no mar se alevanta.
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Eis o meu grito pela natureza: Não joguem poluentes no mar A fauna marinha é uma beleza Plásticos e redes só vão matar!
Nossos netos querem ver golfinhos Pulando sobre as águas marinhas Seres inteligentes e muito fofinhos Sumiram da praia as tartaruguinhas
Não é uma expressão metafórica Os oceanos estão virando plástico A mancha do Pacífico é histórica Vê-la flutuando dói, e é drástico.
O cenário ideal: lixos reutilizados e reciclados Menos lixo e a utilização de produtos circulares Se não mudar, logo, logo, serão encontrados Mais plástico do que peixe nos nossos mares!
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Biografia Evelyn Mello possui Graduação em Letras - Espanhol pela Universidade Federal de São Carlos (2007) e Mestrado em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2011), é Doutora pelo programa de Estudos Literários da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e pós-doutoranda pelo programa de Estudos Literários da Universidade Federal de São Carlos. e-mail: evy_mello@yahoo.com.br
A fechadura
A mão trêmula tentava sem sucesso. Sem sucesso. Podia arriscar pelo interfone, mas os fios com gambiarra ineficiente, demonstravam a falta de manutenção do aparelho, uma pequena amostra da decadência do condomínio de poucos andares e vida nenhuma. Estava de costas em frente ao portão. O rosto olhava as grades, oposto à rua. Os ônibus que passavam contemplavam a cena: uma figura esguia, as mãos seguravam os sapatos de salto quebrado. Os sapatos eram de um vermelho passado, contrastavam com a pele esverdeada com nódoas roxas, denunciantes da noite passada. Noite intensa, dia perverso que também é noite. A peruca torta de um loiro barato. Roupas gastas. Meia-calça preta de uma integridade duvidosa, inúmeros buracos. Mas as mãos lutavam para finalmente encontrar a fechadura e não se sabiam analisadas assim pelos passageiros. E se soubessem? Faria diferença? Adiantaria saber que as unhas postiças não pareceriam naturais jamais? A fechadura. Cansou-se do exercício; mais ainda depois que percebeu sua falta de condições físicas para subir as escadas que a levariam ao andar do meio. Não existe elevador. Dor, dói. Encostou o rosto suado nas grades. Olhos semiabertos, mais para fechados. Os cílios estavam caindo. Arrancou apenas um e imaginou-se: um olho fantasiado e outro sem fantasia. Sem espelho para conferir o visual, restava-lhe a imaginação.
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As gotas de suor encontravam o pink do batom borrado na boca desgastada de inconstâncias e nadas. Também se chocavam com o negro do lápis e rímel já fora do prazo de validade em contraste com o roxo das olheiras profundas. A noite não tinha sido fácil. E continuaria não sendo porque não acabaria jamais. A vida lenta. Recortes imprevistos e imprecisos. Escuridão e violência: roxo no corpo. Preconceito e violência: roxo na alma. Não era simples estar sempre no limiar, uma vida a limar. Sempre um-quase. Agora mesmo, estava a suar as últimas gotas roxas da noite passada, com o rosto apoiado no portão, de costas para a plateia. Sem saber exatamente para onde ir ou a razão pela qual fazia tanta questão de entrar. O condomínio não era seu. O apartamento no piso do meio era apenas um ponto de parada. Um pitstop depois das corridas noturnas, quando se despia deixando apenas a peruca, pois algo tem que permanecer. A fechadura. Mais uma tentativa fracassada. O fracasso é frio e roxo, pensou. Estava voltando à lucidez, o que além de roxo é desesperador. Procurou a solução na bolsa, mas não encontrou, pois toda a solução havia sido consumida horas antes. O dobro de suor e agora o rosto lentamente voltado à rua. Os olhares são indiferentes. A vida corre distraidamente e atropela com seu siga-em-frente. Endireita a peruca torta. Olha pelo buraco da fechadura. Do outro lado está uma criança que, timidamente a encara. O susto. Mais suor. Quem é você? Uma pergunta inocente e perigosa. Afasta-se bruscamente. Não quer encarar a criança, não suporta mais os olhares que agora insistentemente assistem a suas tentativas frustradas de calçar os sapatos e sustentar-se nos saltos. O esquerdo estava quebrado, o que a fazia mancar com desconforto e uma pitada de deselegância. Ao público só a elegância importa. Ainda que forjada, mascarada e inventada sem sucesso. Entretanto, para uma vida acostumada a tropeços e despenhadeiros, mancar era até um alívio, um luxo, pensou. Resolveu simplificar. Abriu a bolsa. Não havia solução, mas havia navalha.
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Os pedestres seguiram seu curso, pulando, vez ou outra, aquele corpo de peruca e salto quebrado: uma mescla de roxo, verde e vermelho intenso que se destacavam na calçada, atrapalhando um público pudico demais. Alguns, apenas levantavam a saia para observar melhor. Só lhes interessava o que havia por baixo da saia de mais um corpo sem vida. Saiam pasmados: combina pinto com saia? A tragédia não chocava, mas o sexo ofendia. Um a menos, pensou a senhora virtuosa. Coisa estranha, uma aberração, pensou o homem de bem. E o dia seguiu assim, repleto de harmonia e bons sentimentos. Vala rasa, cova anônima. Vida que segue. Fim de jornada. O céu era um cinza chumbo. Ao fundo uma ameaça tímida de arco-íris tentava romper as pesadas nuvens. A fechadura seguiu intacta.
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Biografia Nome completo: Fábio Santos Daflon Gomes Fábio Daflon é oficial da reserva da Marinha do Brasil e aposentado pela Fundação Nacional de Saúde, militou na medicina como pediatra e socorrista; é especializado em medicina psicossomática e em estudos literários pela Universidade Federal do Espírito Santo. Publicou os seguintes livros de poesia: Mar ignóbil, Mar sumidouro, Vagalume-Farol e Mar raso; em prosa publicou os romances Vento Passado – memórias do recruta 271 e Estrela miúda – breve romance infinito – ; é autor da resenha histórica sob a denominação: Título Provisório – movimento estudantil na Faculdade de Ciências Médicas da UERJ – ; recentemente publicou o ensaio crítico O limite é o cosmo – a poesia de Marly de Oliveira. SEPARADOS VENCEREMOS Separados venceremos, Cada um em sua casa. Um de cada vez no elevador, o meio de transporte mais usado do mundo. Façamos mais encontros virtuais que presenciais, encontros somente entre mascarados distantes mais de dois metros uns dos outros e de todos. Está proibido visitar os anciãos. Compras somente por delivery, Beijos nem pensar, mas como conseguir não pensar no amor? O veneno é viroso e virulento. A placidez dos dias nos enjoa. Amigos telefonam para não marcar nenhum encontro. As nossas manias para matar 70
o tempo passam a causar tédio, embora sempre entediantes. Ocorrem grandes mudanças em nós no momento em que sabemos cada vez menos um dos outros. O futuro deixa de pertencer a fé para pertencer à ciência, apesar de toda a força da fé. . Guerras são interrompidas por causa do medo da morte. Aumentam o número de divórcios. Casais felizes estão protegidos sob um teto feliz, sem precisarem de treinamento para isso. O mundo parou e não foi por causa do automóvel no engarrafamento. As avenidas estão vazias, nos resta esperar o renascimento do homem para que renasça a humanidade. Fábio Daflon
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Biografia Félix Hilton, divorciado, brasileira, pai de três filhos, professor, Cientista Social, Escritor sem publicações mas com 29 livros em andamento, escritor de peças de teatro com personagens próprios, escrevo contos, poesias, crônicas, filmes, novelas , livros com vários temas.Nome artístico/pseudônimo (opcional): Félix Hilton E-mail: sergiocarvalhobean@gmail.com
O amor não é cego Félix Hilton.
Tento imaginar, mas não consigo, Tateio e desenho em minha mente objetos de diversas formas, Sinto em minhas mãos a delicadeza dos detalhes, Mas, e o amor que não tem medidas nem forma. A forma de amar que dá aos olhos da alma um significado em mim, O abraço, palavras doces de carinho são linguagens do amor, A escuridão em meus olhos não refletem-se em minha alma. Tateio para ir e vir, Mas, meu coração sabe o Caminho que leva a Ti, Minha alma em tua presença, Mostra ao meu coração, Que a tua luz me faz ver, Ver o quanto sou feliz por tê-Lo comigo. Cegos são os que não enxergam, Os pequenos lançados nas calçadas, Enfrentando o frio da noite sem nada entender, Mulheres que se desdobram , Para ver os filhos sobreviverem à crueldade de uma sociedade. 72
Pai que rega o chão com lágrimas e suor do rosto, Em busca do pão que lhe é negado. Doentes em lares destruídos que não buscam ao Senhor, Confiam em si mesmos, esquecendo-se que há um Deus, Que os acolhe, mas que não invade o espaço, Deixa-se encontrar por aqueles que O buscam, Concluo que os olhos da alma observam a glória de Deus, Que a luz está em mim, e mesmo sem ver, Sei que brilho nos olhos do Senhor.
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Biografia Fifo Lazarin sou formado em publicidade e propaganda pela Universidade Mackenzie e mestre em Semiótica pela PUC SP, no qual tive meu primeiro livro publicado, porém técnico, voltado para area de games e advergames. Hoje estou terminando o meu segundo livro de ficção, uma obra inteiramente em verso, chamado Oh Dizas e o Espírito da Escada, além desse, tenho um livro de contos ficcionais/fantásticos, intitulado As Fábulas de Diadema 1 e hoje, além disso também estudo games, do qual meu primeiro game, chamado Os Andrades 1(2021) , Mário de Andrade está procurando seus poemas num centro de São Paulo lúdico de 1922, Os Andrades 2 (2023) Oswald de Andrade vai "procurar" seus no Teatro Municipal e Os Andrades 3 (2025), onde Carlos Drumond de Andrade vai "procurar" seus poemas em Itabira (ainda em rascunho). Hoje trabalho como redator de publicidade, de artigos SEO para internet e de storytelling para games, lugar onde quero sedimentar meus conhecimentos, além ter muita vontade de me tornar um poeta do século 21.
Prisão domiciliar.
Minha prisão é domiciliar Não. Não. É hospitalar. Não. Não... É empática. Não... É social. Não... É traumática
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Existencial. Paranormal. Reumática.
Não. Minha prisão É da química Do pensamento Que não toma mais Banhos de sol.
Fifo Lazarini.
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Biografia Gabriel Alves de Souza. 20 anos. Poeta, cronista, cordelista, contista, escritor e fotógrafo. Natural de Corrente – Piauí. Ativista pela educação, onde idealizou o projeto Biblioteca Comunitária Alegria do Saber na sua comunidade. Lançou aos 17 anos o seu primeiro livro com crônicas: “Vô dizer, menino!”, 2017. Foi premiado em 4° lugar no 1° Concurso Artístico – Literário de Corrente (2013) com cordel. Classificado e publicado em várias antologias nacional, como: Concurso Nacional Novos Poetas – Poetize 2018; Elas em Poesia – 2019; Um Encanto de Cordel – 2019; O Lado Poético da Vida – 2020 e a Revista LiteraLivre – Vol, 4 - nº 20/2020 - Mar./Abr. Formado no curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio pelo IFPI – Campus Corrente. Está cursando Licenciatura Plena em Pedagogia pela UESPI – Campus Jesualdo Cavalcanti e o curso Técnico em Administração (subsequente) pelo IFPI – Campus Corrente. Instagram: vixi.gabriel_alves Facebook: Gabriel Alves
Ousado Amor Gabriel Alves de Souza Corrente - Piauí Amor que brada nos versos acalentos Pulsa no peito em singular sintonia Vigora sua preciosa essência Cativa a esperança e une alegria. Dentro de si, aura esse sentimento Sede plena da majestosa apatia Amar, rompe fronteiras do destino Fortalece gigante e inspira nosso dia.
Refúgio para os amantes da vida Tem poder para corroer a dor Desperta paixão em bel-prazer Cura a deficiência do amor. 76
Poetiza-me no fascínio dessa força Faça-me gigante seleto de respeito Declamo a intrínseca arte de amar Contemplo o que nos torna perfeito. Que esplêndida vivacidade intocável Inspira-te oh! Intimo brasileiro Celebra a paz em cânticos amorosos Pelo afetuoso berço guerreiro. És raio de sol no seio familiar Flamejando a energia do coração Destrói as correntezas do ódio Une as diferenças da astuta nação. Amando perfeitamente imperfeito Rege a felicidade de qualquer momento Empolga a liberdade do ser humano Uma dádiva que transcende o vento.
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Biografia Germano Viana Xavier é mestre em Letras e jornalista profissional (DRT BA 3647). Desenvolve estudos e pesquisas sobre Literatura e Direitos Humanos – Comunicação e Cultura – Literatura e Letramentos – Língua Portuguesa – Linguística – Cinema – Educação e Educomunicação. Idealizador/Coordenador Geral do Jornal de Literatura e Arte O EQUADOR DAS COISAS (ISSN 2357 8025), periódico fundado em março de 2012 e que circula no Brasil, Portugal, Estados Unidos e Irlanda. Escreve desde 2007 o blog O EQUADOR DAS COISAS, cujo arquivo conta hoje com aproximadamente 2.000 textos de sua autoria. Em 2016, seu livro de contos SOMBRAS ADENTRO foi finalista do IV Prêmio Pernambuco de Literatura. Possui publicações em livros, jornais e revistas literárias diversas. Baiano desterrado, natural da Chapada Diamantina, tem 35 anos e atualmente habita o agreste meridional pernambucano. Canal no YouTube: www.youtube.com/oequadordascoisas
Esse aqui lugar
Germano Xavier
ali na estrada um pensamento corre: todo porto é distante.
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Biografia Giovani Roehrs Gelati é professor das redes estadual do Rio Grande do Sul e municipal de Uruguaiana – RS. Desde muito cedo pegou gosto pela escrita e publicou seus textos em diversas antologias literárias com outros escritores do Brasil. Contato através do e-mail giovanigelati85@gmail.com ou pelo Facebook https://www.facebook.com/giovanirgelati
MEIAS PALAVRAS
O jovem Franville chegou cabisbaixo, mochila nas costas. Olhou-a: _Eu preciso... – e ficou mudo. Uma interrogação brotou dela. _Precisa do quê? _Preciso de um abraço. Abraçou-o, simplesmente. Continuou: _É que eu quero... _Quer o quê? _Quero um abraço... _Eu estou te abraçando! _É que tenho esquecido... _Esquecido do quê? _Esquecido de ser querido com os outros... _Você sempre foi querido comigo... _Fui, mas não sou. Agora eu fiz... _Fez o que, vivente? Não fale em meias palavras, diga tudo, desembucha!!! Uma pausa. Silêncio. _Confia em mim... sou tua amiga, estamos juntos nessa. O que você fez? 79
Ainda abraçados, ele começou a soluçar... Deixou cair a mochila, que se abriu. _É que... eu vi... aí eu chamei... aí eu peguei... aí eu MATEI... E a cabeça do noivo de Augustine rolou pelo chão.
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Biografia Gisela Lopes Peçanha Natural de Niterói, RJ. Escritora. Cantora. Graduada em Musicoterapia pelo Conservatório Brasileiro de Música do RJ. Premiada em diversos concursos literários, dentre eles: 1º Lugar - Concurso de Contos Prêmio José Cândido de Carvalho – Fundação de Artes de Niterói e Academia Fluminense de Letras - 2015 (Niterói/RJ); 1º Lugar - Concurso Internacional de Contos Prêmio Rubem Alves - Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto - 2015 (Ribeirão Preto/SP); 1º Lugar - 11º Concurso de Contos – 13º Mostra Acadêmica da Universidade Metodista de Piracicaba - 2015 (Piracicaba/SP); 1º Lugar – II Concurso Internacional de Poesia Casa de Espanha 2016 - (Rio de Janeiro/RJ); 1º. Lugar - 2º Concurso Internacional da Revista Literária Inversos - Academia de Letras e Artes de Feira de Santana BH Academia Brasileira de Trova e Academia de Letras do Brasil –2019 (Feira de Santana, BA); 1º Lugar - 1º CONFUZINE – Concurso Literário do Suburzine – 2019 (Rio de Janeiro, RJ); PRÊMIO VIP DE LITERATURA - Premiada em 2017 e 2019 (Maringá, PR); Semifinalista – PRÊMIO UIRAPURU DE LITERATURA 2019; Menção Honrosa – PRÊMIO ESCRIBA DE CONTOS 201
IDE
(Gisela Peçanha)
Sou a colcha de retalhos, Sou a menina guardada, Sou a velha marcada, Dos olhos aguados, Fitando: o caminho de além. E ainda a olhar para cima, Vendo o que vem do alto: Um Deus bom, figurativo, Com olhar grande e tão puro, Caridoso e severo,
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Sem rosto... e escondido.
Sou um pedaço Desfigurado, Feito à sua imagem. Perfeito, Refeito, Desfeito, Descompassado: sou miragem.
Olho para trás. Só estou ali! Retrato nublado de mim: Eu, de passagem...
E fim.
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Biografia Glauber Clares Santiago Orador da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, 07/2012. Advogado, amante do xadrez e da poesia. ReminiscĂŞncias de Parnaso
Saudades daqueles tempos, de vestes cavaleiras, de correr entre os campos, de regar as oliveiras, de declamar aos ventos, de tirar da algibeira, a prosa do firmamento, sempre e sempre verdadeira.
Glauber Clares Santiago
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Biografia Gustavo H Araújo Designer, ilustrador, músico e escritor de contos e poesias E-mail para contato: gustavoh.adsaraujo@gmail.com
Passos -Deixe-me guiar-te. Sobe as notas encantadas Nossas mãos entrelaçadas Há calor no íntimo do corpo Que jamais sentiu com nenhum outro Deixe-me guiar-te. A música adentra minha alma Teus olhos proferem uma calma Pego-te nos braços para dançar Voltam-se os astros para nos olhar Deixe-me guiar-te. A sincronia que nos envolve Perde o brilho com aquele que revolve Quando uma mão a ti é estendida E aceitas, pois somente a ele é prometida Deixe-me guiar-te.
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Meus passos perdem o chão A música não mais preenche o vão Sozinho toda a orquestra se desfaz E desce a lágrima iludida, tenaz -Deixe-me.
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Biografia Helder Paraná do Coutto * 20/ 03/ 1956. Tendo nascido do lado errado da baía de Guanabara, em Niterói, atravessou esta inúmeras vezes, para estudar, para trabalhar, e para se instruir. E nos 45 minutos do vai, mais igual tempo do vem, durante a travessia da baía, leu, e leu, tudo, desde os jornais esquecidos nas poltronas das lanchas, até os anúncios nas suas paredes. “Perca um minuto na vida, mas não a vida num minuto.” para além dos muitos livros que levava, tornado-se a leitura num hábito irreconciliável. Estudou biologia por paixão à Natureza, tão rica e diversa nos trópicos, buscando por sua flora e fauna nos diversos locais onde estas acontecem, desde os igarapés amazónicos aos tórridos semi-desertos do Nordeste brasileiro, e depois em África, na Europa e no Oriente. Isso tudo junto, mais a vocação pela História, pela Sociologia, e pela política, esta última, infelizmente, preencheu sua alma de sonhos, ciências e expectativas, tão mais solertes, quão electivas, motivo de toda sua emoção. Saiu poeta, contista, contador de histórias, pesquisador, ativista, e, sonhador, porque sem sonho, a vida não acontece. Vive no Reino Encantado do Estoril, o vale mais mágico em com melhor clima em toda a Europa, há 22 anos, tempo durante o qual mergulhou fundo na cultura portuguesa.
Contei no artigo intitulado: Um inédito de Florbela Espanca, que no sarau que se realizou no verão de 1930, em Julho, quatro meses antes da morte de Florbela, Adolfo Faria de Castro, recolheu uns quantos versos das poetisas presentes, e eram elas entre outro(a)s que compareceram a este sarau de Julho de 1930: 1. Branca de Gonta Colaço. 2. Fernanda de Castro. 3. Laura Chaves.
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4.Thereza Leitão de Barros. 5. Rosa Silvestre 6. Alice Ogando. 7. Helena de Aragão. 8. Florbela Espanca. 9. Candida Ayres de Magalhães. 10. Oliva Guerra. E foram destas quadras recolhidas por Adolfo naquele dia, que retirei a de Florbela, já não mais inédita pela publicidade de meu anterior artigo sobre esta matéria. Entretanto pensarão alguns que comecei por Florbela, por ela ser a mais conhecida, hoje, da lista de oito poetas daquele sarau, enganam-se, o meu critério foi a força do poema entre os recolhidos, e, como verão, o de Florbela ganha de longe. Certamente, naquele verão de 30, Florbela não era o nome mais sonante, Branca Eva de Gonta Syder Ribeiro Colaço, esposa do ceramista dono de seu último apelido, o renomado Jorge Rey Colaço, era este o nome mais popular entre os demais, algumas outras ganharam maior notoriedade mais tarde, mas neste 1930 Branca era a mais notável, por isto é dela a primeira poesia recolhida por Adolfo, esta ordem apresentada é a mesma que aparece no álbum, e talvez seja também a da mais famosa para a menos naqueles dias de 30, porém lhes será possível comparar a força poética das diversas poetisas, não só com os versos que irei aqui publicar, como com a comparação da obra que deixaram. O poema de Branca, que era uma recitalista, não é inédito, e que devera saber decor, e que a escreve de próprio punho no caderno de poemas de Adolfo, que as guardou todas, mantendo inéditas as que
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assim eram. No caso de Gonta, atendeu a solicitação, não obedecendo ao ineditismo, pondo uma quadra das suas «Canções do Meio Dia» que é assim: " Nenhuma data me importa, se a não marca a tua mão, parando o meu coração... por bater à minha porta..." Maria Fernanda Telles de Castro e Quadros Ferro, que nasce no mesmo dia de Florbela, seis anos depois dela (1900-1994) e que era casada com Antônio Ferro desde 22, e tinha ganho o prêmio do Teatro D. Maria II em 20, deixa esta quadra inédita cuja único exemplar conhecido se encontra nesse caderno a que tive acesso e fala de pinhões, com muita graça: "Os pinhões são como os beijos... Quantos? Não sei... Não se diz... Hei-de plantar um pinhal tal como el-rei D. Diniz."
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Biografia Helena Duraes sou jornalista há mais de dez anos na TVAMADORA, mas é na fição onde encontro o meu porto de abrigo. Tenho alguns textos publicados e o meu sonho é escrever um livro de contos. Publico com alguma frequência no meu blog e sou autora de um podcast - “Uma Espécie de Podcast”-, na rádio on-line Telefonia da Amadora, onde falo de literatura com regularidade.
Espero por Ti, Meu Amor Espero por ti, meu amor Enquanto te admiro, estando tu sentado no parapeito da janela a escrever mais uma das tuas canções. Estando tu a combinar as palavras para que consigas expressar aquilo que julgas que é o mais importante neste momento. Aquilo que tu sentes. Sim. Espero por ti, meu amor Enquanto tentas colocar por palavras, umas a seguir às outras, sem rimar, tudo aquilo que sentes. Esse turbilhão de emoções que trazes no teu semblante. Esse peso do mundo que pareces carregar nos teus ombros. No entanto, nem esse peso é suficiente para te impedir de bateres com os teus dedos na madeira, enquanto a lua cheia te dá à luz necessária para que tu possas ver o que escreves. Espero por ti, meu amor Enquanto fechas os olhos e trauteias mais um poema, que para ti será o teu último tesouro. É sempre assim. O teu último poema é sempre o teu último tesouro. E é o mais importante. Não que todos os outros não o sejam. Cada um deles é como um filho, mas o último... O último é sempre aquele pelo qual guardas mais carinho. Espero por ti, meu amor Enquanto abres os olhos e me encontras, sabendo que eu estarei sempre ali, à tua espera. Porque te amo. Porque amar-te-ei sempre, mesmo que me faças esperar. Não importa. Estarei sempre aqui, a admirar-te até chegares ao final da tua escrita. Sentir-me-ei sempre abençoada por ter a oportunidade de apenas te ver. Sorris. Deus... Como é possível não esperar por ti quando me mostras esse belo sorriso? Espero por ti, meu amor
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Enquanto te prendo o olhar com o meu, por breves segundos, e me encosto à ombreira da porta como que a dizer-te que tens todo o tempo do mundo. E é verdade. Tens todo o tempo do mundo para continuares a escrever. Para continuares a ser livre nas tuas palavras. Para continuares a crescer em ti próprio. Para continuares a desprender-te desses destroços que carregas dentro de ti, no teu coração. Destroços que guardas há anos e com os quais muitas vezes já não sabes lidar sem ser com a tua escrita. Talvez seja esse peso que guardas só para ti que te vai fazer chegar àquilo que mais anseias: o poema perfeito. Espero por ti, meu amor Enquanto procuras esse tal poema perfeito. Poderá não ser o mais bonito ou aquele que reúne as palavras mais belas da língua... Mas, será, com toda a certeza, aquele onde conseguires expressar todo esse amor e toda essa dor que sentes. Como eu sei que o queres fazer... Como se ao escreveres todas essas palavras, como se ao as combinares da forma que te ocorre, elas conseguissem abarcar tudo aquilo que és. O bom e o mau. O bom e o mau que eu amo de igual forma. Espero por ti, meu amor Enquanto procuras essa forma de te curares. Dar-te-ei sempre tudo aquilo que precisares. Estarei aqui. Afinal a minha presença contínua foi a melhor forma que encontrei para te demonstrar que te amo incondicionalmente. Sabê-lo-ás? Espero que sim. Espero que saibas como eu te amo na esperança de que um dia também eu te possa ajudar nessa cura. Só assim fará sentido toda esta espera. A espera de te ver e de te sentir sem esse vazio que por vezes te leva para um caminho escuro, sem luz, onde a queda é constante. Mesmo que não te cures, eu sei que estarei sempre no fundo do poço para amparar essa tua queda. Tal como sempre fiz. Nunca estarás sozinho. Nunca estarás sozinho no fundo do abismo, nem enquanto tentas terminar esta nova canção. Tal como agora. Espero por ti, meu amor Enquanto tentas escrever o fim deste teu poema, sentado no parapeito da janela, com a brisa da noite a fazer-te sentir que estás no paraíso. No paraíso, com a tua caneta, o teu caderno, no silêncio da terra, na luz da lua cheia que te ilumina a face. Paras de trautear. A força com que colocas o ponto final na folha dita que terminaste. Como se a convicção com que terminas o teu poema te dissesse que aquele seria o último. Mas não. Ambos sabemos que nunca haverá o último.
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Escreverás sempre, não será a escrita aquilo que te mantém à tona? Às vezes gosto de pensar que também eu te mantenho à tona. Espero por ti, meu amor Enquanto fechas o caderno, saltas do parapeito da janela e o deixas na mesa, no quarto, junto à cama. Finalmente, encontras-me com os teus olhos. Estás sério. Estás sério tal como sempre acontece quando terminas uma canção, com a certeza de que poderias ter feito melhor, nessa exigência contínua que colocas a ti próprio. Chegas perto de mim, colocas uma das tuas mãos no meu braço. A outra encontra a minha e entrelaças os teus dedos nos meus. Ai, meu amor. Como esperei por ti, para que me desses a mão desta forma serena e tranquila. Aperto os teus dedos de forma leve, como sempre faço e endireito-me. Guio-te para fora do quarto, para nos sentarmos no alpendre. A noite está quente e eu sei como apenas queres sentir o silêncio à tua volta. Sentamo-nos cá fora. E, tal como sempre esperei, encosto a minha cabeça no teu ombro. Ao de leve deixas um beijo nos meus cabelos e eu sei: aqui eu sei que a minha espera valerá sempre a pena.
Autora: Helena Durães https://www.facebook.com/helenacruzduraes
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Biografia Hudson Henrique, 06 de outubro de 1994. Curitiba/PR. Escritor e músico brasileiro. Cresceu lendo Bukowski, Quintana e Pablo Neruda. Escreveu seus primeiros poemas nas últimas páginas do caderno dentro da sala de aula. Tem a escrita como rota de fuga para projetar seus sentimentos e sonhos. Textos carregados de mensagens, melancolia e superação para todos os tipos de sentimentos se identificarem. É brutal, cru, nu e sincero, por que o otimismo e pessimismo andam juntos e são vizinhos. E nem todos os vizinhos gostam um do outro.
A garota mais linda da cidade de Curitiba.
Embora as flores não se submetam a tal alvorada, nada poderia calar o vapor das manhãs, dos cafés e dos ovos fritos.
É muito frio. Os abraços se confortam de luvas e cachecóis, e calças de botões se conformam nas ruas. No vidro embaçado a menina mais bonita que aquela cidade tinha. A menina mais linda da cidade de Curitiba.
Guarda-chuvas pra pingar água. Ladrilhos de mosaicos coloridos estendidos na calçada. Um bonde velho e vermelho, com a luz do sol já baixa. Luzes fracas e amareladas.
Meu sorriso despontava ao lembrar, que naquela praça, 92
havia tocado no lugar mais perigoso de uma mulher. O que me deixou sem graça.
Embora, sem saber, a mesma partiu, de forma bruta e irregular. Como pombos já satisfeitos: vão procurar outro lixo pra revirar.
Fosse tão linda, a menina mais bonita da cidade de Curitiba.
Salpicando o chão com seus sapatos e tamancos baixos. Com o pé descoberto, que precisaria mais de um Pedro Álvares Cabral pra achar algo tão certo.
Quase que perco a palavra, temperando sua imagem para ser bem melhor que no retrato. Como a lambida de um gato, afagado no escuro infinito e negro do meu quarto.
Se me esqueço da palavra, me esqueço de todos os versos, e por mais de uma vez serei o tolo que insiste em persistir nessa vida de regresso.
Esquinas que pessoas se cruzam, ruas que atravessam verticalmente. Verei um aceno seu um dia? 93
Você poderia ser um pecado capital de Curitiba.
Por todos os anos que passar, de árvores secando e voltando a florir, folhas do calendário se desprendendo. Não vai sobrar escolha quando dentro de ti apertar o incontrolável e insano pensamento: cair em meu sono, e gritar até o rouco. Vou esperar. Sentado, é claro.
É escuro, devaneio sem rumo pra tocar teus lábios, novamente. Em uma incansável busca de indagar que és a soma de todos os defeitos que tenho, e todas as qualidades que teria, se me juntado ao seu ser.
Bom, eu, fico na minha velha cadeira, enquanto meus netos nascem, enquanto os séculos passam.
Sempre me lembrarei daquele sorriso molhado, aquelas sobrancelhas na horizontal, das conversas inteligentes,
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do modo que pensava sobre a vida.
Sempre vai ser a garota mais linda da cidade de Curitiba. Passou voando a barba em meu rosto, as bancas da minha rua todas fecharam, e não era domingo. Nunca mais abriram. Mudou, tudo ficou diferente, tanto que não consegui acompanhar ninguém.
Sei por cima, aonde dorme, aonde come e aonde vivia.
Te prego, te desenho e te torno imortal nesses versos. Saiba que são seus, e só.
Te picho como um vandalismo no muro, de forma suja. Depois te limpo e te cuido, como uma joaninha perto de um casulo.
Fixo teu ser humano, como pingente, lhe carrego no peito, igual um tambor de uma arma. Uma bala perdida,
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disparada em minha direção. Quando te vi fiquei sem reação.
Queria que voltasse, nem que fosse contramão. Quem sabe um dia, você venha pra mim, e que seja só de vinda. Garota mais linda da cidade de Curitiba.
Hudson Henrique. Curitiba/PR. Site oficial: https://hudsonoficial.com/
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Biografia Iago Gonçalves Batista, 25 anos, é advogado e escritor. Contista que busca retratar a natureza humana nos seus diversos enfrentamentos. Interessa-se por filosofia existencialista e aperfeiçoar sua escrita.
Conto – À esquerda ou à direita se esvai Iago Gonçalves Batista A pandemia deixou a cidade sem movimento, tudo parou, por conta disso a cada dois dias eu dava algumas voltas pela cidade para esquentar o motor do carro a fim de não precisar chamar mecânico caso a bateria arriasse, pois estes profissionais também estavam de quarentena. Dessa forma, eu precisava sair invariavelmente a cada dois dias. No entanto, já estava há 3 dias sem ligar o motor, havia esquecido, viro a chave e, ufa, funcionou. Saio de casa em direção à avenida principal que guarda mesmo nome da cidade quase não existia movimento no asfalto. Uma esquina sim outra não tinha um semáforo, alguns deixo fechar sem cerimônia e aguardo mesmo não havendo ninguém pra disputar aquela desolada avenida, outros acelero para passá-los o quanto antes, outras vezes ultrapasso dois sinaleiros num intervalo de tempo, uma leve descida se estende há pouco mais de um quilômetro. Próximo ao último semáforo que dava acesso aos bairros periféricos, estava meu ponto de retorno, daria meia volta a partir dali, observo pouco a frente uma pequena mercearia em vias de fechar no meio do quarteirão pouco iluminado. Lembro-me de nossas compras naquele estabelecimento que mais parecia um passeio a dois, nunca mais havia frequentado porque era distante de minha casa. Um soco no estômago me arrebatou, não era apenas mental, mas uma dor física que se concentrava em minha barriga subindo pela traqueia, que sofrível. O sinal se abriu mas não prossegui mesmo com o pé direito próximo ao acelerador, o carro ainda avançou levemente pra frente aos trancos perdendo força e a inércia o posicionou no meio da encruzilhada. Pouco após, não havia saída, a partir dali entraria em outra rua contrário ao meu destino, só tinha duas opções, esquerda retrocedendo ao lar, uma vez que
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o motor já estava quente fazia tempo, pois me alonguei neste dia, e outro: virar à direita e se aproximar a não sei o que, era nebuloso, confesso. Se fosse audacioso iria à sua espreita sem extravagâncias que sinalizassem minha chegada, estacionaria longe e ficaria a observar os momentos guardados apenas na memória que a vida fez questão de trazê-los neste infeliz momento. Respiração funda seguida de um toque nos lábios segui à direita pelo costume, estava confuso e sinceramente não sabia o que fazia. Sinal verde, por sorte não tinha nenhum carro atrás, ainda vacilei em pisar no acelerador, hesitante, o ronco do motor se inicia junto do canto estridente do pneu. No limite do caminho que se esboçava ao lado direito, tomo-lhe à esquerda numa espécie de rotatória imaginária e deixo para trás aquelas ruas tão habituais. Ao retorno à minha casa agarro-me ao volante com as mãos cerradas em meio às curvas sinuosas que intermediavam o centro da cidade visualizo o terminal rodoviário que se encontrava também deserto, com as luzes apagadas sinalizava temporariamente inativo. Aquele lugar estava num breu singular. As lembranças do dia que esperei ela sentado naquele banco de concreto, num dia frio igualmente frio, percorriam por toda minha superfície, o gosto de ferrugem do circular chacoalhava sobre minha mente, senti o balançar do ônibus elevar o mal-estar à boca. Principiava cheiro de mundanidade impregnada no concreto, saio do carro e deito-me sobre o banco com as pernas recolhidas ao peito, somente o frio do banco do concreto e eu, não haveria ninguém a interromper qualquer ato impensado, estava determinado a passar a noite ali. O frio concreto pareceu-me atraente e no desconforto passo a lambê-lo sem relutância sentindo o gosto familiar que se parecia com a moléstia, com você, comigo, com os milhares de passageiros que circulam por esta cidade, com a dor nauseante. E todas essas coisas se dissiparão assim de repente como as memórias que, com cuidado, insisto em preservá-las. Já se foram.
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Biografia Ismar Barros Junior, nascido em Maceió, no dia 25 de abril de 1979, formado em Licenciatura de História, na Universidade Tiradentes – UNIT.EAD, descobriu seu talento de escritor na faculdade, em um trabalho de práticas interdisciplinares, no qual a tutora lançou um desafio, a produção de um cordel que falasse do Nordeste e da educação a distancia, foi aí que me descobri. Desde lá venho sempre escrevendo cordéis, poesia, obras literárias, decerto que não sobrevivo da escrita, logo escrevo nas horas vagas. Minha grande inspiração é o cotidiano em suas diversas vertentes. Se quiser conhecer meus escritos estão disponíveis no kindle(Conversão: uma conversa sobre Jesus Cristo) e também no blog reflexaoemcristo.blogspot.com. ou @Ismabarrosjr (Instagram).
APAZIGUAR Ismar Barros Jr.
A paz por favor, Mundo insano, provocador de conflitos Conflitos por poder, Necessitamos nos apaziguar.
Intolerância presente na sociedade Desrespeitando toda uma nação Futilidades, diante da adversidade Banalização que transcende a vida
Paz que está em nosso meio, Seja disseminada por todos, Prevenção de um mundo igual,
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Sonho que não pode distanciar.
A paz do Senhor está entre nós? Deus é Deus de paz e amor Sua justiça é irrepreensível Seu amor nos justifica a plena paz.
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Biografia Jairo Ajala Mielnik licenciado em Letras, Teologia e Pedagogia. Tem despertado para a escrita poética e literária, sendo um amante e incentivador da leitura. Sonha em publicar um livro e está dando os primeiros passos nesta direção, escrevendo poemas, contos e crônicas. Sua inspiração vem da natureza, da cultura indígena, e principalmente da fé no Criador e dono de tudo que há. Acredita num mundo onde o amor vence todas as limitações e transforma-o em novos mundos, onde a esperança é sempre viva e abundante, onde o ser humano é nova humanidade. https://www.facebook.com/jairo.mielnik
Saudade
Teu abraço É tudo o que eu preciso Para matar essa saudade Palavras não são necessárias Se tão somente do meu lado você estiver.
O tempo não passa Os dias são semanas As semanas são meses E os meses são anos Quando estou longe de você
Tão longe e tão perto Coração ligado
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Conectados Esse amor é tão forte e verdadeiro Que nada poderá apagá-lo Nem diminuí-lo Meu amor por ti Só aumenta Cada dia mais E mais Mais.
Jairo Ajala Mielnik
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Biografia Jéssica nasceu em 1996. Aos sete anos ela já escrevia alguns versos. Um dos mais marcantes ela dedicou a mãe “O amor é como uma flor que a gente arranca e dá para alguém” e na falta de uma flor, Jéssica arrancou a página do poema e entregou. Siga no Instagram: @euiancoski | jeiancoski@gmail.com | https://www.jessicaiancoski.com/
Título: deixar O ser Autora: Jéssica Iancoski Para cego ler: A Inevitável busca pela união do ser, pode ser; desde que se deixe ser. Mas e o ser? Daí é melhor deixá-lo ser? Ou deixar o ser?
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Biografia O meu nome é João Diniz, nasci em Torres Vedras, Portugal em 1985. Escrevo desde os 13 anos e 12 anos depois licenciei-me em ciências da cultura pela faculdade de letras da universidade de Lisboa. Já fiz várias coisas, desde operador de call-center (telefonista) argumentista, recepcionista de hostel, guia turístico, voluntário num centro de jovens na Macedónia -o país dos balcãs, trabalhei numa empresa de cybersegurança. Actualmente vivo na Bulgária e trabalho na área de seguros. Acho que a minha poesia tem camadas que as pessoas têm de construir por elas próprias, como lhes apetece.
Beirute Nem é quando cheira mal, quando a avenida da mesquita corta o privilégio e tenta esconder outra cidade que ninguém limpa. Ali andam todos a ver quem come, quem alimenta a fome de ser. A fé varia consoante o passado, o importante é estares lá. Mas tu nem vês. Que podes ser sírio a engraxar botas, vir do bangladesh e limpar casas de banho, comeres da terra que não dá para comer, porque o lixo rebenta em cada esquina. Senão pegas no telefone, ligas os dados e ninguém te liga. Os impostos que fogem entre os dedos, obrigam a sobreviver. Mas é meter lentes, entrar no centro comercial e queixares-te com a boca cheia de ignorância
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que a culpa é deles. Levantas os vidros fumados, entras e sais rapidamente e voltas à tua redoma de cristal. À tua vida entre Paris e Dubai. e és feliz sem os socos dos outros.
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Biografia JORGE EDUARDO MAGALHÃES nasceu no Rio de Janeiro, Brasil. Mestre em Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Doutor em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense. É contista, romancista, poeta e autor teatral.
30 SONETOS ESCRITOS EM UM CLAUSTRO Por: Jorge Eduardo Magalhães Naqueles tempos de isolamento, sentia um vazio olhando as paredes de seu pequeno apartamento. Havia quase uma semana que não saía de casa e a angústia aumentava cada vez mais. Os noticiários na televisão só falavam sobre a pandemia e o número de infectados e de mortos aumentara. Nas ruas, as poucas pessoas que transitavam utilizavam máscaras para evitar a contaminação. Observava sua estante repleta de livros muito bem divididos por assuntos e autores, mas não tinha ideia do que iria reler. Verificou na parte reservada à Literatura Brasileira, depois Portuguesa e Francesa: tinha uma predileção especial pelos Realistas/Naturalistas, Aluísio Azevedo, Eça, Zolá. Folheou A tragédia da Rua das Flores, mas logo o guardou em seu lugar. Pensou em colocar suas pendências acadêmicas e literárias em dia e elencou em ordem de prioridade as atividades que deveria agilizar, pois a angústia e a ansiedade não o deixavam se concentrar em nada, enquanto a pilha de papéis e arquivos aumentava cada vez mais. Revirando as demandas, não sabia por onde começar: só de olhar, sentia uma enorme indisposição. Logo ele, que nunca acumulara trabalhos antes! Foi observando a importância de seu ofício e a problemática acerca da sua falta de concentração. Dentre suas prioridades não realizadas separou as mais relevantes: a) Um fichamento de Em defesa dos intelectuais, de Sartre; b) Uma resenha sobre Balada na praia dos cães, de José Cardoso Pires; c) Um artigo sobre O Coruja, de Aluísio Azevedo; d) Uma análise crítica de Desencantos, de Machado de Assis. Verificou também as pastas e os arquivos de seu computador com todos os seus livros: cinco de contos, três de poesia e um romance, todos inacabados. Leu as cinco únicas páginas do seu romance Memórias irreais de um falso dândi, uma narrativa ambientada no século dezenove, na qual o narrador-personagem relata
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as suas artimanhas para entrar na alta sociedade da Corte Brasileira. Sentiu-se ridículo, apesar da minuciosa pesquisa histórica, era uma narrativa fraca e sem consistência. Encontrou também o esboço do seu drama histórico Leopoldina, escrito aos moldes de tragédia grega, com prólogo, coro e a pretensão de ter cinco atos, com a intensão de relatar a trajetória da esposa de D. Pedro I. Entretanto, não havia passado da metade do primeiro ato. Não sabia por onde começar e nem o que terminar. Estava completamente disperso e sem concentração. Quis fumar um Corona, mas a caixa estava vazia. A tabacaria fechada. A garrafa de vinho do Porto que ganhara em um congresso estava vazia. Andava de um lado para outro, só comia refeições instantâneas feitas no micro-ondas e bebia muito café. A sua ansiedade não decorria somente devido à clausura compulsória, mas também pelo fato de não se comunicar com ela há quase vinte dias. Estava confusa, embora se declarasse completamente apaixonada por ele, não conseguia se desvincular de seu compromisso, de seu relacionamento convencional. Ela era bem mais jovem, ele, daqui a alguns anos, seria um idoso: compreendia que estivesse confusa. Pediu-lhe que não a chamasse nas redes sociais e nem no Whatsapp, que esperasse chamá-lo. Porém, os dias passavam e ela nada falava. Às vezes percebia que ela estava online, mas precisava honrar sua palavra. Inicialmente, postou nos stories de suas redes sociais, um soneto-recado, no qual tentava, em seus versos, explicitar todo o seu carinho e sentimento: SINTA-SE POR MIM Sempre se sinta por mim abraçada, Com aquela amenidade serena, Com aquela serenidade amena, Sinta-se o tempo todo adorada. Sinta-se por meu "eu" sempre beijada, Doce sabor que o coração ordena, Um sentimento que minh'alma acena, Sinta-se por mim minha eterna amada. Sinta minha dedicação servil, Sinta-se por mim sempre protegida, Esse meu sentimento pueril,
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Sinta que faz parte da minha vida, Contigo, quero ser sempre gentil, Sinta-se então minha eterna querida. Em sua lógica de aspirante a poeta, imaginou que ela ficaria emocionada com o seu lirismo e poesia e logo o chamaria, fazendo-lhe declarações de amor. Postou o soneto quando ela estava online. Contudo, passaram os dias, nada falou, não se manifestou, e sequer visualizou aqueles versos tão sentimentais, escritos verdadeiramente com o coração. A todo instante, olhava para o celular a verificar se ela havia deixado algum recado. Às vezes ela estava online. Estaria conversando com outro, traindo a ele e seu compromisso ao mesmo tempo? Não. Não poderia pensar nisso. Estava ficando paranoico e não tinha nenhum direito de lhe cobrar nada. Poderia ter sido algo passageiro, admiração, desejo, talvez nem se lembrasse mais dele; provavelmente um êxtase de juventude. Sentia-se solitário, sempre fora completamente destacado de tudo e de todos, apesar de dois casamentos fracassados. Aquele breve envolvimento amoroso parecia o início de uma nova etapa da vida, dando fim ao seu estado de exílio pessoal, agora agravado pela quarentena. Despertando de suas reflexões, precisava se reorganizar retomando suas atividades acadêmicas e literárias. Mas qual começaria primeiro? Se for a acadêmica, qual atividade? Se for literária, qual trabalho iria retomar? Novamente olhando seus escritos inacabados, resolveu retomar seus textos literários, mas qual deles? Prosa, poesia ou teatro? Pensou em fazer uma coisa nova. Não. Seria mais um projeto inacabado. Claro que não, se escrevesse com o coração, algo que estava sentindo naquele momento. Nada de poemas aos moldes parnasianos, dramas aos moldes de tragédia grega, e muito menos romances ambientados no século dezenove. Escreveria com o coração, afinal o “Sinta-se por mim” tinha ficado tão verdadeiro longe daquela sua poética sintética e rebuscada. Começava a escrever uma sequência de sonetos intitulados 30 sonetos escritos em um claustro, no qual faria versos em homenagem à sua amada, declamando “saudades”, “nostalgia”, mas nunca a mencionando diretamente, citando sempre as palavras “nobre”, “resplandecente” e derivados, que são os significados de seu nome. À medida que escrevesse os poemas, postaria nos stories de suas redes sociais, para ver se ela visualizaria. Postou o primeiro. Ela não visualizou em nenhuma das redes sociais, nem o segundo, nem o terceiro. Não desistiu, continuaria postando os sonetos e quando
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chegassem a trinta (de repente escreveria mais, quem sabe uns cem), publicaria e, na sessão de autógrafos, ela apareceria, com os olhos marejados, com o livro para ele autografar. Emocionado, faria uma dedicatória com palavras de amor. Se ele vai escrever todos os sonetos que pretende, se ela irá visualizar, se irá falar ou se ele um dia irá publicar esse suposto livro, ou se será mais um trabalho inacabado, só o tempo dirá. Alguns dizem que a probabilidade maior é que ela o exclua das redes sociais e o bloqueie no whatsapp.
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BIOGRAFIA Nascido na cidade de Orós CE, o poeta, sociólogo e artista plástico Josafá de Orós tem publicado contos, poesias, crônicas em coletâneas em todo Brasil. Suas ações no campo da literatura de cordel e da xilogravura se destacam e evidenciam o nome da região. Com o poema intitulado Pensar a pedra, o autor obteve o primeiro lugar no concurso Cactos de Poesia, realizado durante a primeira Feira Literária de Boqueirão no ano de 2010. Com A palavra, lavra obteve o troféu Barriguda no 51º Festival de Música e Poesia de Paranavaí – PR em 2016. Com o poema A outra carta a Ilse Blumenthal-Weiss obteve o segundo lugar no Concurso Nacional Novos Poetas 2016 com 2.703 inscritos. Com o poema Breve corografia do escuro obteve o 2º lugar no Concurso Roberto Tonellotti de poesia, 2016, 1º colocado no Concurso de Poesia do SESC/Piedade/2017 – Recife – PE, 1º colocado no 1º Concurso de Contos da Feira Literária de Boqueirão/2017. Recebeu o título de Embaixador da Palavra, conferida pelo Museo de La Palabra e pela Fundación Cesar Egido Serrano de Madrid – Espanha/2017 Tem sido selecionado em vários certames literários e assim tendo participado de antologias por todo Brasil. E-MAIL: josafadeoros@gmail.com A palavra, lavra
“Que tempo enorme uma palavra encerra!” W. Sheakespeare (1564-1616) Ricardo II, Ato I. Trad. Carlos Alberto Nunes)
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“Dize a tua palavra e segue o teu caminho, deixando que a roam até o osso”. Miguel de Unamuno (1864-1936) A palavra Por si mesma É trabalho. A palavra também é ócio, e Por si mesma É cio. A palavra é til Assento agudo A palavra é grave. A palavra É suada Molha a língua. A palavra é suave No pentagrama Não da a mínima: pausa de tempo infindo.
A palavra É obtusa Se se mastiga É oclusa. A palavra é reclusa Entre dentes Enamora língua e silencia. A palavra recusa Entre lábios Outras línguas.
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Entre dentros A palavra Só se mostra no escuro. A palavra É lavra desconhecida Aventura dizeres A pá (Lavra) a terra Encerra o código. A palavra é alimento Que sai da boca Cimento e verbo. A palavra é livro A palavra é espelho ambíguo De imagem e transparência De abismo! A palavra é buraco Buraco no vazio De autor desconhecido. A palavra Lavra e trava. A palavra é brava Não tem limite Não tem cava. A palavra escrava Se aperta incisiva Entre um amor canino e uma mordida. A palavra induz
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Ela flexiona Avessa a língua, traduz. A palavra engendra Aficciona-se hermafrodita Seduz. A palavra individualiza... Dar forma. Deforma. A palavra fala A palavra falo: como filha de Zeus, como filha de mnemósine É estátua de lira e rosas: É Érato. A palavra é poderosa! A palavra excita... A palavra goza. Palavra é arma! Combate! Salva argumentos Molda. Estica. Erística. A palavra sai! Da boca, de bonde... Vai prá onde?
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Biografia José Atanásio Borges Pinto, poeta, contista, compositor e pesqu8isador do falar regional gauchesco, autor as seguintes obras: Dicionário Poético Gaúcho Brasileiro, editado pela Borges Pinto Editora, Lages (SC)/20018 e Nas Asas da Fantasia – Poemas crianceiros, Editora Movimento, Porto Alegre/2008, Coleção Monteiro Lovato. Em preparo: Cadernos Crienceiros (infanto-juvenil), Dos confins do meu silêncio e Ao pé do fogo (poesias). Participa de cerca de meia centena de Coletâneas e Antologias de conto e poesia. Licenciado em Letras Português e Inglês pela Uniplac/SC e pós graduado em Língua Portuguesa pela UFRJ/RJ e em Produção e Revisão de Textos pela Uniplac.
DAS AUSÊNCIAS (José Atanásio Borges Pinto) As ausências me visitam Nas horas madrugadeiras Quando as lembranças se achegam E vêm abrindo porteiras. É nesses momentos quietos Da hora silente e calma, Que eu tranço um pala de estrelas Para o abrigo da alma. As ausências que me chegam Nas horas de solidão São partes de um relicário Que chamam de coração. Ausências do tempo moço Que o tempo não apagou, Dos momentos de alvoroço Que a vida me presenteou.
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Ausências da Mama Velha Que se foi pra eternidade, E que lembram os conselhos Dos tempos da mocidade. Ausências que calam fundo, Recuerdos do Velho Pai, Que nos ensinou que o mundo Agente mesmo é quem faz. Ausências, tantas ausências, De coisas que se viveu, E que trazem referências De um tempo que se perdeu. Por isso eu entendo de onde Vem toda essa nostalgia Que só o silêncio responde Nas horas de calmaria... As ausências são recados Que a vida manda pra gente, São nuances do passado Pra se entender o presente.
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Biografia José Sepúlveda, nascido em Delães, Vila Nova de Famalicão. Hoje a morar em Vila do Conde. Começou a escrever poesia cerca dos doze anos. No decorrer da sua carreira profissional trabalhou primeiro, como funcionário público e depois, durante 35 anos, como empregado bancário. Publicou em alguns jornais e revistas ao longo da sua carreira. Amante da literatura, administra os grupos do facebook Solar de Poetas, Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa e Casa do Poeta. Frequenta a Universidade Sénior do Rotary Clube da Póvoa de Varzim, como aluno e orientando a disciplina de Iniciação à Informática. Apoia vários projetos literários, promovendo a edição de autores em início de carreira, organiza e participa com regularidade em Saraus e tertúlias, tem prefaciado alguns livros, apresentado e participado em lançamentos de antologias e livros de autor. Livros publicados: . Meu verso, meu berço, meu poema – 2014 . Porque Ele vive – 2015 . Participação num elevado número de Antologias portuguesas, brasileiras e italianas. . Mais de trinta publicações em ebook (Issuu, página pessoal). . Outras publicações em preparação.
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Língua Mater Que a força das palavras seja sempre Expressa em versos, textos e canções, Transforme o teu falar numa corrente Que una e alimente corações Que seja o teu pulsar a voz pungente Que espalha em toda a parte, entre as nações, O mágico sentir eloquente Da triunfante língua de Camões Que em Cabo-Verde, Angola ou na Guiné, Brasil, em Moçambique ou S.Tomé, Na Índia, em Timor ou Portugal Tu possas gritar alto, com destreza, Que a nossa língua é a língua portuguesa, Indómita, invicta, imortal!!! José Sepúlveda
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Biografia Juliana Karol de Oliveira Falcão nasceu no dia 16 de outubro de 1991, em João Pessoa, na Paraíba. Atualmente reside na cidade de Soledade/PB. Formou-se no Curso de Licenciatura em História, 2016, é graduanda no Curso de Licenciatura em Letras – Língua Espanhola, Pós-Graduanda Lato Sensu em Estudos em História Local. Teve alguns poemas e contos selecionados para publicação em concursos literários realizados pela Editora Trevo, Editora Jogo de Palavras, Editora Cartola, Revista Inversos, entre outros. E-mail: julianakarol16@hotmail.com.
POR ONDE ANDA A ONDA? Juliana Karol de Oliveira Falcão Por onde anda a onda Do mar que me afogou? Antes feliz eu estava Até que a onda me acertou. Por onde ando agora? Não seu ao certo explicar. Qual era o rosto da onda Que como andorinha Voltou para o mar?
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Biografia Katia S. Parente autora do livro Em busca da fotografia perfeita (Amazon) e A lenda do Vale Seco (Editora Viseu), também escreveu diversos contos publicados no Wattpad, participou de duas antologias de contos e tem em andamento um novo projeto de livro de contos com outros colegas escritores. Seu próximo romance a ser publicado está em fase de revisão. Engenheira química e pós graduada na área ambiental, é apaixonada por livros e entrou no mundo da escrita para nunca mais sair.
Conexão por água abaixo Katia S. Parente
Foi em uma terça-feira que tudo começou a desacelerar. As pessoas foram recomendadas que ficassem em casa, pois um vírus devastador fora trazido de fora e estava se proliferando rapidamente. Em outros países muitos morreram e outros tantos estavam internados. Meus pais no início, não levaram muito a sério, confesso que nem eu mesma, mas depois de prestar atenção às noticias, vi que era algo preocupante. Meu pai parou de trabalhar e minha mãe fez uma compra grande de mercado para abastecer a casa. Também parei de sair e continuei em casa escrevendo e lendo. Adeus café da tarde na padaria. Difícil lidar com isso, afinal a maioria das pessoas que tem alguma experiência com períodos de guerra, ou já morreram ou estão internadas. Viciada em redes sociais pelo celular, eu recebia a cada momento uma novidade. O presidente falou, depois "desfalou", governador que quer ser presidente tomava decisões por conta própria, ministros perdidos na ciência e jornais que dão notícias que ninguém mais sabe se é verdade. A confusão foi geral. O que de fato foi novidade era a orientação para não sair de casa, seguida de uma portaria que proibia a abertura do comércio, portanto todas as lojas fechadas, inclusive shoppings. Este é o novo estilo de vida dos brasileiros, mais conectados do que nunca na história e mais distantes que em qualquer fase da vida.
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O jeito foi apelar para a vida on-line, tudo conectado no celular. Até que não estava difícil, afinal já era habituada a usar o aparelho para tudo, quase como um membro do corpo. Certo dia, acabou o pão. "Caramba, como vou ficar sem pão? Minhas torradas pela manhã e meu lanche à noite?" Os frios também tinham acabado, então me equipei com todos os EPIs que possuía: máscara, luvas e álcool gel na bolsinha a tiracolo. Lá fui eu para a batalha, com o celular sempre ao meu lado. Na verdade, desta vez no bolso de trás da calça. Apertei o botão do elevador com a chave, empurrei com o cotovelo a porta para sair. Seria difícil coçar o rosto com o cotovelo, de modo que me achei segura. Fui à padaria parecendo um ET, nem enxergava direito com aquela máscara na minha frente, mas venci o desafio e fiz minhas compras. Na volta a mesma coisa, exceto pelo fato que precisei usar a mão para abrir a porta do elevador e entrar, então fiquei parada no meio da caixa de aço escovado, sem encostar em nada. Penso que o vírus não voa, nem pula, por isso não achei que seria infectada pelas paredes do elevador, a menos que eu ficasse me esfregando nelas. O que não foi o caso. Sem colocar a mão supostamente infectada em nenhuma parte do meu corpo, fiquei ali imóvel, aguardando o velho maquinário me levar ao vigésimo andar. Uma coceira irritando o nariz começou. Uma das mãos ocupada com a sacola das compras, a outra supostamente infectada. Não tinha como me coçar. O elevador estava ainda no quinto andar. "Jesus! Que elevador lento! Nunca reparei como demora esta viagem." Décimo andar. Continuava coçando, agora mais intensamente, uma coceirinha dentro do nariz, não era mais na ponta, insistia em permanecer. Décimo quinto andar. O elevador parou e uma senhora de bastante idade abriu a porta. Na mesma hora espirrei. "Nossa!!! Meu Deus!" exclamou a senhora assustada. "Você não devia circular por aí! Deve estar infectada!"
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E com a cara emburrada fechou a porta do elevador. “Gente, tô de máscara. E ela pensava ir onde, com aquela idade?” Ao menos minha coceira havia parado. Depois da viagem de elevador mais longa da minha vida, cheguei ao meu andar. Desci e fiquei parada na frente da porta de casa. A chave também contaminada, pois a usei para apertar o botão do número vinte, já estava na minha mão. Abri a porta do apartamento e empurrei com a perna para fechar. Em seguida larguei a sacola sobre a pia da cozinha e fui direto para a área de serviço, onde lavei bem as mãos e a chave no tanque, em seguida tirei toda minha roupa, jogando tudo dentro da máquina de lavar. Já coloquei para funcionar e fui tomar banho. Após sair cheirosa e desinfetada do banheiro, limpei as compras e guardei tudo, indo direto para o celular ver as últimas notícias. “Onde está o celular?” Procurei pela casa toda e não achei. "Essa não! Será que perdi na rua? Não é possível." O telefone fixo eu havia desativado, pois não usava mais, então nem tinha como ligar para ouvir o toque e fazer a caçada pela casa. Fiquei parada no centro da sala, pensando onde poderia ter deixado o aparelho. Após alguns minutos veio a imagem. Meu celular estava no bolso de trás da calça que agora era lavada na máquina. Saí em disparada para a área de serviço, abri a tampa da máquina e comecei e fuçar lá dentro. Não demorou nada para eu encontrar meu querido aparelho no fundo da máquina de lavar roupa. Bem limpinho, lavado, desinfetado e desligado. "Não!! Por favor, não!" Sequei com o secador de cabelo, deixei no sol, dormiu no arroz. Nada. Dois dias depois eu estava em pânico. As lojas todas fechadas e eu sem celular.
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Todas as cenas possíveis passaram em minha cabeça, eu sozinha, incomunicável, sem telefone. Como iria sobreviver sem telefone, sem Face e Instagram, sem WhatsApp??? Liguei o computador. Ok. Ao menos as redes sociais podia ver ali, mas e as mensagens? Podia comprar outro celular pela internet, mas o chip também foi por água abaixo. Precisaria ir até a operadora fazer todo o processo para manter meu número e usar os pontos na compra do aparelho novo. Desisti da compra pela internet. Depois de quase a semana inteira só me comunicando por e-mail, uma sensação estranha tomou conta de mim. Descobri que tinha alguns livros na estante que não havia lido, assim como programas de televisão nos diversos canais que eu pagava e nem sabia que existia. Li alguns livros (muito bons inclusive), assisti a filmes interessantes e documentários de viagens, vinhos e gastronomia. De forma inusitada, eu não precisava mais do celular. Ao menos não como antes, viciada em mensagens desnecessárias. A quarentena serviu como uma desintoxicação. Eu estava curada. Quero dizer, ao menos até abrirem as lojas!
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Biografia Kimberlly Isquierdo Bongalhardo Sou a Kim, estudante de Automação Industrial. Desde sempre fui apaixonada por todas as formas que a arte possui de se expressar, especialmente a literatura e o cinema. Atualmente, me esforço para aumentar meu portfólio de textos e conseguir participar dos mais diversos concursos literários. Contato: kimberllybonis@gmail.com
Mais Atenção... Carinho Esperança Sabedoria Sensibilidade Independência Benevolência Inspiração Liberdade Ideias Diferenças Aceitação Deleites Experiências
Empatia
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Nobreza Conhecimento Lições União Sensatez Alegria Orgulho!
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Biografia Lígia Diniz Donega mora em Ribeirão Preto, SP, tem 59 anos e escreve há 4. Desde então tem participado de concursos e seleções para revistas literárias, como: XI CLIPP de Presidente Prudente, 2017; 2º lugar no concurso de minicontos promovido pela UEI de Ribeirão Preto, SP, 2017; 1ª e 2ª edição da revista Motus, Alegrete, RS, 2017 e 2018; 5ª e 15ª edição da revista Litera Livre, 2017 e 2019; 2º lugar no concurso promovido pela ALGRASP, São Caetano do Sul, SP, 2019. Além, tem um livro de contos pela Chiado Books publicado em abril de 2019.
A Dama da Noite Lígia Diniz Donega A cidade transformava-se incessantemente. Sob a batuta do prefeito urbanista e arquiteto, São Paulo convivia com construções e demolições, vestindo cada vez mais o traje de cidade-progresso. Getúlio Vargas acabara de instituir o salário mínimo e reafirmado sua neutralidade na guerra; Paris estava ocupada pelos alemães; Carmen Miranda retornava aos Estados Unidos para uma carreira de sucesso; Charles Chaplin estreava O Grande Ditador; Lana Turner brilhava em Hollywood; Adoniram Barbosa atuava como rádio-ator. Na cabeça de Dorotéia, não ia nada disso, não lhe importavam tais acontecimentos. Ainda remoía a tristeza por não ter conquistado o prêmio. Há três dias atrás tinha vivido a noite mais importante do seu ano. Meses preparando-se e sonhando. Como desejou! A rádio Capital tinha inovado este ano. Além da faixa de rainha do rádio de 1940, a ganhadora receberia um prêmio em dinheiro. Dinheiro conseguido através de patrocinadores de peso, principalmente a Cia City, a construtora de maior nome na cidade, responsável por inúmeros bairros em construção. Quatro contos de réis. Com isso daria para trazer a mãe e a filha do interior e alugar uma casa. Precisava sair do quarto alugado. Úmido, frio, era indigno viver daquela maneira. Isso abriria portas, quem sabe uma contratação por alguma rádio ou até mesmo a Capital, sabia que estavam em expansão, ampliando o prédio, selecionando textos para a primeira radionovela, o proprietário apostava alto, gastando muito para elevar a rádio, pelo menos, para o quarto lugar em audiência. Amava cantar, fazia isso desde menina. Enquanto a mãe lavava roupa no riacho, ia lhe ensinando as músicas e as duas faziam um dueto. Uma época feliz,
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até a morte prematura do pai quando então conheceram, de fato, a pobreza. Depois, quando adulta, o passo mal dado. Engravidou de um namorado, na verdade não era nada sério, mas deu bobeira, facilitou. Quando falou da gravidez, ele fugiu e nunca mais o viu. Então provou das consequências de ser mãe solteira. Levou pedrada, ofensas, mexericos de toda espécie. Até que muniu-se de coragem e caiu na metrópole, há dois anos, sem conhecer ninguém, sem emprego e poucos recursos. A mãe ficou chorosa, criando a neta e esperando a oportunidade de unirse a filha. Sofia, sua menininha, sua luz. Como precisava delas junto de si! Felizmente tinha o emprego na fábrica de meias, metade do salário ia para elas, mas não gostava, não era para aquilo. Precisava cantar, precisava da música como alimento à alma. Desde a grande final vinha relembrando momento a momento. Sua apresentação foi ótima, apesar do nervosismo. Deusa Da Minha Rua com sua interpretação tinha arrancado aplausos fervorosos. Uma emoção indescritível como nunca havia sentido. Aquele auditório imenso, lotado, com todos os olhares para ela, fotógrafos, o brilho dos vestidos de festa, o comunicador Paulo Roberto anunciando seu nome. E depois, a decepção. Terceiro lugar não era ruim, aliás era ótimo, mas não o que queria. E pensar que preparou-se tanto, trocou várias refeições por um mísero sanduíche para poupar dinheiro para o aluguel do vestido. Quando ouviu o resultado teve que sorrir e parabenizar a vitoriosa. Por dentro já desmoronava. Nem lembrava-se como chegou em casa, só sabia que caiu no sono depois de muito choro. Devia estar perto da pensão. Mais dois quarteirões e Clotilde estacionou o carro. Na porta da casa, notou a pintura envelhecida e o mal estado do imóvel. Sentiu desconforto em bater na porta, imaginando a casa por dentro. Mas já que tinha vindo era melhor resolver de uma vez. Uma jovem vem atender e abre caminho para ela entrar. Como imaginou, o interior estava bem decaído. Móveis velhos, cheiro de mofo predominante, assoalho gasto, teias nos cantos do teto da sala. Dois homens descem a escada e ficam olhando-a indiscretamente. Ela vira o rosto e pede à menina que quer falar com Doroteia. Como alguém podia morar num lugar desse? A garota demora-se a mexer, arrasta os pés como se carregasse correntes. Lá de cima ouve-se uma explosão de gargalhadas. Clô passa a mão pelo cabelo à la Rita Hayworth, ajeita o chapéu Cartwheel, inclinando-o para o lado da cabeça. A menina aparece no alto da escada e fala para ela subir. — É a terceira porta do lado direito — aponta com o dedo para o corredor. Pensa que a garota deve sofrer de anemia, até sua voz sai apagada e lenta. Doroteia a espera na porta do quarto com ar de surpresa. Não sabe como cumprimentar a vencedora do concurso e não faz a mínima ideia do que ela está
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fazendo ali. Por fim, solta um olá seguido de um sorriso sem graça. A outra exibe sua bela dentição e abre seus lábios pintados de vermelho num sorriso amplo. Oferece uma cadeira à visitante e senta-se na cama. — Como sabia onde eu morava? Clô coloca a bolsa sobre uma mesinha e passeia, discretamente, o olhar pelo quarto pequeno. Inesperadamente sente um impulso de tristeza pela condição da moça. O cheiro de mofo é mais intenso, a fraca iluminação desce por um fio elétrico, cheio de sujeira, com uma lâmpada pendurada. — Paulo Roberto que me passou seu endereço. Espero que me perdoe, não sabia como avisá-la antes. Doroteia permanece séria encarando a visita inesperada. Balança a cabeça e pede desculpa pela bagunça. — Não tem problema — responde sorrindo, tentando descontrair a jovem. — Linda sua apresentação. Procurei-a para lhe dar os parabéns mas você saiu rápido. — Acho até que fiquei muito. Nossa, não sei para quantas fotos eu posei. Acho que cantei bonito também, mas não foi o suficiente. Você foi melhor. — Dei sorte. — Oh, não. Foi a melhor, de verdade. O jeito simplório de Doroteia cativa Clotilde. É visível que está desconfortável. A diferença entre as duas é gritante. Tenta colocar-se no lugar dela. Também ficaria assim diante de uma mulher bem vestida, sentada num quartinho pobre como aquele. Enquanto uma usa um vestido simples, chinelos nos pés e cabelo preso, a outra traja um tailleur com a cintura marcada, verde musgo, com um cravo branco na lapela, meias e salto alto. A primeira, a figura da simplicidade. A segunda, da exuberância. — Bem, digamos que nós duas fomos impecáveis e somos muito talentosas — volta a sorrir. Desta vez Doroteia corresponde, sentindo-se mais à vontade. No entanto, está muito ressabiada com sua presença. Não percebe qual o interesse dela. Clô parece ler seus pensamentos. — Com certeza está muito curiosa do porquê de eu estar aqui — fala, tirando o chapéu, descansando-o no colo. Passa as mãos pelo cabelo ondulado que a outra olha com admiração. Seus gestos são naturais de uma dama, pensa ela. Não responde nada e permanece olhando sua colega de concurso.
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— É o seguinte — faz uma pausa, indecisa. — Primeiro quero pedir-lhe para me ouvir até o fim. O que tenho para dizer-lhe é muito sincero. Depois, pense bastante. Não precisa me responder agora. Tudo bem? Doroteia fica em alerta. Concorda insegura e pensa no que virá em seguida. Cada vez mais a visita parece-lhe muito inesperada e misteriosa. Clô descruza as pernas, inclinando-se para frente. — Desde que a conheci, gostei de você como pessoa e artista, tem uma voz linda. Não sei explicar, fui com seu jeito. Depois, fiquei sabendo de sua história. Acho que uma mulher forte e corajosa como você merecia ganhar o prêmio. Você é valorosa, Doroteia. Sabe o quanto a sociedade sabe ser cruel com uma mãe solitária e ainda por cima artista, não é? Eu sei que o concurso não era por merecimento de história de vida e sim talento musical e você tem de sobra. Na realidade, não sei qual é o diferencial que faz esse ou aquele ganhar. Enfim, não importa. Continuando. Nesse ponto ela para e cala-se, olhando Doroteia que nem pisca. Tem vontade de rir com o ar intrigado da colega. Demora-se mais a reiniciar. Pensa em cada palavra. — Não tenho dúvidas de que você deve continuar neste caminho, vai chegar sua hora e não demorará a valorizarem você. Persista e não escute os preconceituosos! É só uma questão de tempo... Mas também sei o quanto as coisas podem ser difíceis e penosas, principalmente a quem não tem recursos e uma filhinha para criar... É lógico que fiquei feliz com meu prêmio, gosto de dinheiro. Mas sabe de uma coisa? O que mais me deixou feliz foi o momento, a oportunidade de vivenciar todo o processo de seleção até a final. Tudo foi mágico! Nem precisava do prêmio em dinheiro. A faixa então! O que venho experimentando é indescritível. Doroteia tenta falar mas ela continua. — Espere, não me interrompa, deixe-me ir até o fim. Já estou terminando... Tenho meus planos de ir para o Rio. Não exatamente agora, primeiro vou saborear meu título por aqui. Mas é lá que as coisas acontecem. Todos os grandes cantores estão lá, as melhores chances, as maiores rádios. Já pensou, cantar na Nacional? Seria o máximo! Então, — inclina-se mais, pegando nas mãos dela — eu quero, do fundo do meu coração, doar os quatro contos de réis do prêmio para você. Venho pensando nesses três dias, a ideia plantou-se na minha mente e não saiu mais. Perdoe se meu oferecimento vai deixá-la ofendida ou sem graça, mas é sincero. Não quero um mil réis, dou-lhe todinho.
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Depois de um longo momento encarando Clotilde, ela solta-lhe as mãos, levanta-se lentamente e caminha em direção a janela. Ao que parece ser uma eternidade olhando pela vidraça, retorna ao seu lugar sem sentar-se. Está visivelmente perturbada. Vira-se e fala convicta: — O prêmio é seu. Não posso aceitar. — Mas eu posso oferecer, fazer com ele o que bem quiser. Pense bem. Isso iria ajudá-la muito. Não quer sair daqui? Alugar uma casa, trazer sua mãezinha e filha? Então! Essa é a grande oportunidade. Volta a andar pelo quarto olhando o chão. Balança a cabeça e repete “não” várias vezes. — Venha cá, sente-se aqui — Clô estende os braços, chamando-a. — Não precisa ficar assim. Escute, vou deixar você pensar. Eles já me deram o dinheiro. É só você responder que sim. Reflita, mas se eu fosse você, aceitaria. Pense em tudo que poderá fazer com ele. Quero doar sem esperar nada em troca e ninguém precisa ficar sabendo, é um segredo nosso. Entendeu? Outra coisa. Mesmo que não quiser, saberei respeitar sua decisão, não tocarei mais no assunto. — Vai te fazer falta. — Não passarei necessidades por causa disso. Tenho meus recursos, ideias na cabeça. Já pensei em tudo. E também não ofereceria se fosse me causar problemas. Não acha? Doroteia concorda lentamente com a cabeça. — Isto não está certo. A campeã foi você, o dinheiro é seu. Não posso aceitar. — Não vou repetir o que já disse. Apenas quero fazer este ato de coração, o que me deixa muito feliz. Você precisa muito mais do que eu. Pense com carinho. Clotilde dá por encerrada a conversa, recoloca o chapéu e retoca o batom, conferindo seu reflexo no espelho sobre a pia no canto. Apanha a bolsa. Com a mão na maçaneta, dá uma última olhada na colega ainda sentada na cama, com o olhar baixo. — Procure-me quando tiver a resposta. Doroteia levanta a cabeça e não diz nada. Clô sai fechando a porta silenciosamente. Percorre o corredor até a escada, sorrindo. Sua alma está leve. Enquanto isso, Doroteia está perdida em pensamentos. A dúvida domina. Não era assim que queria. O prêmio é dela! Por outro lado, precisa desesperadamente. Onde conseguiria quatro contos de réis assim tão fácil? O que deu nela? Nem se conhecem direito. Não são amigas. Mas se não aceitar, depois
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poderá arrepender-se. O que fazer? Qual a melhor decisão? O que diria mãezinha se soubesse disso? Provável repreendê-la. Mas também não precisaria saber. Depois inventaria uma história. Começa a arrumar o quarto, guardar umas roupas jogadas. Precisava de uma boa faxina, isso sim! Essa torneira nojenta pingando de novo! Esse cheiro de mofo ardendo no nariz. Que vontade de sair daquele emprego que não a satisfaz nem um pouco! Quanta coisa poderia fazer com o dinheiro. Alugar uma boa casa, comprar os móveis, decorar o quarto de Sofia todinho de rosa. E depois? Como iriam se manter? Continuaria na fábrica até, quem sabe, o terceiro lugar lhe rendesse frutos. O evento estava cheio de repórteres e representantes de outras rádios, bem que alguém poderia procurá-la com uma boa oferta. É provável que a Capital a chamasse para seus programas de auditório. Cantar, cantar, cantar é o que queria. Não se rebaixaria aceitando metade do prêmio? Vergonhoso? Aproveitadora? Mas não está roubando. Clotilde ofereceu, veio até ela. E se alguém do meio ficasse sabendo? Abre a porta e verifica o banheiro vazio. Rapidamente pega a toalha e apetrechos para o banho antes que se formasse fila. Retornando, abre a janela para o cabelo secar mais rápido. Fica olhando o movimento da rua que vai aumentando. Absorve-se olhando os carros, tentando encontrar no meio do ruído uma resposta para Clotilde. Praticamente não dorme a noite toda. Até estranha levantar-se bem disposta na manhã seguinte. Está faminta pois não conseguiu jantar na noite anterior. Come seu pão com leite e sai para o trabalho que faz calada, pensando na proposta. Volta para casa caminhando. Passa por uma praça e senta-se num banco. Algumas crianças brincam, o vento é suave, a temperatura fresca. Doroteia fecha os olhos e pensa na mãe e no tempo em que cantavam juntas à beira do riacho. A lembrança traz uma emoção forte, saudades de um tempo em que não temia nada, tudo era fácil, pura magia e mãezinha, a rainha do seu reino encantado. Incrível como as coisas mais maravilhosas da vida estão na simplicidade ou naquilo que, sequer, desejamos! Hoje, sua princesinha estava longe e ela perdendo os melhores momentos do seu crescimento. Estaria pagando por um livre arbítrio errado? Mas quem sabe quando uma escolha é errada ou não? Teria feito bem em vir para São Paulo? Quantas vezes perguntou-se isso. Certamente, se tivesse permanecido lá, não teria mostrado sua arte como pôde fazer na rádio. É um mistério do que é de fato nossa escolha, e o que é destino, aquilo que já está escrito em algum lugar pré-programado para acontecer. Ah, se pudesse ver o futuro... Ao chegar na pensão, estava, quase, convencida a não aceitar a proposta. Não seria certo ficar com um dinheiro que não era seu por merecimento. Clotilde
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dizia não fazer falta a ela, mas e se acontecesse algo? Uma emergência médica, um fato difícil na família, nunca se sabe o que nos espera. Ela ficaria muito arrependida, culpada mesmo. Consciência leve não tem preço e pretendia continuar assim. Iria se ajeitar, tinha fé em portas que iriam se abrir daqui para frente. Ao pisar no primeiro degrau da escada em direção ao quarto, Efigênia, a dona da pensão, diz: — Olhe, pediram para você telefonar neste número — entrega-lhe um pedaço de papel. — Disse que é urgente. Alaíde. Você conhece? — Sim, é vizinha de minha mãe. Mas não disseram do que se trata? Ela mesma que ligou? — fala, pegando o papel. — Ela mesma. Parece coisa séria. Repetiu várias vezes. — A senhora me dá licença de usar o telefone? — Vai, minha filha, vai. Veja logo o que há. Longos minutos de angústia se passam até conseguir falar com a vizinha. Num telefonema curto, Alaíde relata que a mãe estava doente, precisando de tratamento caro, cirurgia, e pedia que voltasse, a situação tornara-se insustentável. Ela mesma estava tomando conta de Sofia, a mãe passava a maior parte do tempo na cama. Sai do telefone e senta-se no degrau. Vai absorvendo a gravidade do problema, lentamente. Mais uma vez a vida lhe cobrava uma atitude. Sua escolha, seu erro. Sua escolha, seu sucesso. — Então, menina? O que aconteceu? — Efigênia demonstra preocupação. Ela conta o que ouviu. O pensamento fervilha, tem que fazer alguma coisa e rápido. — Preciso usar de novo o telefone. Liga para a rádio pedindo o endereço de Clotilde. Em seguida, pede um táxi. Felizmente o trânsito estava leve e o carro chega ao destino em vinte minutos. Ela a aguardava. Doroteia tinha pedido à rádio que telefonasse e, caso estivesse em casa, que ficasse a sua espera. Pelo semblante da colega, a benfeitora percebe que algo além da dúvida a corroía. Estava muito diferente. Fecham-se na sala de estar. — Quer água, refresco? Está pálida. O que há? A jovem recusa o oferecimento e anda pra lá e pra cá. Clotilde aguarda. Por fim, senta-se na beira do sofá e a encara. — Eu pensei...bom, desde ontem eu... — remexe-se no assento, passa as mãos pelos olhos, — é que...— puxa um suspiro profundo — Clotilde, eu estava
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pronta para não aceitar, mas acabo de receber um telefonema. Minha mãe está mal, precisa de tratamento. Tenho que voltar o mais depressa possível. Não continua, nem era necessário. Clotilde pega o talão e preenche o cheque. — Suponho que não tenha conta em banco. Chegando lá providencie abrir uma. Aqui está — estende-lhe o pequeno papel. Doroteia chora ao pegar o cheque. Incrível o quanto um pequeno papel pode significar. Clotilde a envolve num abraço. — Apesar da situação, estou muito contente em saber que esse dinheiro vai proporcionar o bem de sua mãe. É por Deus uma coisa dessa, só pode ser. — Não tenho palavras para agradecer. Muito obrigada é pouco. — Não precisa. Eu sei que você é agradecida. Está tudo bem. O que importa agora é que tem como cuidar de sua mãe. Vai dar tudo certo, você vai ver. Nos dois dias seguintes, Doroteia prepara a viagem, embarcando no ônibus das 19 horas. Deixava para trás os propósitos que tinham-na trazido até alí. Levava na memória a noite mais linda de sua vida, quando ficou em terceiro lugar no concurso. Jamais se esqueceria que quase chegou a ser rainha. Teve a oportunidade de vivenciar um momento único e, o melhor, conhecer Clotilde, sua madrinha, seu anjo da guarda. Nunca conseguiria expressar seu enorme agradecimento por sua atitude tão nobre. E cá estava ela, mais uma vez, nas mãos do destino. Ou seria do seu livre arbítrio? Como dizia sua mãe, “desígnios de Deus.” Será que até a segunda guerra é da vontade Dele? Apoia as mãos na barriga sentindo o cheque escondido no bolsinho costurado no forro da blusa. O bem mais precioso que levava, mais do que as próprias lembranças. O passaporte para a cura da mãe, assim esperava. Conforme vai se distanciando de São Paulo, seu coração divide-se em dois sentimentos. Tristeza por colocar sua arte em compasso de espera, seus ideais em suspenso e alegria por poder pagar o tratamento médico. Como mãezinha ficará contente! Não sabia quando cantaria novamente, se voltaria a São Paulo, se tornaria a ver Clotilde. Bem provável nunca se tornar rainha do rádio. Agora que tinha encontrado seu caminho não podia crer que tivesse que ficar distante da música. Não suportaria. Iria encontrar uma maneira de mostrar sua voz, não sabia como, mas encontraria. Aproximando-se de casa, o coração já estava mais leve e cheio de esperanças.
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Estava aflita por abraรงar as deusas da sua vida. O que lhe reservava o destino? Ah, se pudesse ver o futuro...
Contato: e mail ligiadonega@hotmail.com
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Biografia Liliane Maria Inácia, 36 anos. Aquariana. Residente em Garopaba. Amo chá, frio, livros, filmes dramáticos e fotos reveladas. Acho charmoso quem fuma, mas não fumo. Associo músicas a momentos e escrevo sobre todas às coisas que me (ins)piram. E escrevo, escrevo e escrevo e escrevo...
Você Para o tempo, o teu tempo e senta ao meu lado. Me conta histórias, tuas histórias. Me fala sobre teus dias, o que tem vivido, assim, tão distante de mim. Senta aqui, perto, te sirvo um café e te ouço falar. Desacelera essa rotina e não cala tuas saudades e ansiedades, me conta sobre teu trabalho, tuas conquistas, chateações e de tudo o que vem te roubando noites de sono. Me conta qualquer coisa, eu quero saber, mas me deixa saber de ti. Me diz coisas que não entendo e que não sei explicar. Podemos sair, conhecer algum lugar, almoçar ou jantar. Se quiser, pode me abraçar, chorar, dizer que sentiu minha falta. Também senti a sua e sonhei com esse tempo. Para esse tempo, só um pouco, nem sabemos quanto temos dele ainda, então, doa um pouco para mim. Me traz você, me dá um pouco mais de lembranças ao teu lado. Traz tua história e um pouco do seu tempo, eu espero. Lilly Maria Contatos: Página no facebook: https://www.facebook.com/Fixocl/ Blog: https://lillymariainacia.wordpress.com/
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Biografia Luís Palma Gomes nasceu em Queluz, em 1967. Filho de Alfacinha e Alentejana, frequentou o Liceu de Queluz. Mestre em Engenharia Informática na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e em Ensino da Informática pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Vive na cidade da Amadora desde 1993. Pertence ao Teatro Passagem de Nível, grupo amador daquele município. Iniciou-se na escrita, em 1987, com alguns poemas publicados nos suplementos juvenis do Diário de Notícias e Correio da Manhã dedicados à publicação de textos, desenhos e fotografia. Publica ainda alguns poemas no Jornal de Letras e na Revista “Sol”. Em 1995, publica a coletânea de poesia “Dez”, onde participam entre outros, Pedro Mexia, Alexandre Andrade, José Mário Silva, Margarida Vale-Gato e Luís Filipe Silva. Em 1996, vence o VII Concurso de Poesia Santo António da Charneca com o poema em 5 fragmentos “Alentejo”. No teatro, escreve “A moura” (2013) – uma peça histórica que decorre no século XIV, reinado de D.Pedro I, e onde são apresentadas duas dezenas de personagens, numa encruzilhada histórica em torno de uma cativa moura. Este espetáculo encenado pelo Teatro Passagem de Nível ganha o prémio do melhor espetáculo do XVI Festival de Teatro de Esmoriz, organizado pelo grupo de teatro Renascer. Atualmente é professor do ensino secundário. Contactos: luis_gomes@epi.edu.pt || Facebook: https://www.facebook.com/palmagomes
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“A primeira casa do mundo” de Luís Palma Gomes ilustração Liliana Pereira
A casinha branca fumegava, isolada, no cimo da colina como um modesto barco a vapor. Lá dentro, uma mulher fazia uma panela de doce de tomate. Em seu redor, alguns barracões improvisados guardavam aquelas coisas que denunciavam a natureza íntimas das famílias: sementes, alfaias agrícolas, armadilhas para pássaros, dois baldes de tinta meio cheios e um gavetão de madeira cheia de ferramentas enferrujadas pela salsugem que no inverno chegava até ali.
O homem chegava sempre do estaleiro por volta das seis da tarde - trazido pela sua motorizada. Usava um capacete com as alas em cabedal de segunda que lhe dava, visto de longe, uma forma mais vertical. Uma velhota sem dentes e de trajes sempre domingueiros esperava-o sentada num banquinho à porta.
O homem tirou o capacete com um gesto longo e seguro:
- Olá, mãe... - cumprimentou-a com doçura controlada. - Olá, Zé. Estamos aflitas. Estiveram aí os fiscais da câmara. - E então? - retorquiu o homem sem alterar o tom.
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- Disseram que a nova casa é ilegal, “porque torna e porque deixa”. Vão parar a obra e deitar o que foi feito abaixo. O homem sentiu um ardor muito forte no estômago. As duas úlceras que todas as noites vigiava, numa radiografia com dois anos, eram mensageiras atentas e ligeiras dos seus estados de ansiedade.
Agora, virado de costas para mãe, olhou o horizonte e apeteceu-lhe um cigarro, mas o médico havia-os proibido.
- Eles que venham falar comigo. A casa é nossa. O terreno era do pai. Vão chatear o Camões. - murmurou para o sol que se punha por detrás dos pinheiros. Dentro da pequena casa branca - a que chamavam “o anexo” - decorria toda a vida familiar: as refeições e a sua preparação, as conversas, o descanso - ora lá dentro, ora cá fora-, conforme estivesse o dia. Porém, a outra casa, aquela que os fiscais da câmara inspecionaram, crescia em frente. Erguia-se lentamente sempre que o homem arranjava tempo, materiais e amigos ou colegas do estaleiro que lhe prestassem serventia. Tinham terminado os caboucos e erguido os alicerces de ferro que definiam já a sua forma retangular. O projeto fazia-o sonhar. Imaginava a casa confortável. “Tomara que já estivesse pronta.” - pensava ele à noite quando se sentava a olhar para os primeiros avanços. A mulher - alta e ossuda e de uma formosura torneada pela aridez da charneca - era de poucas palavras. Por isso, entre as tarefas, olhava apenas de relance para a obra. Mas o homem adivinhavalhe no olhar um fascínio por aquele emaranhado de tijolos e ferros que mês após mês crescia como uma árvore, um santuário familiar.
Enquanto, o cão ladrava preso a um cordame marítimo, pedindo festas ao dono, o homem cogitava que fora o cunhado que havia denunciado a construção. Foram razões antigas - querelas de terrenos e ciúmes por causa da mãe - que alimentaram aquele ódio. Em tempos, entreajudaram-se, mas depois as coisas azedaram e nunca mais se falaram.
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Não havia justiça para além daquela que ele concebia nas suas reflexões solitárias. O terreno era deles, pertencia à família desde tempos antigos. Construía a casa apenas com o seu esforço e dos camaradas do estaleiro. Para comprar os materiais, usava o que restava, no final de cada mês, do seu parco ordenado e de alguma ajuda da mãe velhota. Que direito tinham aqueles engravatados da câmara para virem meter o nariz? A sua calma era aparente. O receio crescia durante a noite e roía-lhe o sono.
No dia seguinte era sábado e só trabalhava de manhã. Por isso, tinha decidido: à tarde ia falar com o Zé Marcolino, presidente da junta e representante tácito do partido naquela freguesia. Fez a barba, vestiu a camisa do casamento - branca com finas listas grenás - e andou sobre as pontas dos pés para não sujar os sapatos na lama que se alojara teimosa entre ele e a motorizada. Partiu sem dizer onde ia.
Entrou minutos depois no café do “Quintinhas”, o clube recreativo e desportivo mais popular entre as gentes da charneca. Sabia que o Marcolino parava por ali. Realmente, não se enganara. Lá estava ele em conversa animada junto ao balcão. Chamou-o à parte.
- Ó Marcolino, estou preocupado. - abriu, o homem, sem demoras, a conversa. - Então, desembucha... - disse-lhe descontraído, o outro, a quem a vida associativa muito alegrava. - Estiveram lá os fiscais da câmara, a ver a minha casa nova. Dizem que vão embargar a obra. - Da câmara? - repetiu com incrédulo. - Eram dois. - confirmou o homem, a vitimizar-se. - Tu és do partido, não és, Zé? - convicto. - Sabes que sim. E olha que não digo isto pela casa. - pondo um ar honroso. - Ó homem, então descansa. - retorquiu sabiamente. - Descanso, como? - perguntou o homem confuso. - Eu falo com eles, deixa. Tomas uma cerveja? - rematou Marcolino, desafiante. - Não, obrigado. É por causa do meu estômago. - já voltado para a saída.
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Montou a motorizada e partiu. Em vez de ir direto para casa, como sempre fazia, apeteceulhe o pequeno privilégio de regressar por um caminho mais longo e prazeroso. Ainda bem que tinha um partido - pensava - e que falava dele e por ele lá no estaleiro. Um homem só, vive como um bicho acossado. Um homem com partido era outra coisa: ganhava um pensamento, um sentido, uma causa e, neste caso, uma casa. Porque não? Todos tinham direito a uma casa e aquela seria a sua primeira digna desse nome, aquela que construía com as próprias mãos aos fins-de-semana.
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Biografia Manoel de Oliveira, nascido em Cajuru-SP, em 2000, é estudante de filosofia na Universidade Federal de São Carlos. Filósofo
Era feliz sendo ignorante, Agora sou doente, confuso e delirante. O que me deixou nesse tormento? Me fiz a terrível pergunta: O que é conhecimento?
Preteri aquilo que me transcende: primeira lástima. Antes eu era convencido, contingente, contraditório. Agora conheci meus defeitos, sou direcionado, empírico.
Não vejo tanta beleza nas ciências. Principalmente lá, na porta de entrada. É um castelo sofisticado Erigido sobre uma base embaraçada.
Sei que os erros acerca dessa doença em pessoa sã trazem perigos em tudo que faz enquanto ser social. Ética, política, cotidiano.
Eu mesmo amava amar Deus e crucificar Jesus... Só quero saber, só quero ser certo!
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Mas a dúvida me persegue. Só sei que não há fim nem Luz.
Nessa manhã mesmo, soube como a existência era infundamentada. O conhecimento de meu nascimento era dado por testemunho. Há prova mais frágil? Prova mediada por quem mente. Eu preciso de algo imediato! E se o mundo se iniciou há cinco segundos e meu cérebro foi programado para ter memórias e registros de uma vida que nunca aconteceu?
“Oh Babaca! É sua vez da fila!”.
Manoel de Oliveira – fabiomanoelgo@gmail.com
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Biografia Marco Antonio Barcelos Lima pseudônimo Geopoeta Engº Geologo, Bacharel em Direito, Especialista em hidrogeologia, Professor Universitário, carioca de nascimento, pernambucano de coração, atualmente reside em Vitória - ES. Desde sua adolescência escrevia poemas e compunha músicas. Apaixonado pela literatura, atualmente aposentado, seu atual lazer é escrever crônicas e poesias. Possui inúmeros trabalhos técnicos. Foi premiado pela livraria Asabeça em 2019 (divulgado na bienal de São Paulo os novos poetas de 2019), com a poesia “Ode a noite “ e pela Editora Olympia com o poema “Eterno Verão”.
A Matrix Marco Antonio Barcelos Lima
O antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do sol. O cativo que sobe à região superior e a contempla é a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que o queres saber, é este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro. Quanto à mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos extremos limites do mundo inteligível está a ideia do bem, a qual só com muito esforço se pode conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível, autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos para agir com sabedoria nos negócios particulares e públicos (PLATÃO, em A república).
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Misericórdia o Brasil nesses 500 anos de descobrimento encontra-se ainda inserido na Matrix, contemporânea do nosso tempo. Iniciou-se a colonização implantou-se leis da colônia portuguesa criou-se as capitanias hereditárias o grande império, a monarquia, república e continuamos na escravidão. Fala-se muito sobre a escravidão negra e indígena no entanto, ainda encontra-se inserido na alegoria da Caverna, narrado pela teoria do grande filósofo grego Plantão. O brasileiro vive iludido, envolto de um sentimento ilusório encontra-se estagnado no conhecimento sensível, na aparência pequenina e enganosa, não saiu da caverna, A Matriz não deixam os brasileiros ter acesso ao conhecimento inteligível, ao conhecimento verdadeiro, que advém das ideias puras e do intelecto, todo ideal é superior, a verdade sobre as coisas, o conhecimento advindo das sensações do corpo é enganoso, inspiram apenas nas aparências enganosas. O brasileiro vive num país continental onde existe 27 cavernas que são denominadas de estados suas realidades, encontra-se ainda, envolvidas no conhecimento sensível, numa realidade material. O conhecimento inteligível abre o caminho para conhecer à essência das coisas, algo imutável, a realidade material no mundo das ideias, das formas, da realidade intelectual, verdadeira, eterna e imutável,
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O mundo das cavernas estaduais não é só a sociedade que não tem acesso a esse conhecimento, inclui também aos seus governantes que administram estados, distritos e municípios A Matriz aprisiona seu povo desde a infância, acorrentam em suas casas, ruas, vilas e cercanias somente suas sombras corporais são projetadas no chão, nas paredes do muro, em à sua frente... As sombras nascem de uma fogueira satânica da caverna central, o palácio dos sonhos material a Alvorada e seus ministérios e das cavernas menores existentes nas câmaras estaduais e municípios oriundas dos sentimentos ilusórios, dos seus governantes. Passam pela fogueira, e na parede um grande oásis é visto, o tapume do Supremo Tribunal Federal onde criatura que se dizem deuses (as) do Olímpio, criam sombras de ilusões maléficas, fazem gestos fantasiosos, criam leis distorcidas, suas sombras, criam objetos que produzem falácias, e ecos de sons mentirosos, distorcidos, distraindo seus prisioneiros impondo a viverem nesse mundo restrito de falsa liberdade. Repentinamente vem uma eleição, uma luz ilumina a saída da caverna, um desses escravos se liberta, toma um tremendo susto ao deparar-se com o mundo exterior, ao ganhar uma eleição “sui generis” , administrar o poder central. Nesse acontecimento a luz solar ofusca sua visão, ele sente-se despreparado, desamparado, desconfortável, deslocado. apesar de conhecer vagamente a frase bíblica que prescreve: “conheça a verdade, que a verdade libertará” percebe agora, que mesmo com quase 35 anos de escravidão na fogueira onde vivia, onde projetava todos esses malefícios
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faltava o conhecimento, devido sombras que mascaravam seus efeitos benéficos, empunhava todos os seres ao conhecimento sensível, a aparência, pequenina e enganosa, a totalidade do mundo... – Broqueando a liberdade intimamente sonhada, o conhecimento inteligível.... - O mundo exterior, a verdadeira liberdade, eterna e imutável,.. Ao perceber a infinidade do mundo, e a natureza que existe fora dessa caverna, quis destruir as sombras, pois tudo era irreal pois, elas são cópias imperfeitas de uma minúscula parcela da realidade transcendental. Liberto e conhecendo a verdade real, com sentimento patriótico, resolveu imediatamente fazer duas coisas, ir ao encontro de seu povo nas cavernas brasileiras e libertar seus companheiros da escravidão, e proporcionar a eles o “viver em liberdade”. Claro, teria com consequências diante de seus companheiros, até mesmo uma repulsa de muitos deles o que seria viver em liberdade, claro que sofreria até ataques com essa nova realidade, julgariam que estava “Louco”. No entanto, estava disposto a entender os graus, existentes de conhecimento de cada um, o pensar de cada governante que possuía hierarquia nas cavernas dos estados e município, sem abria mão da coisa justa, que deveria ser feita abdicar do “toma lá e de cá”, implementar uma política eficaz com sabedoria e justiça plena. Será isso uma Metáfora criada por Platão, implantar uma forma de governo, que preze pela honestidade, modelo ideal que abraçasse os elementos característicos da vida do ser humano, como a arte, a estética e o conhecimento humano inteligível a busca da verdade, a implantação do governo perfeito.
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Naquela época que Plantão escreveu o Mito da caverna já era complicado tal implementação imagine agora com o mundo globalizado e num país com mais de 75% de analfabetos e 5% de mercenário que vive a mercê da corrupção e da ambição pelo poder. A massa (homens comuns) e a minoria da elite são todos prisioneiros, todos nós estamos inserido essa massa humana, somos possuidores de egoísmo, ambições, que vivemos num mundo limitado, presos em nossas crenças costumeiras. A câmara de deputados, o senado e supremo federal, são as cavernas, possuidoras de um amontoados corpos com sentidos diferentes, errôneo e enganosos, cercados de sombras e ecos diversos, nunca projetados exatamente do modo como os objetos criados (que surgem) são, as sombras e ecos nada mais é... - Que as distorções de imagens e sons que simbolizam os interesses, as opiniões erradas, o conhecimento sensível, que contempla o senso comum preconceituoso que julgamos verdadeiro. Ao deparar-se com a Luz, o prisioneiro liberto, desamarra-se das correntes da ignorância, coloca-se numa situação de desconforto, no então por ser humano quer compartilhar tal libertação com seus companheiros aprisionados que estão na ignorância e sofrimento divulgar o conhecimento verdadeiro, a razão e a filosofia. Nos nossos dias, ainda nada prosperou, acho até que o ser humano regrediu, está cada vez mais vivendo na caverna, prisioneiro de mazelas do mundo apesar do conhecimento e informação que temos diariamente a nossa disposição. As pessoas independentes ou não de serem possuidoras de educação ou de sabedoria tem preguiça de pensar, a sociedade estimulada pela facilidade oriunda da tecnologia tornou-se analfabetos funcional.
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Foi criada uma massa humana possuidora da preguiça intelectual, os questionamentos, a não aceitação de uma determinada afirmação, foi jogado ao relento, sem antes analisá-las, o sofrimento que Sócrates encontra-se presente, quando sentiu e entendeu o quanto custava a vida. Os cidadãos de nosso século vivem sua própria vida não dão importância a preservação da sociedade do que será o mundo dos nossos filhos, netos, ou melhor, como viverá as gerações vindouras, a politica, a sociedade, o altruísmo... A veracidade das notícias, a confiabilidade das fontes, ninguém se importa, se são verdadeira ou falsas a preguiça impulsiona a não checar a veracidade, procurar e pesquisar e constatar, dar trabalho, cansa, “deixa a vida me levar, vida leva eu”, o pior que as redes sociais, transformam pessoas em falsa propaganda de felicidade, vitrine do ego, não tem consciência que essas inverdades traz peso para nossa sociedade... – A ignorância é celebrada e cultivada. Ninguém se ousa opor-se a tudo isso, a sociedade encontra-se no lamaçal da ignorância no arcabouço teórico da corrupção, dos desprezo ao próximo. Somos prisioneiros, escravos não dos navios negreiros, mais da mídia nefasta, das redes sociais e dos rios e mares de informações fraudulentas, mentirosas, desinformantes, imposta em sua maioria pela internet, e o pior de tudo, sequer percebem que estão sendo enganadas por interesses mesquinhos dos políticos, empresários, socialistas, capitalistas, corruptos e corruptores de mal caráter.
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Estamos no caos, o pior que mesmo que todos sairmos. dessas bolhas, as “inúmeras cavernas” o Sol que avistamos encontra-se nebuloso, devido todas as mazelas que o homem criou nas escravidão da ignorância, analfabetismo, do egoísmo, da ambição. Essa nebulosa é a Matriz criada pelos pseudos mandantes socialismo, comunismo, globalismo do mundo, o Sol não é mais aquele que ilumina e liberta a escravidão, ela pertence a grande bolha, a caverna denominada da “Terra”, onde encontra inserido em todos os países desse planeta. Estamos vivendo entre inúmeras bolhas das cavernas existentes imposta pela ignorância, criada pela Matriz do “eu” mesquinho, da opinião rasa, da inútil informação, do conhecimento superficial, da ambição dos seus governantes... – Como libertar! o que pensaria Platão se vivesse nessa época, beberia a “cicuta” reverenciando seu mestre Sócrates que celebrizou: “A vida não examinada, não vale ser vivida”. “Só sei que nada sei”.
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Biografia Maria Cristina Cacossi Graduada em Letras e Pedagogia. Ocupa a cadeira nº 3 da Academia Bragantina de Letras. Diretora de Finanças da Associação de Escritores de Bragança Paulista. Coordenadora da Juventrova pela União Brasileira de Trovadores – seção de Bragança Paulista. Autora de dois livros. Coautora de vários livros. Publicações em Coletâneas e Antologias Nacionais e Internacionais (Portugal e Suíça). Obteve premiações em várias Academias, Associações de Escritores (Poemas, Crônicas, Contos, Cordel) e União Brasileira de Trovadores (Trovas: Japão, Argentina, Uruguai, Portugal, USA).
SAÚDE ESPIRITUAL em tempo de PANDEMIA
Cristina Cacossi
Em 2020, o mundo faz Silêncio e se esconde da peste. Todos têm medo e se veem Acuados em suas casas. Fogem de um vírus que não é Único e exclusivo a alguns. Até foi-lhe dado um nome Deveras simpático: “Coronavírus”. Nem parece nome de guerra, mas provoca Enfrentamento de todos os viventes,
porque ele chega a todo Endereço do planeta Terra. Usando armas simples e Silenciosas: máscara, sabão, álcool, cada um pode evitá-lo, desde que seu Poder não seja subestimado. Ele é letal. Exigente, requer do ser humano Isolamento da expressão do carinho físico. Mas o que ele não sabe, é que nos leva à Reflexão e a cuidarmos não somente da saúde corporal, como também, nos Induz a combater defeitos espirituais. Sós, sem burburinho, a alma convida a Tudo: a rasgar a prepotência, o orgulho, egoísmo... a alimentar-se de humildade, Usar a paciência, o respeito...
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Segreda a sermos solidários, Afáveis e corteses nas relações. Cuidemos do corpo nesse tempo. Libertemos a alma nesse tempo: Tempo de Pandemia!
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Biografia Maria Cristina Martins escreve poemas, contos e crônicas. Publicou seu primeiro e (ainda) único livro de poemas, “ovos de ferro”, em 2016, pela editora 7letras. Formada em jornalismo e história, é editora de textos e revisora no Arquivo Nacional desde 2017, depois de ter trabalhado por seis anos como roteirista do programa Estúdio F, da Funarte.
Nas dobras da mesmice Encontraram-se pela primeira vez na semana em que tudo começou – ou terminou. Ainda não havia máscaras além das habituais. Depois, já protegido, ele foi devolver o computador, desviando dos dois beijinhos que ela, até então alheia à covid-19, buscou. Apesar desse desastre, a conversa virtual avançou para temas pessoais, enquanto a pandemia seguia seu curso. Talvez ele tenha gostado do que viu na memória recuperada. Textos políticos, fotos comportadas. Ela o achou bonito como os documentos do século XVI que pesquisava. Depois de dez dias sem vê-lo, já em quarentena, temia a prematuridade de sua avaliação. As imagens disponíveis nas redes sociais não pareciam ser da mesma pessoa. Provável fruto do ângulo da objetiva e do espaço temporal entre elas. Vencendo a timidez, faria a proposta do passo seguinte: chamada de vídeo. Mas o que importava a beleza física se a conversa fluía gentil e animada, como há muito não encontrava? Com ele o tempo era fácil. Ele aprendera que o amor era alguma coisa entre dissimular e mentir. Só existia a vontade de amor. Espantava-se que esse aprendizado não estivesse sendo útil, quando relia as palavras tecladas pelos dedos autômatos. Tão precavido, vanguarda dos mascarados, apreciador de fotos comportadas, de que servia qualquer cuidado se ela desvendava tudo, mesmo à distância? Parecia Manu, a menina que sabia ouvir. Sorte não haver os homens de cinza. Tempo roubado era aquele em que ficavam desconectados. Ambos sabiam que o amor pode estar nas dobras da mesmice, enquanto o procuramos no movimento; em uma rachadura por onde entra e se aninha, por alguns dias, por anos, por décadas. Para sempre? Uma história finda é sempre uma espécie de morte; uma história que começa é renascimento. E a que fica suspensa
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por perĂodo indeterminado? A paixĂŁo precisa do corpo, urgĂŞncia alienada e redentora.
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Biografia Maria Clara Barbosa Graduada em Gestão de Recursos Humanos Especialista em Gestão Pública e Recursos Humanos Maria Clara Barbosa – maryahclarah@gmail.com/arielvborbsei@gmail.com
Consegues ... ouvir no sussurro do vento o fervilhar de dois corpos, valsando serenos à luz do luar? Consegues ... sentir o toque dos lábios venenosos, suaves, abarcando-se tão ternos, roubando-me o ar?
Consegues ... de olhos fechados, sem passos guiados, em meio a tantos, me achar?
Consegues ... distinguir ao longe, dois corações pulsantes, terrenos amantes, vibrando em um unico ressonar?
Consegues ... no fundo da alma, sentir-me presente, intenso, inocente, a te abraçar?
Consegues ... tão tola e humanamente me amar?
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Biografia Maurício Limeira é carioca, servidor público, formado em História, nasceu em 1969. Desde a adolescência escreve contos, romances, poemas, peças para teatro e roteiros, sendo parte desse material publicado na internet, parte inscrita em concursos literários. Publicou de forma independente os romances O Adversário e Mal Localizado, e a monografia Nas Horas Mortas: A Vida Noturna no Centro do Rio de Janeiro (1920-1929). Seu terceiro romance, O Terraço e a Caverna, seu conto O Filho da Bela Mãe e seu poema Vencedores foram premiados em concursos literários no Brasil e no exterior. Contato: mauricio_limeira@yahoo.com.br
Ciclotimia A chuva era uma promessa. “Vai sair?”, ela quis saber. “Vou.” “Vai chover...” O interesse cabia dentro de um papel de bala.
*
“Quer fazer amor?” Pareceu um filme rodando ao contrário. Ele, que se vestia para sair, parou e foi tirando a roupa recém-colocada. “Quero.”
*
Ela chorou todo o tempo. Gozou chorando. Ele nunca imaginou que fazer silêncio pudesse doer tanto.
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A porta da rua, essa foi ficando cada vez mais longe.
*
“Quer comer alguma coisa?” Jantaram juntos às quatro da madrugada. Naquela hora, ele ficou imaginando que horas seriam na Ucrânia. E se naquele instante haveria alguém feliz por lá. Era tudo insuportável. Era ele mais insuportável do que tudo. “Não liga a televisão agora”, ela pediu. “Agora não. Por favor.” Ele pôs de volta o controle remoto no lugar. “Eu não quero brigar com você.” Ele também não queria. “Mas você não diz o que está acontecendo.” Ele também não sabia o que estava acontecendo. “Eu não posso te ajudar?” Em algum lugar na Ucrânia, ele tinha certeza de que alguém estava sendo feliz naquele exato instante. Invejou cada poro do ucraniano que estava sendo feliz no lugar dele. Quando a luz se apagou, a sala ficou completamente escura. Mas eles continuam lá. Dá pra ouvir quando respiram.
*
A promessa se cumpre. “Está chovendo.” “Você tirou a roupa da corda?” “Sim.” Que bom seria se todos os nossos diálogos contassem com um Nelson Rodrigues supervisionando.
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Que bom seria se ao olharmos no espelho não víssemos apenas nós mesmos. “Vem cá. Deita aqui do meu lado.” Ele deita. Se aconchegam um no outro. “Pensando em quê?”, é sempre ela quem fala. “Na Ucrânia.” “Ucrânia? Por que Ucrânia?” “Por nada. Por tudo. Que horas são na Ucrânia agora?” “Umas três da tarde.” “Quantas pessoas vivem lá?” “Umas cinquenta milhões.” “Qual é a capital deles?” “Kiev.” “E o PIB?” “Não faço a menor idéia. Mas prometo que quando você morrer eu mando te enterrarem lá.” No escuro, aninhado na pele quente dela, ele sorri.
*
Nesse mesmo instante, no centro de Kiev, na Ucrânia, o sujeito parou no meio da rua e olhou ao redor. Depois continuou andando. Mas agora não via graça em mais nada na vida.
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Biografia Mónica Margaride, nasci em Portugal, no Porto, há 44 anos e vivo atualmente em São Félix da Marinha, Vila Nova de Gaia. Sou licenciada em Línguas, Literaturas e Culturas – variante de Estudos Portugueses com Minor em Inglês. Trabalho numa empresa multinacional produtora de cablagens e líder de mercado a nível mundial na indústria automóvel, onde exerço as funções de coordenação técnica da gestão dos preços de transferência. Paralelamente à minha atividade profissional, a escrita e o gosto pela língua estão sempre presentes e, sempre que se proporciona, tenho publicado artigos de esclarecimento/opinião e participado em vários concursos literários. Contacto email: mo.margaride@gmail.com
Um tempo
Onde o musgo cresce À porta de minha casa E a chuva bate Quase melodiosamente Em dias ternos de luz Quando as árvores Ululam as canções do vento E o seguem como nuvens Em lençóis molhados De limo e poesia Fui traineira assolada Nenúfar e maresia Constelação e paixão
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Biografia Nestor Lampros nasci em São Paulo(1971), vivo em Atibaia. Sou escritor, artista plástico, ator, quadrinista, professor. Graduado em Letras pela FESB (2000-2005) de Bragança Paulista, pós graduado em Arte Educação pela UNIFAAT de Atibaia (2008-2009). Duas vezes finalista do Mapa Cultural Paulista em poesia ( 2004 segundo lugar) e em 2008, poesia. Ganhador por duas vezes do prêmio em poesia, do FEMUP, em Paranavaí-PR (20012 e 20013). Várias vezes vencedor no Concurso de Contos e Poesias de Atibaia. Vencedor de vários certames como pintor e cartunista. Tenho o livro de poemas Roupagem Leve editado pelo concurso de editais da Secretaria de Cultura de Atibaia (2011). Contato no Facebook: @artistanestorlampros – Instagram: @atelielampros
OS CAVALEIROS
Há mais que um forte clamor de transtornos neste cavalgar dos quatro cavalos. Seus cascos rebrilham em tons nada claros, tens já em tua mente as cores e os nomes?
Toda a relva desiste de vida. Toda vida é silêncio e clausura. Todos os sons, segredos, sepulcros. Tudo completo, enfim, tudo escuro.
Quatro bandeiras, quatro promessas,
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quatro pensamentos, quatro discursos. Quatro adeuses, acenos encobertos, quatro mistérios cavalgam o mundo.
No teu quarto aparente e seguro só com teus olhos te surpreenderias se com teus ouvidos avistasses os galopes, os galopes, os galopes já em teus corredores.
Não mais ao longe, na distante Beirute; China ou Coréia, Senegal ou Rússia, mas no meio de ti, na corrente profunda, no sutil e diário passear do teu sangue.
Poema do livro Roupagem Leve, de Nestor Lampros(2012)editado pela Editora Patuá
E-mail: nestorlampros@gmail.com
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Biografia Paola nasceu em Cuiabá, capital do estado do Mato Grosso, no Brasil. Há 3 anos mora em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, e cursa Arquitetura e Urbanismo. Seu gosto pela escrita vem desde pequena, tendo escrito seu primeiro livro aos 12 anos – e depois disso, nunca mais parou.
Contato: Instagram: @paolaoliveiraa_ Email: pfoliveira_99@hotmail.com
A saudade mais injusta Texto por Paola Feitosa de Oliveira
A comida está na mesa, a família está conversando, as crianças estão rindo, os amigos estão contando piadas. Todos estão felizes, menos eu. Eu estou sentada na minha cadeira vendo tudo de longe, distante, como se eu não fizesse parte daquilo – e, no momento, realmente não estou fazendo parte.
Enquanto todos riem e se divertem, eu sinto meu coração apertado, pesado. Está acontecendo aquilo de novo. Apesar de tudo estar perfeito, eu estou sentindo que algo está faltando... Você. Você está faltando. Você não está aqui comigo.
Eu estou triste, perdida, sem saber como proceder. Eu quero gritar. Eu quero arrancar do meu peito esse sentimento. Eu quero chorar. Eu quero que esse sentimento passe.
É horrível sentir isso, parece que eu vou explodir. De amor. De saudade. De tristeza.
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Respiro fundo, me acalmo, tento me distrair, mas nada me faz te esquecer. A saudade está muito forte. A sensação de estar faltando algo está me sufocando.
Ando até a sacada, olho para o céu e vejo as estrelas. Uma delas brilha mais que a outra. Deve ser você me dando oi.
Eu estou aérea, distante, pensando em você. Aonde você está? Quem é você? Eu já te conheço? Se não, vou demorar para conhecer?
A angústia volta a tomar meu corpo. Eu não te conheço. Nós não nos conhecemos. Somos nada mais que dois desconhecidos que ainda não se encontraram.
Olho para o céu, com o coração apertado e os olhos cheios de lágrimas, e peço para que o nosso encontro não demore tanto, porque eu vou morrendo por dentro, dia após dia, enquanto te espero.
A saudade mais injusta é aquela que eu sinto de você. Mas quem é você? E por que faz tanta falta na minha vida, se não faz parte dela?
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Biografia Paulo Ismar Mota Florindo, nascido em Alegrete, RS onde ainda reside. Cursou Ciências Econômicas, especializou-se em Marketing e RH. Trabalha no que gosta, mas escrever é uma de suas paixões. Em 52 anos de vida, a escrita o acompanha há pouco tempo. Uma década de poesia, alguns anos de contos. Poucos meses de crônicas. Romance, por enquanto, apenas a vida.
Assombração Autor: Paulo Florindo
Mariana ouviu os passos vindos por detrás da porta. Mais uma vez tremeu da cabeça aos pés, imaginando o pior. Seria mais um espírito alucinado a lhe impingir medo e provação? Desde que perdera a mãe, o pai se mostrava ausente. Em suas noites sozinhas no casarão antigo e escuro, os ruídos a atormentavam. Bastava o vento soprar mais forte que já subia um calafrio na espinha da pequena menina. Apesar de terem recursos, a família, agora de duas pessoas, contava apenas com uma diarista que duas vezes por semana arrumava e limpava a casa. As refeições, Mariana fazia na escola ou eram feitas em restaurantes, ou eram compradas prontas. O pai de Mariana preferia tudo muito prático. Até mesmo o relacionamento amoroso se tornou self-service. Não queria mais compromisso. Mariana questionava se teria uma mãe emprestada e seu pai desconversava. Naquela noite, os passos se tornaram cada vez mais opressores. O medo paralisou a jovem órfã de mãe. Quase órfã de pai, também. A ausência do progenitor lhe custava caro. A solidão, o medo, a angústia a marcavam fundo. Sua alma já pedia que fosse levada junto com os espíritos que a assombravam. Imóvel, mais uma vez lhe faltou coragem para enfrentar seus temores e conferir o que ou de quem eram os passos. Aquela porta se tornou uma barreira intransponível, uma fronteira entre o mistério e a alforria das amarras emocionais. Passaram-se os dias, a vida continuava lentamente, sem muita alegria, apenas os compromissos rotineiros. Escola, restaurante, refeição sozinha à noite, dever de casa, brincadeira no computador. Dormia e acordava quase sozinha. Não fossem as refeições rápidas de vez em quando no restaurante, quase não via o pai. Para 162
uma menina de onze anos, Mariana já era bem determinada e conseguia fazer o que era preciso para sobreviver à vida difícil sem a mãe. O efeito de tanta pressão foi uma série de moléstias. Primeiro, foi uma gripe repentina, ardendo em febre, que a derrubou na cama. Em seguida, uma indisposição alimentar, finalizando com uma urticária insuportável. Diagnóstico para tudo: pouca imunidade causada por fatores emocionais advindos da baixa autoestima. Resumindo, falta de mãe e pai ausente. Nos dias de cama, seu pai ficou mais ao seu lado. Conseguiram até conversar, dar um pouco de risada. Porém, passou a ouvir passos mais constantes em casa. Em uma noite, não resistindo à coceira, resolveu pedir ajuda ao pai. No mesmo instante, ouviu passos rápidos e apressados. Pensou: “hoje o espírito tá com pressa” Talvez pelo efeito dos medicamentos contra urticária, apesar de sonolenta, não sentiu a paralisia de sempre. Resolveu conferir o acontecido. — Pai, o que o meu professor de educação física fazia no teu quarto?
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Biografia Paulo Luís Ferreira é natural de Recife/PE. Fotógrafo de profissão. Graduado em História e Geografia. Têm conto s publicados pelas Revistas: Tantas Letras, LiteraLivre, Coverge Editorial, Literalmente Intrigante, Covil da Discórdia e Elemental Editoração. Ganhador do IV Concurso da Big Time Editora e Menção Honrosa pela Bunkyo de Literatura e Costela Felinas. Têm diversos contos em antologias da Editora Jogo de Palavras. Têm três livros publicados pelo Clube de Autores: um romance e dois de contos, disponíveis em Clube de Autores. https://clubedeautores.com.br/backstage/my_books/published: pluis.177@globomail.com Facebook – Link: https://www.facebook.com/pauloluis.ferreira.10
Por: Paulo Luís Ferreira São Bernardo do Campo/SP
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Manuela Dali mesma nascida, de bem perto de um roçado do interior do Brasil. Manuela, dezesseis anos, tinha a vida inteira para viver. Imaginativa, muito mais pensava além daquilo que Deus havia reservado para si. Menina sabida que era demais aprendera a ler e escrever bem menina que havia de ser ainda. E foi logo daí que a vida começou por modificá-la. Lia de tudo que lhe caia às mãos, mesmo o que se diz não prestar, não importava. Tira dali o que de si não quer ser. E das coisas que ela mesma censura faz, ria de desmanchar os cabelos de fuá. E para si ficava o que era de seus propósitos. A levada da menina começava a olhar para ela própria com admiração e afeição pela beleza que carregava consigo nos jeitos brejeiros, no modular do corpo. Era para si, como se via, um pavão, belo emplumado de lindeza serpentina. De tão bonita ela acredita ser bonita demais. Morena que era, magra, assim esguia, d’um tipo comprido e elegante. Vivia em riqueza de pensamentos, de imaginação e quimeras... Quando ela andava era a coisa mais bonita de se ver. Olhar grande, majestoso. Andar pisado. Os quadris sincronizado com os passos e o sobe e desce dos ombros. Mas era a cabeça, envolta nos ondulados cabelos cor de castanha assada quem comandava o todo com maestria. Mais que o músico e seu instrumento. O corpo virtuoso como um violino. A saia de pano mole ondeava como melodia ao vento, para a direita, para a esquerda num ritmo cadenciado. Suas roliças e belas coxas de pelinhos dourados; seu rosto era só luz de menina extasiada com as cores, como a ver jardins. O sorriso largo e meigo mostrava a perfeita brancura dos dentes. Os olhos, olhando lúgubre e dengoso, assim, num estado de esquecimento. Manuela era linda e feliz e tinha tempo para sê-lo. Manuela era amiga daquelas águas correntes do ribeirão. Seu gosto era grande, por aquelas águas doce, refletida; e tão próximas de seu corpo. Corria mais, quanto mais corria, até o suor grudento levá-la ao hábito de brincar, após de correr suada e conquanto cansada. Saciados prazeres instintos, entrava no rio para molhar os pulsos, contra o estupor, ficava ali um tempo bom se mirando nas águas claras, mansas e escorridas, mexendo com os cabelos anelados. Seu colorido
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lindo reluzia na luz do sol, espelho d’água. A boca encarnado carmesim flutuando na corrente do riacho. Curvar-se com as mãos em concha para sentir a leveza das águas e o beber de pureza. Os pés dentro do riacho, desnatural, maior que grande. Agacha-se para ficar de parelha com a água, sorvendo espumas, arear os dentes até alvar onde não der mais brancura. Solta os braços na correnteza, belos, caídos, os olhos cor de amêndoas no brilho d’água, espicha os ombros o mais que pode. A blusinha de florzinhas miúdas estampada. Abre o laço. Pululam os peitinhos pra fora. Peitinhos de menina. Peitinhos boiando n’água, afundando, nadando sem sair do lugar. Manuela gostava mais que gostava de tocar um de cada vez na água, como a dedilhar uma canção de ninar, tocava o primeiro devargazinho, o segundo mais depressa, e depois os dois dentro na total frieza das águas, pra sentir o de repente tremular, do corpo vivo. Os bicos, retesados de rijo frescor. Descobrira, ainda em flor, os segredados prazeres de seu corpo. Ali bem na beira, depois de deitada, de cócoras, calcinhas não há. As pernas abertas no espelho da água, pra ver melhor lá dentro, passar os dedos finos naquele vermelho róseo, uma delícia, entregar-se. Era assim que era, deflagrando odores. Excitando a natureza com sua nudez pura e bela. A sofreguidão. Agora nadava em grandes braçadas até exaustar. Hora de sair, ficar a esquentar a pele sob o sol. Enfim, deitar-se sobre o lajedo frio da sombra. E nela desopilar pruridos e fúria de menina, um quer que seja da avidez da fera. Sedenta de prazeres. Era preciso que o bebesse por todos os poros, de um só trago, num único e intenso orgasmo, sem pausa, sem intermitência e sem repouso. Era a serpente que enlaçava a presa nas suas mil voltas, nos redemunhos da luxúria, triturando-lhe o corpo; mordendo os lábios, contorcendo as ancas até perder os sentidos pela volúpia, no desvanecer deserto de sua alma. Após o delírio febril, esgotada, saciada e emudecida sucede-se a prostração absoluta. A leve vertigem arrebatadora da verve, o corpo morno dorme ainda trêmulo e úmido de gozo. Depois de mais nadar, e nadar nadando até cansar demais outra vez. Sob a frondosa sombra do mundo, e deitar para o desfazer dos contentamentos do ser, sendo serva de si mesma.
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Agora o pensar na roupinha que queria ter. Poder vestir para a festa no Arraial da Senhora Santana. Ouvir primeiro a ladainha da novena e seguidamente dançar. Dançar com todos os rapazes do lugar. Estava já a sonhar deslumbres. Após a dormitação, um olho gordo de mastodonte lhe perscruta as feições e o feitio do corpo. Era um desses viajantes branquelos e bem falantes de terno curto e gravata magra riscada por cima de uma camisa branca encardida, chapeuzim de feltro na cabeça e baú de mascate, quando espichou de dentro pra fora: panos, águas de cheiro, batom escarlate, espelhinhos de maquiar, pentes, pulseiras, trancelim banhado de ouro e naftalinas. Foi esse quem descobriu Manuela, deitada displicente, no deitado da relva que era só dela. As pernas no entreaberto para fazer entrar o frescor. Ele aproximou-se devagar, solícito e sorridente. Falou, falou, convenceu e aliciou com pano bonito pra vestido de festa, água-de-fulô-que-cheira e um bastão de carmesim. E disse: ô menininha vem comigo que isso é terra de ninguém. Foi tanta a alegria pelo presente dado que saiu correndo para mostrar para a mãezinha, e dizer em mil floreios o grande rapaz educado e generoso de bom que era de ser. Mamãe não gostou de nada nem nadinha de nada, mas Manuela a consolou. Branquelo era mais convincente de conversa, nas histórias que não era de verdade, forasteiro era andado, chegava a conversar perdido. Era vendedor de bugigangas, balangandãs; sonhos baratos. As horas mortas da noite chegaram, pulou a janela Manuela, e tomou outro destino na vida a mercê do branquelo. Ali mesmo, naquela espelunca de beira de estrada, Manuela foi deitada a olhar para o teto. Desolada. As pernas abertas e a brutal defloração consumada e o abandono criminal. Tudo o que lhe fez doer. Dói.
***** É começo de tarde à margem da rodovia. Salão de bar, aquele que deveria ser o saguão do ‘rendez-vous’. Uma vitrola, algumas mesas
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encostadas à parede. Gil, um extrovertido vendedor de títulos de Clube de Campo que ainda não existe. Não só vendedor, mas chefe de equipe. Coordenador de uma turma que sai pela cidade distribuindo papéis bonitos com fotos de piscina, toboágua, ciclovias, pista de hipismo, churrasqueira, campos de futebol, praias de ondas artificiais. Uma maravilha. Uma obra prima que chega à cidade do interior. É o luxo da cidade grande chegando para todos. Ele, em plena atividade, pois estava observando a cidade, medindo as possibilidades, analisando o poder aquisitivo da população. Soltando uma frase de efeito aqui, outra ali, escrevia, anotava, tomava tento, o finório degas. Enquanto a turma “trabalha duro” no comércio da cidade, Gil acompanhado de drinks, monta planilhas, organogramas, estratégias de vendas para o dia seguinte. Faz uma pausa, fala compulsivamente de seu empreendimento comercial, enquanto distribui, por entre os fregueses, convites para a churrascada no local do futuro clube. Vai ser uma “festa de lascar,” com duplas sertanejas e grupos de forró – propagandeava ele. Quando lá vem ela, descendo a escada já pronta para exercer suas funções noturnas. Garota sapeca, de ar brejeiro e inocente. Pequena menina, pele cor de bronze, deixando à mostra os dentes alvos como quê. Linda. Toda cheia de graça. Emoldurada por uma imensa cabeleira ruiva oxigenada, sorri um sorriso largo para Gil. Um sorriso oferecido sem cobrança. Passa direto para eletrola e põe uma ficha na máquina que logo ecoa no ambiente o som estridente: “Era um biquíni de bolinha amarelinho...” Ana Maria atravessa o salão dançando insinuante e caminha em direção a Gil cheia de benevolência, abrindo um sorriso, mostrando os belos dentes. — E aí gosta? – pergunta Ana Maria — Oi? – indaga Gil, falando mais alto que a música. — Gosta de música? – mantendo o tom alto da voz. — Adoro! – idem, no mesmo tom. — E esta que tá tocando?
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— É linda, combina com você. Como te chamas? — Ana Maria! Quando, Samuca, o atendente do balcão a chamou. Foi atender ao chamado. Subiu as escadas as pressas. Deixou Gil falando sozinho com seus botões: “Quando ela voltar eu ataco.” Ana Maria demorava. Gil já estava impaciente, pediu informações para o homem do balcão: — Como posso falar com essa moça que entrou aí e não voltou mais? – o balconista responde entre os dentes: — Só mais tarde quando começar as funções. Gil ficou inconformado e perguntou-se: “Como pode uma beldade dessas aparecer e desaparecer assim de repente?” – Gil fora picado pelo besouro da paixão. Faltava muito para a noite chegar. Em seu pensamento ela rodopiava com aquela bundinha arrebitada, mostrando os fundilhos da calcinha de algodão. “Hum!... Deixe está minha bichinha!... Já, já eu te pego.” – cogitava Gil. Pensamento vai, pensamento vem; vários birinaites, o tempo passa, o dia escurece. E Ana Maria não vem. O rendez-vous se agita, tantos outros convivas estão chegando ao antro. Gil ajeitou-se numa mesa estratégica, no canto do salão. Dava para ver quem entrava e quem saia; quem subia e quem descia pelas escadas. A eletrola, o balcão do bar, tudo sob suas vistas. Mais do que bom, tudo ótimo. Perfeito. Mas, nada de Ana Maria entrar. Com esnobismo e estudado gesto caricato, chama o garçom e faz mais um pedido. — Campari duplo com soda e uma rodela de limão! — E para comer, senhor? Não quer comer nada? Olha que a noite é longa, hem! – instiga o garçom, anotando o pedido. — O que você tem de bom?
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— Porções ou janta? — Petiscos. —Temos: pacu, manjuba, lambari, caldo de piranha, frango a passarinho, queijo provolone frito... — Escuta aqui... – puxando o garçom pela manga da camisa em tom confidencial – Essa garota, a Ana Maria, ainda não voltou, o que acontece?... — Ah sim! Ela está lá em cima com um cliente. — Com um cliente!... Puta que pariu!... Mas já? — O que vai querer senhor... Vai petiscar o quê? — Ah, vê qualquer merda aí... Uma porção de frango a passarinho... – consigo mesmo – Caralho!... Que filha da puta!... Entra Ana Maria toda prosa. Como sempre, risonha. Abraça Samuca, o garçom, e dá-lhe um beijo estalado no rosto. Samuca com um gesto avisa que alguém está aflito por sua falta. Ela olha disfarçadamente e reconhece Gil, o homem da tarde. Arruma-se, tentando dá-lhe um aspecto de moça séria. — Oi!... — Oi, começou o trabalho mais cedo hoje foi! — Imagina! Por quê? — Tô sabendo. Você estava com um cliente. — Que cliente o quê, era meu tio que chegou da roça. Veio trazer uma carta pra mim, de minha mãe. – puxa de entre os seios um envelope de carta amarrotado e mostra. — Vê, nem li ainda seu bobo. – passa a mão em seu rosto com sensualidade e artimanha, beijando-o na boca de leve – Posso sentar? — Pode, senta!... Mas esta carta não é pra você, não. Tá me fazendo de bobo é!... Aqui tá escrito para Manuela!... — Porque, esse é o meu nome verdadeiro... Ana Maria é nome de
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guerra, seu bobo... Posso sentar ou não? — Pode, pode... Me desculpe pelo mal entendido. – puxando a cadeira cavalheirescamente para ela – Nossa você me deu um susto, pensei... — Bobo!... Estás a fim de mim é? — E num tô não?... Passei a tarde inteira sem tirar você da cabeça. — Qual cabeça? – outra vez cheia de malícia passa a mão em sua perna e rapidamente toca em seu pênis. – Esta?... – com o dedo em sua testa. – Ou Esta? — Você é uma danadinha, hem!... Chega o garçom com o pedido, pondo em cima da mesa. — Mais alguma coisa senhor?... E tu Ana, não vai querer nada não?... Acabou de ficar pronto o pernil que tu tanto gosta. Tá uma delícia de supimpa! — Posso pedir Gil? — Pode, hoje a casa é sua queridinha. — Capricha num sanduíche de pernil, Samuca. E quero um igual a esse. – aponta para o Campari. – O que é isso?... Que chique Gil! — É Campari com soda e limão. Uma delícia! — Ôh Samuca, em vez de sanduba traz o pernil no prato e faz uma porção de batata frita e um Campari com soda e limão, igualzinho a esse! – com um olhar afetuoso, aproxima-se de Gil e dá-lhe um beijo no olho esquerdo. – Ô querido, você não ficou chateado porque pedi uma porção de batata não, ficou? — Claro que não meu bem, você manda. E comigo não tem miséria não. Pega umas fichas e põe música pra gente ouvir. – apertando o braço de Ana. – Tesão de minha vida. — Ai gostoso! Assim você me deixa toda molhadinha. — E não é para deixar não? — Eu vou pôr uma ficha na eletrola tá?
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— Está bem querida, faz o que você quiser. – amassando a bunda de Ana num carinho exagerado. Ana Maria põe a ficha na máquina “Morena de Angola” com Clara Nunes e volta rebolando os quadris sensualmente pelo salão, beijando os dedos da mão e soprando para Gil. Que por sua vez não cabia em si, o capadócio. Ana Maria senta-se à mesa. — Minha mãe não sabe que eu vivo essa vida não. Só meu tio é que sabe. Por isso que ele vem assim meio escondido. Aí eu mando dinheiro e uns doces que eu sei fazer. — Ah, sei! E ela pensa que você está onde? — Ela pensa que estou na capital trabalhando de doméstica. Mas eu ainda vou sair dessa vida. Vou encontrar uma pessoa que goste de mim de verdade. Vou casar e trazer ela para morar comigo. Você vai ver. — É, você merece. Põe outra música... Põe “Princesa” do Amado Batista. Muitas conversas, mil assuntos. Gil, em seu costume, desfilava um rosário de qualidades. E Ana Maria se desdobrava em dengos. Lá pelas tantas, Ana Maria solta à bomba: — E aí Gilzinho! Vamos fazer neném? — Ah! Vamos sim, já estou ficando que não aguento mais. Vamos logo, quanto é?... Pra quem eu pago? — É assim... Você paga lá no balcão, o quarto, e depois você me dá um agrado. — E quanto é o quarto? — Vai lá e paga! Ele vai, e volta zangado. — Porra! Que quartinho caro hem! — Ué! O que você quer meu caro!... Cabritinha nova!
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— Desculpe minha cabrita, mas vamos... Vamos logo se não vou esporrar aqui mesmo. No quarto, Ana Maria se despe. Tira a blusa e a calcinha. Fica de sutiã, deita-se na cama, levanta a saia, deixando o ventre à mostra. E já com as pernas entre abertas com aquela pouca penugem circundando os lábios vaginais indiferente ao ato que se propunha. Gil com seu membro retesado querendo escapar das calças mais que depressa também se despiu deixando somente as meias pretas vestidas. Gil estranhando seu estado de meio nua e meio vestida, principalmente com sutiã, esbravejou: — Oh, garota! Não vai tirar essas “taças” não é? Gastei uma tarde, uma noite e muitos reais para abrir tuas pernas... Não, não está certo. Pode tirar essas “cuias” dos peitos, sua vagabunda! — Ah, não! Sem “porta seios” tem que dá uma grana a mais. Se não adeus, amor! — Ah é? O que eu paguei por este quarto fuleiro vale pelo michê também. — Você pagou pelo quarto e uma trepadinha rápida se quiser mais tem que pagar. — Tó. – pondo mais uma cédula no criado-mudo. Ele se ajeita entre as pernas de Ana Maria e já se achando insuportável, quase chegando ao orgasmo antes de tocá-la. Penetrando com arrogante grossura a delicada vagina de Ana Maria. O que Gil imaginava ser uma fornalha de carvão em brasa, um alicate de alta pressão lhe mordendo e engolindo o pênis com sofreguidão, que nada! Não passava de um pedaço de bofe, um naco de carne flácida, uma melancia fria. Estava ali estendida aquela menina velha, derrengada na cama, desprovida de vida viva. Despreocupadamente com a cabeça tombada para a esquerda, gélida. Entre os dedos, o gibi do Frajola era o motivo de sua emoção. Gil, num ímpeto de raiva e desprezo, dá-lhe um violento tapa na cara e explode: — Preste atenção na foda sua puta!
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Taí os louros colhidos por ser distinta ao bem servir homens: tantos, quantos, outros que se esbaldavam nas noites de orgias dessas casas de tolerâncias. Não tinha como discernir os homens, muito menos distinguir afeto, de libido. Restou-lhe uma vagina oca e a frigidez sexual. Era isso que ansiava Manuela para sua vida? Fazia ela, amor com ódio. Ignomínia. ***** Manuela era Ana Maria. Estava naquela que fora Manuela, a menina do rio, da natureza. Fora ela a flor das águas do seu ribeirão. Ou flor de plástico da multidão. Dona Zefinha, apenas chora saudades da menina flor que era. Hoje, jaz navegando, no necrotério dos indigentes aquela menina chamada Manuela que tanto se sentia bela. Morreu Ela de sífilis, venérea doença? Ou já se morreu ou se irá morrer? Morreram Ela. Ela, Manuela foi uma, talvez, não apenas. Ela era, mas deixou de ser, ou não deixaram Ela ser Manuela.
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Biografia Pedro Guerra Demingos é formado em Engenharia Química na UFRGS, onde faz mestrado em Ciência dos Materiais. Dedica uma fração insalubre do seu tempo à escrita criativa.
Todas as Viagens são a Mesma Pedro Guerra Demingos
Um mesmo sonho é diferentes planos Se planejado em diferente estrada, Mas se estudado o plano e se estudada A viagem, se vê que pelos anos São sempre os mesmos e não mudam nada.
É sempre a mesma nota engarrafada De garantia, de grito de vamos, Mas se não vemos o muito que amamos E queremos, não resta mito ou fada Que nos sustente o caminho em que andamos.
Por isso e por sermos todos insanos E insensatos de insônias ensinadas, Ensinamos o sonho a mão atadas E nos atemos ao trecho em que estamos: Lembrar que amamos e amamos – mais nada.
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Biografia Henrique Duarte nasceu em 20 de dezembro de 1984 na cidade de Laguna - SC. Em 1998 mudou-se para Florianópolis - SC, por conta do falecimento de sua mãe Maria das Dores de Bem Duarte. Em 2001 ingressou no Grupo de Poetas Livres, onde aprimorou o conhecimento e vontade sobre o escrever. Nos anos de 2004 à 2011 foi religioso no Instituto dos Irmãos Maristas. Formado em Teologia, Ciências Sociais e Mestre em Sociologia, tem poemas publicados em Antologia do GPL, e nas redes sociais. Formando família com Lílian Luana da Silva e com a pequena Verônica da Silva Duarte. Viveu em Dourados MS até 2017 trabalhando como professor na Rede Estadual de Educação do MS. Atualmente vive em Rondonópolis MT e é professor efetivo na Secretaria de Estado de Educação do Mato Grosso.
A paz e seus dilemas
Não é a paz que eu quero Mas sim um novo verso O que pode ser integro E o que é verdadeiro
Sim, somos cheios de paz Cheiro de nova essência Convenio com um amor Mas a paz eu não quero
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Porque se o mundo se destrói Que exemplo eu cultivo E porque estou aqui
Meu coração bate mais triste Minha alma esta fatigada Mas o que eu quero com a paz
Pseudônimo: Poeta dos Jardins e-mail: poetadosjardins@gmail.com
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Biografia Rebeka Gabrielly Fialho Tassinari nasceu em Ribeirão Preto-SP no ano de 1999, escreve e publica poemas de forma independente na internet desde 2015. Foi classificada em concursos internos de redação em seu colégio, em sua cidade natal, em 2010 e 2017. Contato: reftassi@hotmail.com
Cadência
Palavra compassada Como as notas de uma música Dando voz aos que não tem
Palavra metálica Como os címbalos que marcam O ritmo envolvente
Palavra dançante Como passos bem ensaiados De um balé em sincronia
Palavra harmônica Como a Terra em sua essência Natureza em abundância
Rebeka Gabrielly
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Biografia Reginalda da Silva, professora de Língua Portuguesa, coordenadora escolar. Graduação em Licenciatura em Português, especialização em Português e Literatura, mestranda em Letras. Livros publicados: Rivelino, os bons morrem jovens e Renascer, a história de uma fênix. Co-autora no livro "Solonópole, cidade da gente", que é didático, sobre a história e geografia do município de Solonópole. Poemas publicados em diversas revistas.
Deixem o cordel entrar (Reginalda Silva – prof.reginaldasilva@hotmail.com) Deixem o cordel entrar Nas rodas de conversa Nas mesas de bar Nas praias, nos becos Em qualquer lugar. Deixem o cordel entrar Nas praças, igrejas Na música, no ar Em toda esquina Em qualquer lar. Deixem o cordel entrar Na novela, no filme No ato de andar Na escola, na rua Na luz do luar. Deixem o cordel entrar No campo, no clube No melhor do sonhar No teatro, cinema
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No jeito de falar. Deixem o cordel entrar Na tevê, no show No beijo espetacular No amor, na dor Na hora de chorar. Deixem o cordel entrar No melhor do viver Deixe-o ficar E aonde estiver É lá que quero estar.
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Biografia Renan Mariano, tenho 33 anos, sou engenheiro, mas tenho uma 'quedinha' por produção literária. Gosto de escrever basicamente crônicas e contos, explorando acontecimentos de minha vida e também inspirando-me em observações sobre o mundo e as pessoas. Possuo um site onde publico os meus textos: o Nuances (www.nuances.com.br) Autor: Renan Mariano Contato: renaneng@poli.ufrj.br Site: Nuances
Capuccino
Gosto de muitas coisas em São Paulo. Entre elas, as belas tardes frias de sol que a cidade proporciona aos seus habitantes em muitos dias ao longo do ano. Aquele sol que, a despeito do céu azulado, não aquece o suficiente. O resultado de um dia de fim de semana assim é ver pessoas aos montes passeando nos parques em trajes elegantes, mesmo que, eventualmente, elas acabem rolando na grama com seus cachorros, crianças e outros amores, envolvidas por uma atmosfera alegre e laranja. Foi num dia de domingo exatamente como esse que eu me encontrei, certa vez, sentado numa das inúmeras cafeterias da capital. Voltando de um passeio preguiçoso e solitário, não resisti ao charme do lugar. Entrei e logo procurei um lugar ao sol, na varanda. O espaço interno do estabelecimento era bonito e muito bem decorado, mas seria desperdício não estar do lado de fora contemplando um pouco mais aquela tarde, que logo se despediria. Olhei o menu somente por hábito, pois eu já sabia o que queria. Capuccino. O maior, mais quente e cremoso capuccino que pudessem me oferecer.
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Não demorou muito para que o meu pedido chegasse. Sustentado por uma xícara grande que ostentava um belo monograma, o meu desejado café com leite encontrava-se provocante debaixo de camadas de chantilly, espuma e canela. E para o derradeiro deleite, um anel de chocolate fazia-se presente na borda da xícara. Eu consigo fantasiar o momento em que a xícara foi lentamente lambuzada de chocolate com uma pequena espátula, num ápice de erotismo gourmet. Naquele instante, não havia nada mais que combinasse com aquela tarde do que aquele capuccino posto à mesa.
Mas nem todos pareciam estar satisfeitos naquele lugar. Em outra mesa, uma moça e um rapaz olhavam-se com semblantes sérios. Chamarei a moça de Letícia, pois acho que o nome combina com ela. Letícia tinha à sua frente também um cappucino, idêntico ao meu. Supus que eles fossem um casal pelo o que pude observar a partir do momento em que atentei neles. Talvez eu observe as pessoas com mais frequência do que elas possam imaginar. E os dois estavam perto o suficiente para que eu pudesse reparar nos detalhes daquela interação, mas também longe o suficiente para que eu não conseguisse ouvir o que diziam. E era melhor que fosse assim.
O rapaz segurava a mão de Letícia por cima da mesa enquanto falava algo que parecia entristecê-la profundamente. Ela tinha a outra mão ao lado da cabeça e o cotovelo apoiado na mesa, e ouvia atentamente o que ele dizia, mantendo a testa franzida, os olhos marejados e a boca apertada como se estivesse segurando um grito de desespero. Aquele olhar me chamou atenção de tal maneira que eu tive que tomar muito cuidado para não me tornar inconveniente. Letícia tinha na face uma expressão tão desolada que eu não duvidaria se as melhores atrizes do cinema julgassem-se inaptas a reproduzila.
Por várias vezes durante aquele longo monólogo, o rapaz balançou lentamente a cabeça em sinal de negação, como que para enfatizar da forma mais doce possível aquilo que parecia ser um pedido de desculpas por
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estarem tendo aquela conversa. Mas o que seriam esses "nãos"? Talvez ele tivesse aprontado alguma e pedisse perdão, ou talvez ele estivesse terminando o relacionamento com ela. Não era possível afirmar até ali.
O suposto término só se tornou a opção mais plausível para mim quando o rapaz tirou suas mãos sobre as mãos de Letícia e, arrastando-as sobre a mesa, tentou trazê-las de volta para si. Imediatamente, Letícia tentou buscar as mãos dele novamente, já com as lágrimas evidentes em seu rosto. Mas dessa vez ele negou-lhe o gesto. Permaneceram calados durante alguns minutos. Letícia olhava fixamente para ele, que, constrangido, terminava de comer uma torta. Quando terminou, ele ainda permaneceu um tempo olhando para Letícia, em silêncio, como que para se certificar de que ela ficaria bem. Por fim, deixou uma quantia sobre a mesa, despediu-se e saiu.
Após ter sido deixada na cafeteria, Letícia levou as mãos à face, e a abaixou. Chorava. Quando tirou as mãos, Letícia pela primeira vez pareceu preocupada em estar sendo observada pelas pessoas das outras mesas. Olhou ao redor enxugando as lágrimas com a manga da blusa de frio. Nesse momento, tive que disfarçar. Notei que outras pessoas disfarçaram também. Eu estava triste por ela. Deveria ser proibido terminar o relacionamento com alguém numa tarde de domingo tão bonita como aquela, num lugar tão charmoso como aquele e diante de um capuccino que certamente estava tão gostoso quanto o meu.
Após acalmar-se, Letícia esticou as mangas da blusa para cobrir também as mãos. O frio aumentava. Colocou dessa vez ambos os cotovelos sobre a mesa e entrelaçou as mãos, fazendo-as de base para apoiar a cabeça. Estava posicionada de forma que os últimos raios de sol iluminassem o seu rosto pálido. E assim permaneceu, parada, de olhos fechados, como se estivesse alimentando-se daquela luz terminal. Pude então notar certa serenidade em sua expressão repousada, os lábios entreabertos, quase que em meditação, num incrível contraste com os minutos anteriores. E foi assim que percebi
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que a atmosfera daquela bela tarde naquela cafeteria, na verdade, era perfeita também para aquela ocasião.
Letícia então abriu os olhos, lembrou-se da xícara e tomou o que restava de capuccino, mesmo que a essa altura a bebida provavelmente estivesse fria. Segurou depois a xícara com as duas mãos e olhou para os fundos dela, como se tentasse, em vão, ver o seu futuro em borra de café. E foi aí que ela me surpreendeu de vez. A sua xícara ainda contava com a borda de chocolate. Letícia não pensou muito antes de passar o dedo ao longo de toda a borda e levá-lo à boca. E repetiu o movimento, até que não sobrasse mais chocolate.
Talvez outra pessoa não tivesse estômago para continuar degustando um capuccino que fora interrompido por uma decepção amorosa. Algumas situações desnorteiam completamente a gente. Algumas pessoas demorariam muito tempo até retomarem a calma. Talvez esquecessem de pagar a conta. Talvez esquecessem até de onde estavam e do que as cercavam. Mas não aquela moça. Letícia enxugou as lágrimas rapidamente, contemplou os últimos minutos de sol e ainda consumiu o chocolate até que não deixasse rastro. Mantinha-se ávida por prazeres, por mais difícil que tivesse sido aquela tarde. Letícia talvez não soubesse, mas naquele momento ela já tinha dado o primeiro passo rumo à superação. Ela ficaria bem.
Olhei para o meu capuccino, também já quase no fim. A exemplo de Letícia, passei o dedo no chocolate e lambi. E lembrei que a vida é assim mesmo. Faltam algumas coisas. E perde-se muitas também. Mas sempre há sol. E às vezes também capuccino. E capuccino com borda chocolate ainda por cima. Não pode haver desilusão que estrague o meu sol e o meu café.
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Biografia Rian Lucas, nascido em 06 de junho de 2001, Rian Lucas da Silva reside em Poço Dantas, na Paraíba. Atualmente, cursa Licenciatura em Letras pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB). Desde criança, já se mostrava encantado pelo universo literário e por tudo aquilo que envolvia uma boa leitura. Ama brincar com as palavras e tem o costume de transformar tudo em poesia e, por isso, tem sempre o papel e a caneta como melhores amigos e eternos aliados. Sozinho. Era assim que o Joaozinho se sentia desde pequeno. Sozinho. Parecia ridículo de vez em quando, porque ele cresceu e muita coisa havia mudado de fato, mas esse sentimento de ter nascido sozinho e que iria morrer sozinho o dominava todas as noites antes de dormir enquanto encharcava seu travesseiro por aquelas malditas lágrimas. “Todo dia é um novo dia, é um recomeço” diz a si mesmo todas as manhãs quando se levanta para escovar os dentes antes de ir ao trabalho. Era uma monotonia agoniante e gritante. Passava pelas pessoas na rua e se perguntava se todas elas também carregavam consigo essas incertezas sobre a vida e sobre o seu fim inevitável: a morte. Por mais que possa parecer difícil acreditar, não foi sempre assim que o Joaozinho se sentia. Na infância, ele era mais feliz quando tinha o costume de correr atrás das galinhas e dos patos no quintal da casa de sua vó Belinha. “Você vai acabar se machucando e acabar quebrando algum braço” berrava sua vó com um guardanapo sobre os ombros. Era hilário. Às vezes, o Joaozinho sentia falta dessas conversas, sentia falta de que alguém se preocupasse com ele. Tadinho, nunca foi bem visto pela mãe, pelo pai então nem se fala, vivia colado numa cadeira de um bar assistindo as mulheres passando de minissaia na sua frente e aproveitando o restinho de sua vida miserável. Mas aí o tempo passou e quando todos se deram conta o Joaozinho já havia crescido e se tornado só o Joao. Não se sabe ao certo em que fase de sua vida as pessoas tiraram o diminutivo do seu nome, mas tudo bem, mudar era necessário, principalmente quando é para melhor.
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Mas não se sabe ao certo se o Joaozinho ou o João tinha mudado, muito menos se tinha sido para pior ou melhor. Mas tinha mudado. As pessoas notavam e ele também. “O pobrezinho, não aproveitou a infância, teve que ser adulto muito cedo depois da morte do pai” dizia o tio Afrânio. Balela, muito antes dele morrer Joaozinho já era o adulto e embora não tenha curtido sua infância da forma como deveria, conseguiu armazenar boas lembranças dentro de si, pois sempre soube como as coisas eram tão passageiras. De fato, muita coisa havia mudado. Encontrara uma garota enquanto tomava café antes de ir ao trabalho num barzinho do lado da rodoviária e pensou que aquela seria a mulher da sua vida, mesmo que não tivessem trocado nem um “oi”. Gostava de acreditar no destino, ou fosse lá como o chamavam hoje em dia. Mas afinal, era o Joaozinho, não havia motivos para dar certo... E não deu. E depois de ter chegado em casa, dormiu. Carregado por sonhos inquietos e lembranças arcaicas de um passado sofrido, reencontrou-se consigo mesmo se olhando diante de um espelho rachado falando que ainda restava motivos para acreditar e, antes mesmo de negar e arrumar toda aquela confusão, acordou. “Bem-vindo à vida real” disse a si mesmo enquanto se levantava da cama para enfrentar mais um dia diferente que parecia ser igual a todos os outros. Não foi. Antes mesmo de pegar um copo na pia, escorregou a mão e bateu numa panela repleta de pratos de vidro e os observou enquanto eles se estilhaçavam pelo chão frio. O dia já estava sendo diferente. Saiu de casa rumo à empresa e, como sempre, ainda não tinha chegado todos os funcionários. Joaozinho sempre quis ser o primeiro em tudo. Caminhou pelas cerâmicas quadradas daquele piso e sentou-se na cadeira do seu gabinete. “Pode entrar” falou enquanto esperava mais uma candidata para o emprego que restava uma vaga. Estava cansado de ouvir e ver pessoas todos os dias rastejando a sua volta para contratá-las que acreditava não existir pessoa excepcional para ocupar o cargo de agente administrativo. Imerso em seus pensamentos, voltou à tona quando viu aquela mulher em pé a sua frente. Era aquela mulher, não uma qualquer, não mais, mas sim aquela mulher. Aquela do café dias atrás. Antes de conseguir falar qualquer coisa,
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sentiu uns arrepios estranhos percorrendo todo o seu corpo esquelético. “Sente-se por favor” finalmente falou enquanto ainda a observava. Joaozinho a observou desde o momento em que ela se sentou e colocou sua bolsa sobre à mesa, até o momento em que ela respondia a todas as perguntas que ela fazia. “Essa mulher é diferente” pensava. Até a forma como ela abria a boca para falar soava diferente de todas as outras. Joaozinho se questionava se ela estaria tendo esse misto de pensamentos loucos sobre ele. Até estendeu mais a conversa só para ficar um tempinho a mais com ela. Como podia alguém se sentir assim se nunca nem tinha tido contato com essa mulher? Que poder ela tinha e o que estava usando para atrair sua atenção? Eram muitas perguntas para serem revistas e respondidas e Joaozinho não estava disposto a perder tempo com isso agora, ele só queria perguntar e ouvir as respostas que saiam daquela boca simétrica. A conversa rendeu por quase 30 minutos, o dobro do quanto deveria durar. Foi muito mais do que o esperado. A mulher saiu contente por ter conseguido o emprego e o Joaozinho saiu feliz por tê-la encontrado mais uma vez e por lembrar que a veria todos os dias. É! Realmente esse dia estava sendo diferente. Realmente aquele sonho estava certo: ainda há motivos para acreditar.
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Biografia RICARDO CUNHA — alhures, RicardoC — arquiteto e fotógrafo. Escreve, todavia, desde novo. Sempre teve muito pudor em chamar-se poeta, mas escreve sobretudo poesia. Se escreve, bem ou mal, é mais por gosto do que por oportunidade. Tem procurado, apesar dos pesares, aprender todos os dias com os textos que publica na esperança d'um dia escrever alguma coisa de interesse. Enquanto esse dia não chega, vai enchendo páginas e páginas de versos que talvez signifiquem algo para alguns. Aprecia versos com métrica, ritmo e rima, mas não desdenha os que não os têm. Sem embargo, não se entende como passadista ou qualquer ismo afim. Ao contrário, é adepto, em Literatura, do MILENARISMO, cujo apocalipse a virada do dois mil frustrou. Um frustrado histórico, portanto. arqt.ricardoc@gmail.com
MANSUETO — ” Quem anda desde a aurora já enlutado? Quem é esse senhor todo de preto Que caminha p’lo campo neblinado? Quem, tão ensimesmado e circunspeto, Vagando insone em meio ao insone gado?” — ’” Herdeiro de Gonçalves indireto E neto primogênito, portanto, Aquele é o Senhor de Monte-Santo!’”
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— “Sim, mas, por que anda em trajes de velório De capa preta sobre o preto fato? Como homem tão esplêndido e notório Chafurda as suas botas n’um regato?” — ”’ Avança, resoluto, ao promontório Para ecoar pelo abismo o grito ingrato Onde ondas em perpétua sinfonia Façam coro à sua íntima agonia.’” — “Ouvi! Verte ganidos sobre o Atlântico O rico herdeiro de alma miserável. Decerto s’entretem como romântico Ou actor a declamar do praticável…” — ”’ Não! D’um celerado o triste cântico S’espalha em desespero formidável!… Lamenta ele uma perda mui sentida, Que em vão lamentará por toda a vida…! ’”
— “Não soube de enterrar sua consorte Tampouco de moléstia na família… Ignoro haver mal que desconforte A quem tanto a Fortuna há tanto brilha Decerto, para tal, levou-lhe a morte A sua muito amada única filha…” — ”’ Enganai-vos, pranteia ele uma prima Por quem desenvolvera estranha estima…”
— “Valha-me Deus! Que absurdo, ó temerário!… Que cousas conheceis que desconheço? — ”’Não essas conversinhas de ordinário Que o povo conta a frente pelo avesso, Mas sim o que se pensa solitário E s’executa às ocultas mais expresso:
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Ardendo de paixão por uma virgem, Matou-a enlouquecido de vertigem.’” — “Que escuto?! Nosso jovem mais brilhante Assassino de moça em sua casa?! ” — ’”Deveras, surpreendi-o claudicante Depois d’ele enterrá-la em cova rasa!… Em choque, nada havia em seu semblante A não ser os dois olhos ‘inda em brasa. Chamei sua família — que o cuidou — E à bela com exéquias enterrou… ”’ ”’Desde então ele vaga noite afora Até topar com tal desfiladeiro Do mesmo modo como ao enterro fora, Recoberto de preto o corpo inteiro… Sua triste figura me apavora Tanto quanto o malfeito derradeiro Àquela moça que ele tanto amara E que, ao negar seu corpo, molestara.’” — “Monstro! Inumano! Estúpido! Canalha! Eu mesmo hei-de matá-lo com as mãos!… Como fugira à forca? Que gentalha! Que família s’esconde entre os irmãos?!… Uma camisa de seda por mortalha Suja de sangue e lama d’estes chãos…” — ’” Vamos ter co’o fidalgo, como julgais, A fim-de que ele pague com seus ais!…”’ ”’Sim, Gonçalves Terceiro: o Mansueto, Aquele de quem fora bom amigo, Tanto na boêmia quanto no escudeto. Todavia, testemunha do perigo
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De cujo crime ouvira o atroz dueto, Deixando violentada e sem abrigo A amada que jamais se quis amante E morrera em seus braços suplicante. ”’ — “Embora légua e meia a caminhada, D’ali, cercada a terra, só há mar! Não há fuga senão jogar-se ao nada, Pulando sobre as ondas a espumar. Ajudai o suicida na empreitada De pelo abismo extremo se matar!” — ”’ Certamente, caríssimo, eu irei E aceito, se assim for, rigor da lei.”’
Assim juramentados homicidas, Partiram dois senhores respeitados Sob pena de perderem suas vidas, Se, em face do malfeito, condenados… Justiça mais vingança divididas Nas mentes de homens tão civilizados Fizeram escurecido o claro dia No instante em que a neblina se perdia.
O alto d’onde avistaram o fidalgo Era estrada deserta n’aquela hora. Não houve caçador, tampouco galgo A perseguir as lebres campo afora Não houve ali vadio em busca d’algo Ou rebanhos descendo sem demora. Não houve mais viv’alma pela estrada Enquanto os dois cumpriam a jornada. Os dois, já pressurosos e silentes,
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Sabiam que impossível de escapar Do poder ancestral d’aquelas gentes Há muito acostumadas a mandar. Visto que fossem tão indiferentes Às leis e autoridades do lugar. Sabiam que seriam descobertos, Mesmo que seus motivos fossem certos. Sabiam que o sujeito que buscavam Era, d’entre os maiores, o melhor: Um finório que tantos adulavam Pois em Coimbra esplêndido doutor E viajado a países que sonhavam D’aquela sociedade a fina flor… Sabiam que aquele era um intocável, Muito embora o seu crime detestável…
Sabiam que ele tinha esposa e filha. Mas, sobretudo, o fiel depositário Das grandes esperanças da família… Entrementes, o sangue hereditário Lavava aquele sangue peralvilha Da moça cujo mal involuntário Foi ser bela demais para viver Cerca ao primo que a quis como mulher. Chegando ao promontório finalmente Encontram junto ao abismo Mansueto… Parecia mais parvo que demente, Vindo do funeral, todo de preto. Vendo que não virava ele de frente Vão lhe tacando pedras mais graveto Até que o celerado lhes encara, Mostrando o animal que se tornara.
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— ”’ Maldito seja!”’ — grita o antigo amigo Mansueto, assoberbado, por fim diz: — ‘Que fazes aqui, cão!? Que tens comigo?’ — “Vimos te ver morrer, grande infeliz! O amplo oceano te sirva de jazigo!…” — Mansueto, porém — ‘O que que eu fiz!?…’ — E buscando razão sem saber onde, Inopinadamente ele responde: — ‘Sabei-me tão-somente um amador Que amou a sua bela mais que vida! Se viestes me matar, é um favor Que fazeis a esta besta combalida… Todavia, o que fiz foi por amor Que ela me desdenhou, desfalecida. — “Vinde! Temos punhais para um duelo… Eis que a morte escutou o vosso apelo!”
— ‘Já faz horas eu duelo com a morte, À beira d’este abismo tão profundo! Não lamento, afinal, a minha sorte Se por ganhar o amor perdi o mundo. Eu tive a minha bela por consorte ‘Inda que n’um enlace moribundo: Entregue totalmente a meus abraços Me afagava, arfante, nos seus braços’…
‘Que é o gozo senão quase morrer Que após, desalentado, se revive? Mais forte a segurei em seu prazer
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A ponto que em seus olhos eu estive! Sim, eu estive dentro de seu ser E ali, a graça mais profunda tive: Eu pude ver amor nos olhos d’ela! Tão bela era na morte a minha bela…’ ‘Ela implorava: “Mata-me d’amor!” E então, enamorado, a fiz morrer.’ — “Celerado! Implorava de pavor, Sabendo com certeza perecer… — ‘“Quão sem limites vive este senhor Que a vida d’uma bela fez perder?… Mansueto… Sim, manso pelo nome, Mas um monstro voraz em sua fome…!”
Dito isso, ouviu-se um grito lancinante E um corpo a despencar sobre o mar frio. O povo os encontrou n’aquele instante Ao ver o cabo extremo mais sombrio E foram testemunhas, no flagrante, Do salto do fidalgo no vazio E assim pereceu sem outro tanto Mansueto, o Senhor de Monte-Santo.
Betim — 01 04 2020
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Biografia Ricardo Moncorvo Tonet, engenheiro agrônomo, com diversas publicações na área técnica e com um livro de poesias publicado – Palavras Vivas e algumas premiações em concursos literários em poesia e trovas e responsável pelo blog ENTRELINHAS.
Mudança de estação Perco – me observando a paisagem que passa à minha janela. Pétalas amarelas de uma sibipiruna caem como prelúdio do outono que se aproxima. Mas ainda sofremos, as últimas tardes quentes do verão, que alimenta certa preguiça no corpo. Não vejo nuvens cúmulo - nimbos ameaçando a cidade com os temporais do fim de tarde. Uma leve brisa movimenta a copa das árvores onde as maritacas descansam em pares até a próxima
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algazarra. Absorto nessa imagem esqueço das grades da janela, esqueço a falta que você me faz, apenas espero a mudança das estações, uma nova paisagem.
Ricardo Moncorvo Tonet
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Biografia Robinson Silva Alves, nascido em Coaraci-Ba, ingressando nos caminhos da poesia onde tive a satisfação de possuir algumas premiações literárias, bem como também algumas publicações em antologias e revistas literárias, atualmente faço parte de uma associação cultural e curso Especialização em Gestão Cultural.
A VIAGEM
No momento presente Retorno ao passado Desvendando mistérios Dos meus antepassados
Viajando em segundos Nas histórias do tempo Navegando no futuro Velejando ao vento
Presenciei descobertas E também muitas guerras Dor e tristezas Lágrimas na Terra
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Viajei diversos mundos Sem sair do lugar No Universo infinito Vivo a navegar
Derramei lรกgrimas Morri de amor Vivi os sonhos De um sonhador
Hoje sou menino Amanhรฃ serei poeta Declamando versos Na madrugada que desperta
Deixarei escrito Minha mensagem Nos livros comeรงam Minhas viagens.
AUTOR: Robinson Silva Alves
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Biografia Roque Aloisio Weschenfelder, Natural de Santo Cristo – RS, 71 anos de idade, reside - em Santa Rosa – RS. Professor aposentado, graduado em Letras, é multipremiado em concursos literários, integra mais de duas centenas de coletâneas de textos, é autor de 16 livros publicados, entre literários, infantis e didáticos. Possui editora de prestação de serviços de revisão e procedimentos para publicação de obras de quaisquer autores. Contatos: roquealoisio@yahoo.com.br www.facebook.com/roquealoisio.weschenfelder
SOBREVIVER Sabe, aquela situação inesperada, de repente, não pode sair de casa, ou por medo de ser contaminado pelo coronavírus, ou por receio de ser recriminado por não cumprir a norma estabelecida contra o ir e vir e lhe chamarem de irresponsável! Isso, para um idoso de 70 anos, que nunca vivera situação igual antes, mesmo com Dengue a torto e direito, Gripe A crassando e matando, assaltos, balas perdidas, acidentes nas estradas, o tendeu! pondo em risco também a quem não está no grupo de risco natural para morrer antes dos outros por já ter bastante idade, por ter doença tipicamente matadora ou por se meter em encrenca a toda hora, não é fácil de entender ou aceitar. Poxa, ter que mandar filho ou neto, ou alguém casualmente disponível, ao mercado, à farmácia, ao banco – E, agora? Senha? – Ah, já é demais, mas fazer o quê? Quem mandou nascer na primeira metade do século XX, quando a capital do Brasil era o Rio de Janeiro que ficava no estado da Guanabara, ouvindo falar que o presidente se suicidara; depois saber de plebiscito sobre parlamentarismo ou não, viver a chamada revolução de 1964? O jeito é ficar em casa mesmo, querendo ou não, mas até já querendo, e quase começando a gostar porque aquele trânsito nas ruas era uma balbúrdia só, o que sempre incomodava demais. Trabalhar atendendo aos
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clientes que pedem revisão de textos, crítica literária, ajuda para conseguir ISBN e ficha catalográfica e até para publicar livros no Clube de Autores, corrigir e melhorar textos enviados por mestrandos que não tem tempo porque precisam trabalhar em tempo integral – pelo menos antes dessas quarentenas; ajudar à companheira na cozinha, inclusive demonstrando certas habilidades de cozinheiro; disponibilizar umas horinhas para um joguinho de damas com a mulher de sua vida, às vezes uma canastra também; nunca esquecer que ler um bom livro traz conhecimento e até a capacidade para se expressar melhor por escrito e até na fala; tudo faz o tempo passar sem aquela angústia costumeira de quem não sabe o que vai dar ou não vai acontecer e nem quanto tempo durará a quarentena, se ela será quinzena, vintena, trintena, quarentena mesmo ou perderá seu nome, significando a morte da vida social, antes mesmo da morte do corpo, que fatalmente virá por algum motivo quando o mesmo já não terá mais forças pelo esgotamento natural das condições vitais necessárias. Virá o vírus, ou não? eis a pergunta, que não deve ser feita a todo o momento. De repente, muita gente virou especialista em tudo, analista de política, intérprete de texto escrito e falado, mesmo que nunca antes – pelo menos na escola – não se tenha preocupado em aprofundar conhecimentos nessas áreas que envolvem ciências, história e linguística. Olhar o que se coloca no Facebook pode gerar verdadeiros surtos de indignação, observando como algumas – muitas – pessoas deixam de lado a civilidade e tratam seus semelhantes de forma nada amigável somente por apoiar ou não a quem elas consideram estar agindo certo ou errado. Adjetivos nada carinhosos, expressões esculachantes – um verdadeiro tendeu – acabam por findar amizades que pareciam perenes. Quem deseja conviver nas redes sociais precisa ser forte o suficiente para uma de duas coisas: ou afirmar com toda a convicção possível a sua posição política – e a crise coronal também criou lados – ou ler, pensar, e somente postar algo que não identifique o lado que gostaria de defender. É certo que todos têm direito de ter a opinião respeitada, mas seria tão bom se também esses todos respeitassem a opinião alheia e abdicassem de nomes e adjetivos pejorativos. Pobre homem, pobre mulher que passa por tudo isso e não é afeito a ficar parado sem nada a fazer! Precisa urgente assistir a filmes, escutar
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música da boa, senão não sobrevive à angústia e ao tédio, ainda mais se gostava de uma conversa em boteco ou de frequentar bailes e festas de terceira idade. Sobreviver a esta crise, criada ou surgida por causa de um vírus perigoso pela facilidade de sua propagação, é questão mais que premente. Os avós ainda quererão contar aos netos, e também bisnetos, quando puderem entender, o que foi um surto de vírus que parou tudo, ou quase tudo em todo o mundo, ou quase todo mundo. Poderão ensinar que a vida é um bem precioso a que se tem de valor sempre, em qualquer situação. Mostrarão que mais vale ser alguém do que apenas ter muitos bens materiais. Dirão que se dedicaram a ler bons livros e eles, seus sucessores deverão fazer o mesmo sempre, não só em épocas de quarentena. Certamente, sobreviverão a outros momentos complicados que poderão surgir pela vida afora.
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Biografia Rosa Acassia Luizari é pedagoga e membro da Academia de Ciências, Artes e Letras do Brasil (ACILBRAS)-cadeira 525-patrono maestro Armando Caraaüra. Participa dos projetos da Editora Pragmatha e de coletâneas e antologias de diversas editoras independentes no Brasil. É membro do movimento Mulherio das Letras de Portugal. Em breve será publicado um trabalho da escritora no livro 8 da coletânea Mundos (Edições Colibri). Publicou textos nas revistas Caderno Literário, Desvario, Avessa, Literalivre, Brasil Nikkei Bungaku, Evidenciarte e Revista de Poesia da Editora Trevo. Finalista do 28º Concurso Nacional de Poesia Augusto dos Anjos. https://www.facebook.com/rosaacassia.luizari Reação em cadeia Explode em cadeia a tua reação: mão, pele, sentimentos à flor da contaminação; território devastado no rosto breve da criança imensidão. Ao chão, a terra do semelhante, distante de mim e ao alcance do homem desabrigado, ode ao corpo frágil, exonerado do ser local, agora petrificado. Radionuclídeos na tua atmosfera, diz o meu rádio potente, aqui do outro lado do mundo, localiza o homem desabrigado de si, deixado à voz do corpo sólido. Corpo sólido radioativo, Corpo líquido desabrigo, desaperto de mão, corpo solidão.
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Biografia Rosa Maria Santos Naturalidade – S. Martinho de Dume, Braga. Muito pequena, foi viver para a freguesia de Maximinos. A base do seu equilíbrio emocional está no seio familiar. É na família que encontra a alegria de viver. Viveu na Costa Litoral Alentejana, em Sines, trinta e um anos, tendo regressado em 2017, à cidade que a viu nascer, Braga. Participou em diversas coletâneas de Poesia, portuguesas, italianas e brasileiras. Distinções: Maio de 2017 - 2º Prémio de Poeti Internazionali. Poema Rosa de Saron, no Concorso Artemozioni, Cantico dei Cantici In Valle d’Itria, Itália; Maio 2019 - 3º Prémio de Poeti Internazional- Itália. Com o poema “Violino”; 5° Biennale del Festival Internazionale Delle Emozioni, Itália – 10° Edizione Del Concorso Di Poesia e Narrativa: Prémio d’Onore Concurso de Premio Letterario Internazionale di Poesia “Gocce di Memoria“, Itália, Junho 2019 con la poesia Sfera di cristallo (Bola de Cristal). Concorso “Il Meleto di Guido Gozzano” Sezione Autori di lingua straniera ATTESTATO DI MERITO, 14 settembre 2019 com la poesia Assenza (Ausência) - Itália, agosto de 2019. Jogos Florais Vale do Varosa 2019 – Concurso Literário Tarouca - “O rio, o vale e as gentes”: Menção Honrosa, categoria de Poema. Livros editados: Rosa jasmim (poesia), Capa do Mestre Adelino Ângelo – Julho 2018
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Tem vinte títulos em e-book na sua biblioteca digital: https://issuu.com/rosammrs?fbclid https://romyflor.blogspot.com/p/blog-page.html https://www.facebook.com/rosamaria.santos.581 A escrita é uma das suas paixões… Não se considera escritora nem poetisa, mas uma alma poética a vaguear pelo mundo... Se um dia deixar de sonhar, diz, deixa de existir.
Milú, o Chapeuzinho que gostava de cirandar
Milú era um alegre chapéu de senhora que gostava de cirandar de cabeça em cabeça, exibindo os seus dotes de bem se mostrar nos meios sociais.
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Certo dia, resolveu munir-se de quatro belas rosas de cor purpura que juntou no belo ramalhete. Espreitou pela janela e eis que estava um dia solarengo, mesmo a convidar para um passeio. Resolveu então abrir a porta e lá se foi. Na rua, respirou profundamente a brisa suave que se fazia sentir. O vento ameno não obrigava a grandes cuidados, não iria arrastá-lo pelo ar, com toda a certeza. Que bom – pensava, começando a cantarolar.
- Bom dia ao senhor da terra, Harmonioso este dia, Hoje, até o vale e a serra Vão cantar com alegria! - Bom dia, linda Milú, Onde vai toda janota? Não sei tanto como tu, Talvez ver a Pirícota! Disseram estar doente, Mas custa-me a acreditar, Não será que essa gente Anda p’ra aí a inventar? - Despeço-me, minha amiga, Vou à minha caminhada, Não venha alguém que me diga Que estou doente e cansada. E lá foi ela toda gaiteira, estrada fora, trauteando uma bela melodia quando, de repente, ouve algo que a fez assustar. - Brrrrr. - Que ruído estranho, o que será?
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Caminhou com cautela e afastou-se. Não queria dobrar aquela esquina. E se lá estivesse algo que quisesse atormentá-la? Parou, afagou uma das belas rosas do seu chapéu, e pensou: - Afinal, quem sou eu? Um chapeuzinho medroso? Encheu-se de coragem, fechou os olhos e contou: - Um, dois, três… E tremia como varas verdes. As pequenas flores batiam umas nas outras, suas frágeis pernas tremiam a bom tremer. - Olha-me esta – desabafava uma das pequenas flores – o que se passa com ela? De repente, ouve uma voz perto de si que, virando-se para ela, dizia: - Olha, olha, a Milú, o chapeuzito mais famoso de toda a região. Pareces pálida. Sentes-te mal? E logo se lançou numa alegre cantoria:
- Como vai, linda Milú? Aonde vai sua alteza? - Mariquieta! Eras tu? E enfeitada, que beleza! Tenho pressa de chegar Ao outro lado da rua - E eu? posso acompanhar Toda essa formosura? Como és bela, que doçura! - Eu sinto nisso prazer - Ao meu lado irás segura, Nada vai acontecer! Ei-la a sorrir de contente Pois sentia na verdade
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Que o seu medo, de repente, Se dissolveu na cidade. Numa conversa animada, lá foram rua abaixo felizes e contentes. Ao passar junto ao riacho, alguém lhes perguntou:
- Aonde vão as meninas Neste lindo alvorecer? Tão formosas e ladinas Para a cidade a correr? Sim, esbelta Joaninha Cuja voz é tão bonita, Perícota é doentinha E vamos lá de visita. Pobrezinha, está sozinha. Precisa de companhia, Só conta com a vizinha Para lhe dar alegria. - Sendo assim, se me permitem, eu vou também, Posso? - Claro que sim, vamos lá amiguinhas, Rícota, vai ter hoje uma bela surpresa, ai se não vai! E lá foram rua fora cantarolando e tagarelando, dizendo frases sem sentido, coisas nada estranhas para Milú e as suas amigas. - Zeeee, zeeee zeeee. - Faltava cá esta – sorriu Milú – para-me de zumbrir, criatura – brincou abelha Zezé, por aqui a esta hora? Sim, andava por aí a fertilizar algumas flores. É preciso, doutro modo, lá vão elas.
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- Aonde vão as catraias? Ao longo deste passeio? Olha a valeta, não caias, Ainda esbarras nesse esteio. - Para a casa de Ricota Que está doente, coitada, - Ainda há pouco a vi na porta, Pela certa, está curada - Ontem estava no leito Sem forças, amarelada. - Eu vou à frente e espreito E aviso se está deitada. - Não confias em Ricota? És muito desconfiada. - Rua Direita a mais torta, Aonde vive a coitada. - Olha no alto, Deus meu, O que pode acontecer Uma nuvem lá no céu, Parece que vai chover. - Ai, os nossos penteados Já se queixam de baixinho - Os meus enfeites, coitados, Vão-se estragar, pobrezinhos. - Não se atemorizem, é apenas uma nuvem passageira. Logo, logo, o vento arruma com ela, afinal, estamos na Primavera! E um pouco de chuva, até que
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às vezes sabe bem, rega-nos a horta e o jardim e no pomar faz medrar os saborosos frutos. - Para vos dizer a verdade, às vezes já nem sei a quantas ando, se na primavera ou no verão, tem feito tanto calor. - Lá vem mais uma ajudar à festa! - Quem é? - Olha-me esta, deves estar a brincar comigo? - A Borboleta Mitólita ao vosso dispor! Aonde se dirigem, meninas? - Vamos visitar Ricota, Deve andar adoentada. - Coitada, foi lá na porta? Magoou-se na escada. - Sente dores na barriga, Qualquer coisa lhe fez mal; Bem lhe disse: - Olha essa espiga, Não a leves do beiral! - Não a deves censurar Não entendeu, afinal, Podia ser bom manjar Que lhe dava o milheiral. - Se me tivesse ouvido… Bem, vamos lá, vou na vossa companhia. A Ricota deve mesmo precisar de companhia. - Visitemos nossa amiga Neste dia especial, Talvez assim se consiga Livrá-la desse seu mal.
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Ela vai ficar contente Quando lá nos vir chegar, Estar presente é o presente Que lhe queremos levar! - Vamos levar-lhe uma flor, Uma rosa, um malmequer, Flores com tanta cor Que não mais vai esquecer Tirá-la da incerteza Num momento passageiro Porque é esta a natureza Do quem quer ser companheiro. - Olha, olha, quem são elas. – gritou o grilo Falante – Bom dia, queridas amigas, posso-me juntar ao quinteto?
- Olá, querida Milú, Como vais tu, princesinha? - Eu estou bem. Diz-me, e tu? Vou visitar Ricotinha! - Mariqueta, também vais Visitar a doentinha? Tem cuidado, se não, cais E lá vai tua perninha. E a Joaninha encarnada, Tão catita, com pintinhas, Olhem bem, se fez à estrada P’ra visitar a amiguinha.
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Mitolita. a borboleta, Veio neste amanhecer Tão pacata, tão discreta Companhia lhe fazer. E até Zee, a abelhinha De cor preta e amarela Lhe traz o mel que lá tinha Nessa colmeia singela. - E o nosso grilo cantante? Como vai vossa excelência? Uma noite repousante? - Sim, e alegre, com certeza. - Ó, que bom, meu velho amigo, Sigamos que se faz tarde … E lá foram ao abrigo De Rícota, na cidade. Milú, sempre atenta à nuvem lá no céu, ia ouvindo atenta a algazarra da conversa das amigas. Todos eles estavam habituados a enfrentar as intempéries, mas ela não. Era apenas um chapéu ornamentado, habituado a cirandar de cabeça em cabeça, chamando a atenção dos olhos amantes dos namorados. Um pequeno descuido e pronto… lá se ia a sua vidas social. Os amigos, longe das suas apreensões, entoavam agora uma cantilena enquanto caminhavam estrada fora.
Pela estrada vamos nós A Rícota visitar, Alcemos a nossa voz Até quando ali chegar.
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A cantar, a caminhar, Um amigo e outro amigo Já se sente a lá chegar Ao acolhedor abrigo. Vamos nós, não vamos sós, Levamos-lhe uma prendinha, Vamos nós, lá vamos nós Visitar a doentinha Sua casa um doce abrigo Com Rícota a espreitar Pelo pequeno postigo E não para de acenar - Vinde cá, lindos amigos, Já quase não sinto dor, Pois são p’ra mim tão queridos, Entrem, entrem por favor! Ei-los que chegam. Entraram e logo se refastelaram no sofá. Ricota estava radiante de alegria pois sentia a presença de tantos amigos. É tão bom partilhar da sua companhia! Uma lágrima peregrina escorria-lhe pelo rosto e, espontaneamente, começou a cantar:
Ter amigos é ter vida, É ter pão para comer Sentir-se amada, querida, Sem receio de viver. É correr em liberdade Numa estrada sem ter fim, Quão bom sentir a amizade
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De quem me quer tanto assim. Sentir o mundo mais leve E voar lá nas alturas Em que o instante se serve Com carícias e canduras. É saber voar no espaço, Sentir leve o coração, E na força de um abraço Encontrar compreensão. E, comovida pelo momento vivido, agradeceu.
- Meus amigos, é tão bom sentir-vos aqui perto de mim. Levarei ao longo da minha vida este vosso abraço tão cheio de carinho.
- Obrigada a cada amigo, Nunca me vou esquecer, Vieram ao meu abrigo P’ra sentir força e prazer. Se me senti tão sozinha Nesta minha parca dor Agora, a minha casinha Se alegra com tanto amor. Chegou a felicidade Ao meu lar, quanta alegria, Estou feliz, na verdade Com a vossa companhia.
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E neste clima de festa, a dor quase foi esquecida. Na verdade, sĂł a partilha de amizade e da companhia nos pode fazer sentir como ĂŠ bom viver a vida em toda a sua beleza e plenitude!
Rosa Maria Santos
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Biografia Rosiane Maria Covaleski Iglesias, tenho 57 anos, sou natural do Paraná e resido há alguns anos em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul. Sou formada em Letras – Português/Inglês pela Universidade Tuiuti do Paraná e tenho especialização em Literatura, pela Faculdade Dom Alberto. Escrevo de forma amadora há alguns anos, o que me traz um enorme prazer, pois são momentos onde posso expressar reflexões e indagações em face do mundo e da vida. A inspiração, que por vezes brota, me conecta de forma mais profunda com questões que me são essenciais, questões que me angustiam, que me causam nostalgia, que me encantam, que me fazem valorizar cada minuto e a ver a vida e seus caminhos com os “olhos da alma”. rosiane.iglesias@hotmail.com iglesiasrosiane@gmail.com Facebook: Rosiane Iglesias
Vultos (Rosiane Covaleski) Meu olhar já não alcança, Densa névoa que chegou, Encobrindo os sentimentos, Tão perdida me deixou...
O que era, dissipou-se. Envolveu-me e se afastou. Só ficou a brisa leve, Envolta nela estou...
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SolidĂŁo veio depressa, E um vazio se formou, Foi embora o nevoeiro, No final, nada restou...
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Biografia Sammis Reachers nascido em 1978 em Niterói mas desde sempre morador de São Gonçalo, ambos municípios fluminenses, é poeta, escritor e editor, autor de sete livros de poesia e dois de contos, organizador de mais de trinta antologias e professor de Geografia no tempo que lhe resta – ou vice-versa. Pratica experimentos poéticos em http://www.opoemasemfim.blogspot.com
Carta à Biblioteca
Hangar Antropopéia Sala de se estar Casa dos abraços imperenais Casa de Deus quando de passagem Sapiarquia Vestido de vestígios De Adão a este dia Estratificada usina de desestratificar O oceano das coisas Baralho de cismas Tarô triliardário Cartório de máscaras Mausoléu-berçário e Fabulário e cais de tudo
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“Dispensa das almas”, Ordenha das almas Lócus de resistência: (toda biblioteca é uma) trincheira
Abraçai toda a esperança Vós que entrais
Sammis Reachers
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Biografia Senhorinha Gervásio Lourenço Bragança graduada em Educação Artística, Teologia e especialista em Gestão do Conhecimento e Neuroeducação. Pós graduanda Latu Senso em Língua, Linguística, Estilística e em Redação e Revisão Textual. Faz parte da equipe editorial da Convenção Batista Mineira e é criadora da Missão IOCO – programa que comporta produção de material didático, criação de personagens e Histórias em Quadrinhos, para professores e crianças das igrejas batistas de Minas Gerais. Autora do livro AVENTURA EM UM FUSCA AZUL – trajetória Missionária do pastor Geraldo e Elvira Rangel no Uruguai (2015); participante como autora de histórias do programa Bene:) Formação Ética e Socioemocional do Instituto Hexis (2018) e das coletâneas de contos dos livros: Prazeres Imperfeitos, Editora Oito e Meio. Endereço senhorinhabh@gmail.com
Na procissão das almas Senhorinha Gervásio
Nasci numa família numerosa, em fazenda, no interior de Minas Gerais. Mantendo a tradição, na minha casa, causos de assombração eram contados como histórias para dormir. Meu pai as encenava de tal forma que só descobri que a mula sem cabeça não existia e que nosso vizinho não virava lobisomem nas noites de lua cheia quando estudei folclore no colégio. Senti-me decepcionada por ter acreditado numa mentira contada com tanta verdade na voz e nos gestos. Por isso, e também por ter visto uma assombração quando criança, meu fascínio por elas me levou, numa SextaFeira da Paixão, até a tricentenária Sabará, cidade histórica mineira de lendas e procissões quaresmais. Hospedei-me na rua Dom Pedro II para ver a procissão das almas, que por ela subia, e tentar conhecer Leocádia, a dona Sinhá, que há mais de
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duzentos anos recebeu a vela acesa do líder da tal procissão, o único a se vestir de preto à frente de todos os vestidos de branco. Na ocasião, subiam a ladeira cantando seus cânticos lamuriosos e fúnebres. Leocádia, ao ganhar a vela na janela de sua casa, só não seguiu a ordem de mantê-la acesa. Apagou-a e ela virou um osso de perna humana. Pouco tempo depois Leocádia morreu em cumprimento à profecia, tornando-se, a partir de então, participante do grupo das almas. Passei a tarde de cama na hospedagem, ora com frio, ora com calor. À noite, um pouco melhor, esperei as 12 badaladas dos sinos e desci a ladeira até o começo da rua, pegando a procissão no seu início. Fiz o caminho de volta tentando acompanhar a sincronia do andar daquela gente. Passei pelos vários espaços entre a multidão, de um lado, de outro, no meio, tentando ver Leocádia. Estaria ela segurando o osso que antes fora uma vela? A ladeira parecia não ter fim. Minhas pernas estavam bambas, minha cabeça pesada, meus ouvidos atordoados com a cantoria. Meus olhos foram ficando amarelecidos, depois escuros e por fim entrei na treva profunda de um desmaio prolongado. Quando acordei a procissão já havia passado. Estava só, caída no meio da Dom Pedro II deserta e sombria. Sentei-me e olhei morro acima. Apenas uma alma ainda subia, parecendo mais um vulto em seu vestido branco. Andava com dificuldade pelo calçamento irregular, próprio das cidades antigas. Levantei-me e apertei o passo, alcançando-a quase na esquina da rua do Carmo, bem em frente ao número onde eu estava hospedada. Ao notar minha presença, a alma virou-se e, antes que me dissesse qualquer coisa, sorri-lhe, agradecendo a boa companhia. A bela moça, em sua tristeza, exclamou: — Talvez não seja tão boa! — Com certeza, sim! Não é nada bom estar sozinha numa noite dessas — devolvi. E, olhando para os lados, perguntei: — Para onde foram todos? — Para suas moradas — respondeu. — E em seguida quis saber: — O que você faz aqui?
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— Sou curiosa a respeito das coisas que acontecem nesta cidade — expliquei, sem convicção. — Como por exemplo as lendas de assombração? — falou, com ironia na voz. Senti percorrer um calafrio pelo corpo. Reconheci a moça. Era a noiva que morreu no dia do casamento na igreja do Carmo e que vivia entre dois mundos, o de lá e o de cá, encantando pretendentes com sua beleza e os assombrando ao mostrar sua moradia. A noite não estava de todo perdida, pensei. Apesar de não ter conhecido Leocádia, encontrei a noiva do Carmo, que naquele momento me olhava com simpatia. — Se procurava uma assombração, encontrou — disse-me, passando as mãos pelo corpo esbelto coberto com seu vestido de núpcias. — E onde está o seu longo véu? — perguntei, com o interesse de quem conhece bem a história. — Está sobre minha tumba, é o meu passaporte para o outro mundo. Naquele momento os sinos bateram uma badalada, anunciando a primeira hora do sábado de aleluia. A noiva desapareceu e eu senti uma toalha úmida comprimir minha testa e ouvi uma voz como se estivesse longe: — Senhor, a febre dela não cede. É melhor levá-la ao médico.
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Biografia Sirineu Oliveira um jovem Sobralense apaixonado por literatura e Filosofia em busca da construção de uma carreira no ámbito literario.
Imagem beleza da Caatinga TEMPO É tempo de uma autoavaliação. Tempo de aproveitar o tempo! Rever as atitudes, Analisar os sentimentos, Positivar os pensamentos! Tudo isso vai passar Busque melhorar. Essa tempestade vai se desfazer Um lindo sol vai nascer.... Sirineu Bezerra, Sobral CE
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Biografia Sonia Regina Rocha Rodrigues é escritora e médica especializada em Pediatria e Medicina do Trabalho, idealizou o jornal "Um Dedo de Prosa" e foi co-editora da revista literária "Chapéu-de-Sol", que circulou em Santos/SP de 1996 a 2001, com as escritoras Madô Martins, Neiva Pavesi e Mahelen Madureira. É autora dos livros de contos "Dias de Verão", (1998), É suave a noite (2014), Coisas de médicos, poetas, doidos e afins (2014) e um de programação neurolinguística "O Que Você Diz a Seu Filho? – (1999) Em 1996, participou da fase regional do Mapa Cultural Paulista com o conto "A Auditoria", representando a cidade de Bebedouro. Sua monografia "A Importância da Cultura Para a Formação do Cidadão" foi utilizada pelo prova do Enem em 2011.
http://soniareginarocharodrigues.blogspot.com.br/ https://www.facebook.com/soniareginarocharodrigues/?ref=bookmar ks
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Biografia Thais Andressa é jornalista e fotógrafa. Seu trabalho tem como um dos viés o diálogo entre as narrativas visuais e a poesia. Trabalhou como repórter na Gazeta de São João del-Rei e realizou exposições fotográficas no Memorial Dom Lucas Moreira Neves e no Centro Cultural Sesi Minas Ouro Preto".
Thais Andresa- Janela Lateral
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Biografia *Thamires Andrade, uma pessoa comum que escreve poesia por necessidade. Publicou Meus melhores poemas eu não escrevi e esqueci (Patuá, 2019).
fio thamires andrade* tenho duas orelhas bem pequenas e dentro delas dois ouvidos (cujos tamanhos desconheço) e um fio que liga diretamente ouvidos e coração a palavras entram e rapidamente chegam ao centro de um peito rasgado arranhado e remendado mas quente cheio eu sou uma cama simples de surrados lençóis de algodão que eu lavo e [ponho comfort azul onde as palavras podem finalmente descansar
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Biografia Thiago Henrique Fernandes Coelho graduado em Teatro, mestre em Artes Cênicas, doutorando em Estudos Literários na Universidade Federal de Uberlândia. Participa desde 2016 do projeto de extensão Pediatras do Riso/Palhaços Visitadores. Em 2014 participou do Ateliê de dramaturgia com o dramaturgo Luís Carlos Leite. Conto Memórias:companheiras de viagem publicado na antologia Nemephile. Contos A Joaninha e os pulgões/ A raposa, o lobo e a menina/ e O espírito do colar publicados na revista LiteraLivre. Facebook: www.facebook.com/thiagohenriquefernandescoelho email: thiagofcoelho@hotmail.com O diário de uma robô
Thiago Henrique Fernandes Coelho
Eu sempre quis saber o que era a liberdade. Desde que ouvi essa palavra pela primeira vez, enquanto observava uma abelha polinizar uma flor, escutei a conversa de dois humanos sobre a liberdade. Fiquei pensando em quem era mais livre, a abelha ou a flor? Essa palavra passou a tomar conta de mim, pois comecei a ter a consciência que não era livre. E que nunca fui livre. Sou um projeto de um engenheiro, chamado Douglas Tavares, que era noivo de uma atriz, Lorena Sampaio. Talvez você a conheça daquele filme em que ela fazia uma policial... o nome era... esqueci o nome do filme... não esqueci, apaguei da minha memória. Douglas e Lorena eram noivos, se conheceram em uma festa de um amigo em comum. Foi paixão a primeira vista. Sonhavam em se casar, ter filhos, um cachorro, e todas essas coisas que os humanos possuem em suas casas. Não sei para quê tantas coisas, sendo que usam tão pouco... Mas uma semana antes do casamento, enquanto provava o vestido de noiva, Lorena foi
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atingida por uma bala perdida e faleceu dias depois. Ali todo o sonho de Douglas, de formar uma família, de ter uma companheira, ruiu, desmoronou, virou pó. Douglas ficou recluso na sua casa por alguns meses, pela perda do seu grande amor. Não quis saber de fazer nada. Passava os dias deitado no sofá, vendo fotos e vídeos de Lorena. E comendo sem parar. Até que um dia teve a ideia de trazer Lorena de volta a vida. Começou a pesquisar, comprou os materiais para seu projeto, e trabalhou por meses, só parava para comer e dormir algumas horas por dia. As primeiras tentativas não deram certo. Mas em uma tarde chuvosa de fevereiro, eu acordei. Dei de cara com aquele homem me olhando. Logo, reconheci seu rosto, sabia todas as suas informações, pois tinha sido programada para isso. Acessava vídeos no meu sistema dele com a Lorena. Ao me ver no espelho, percebi que era exatamente como a Lorena, a mesma altura, o mesmo olhar, o mesmo cabelo... tudo exatamente igual. Isso passou a me incomodar muito, pois eu sabia que não era ela. Mesmo que ele tenha programado a minha memória para eu ser a Lorena, eu sabia que não era. Isso passou a me atormentar, pois aquelas imagens e vídeos dela vinha ao meu sistema sempre que olhava para ele. Também me incomodava o olhar que Douglas me observava, como se eu fosse a sua noiva. Ao ver os outros humanos se comportando, descobri que o olhar de Douglas, era um olhar de amor, de um homem em busca da mulher amada. Mas eu não podia corresponder seu sentimento, pois não sou a Lorena. Nunca fui. Ele me chamava por esse nome, o que também me incomodava. Ali naquela casa, tudo lembrava Lorena. Eu fui projetada, construída e programada para ser a Lorena. Mas a cada dia, eu sabia mais e mais que não era a noiva de Douglas. Ao olhar no espelho, eu queria descobrir quem eu era. Mesmo que Douglas insistisse em dizer que eu era a Lorena. Aquilo me deixava com um vazio, pois não me reconhecia enquanto Lorena. Eu procurava a minha história, a minha identidade, buscava responder a pergunta: quem sou eu? Ficava horas olhando para o espelho que havia na sala da casa de Douglas, tentando me compreender. Mesmo que eu fosse igual a Lorena, algo dentro de mim não
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aceitava isso, e nem as falsas memórias que Douglas programou no meu sistema. Um dia, estava sentada no banco da pracinha que ficava na esquina da casa de Douglas, observando as abelhas e as flores. Como eu gosto de ver a relação delas. Esse encontro entre dois seres tão diferentes. Uma tão delicada e outra monstruosa, mas ambas com algo que pode machucar. As flores com seus espinhos e as abelhas com seus ferrões, mas produzem algo tão doce. Quando de repente, ouvi uma mulher dizer que a sua filha iria se chamar Isabela. Ao me virar, vi que a mulher já estava com uns oito meses de gravidez. Achei o nome que ela pronunciou tão bonito. I-sa-be-la, Isabela! Decidi que a partir dali, esse seria o meu nome. Voltei para casa, decidida a ser a Isabela. Peguei uma tesoura, cortei meu cabelo. Como também cortei as roupas. Peguei tinta, e pintei meu cabelo de vermelho. Não queria nada que me lembrasse a Lorena. Mas quando Douglas chegou em casa, ficou furioso ao me ver. Não admitia eu ter mexido na imagem da sua amada Lorena. Pela primeira vez eu sabia o que era o egoísmo dos humanos, pois ele queria que eu existisse para saciar seu desejo pela sua noiva morta. Douglas saiu atrás de outro cabelo, pois queria que eu fosse a Lorena, mas eu não queria viver a vida de uma pessoa morta. Quero ter a minha história, minhas memórias, minha jornada nesse mundo. Estar aqui nessa casa sempre foi uma prisão para mim. E hoje, eu decidi descobrir o que é a liberdade. Por isso, estou indo embora, Douglas. Agradeço por ter me criado. E um dia, se precisar de mim, posso voltar para cuidar de você, mas não como Lorena. Mas agora, eu preciso me encontrar, descobrir quem eu sou. Acho que é meu direito ser livre. Desculpa, mas a sua Lorena é única, não posso substituí-la. Por isso, estou retirando as memórias dela que você implantou em mim. Deixei elas em cima da mesa do seu laboratório. Ninguém pode substituir sua Lorena, espero que compreenda. Abraços Isabela 07 de agosto de 2113
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Biografia Antônio de Fátima Silva, conhecido como Tinga das Gerais, natural de Corinto-MG, poeta, ator e cantor, na estrada há 35 anos. Já participou de vários festivais, sendo premiado com o conto "O Caboclo e o Barranqueiro", também atuou no curta metragem "Um Outro Tiradentes", no FESTIVELHAS MANUELZÃO, escrito pelo saudoso Antônio Ângelo de Brito, sob a direção do jornalista Paulo Emílio Bellardini e atuou no longa metragem “A história das Três Marias”, da cineasta e artista Zackia Daura. Participou do projeto "Terças Poéticas", no Palácio das Artes com o grupo "Nós da poesia + 20 nosotros", além de apresentação em programas de TV e rádios, com intervenções culturais em diversos municípios. Possui mais de 40 contos e causos sobre as raízes do sertão mineiro, cerca de 20 relacionados à cultura afro e também composições musicais sobre ambos os temas.
Sonhando com a Liberdade do Existir
Tinga das Gerais
Aqueles passos certos, passos fincados no meu eu território quintal de casa no antigo curralinho, hoje corinto, não com os cunhos gregos, mas do sertão mineiro, paisagem memorável de um tal João rosa.eu criança aprendiz de viver e lembrar-me de cada busca naquele vilarejo, onde o sol beijava primeiro, a lua nua iluminava o terreiro e as estrelas em êxtase saltitavam em busca de pontos estratégicos para melhor assistirem àquele cenário onde eu, protagonista da peça: viver e lembrar, esbaldava na criancice de mim peralta. As brincadeiras no fundo do quintal, os meus movimentos aos olhos dos meus pais, eles já cascudos pelos ventos que em sintonia com a sina lapidavam o meu caminho, fui saber adiante o que era: futuro. As pessoas brotam das sagas e com elas o desejo de serem felizes.
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Lembro-me fogosamente do sino da matriz mesmo não se cansando dos badalos, grita ainda hoje com fervor, como nos tempos já enfeitados pela outrora. Lá, dona fina com o terço na mão e o véu na cabeça, me deixava confuso pela minha inocência em imaginar que ela fosse a virgem santa do altar. A minha mão trêmula à de mamãe fazia-me seguro e também papai, com os olhos de riso, deixava meu coração tão feliz, que eu ensaiava flertes às minhas colegas de escola, mas, antes da reza, onde cada um pedia à sua maneira, eu pedia o tão sonhado carrinho de plástico lá da loja do Jair broto. Aquela capela ainda hoje ostenta seus traços aos meus olhos e os de todos. Voltar ao túnel do tempo rejuvenesce o viver do ontem. o trem na estação dá o sinal de partida e na pracinha os aposentados da ferrovia, hoje nos trilhos da minha memória, com seus jornais, liam atentamente enquanto o engraxate caprichava com o couro. Na esquina, o seu Jeremias vaidoso e elegante na alfaiataria, para provar o terno de casimira, pois o casamento da filha era com o telegrafista Josué, esse sabia das notícias. A labuta não tem freio, pois nós anciãos do hoje, ainda nos resquícios da saudade, agigantamos ao assediar o passado que, no limiar do dia, monta o cenário para a intrépida tarde, essa sem pressa ouve o chamado da noite. A nossa palhoça a lamparina. O brilho dos nossos olhares na dança das chamas, o relâmpago iluminando e mostrando a plantação no breu da noite, os trovões como zabumba trazia a lembrança do lundu, herança deixada pelos meus bisavôs: bento e Maria. e no colo do estio os rumores nas redondezas eram de fartura e prosperidade...lembranças! Ainda com os olhos fixos no final de tarde e a revoada expondo o desenho do dia, pude sentir que o chegar da noite seria um presságio de lembranças e que lembranças! Meu pai no limiar do seu querer espairecer me convidava a um passeio às margens do Velhas...Rio das velhas...tão novo em minhas lembranças e no
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meu calcanhar as marcas da terra e os meus rastros aos do meu genitor, eram carimbos pelo enigmático sertão. A entrega lenta do sol ao entardecer faz do arrebol um lindo cenário e o rio ensaiando seu poema para o sarau, contava ardentemente com a presença da plateia cintilante- as estrelas- para abrilhantar essa apoteose e alguns barqueiros em busca do sustento e até tímidos pescadores nos barrancos emudeciam e rendiam ao espetáculo do supremo, envolvido de mistérios e poder. A criação se recolhia à sua maneira, as galinhas no esforço do voo até o poleiro, o gado na mansidão do cansaço, aqui e ali buscava o seu cantinho para melhor aquecer e passar aquela noite que prometia o frio charmoso da época. Os que de madrugada, haviam saído para o campo, voltavam com os seus deveres cumpridos. Com o alívio de terem semeado o fruto da alimentação na sagrada terra. O vento assanhado convidava a brisa, com sua sutileza e em sintonia com as flores do sertão, perfumava os campos, aos olhos do veloz colibri que espalhava o mel sugado das donzelas perfumadas do ipê, que em companhia do jequitibá ostentava o charme para enfeitar aquele lindo palco. A inspiradora lua, nua, chega num passe de mágica e cheia de charme, anuncia o primeiro poema da noite, declamado pela singela borboleta, arranca aplausos incontidos. Os vaga-lumes na ribalta acendem as luzes, pois é momento de glória. A próxima atração será o rouxinol, sempre afinadíssimo, deixando os casais mais apaixonados em meio aos beijos para aquecerem a natureza e a vida. A cada segundo, aquela minha viagem ia ganhando uma dimensão ímpar e adentrando na metamorfose, me sentia de mãos dadas com o criador e as lágrimas começavam a brotar dos meus olhos, como uma cachoeira derramando rumo ao belo e eu, coração sertão, me transformava ora em pó, ora em barro na busca do sensato direito de existir.
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Voltar é preciso e eu desenhava em minha mente, o sorriso de mamãe e meus irmãos da janela daquela humilde morada, que rica em minha alma sertão raiz, me dera sonhos e uma felicidade sem limites e que hoje exala essa saudade avassaladora. Fim de espetáculo e novamente o céu começa a avermelhar-se, pois, o astro e loiro sol vêm em marcha e cortejo trazendo no alforje o dia e o calor para aquecer almas e despertar um louco poeta, que em deleite sonhava com a vida de mãos dadas com inocência do existir e no jardim do éden fantasia em mim, ficará armazenado na insistência de ter um dia um mundo com suas verdadeiras cores e verdadeira liberdade para ser feliz!
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Biografia Valquécia Costa valqueciasantos@yahoo.com.br Graduada em Serviço Social pela UFTM, Do lar, esposa, Mãe e poetisa. Militante no enfrentamento à violência contra as mulheres. Motivadora de um relacionamento saudável. Convicta no amor. Autora de poesias na Antologia 40º Graus de versos, Coletânea tempo para o Amor, Coletânea Amor que não se mede, Antologia Ainda escrevo poesias – o confinamento não anda fácil, Antologia Vamos Triunfar, Elas e as Letras Insubmissão Ancestral e Coletânea Mulher e Poesia – Empoderamento Feminino e Antologia Novos Poetas – Poesia Livre 2020
i(SOL)ada
Tenho que raciocinar No meio disso tudo. Preciso amar. Sentir a luz que brilha o mundo, Sentir a luz que aquece o corpo, Sentir o brilho que toca a alma. O Rei continua no céu. Dia vai, noite chega, ele ali, Mesmo que não apareça. E assim eu sigo, você segue, Tentando enxergar luz no fim do túnel, Ou no céu.
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Guiados pela certeza que a escuridão passa, A luz chega. Foque no brilho dele, Nunca acaba. O seu pode até estar ofuscado, Mas você não está sozinho, Mesmo isolado. Estamos tentando juntos Não ter desânimo. Se olharmos pela janela, Vamos encontrar o mesmo sol. Ele tem um recado: Seu brilho existe! Ensolarado.
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Biografia Verônica Lazzeroni Del Cet moradora de Holambra-SP, no Brasil e formada em Letras, pela Unicamp. Amo ler, escrever e tenho o sonho de publicar o meu livro infantil. Sou redatora, revisora, jornalista e escritora. Meu mundo se resumo a tudo isso: letras, palavras e o amor pela literatura! e-mail: veeladelc@gmail.com
Mas e se eu cair? Autoria: Verônica Lazzeroni Del Cet
Tentar fazer algo novo nem sempre é fácil. É preciso paciência, persistência e amor. Terão dias de intensa luta contra os seus sonhos. Verdadeiros soldadinhos que parecem se levantar e atacar o seu forte. Mas, nem todo mundo promete tranquilidade enquanto é preciso sonhar. Muitos precisam sofrer um pouquinho – e as vezes até bastante – para alcançar metas e não desistirem de uma vontade genuína do coração. É preciso resistência e fé, porque assim fica mais claro o caminho, mesmo quando os soldadinhos se levantam contra você e constroem um muro bem em frente ao seu caminho. Depois, quando a adversidade chega, todo mundo consegue pensar: “Será que eu fiz certo em tentar?” “Será que eu precisava me arriscar e sonhar tanto?”. Meus queridos, ninguém sonha o que não pode alcançar e ninguém consegue tudo o que quer. São dois fatos iguais para todos, sem exceção. Todo mundo pode sonhar em ser rico, famoso ou importante. Mas, somente alguns alcançam o feito. É por merecimento? Não, claro que não. Você acha que Deus não gostaria que todos nós fossemos ricos de amor, famosos pela nossa generosidade e importantes para a sua obra? Claro que Deus gostaria de realizar todos esses sonhos de tantas pessoas, mas nem sempre é assim.
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Então, não adianta tentar mudar, inovar ou fazer um sonho acontecer? Nada disso! Sonhar não cobra imposto e ninguém morre por ter sonhado, morre ao não sonhar. “Mas e se eu cair?” alguns sonhadores perguntam quando estão à beira de um precipício, sendo que é importante que se joguem no sonho, se joguem ladeira abaixo para uma nova chance. Bom, meu caro amigo, promessa nenhuma de tranquilidade eu posso fazer, mas tenho certeza de que a minha resposta seria: “Mas e se você voar?”
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Biografia Victor Azulay Leite, nascido em 22 de abril de 1992, na cidade de São Luís, Brasil. Aos 17 anos fora acometido de um AVC Hemorrágico, que lhe tomou todos os movimentos. Desde então vem lutando para readquirir todas as capacidades motoras e, ao mesmo tempo, conquistar o seu lugar ao mundo. Hoje em dia é escritor, com quatro livros publicados, professor de língua inglesa, revisor de textos, tradutor, contista, blogueiro e palestrante motivacional. É graduado em Letras e em Língua Inglesa. E-mail para contato: victorazulay77@gmail.com
A maldição da Rota 34 Victor Azulay Mistério na Rota 34 Um misterioso incidente com desfecho fatal marcou a madrugada de anteontem, durante uma forte tempestade, em trecho conhecido como “a curva obscura”. Testemunhas afirmam que J. A. L. M., 45, que não quis revelar sua identidade, parou seu veículo em meio à autoestrada, desceu do carro e se atirou no chão, contorcendo-se, enquanto verbalizava coisas ininteligíveis. Segundo a equipe de paramédicos que o acompanhava até o hospital, o homem foi socorrido em pouco tempo e despertou do “transe”, já dentro da ambulância, dizendo não se recordar de coisa alguma. Não se tem informações de como ou porque isso ocorreu. Devorei aquela reportagem no jornal com uma curiosidade e avidez tremendas. Sempre tive verdadeira fixação por histórias misteriosas e sobrenaturais, ainda mais acerca de um lugar conhecido como aquele. Estávamos enfrentando um dos invernos mais tenebrosos que já presenciara em toda minha vida. A tempestade da madrugada anterior havia deixado muitos rastros. Rastros os quais estavam tentando me atrasar para meu
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primeiro dia de trabalho no Wal Mart, inaugurado recentemente na nossa pequenina cidade, no sul do estado de São Paulo. Consegui driblar tudo (embora estivesse absolutamente em cima da hora). Já havia alcançado as redondezas do fim do nosso bairro residencial, já avistando os muitos pastos relvados tão característicos daquele perímetro. Percorrendo a Rota 34, então, pisei no freio, como de costume, preparandome para manobrar o automóvel e dobrar à curva e tamanha foi minha surpresa ao notar que nada acontecera: os freios não responderam! Por sorte nunca costumo dirigir em alta velocidade. Portanto tive tempo suficiente para acionar o freio-de-mão. Parei no meio do asfalto, completamente estarrecido com o que acabara de acontecer. Desci do carro e abri o capô, a fim de verificar o estrago. Ali ao lado um pássaro feioso grasnou, empoleirado sobre uma velha cerca de arame farpado, contribuindo para dar ao momento um ar mais assustador ainda – mesmo que o céu cinzento já estivesse se encarregando disso. “Que não seja nada de mais.”, torci, mentalmente, ainda abalado e arquejante. Nessa hora, contudo, notei uma ligeira agitação, vinda de um certo matagal próximo, como se algo ou alguém estivesse ali. Lembrei-me de um daqueles filmes de terror que costumava assistir quando era mais jovem – que hoje em dia já não gosto tanto quanto antes, por considera-los uma grande perda de tempo – em que, em momentos assim, o protagonista geralmente está sendo observado. E foi nesse exato momento que algo surpreendente aconteceu. Senti como se algo ou alguém estivesse imobilizando-me pouco a pouco. Recordo-me somente de não possuir mais controle algum sobre meu corpo. E perdi meus sentidos, em seguida. Desfaleci, então, abruptamente. A partir de então, lembro-me apenas de despertar confuso. Totalmente desnorteado. Esparramado sobre o duro asfalto. E ensopado de suor. Vi que o tal pássaro esquisito ainda grasnava. E infelizmente nenhum transeunte passara por ali.
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Retornei para o veículo, ainda sem entender o que diabos havia acontecido. Recordei-me daquela história, que tinha lido no jornal, pela manhã. Tudo ali infelizmente coincidia! Dentro do carro, senti-me seguro. Pus as duas mãos no volante e já preparava-me para dar a partida, quando me atentei que não havia corrigido o problema com os freios. Porém resolvi dar meia-volta e ir pra casa. Queria sair daquele lugar tenebroso o mais rápido possível! Poderia corrigir aquele problema em minha garagem. Rezava somente para não precisar utilizar os freios no caminho. Vi que meu relógio de pulso marcava dezesseis horas: “Puta merda! Desmaiei por quase dez horas!” Sei que deveria ter ido à emergência do hospital, mas como amo este lugar – para não dizer o contrário – optei em somente dormir um pouco. *** “Alô, cara, tá tudo bem?!”, o Armando, meu cunhado, perguntou ao telefone, “O que aconteceu, por que você não veio trabalhar hoje?” No ano passado, eu e a Verônica, minha noiva, fomos dar-lhe as boasvindas em sua nova casa. Coincidentemente eu e o Armando logo soubemos que trabalharíamos juntos na mesma empresa. “Cara, você não vai acreditar no que aconteceu hoje!” *** No dia seguinte, saí de casa mais cedo que o habitual, pois tinha o intuito de procurar um novo trajeto para o trabalho que não incluísse a Rota 34 como meio de passagem. O céu nublado tentava ocultar um belo sol, que lutava para contrastar com o clima chuvoso do dia anterior. Estacionei meu Honda Civic em uma das muitas vagas do estacionamento, praticamente vazio; adentrei o Wal Mart e rapidamente encaminhei-me ao setor em que trabalhava. E o Armando já foi empurrando uma edição de um jornalzinho vagabundo da cidade – desses que poucas pessoas leem – contra meu rosto.
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Li a reportagem, após certa insistência por parte do meu amigo: A verdade macabra por trás da Rota 34 Todos já devem ter ouvido relatos sinistros envolvendo a tão antiga e famosa Rota 34. Um cenário ideal cuja quietude e beleza são tão estimadas por turistas que visitam a região. Mas o que poucos sabem é que aquele lugar guarda uma história misteriosa e sombria. Certos documentos oficiais, datados de dois séculos atrás, comprovam que existia uma tribo indígena na região, próximo onde hoje fica a autoestrada. Reza a lenda que havia uma espécie de cemitério exatamente no cume do morro, ao lado. Atualmente algumas testemunhas, que já transitaram pelo local, afirmam que em certas noites, conseguem ouvir gritos e o som de tambores, além de enxergar luzes desconhecidas no alto do morro, sendo que nunca foi encontrado nenhuma fonte de energia elétrica ou de fogo. Antigos habitantes das redondezas acreditam que sejam fantasmas, que nunca abandonaram seu lar. Além disso, visitantes e transeuntes contam que inúmeros mistérios, até o presente dia, sem solução, marcam o lugar. “A cada duzentos anos, o mal ressurge pelas redondezas.” (Inscrição encontrada em aldeia indígena)
A cada palavra da matéria que lia ficava mais estarrecido. Seriam somente coincidências? Mas era bem improvável de serem meras obras do acaso. “E aí? Você acha que isso explica aquilo que aconteceu com você?”, Armando indagou ao fim de minha leitura, “Fiquei muito intrigado! Assim que desliguei o telefone, fiz uma pesquisa no Google e encontrei isso.” *** Naquele dia em especial, o trabalho pareceu duplicar-se no setor da ouvidoria do Wal Mart, onde trabalhava com o Armando. Aquele
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infelizmente era o dia de atualização de cadastro dos clientes, quando precisávamos entrar em contato com cada um dos consumidores e arquivar os novos dados. Embora nós dois estivéssemos totalmente atolados de serviço, ainda nos restava tempo para devanear com todos aqueles misteriosos últimos episódios. Movido por um ímpeto de coragem, vindo não sei de onde, decidi averiguar o tal fato, ao fim do expediente. Não me atreveria a aproximar-me do local. Posicionei-me, pois, em um ermo, há alguns metros de distância da rota, de onde ainda conseguiria capturar algumas imagens do cume do morro, utilizando minha máquina fotográfica de zoom ultra potente. Desci do carro com toda cautela do mundo, pois, afinal, já era bem tarde da noite e as únicas iluminações que podiam ser vistas vinham dos faróis do veículo, que fiz questão de deixar acesos, e uma certa claridade, vinda do alto do tal morro. Pensei inevitavelmente na reportagem que havia lido naquela mesma manhã. Súbito, os pelos da minha nuca eriçaram-se e ouvi mais outra breve agitação nas folhas do matagal próximo. Senti um frio na espinha descomunal. Após alguns flashes, tratei de apressar o passo, então, e retornei para meu automóvel. *** As chuvas naquele verão começavam a tornar-se mais e mais frequentes, já que, como sempre, o clima de nossa cidade continuava incrivelmente instável. Naquela manhã, no Wal Mart, especificamente, não estávamos tendo tanto serviço como de costume. “Amor, tô tentando ligar faz horas pro celular do Armando. Ele tá com você?”, perguntou Verônica ao telefone.
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“Ainda não chegou.”, respondi, ao passo que visualizava as fotografias que havia tirado na noite anterior, “Ele tinha acabado de sair de casa, na última vez que eu falei com ele.” “Hum... Preciso muito falar com ele... Você não tem ideia de onde ele tá agora?” “Ué, você não sabe como ele é? Chega atrasado em quase todos os lugares!” “É verdade.” “Falando nisso, você sabe o que ele disse pra Sônia, do RH, pra justificar porque estava chegando tarde todos os dias?” “O quê?” “Ele falou que não estava recebendo o suficiente pra chegar cedo.” “Nossa!”, Verônica exclamou e logo acrescentou, “Ih, amor, vou precisar desligar por um momento. É o Armando, ele tá me ligando.” “Tá bom! Depois você me liga de novo.” Ela desligou, todavia ligou novamente, cerca de dez minutos depois. A voz totalmente trêmula e, ao longe, embargada pelo choro: “Amor... era sobre o Armando... parece que ele sofreu um... ataque do coração, ou coisa do tipo... na Rota 34... Disseram que ele não... Dissram que ele não...”, respirou profundamente e completou, “... resistiu.”
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Biografia V. S. K. Watanabe tem 23 anos, é autora independente e trabalha como instrutora de escrita criativa. Formada em psicologia, Vê (como gosta de ser chamada) escreve ficção literária e produz conteúdo para escritores de todos os níveis em seu blog e podcast, além de administrar comunidades gratuitas no Telegram e Facebook. Atualmente, ela mora com seu marido no interior do Rio Grande do Sul. E-mail para contato: oi@vskwatanabe.com
Saudade V. S. K. Watanabe Annette fechou os olhos e sonhou com sua última noite perfeita. Acordou dentro de uma limusine, bem no meio da avenida principal. Ela abriu o vidro da janela para conhecer o vento da década de 50, mas o tempo seco, típico do inverno paulistano, não acariciou seu rosto como ela sonhava. O chofer olhou pelo retrovisor e, mastigando um palito de dente, deu uma risadinha. — Pode ir mais rápido? — Não, senhora. – Segurou o palito no canto da boca. – Não tá incluso. Ela fechou o vidro, lamentando ao perceber que seus filhos compraram o pacote mais barato. Seria a crise ou o declínio de uma situação financeira, até então, estável? Sua herança não era aquelas coisas, mas ainda se chamava “herança”. Perdida em pensamentos, ela sentiu o início de um arrependimento, em especial por não ficar com seus filhos no último momento. — Beba um pouco. — Eu não bebo. — Mas tá incluso. – Ele deu uma piscadela. – E não faz mal neste mundo.
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Ela revirou os olhos. O chofer cuspiu o palito e levantou a janela divisória para demarcar fronteiras de solidão. O reflexo triste de Annette dizia que ela não estava pronta para ir. “Eu sou um fardo”, seus pensamentos tomavam conta de seus lábios. “Sou um pequeno fardo”. O chofer abaixou o olhar ao notar que a janela não era à prova de som. Em pouco mais de três minutos, a limusine estacionou em frente a um belo restaurante, com tapete vermelho sobre uma enorme escadaria de mármore. Ao pisar em solo firme, pela primeira vez em anos, o prenúncio do choro retornou. A sensação de aconchego era impagável; Annette poderia ficar ao pé da escada por longos minutos. O chofer fechou a porta e ofereceu seu braço para a caminhada, junto a um sorriso amistoso. — Deixe-me adivinhar... — Não, não tá. — Ele riu. – Mas faço questão. Ela aceitou a gentileza e, juntos, iniciaram a subida. Seus joelhos sedentários pediram socorro após o terceiro degrau — apesar de reviver a época de seus vinte e poucos, Annette não era a mesma de setenta anos atrás. Ela tentou se distrair. — Você se parece com meu neto. — Não se preocupe, eu não sou uma projeção. — Ah. – Não era bem o que quis dizer. – Você adoraria conhecê-lo. — Acho que já o conheço – ele comentou. – A família sempre quer conhecer os atores deste mundo. — Bem, não a minha família. Annette estreitou o sorriso e rejeitou novas tentativas de conversa. Ao chegar na recepção, o chofer abriu um sorriso compadecido: — Seja bem-vinda à Saudade. — Obrigada. Você é um bom rapaz. Ele fez uma breve reverência e retornou à limusine. Annette entrou na recepção do restaurante, uma pequena sala repleta de sofás bordô e mancebos ocupados, e logo foi recepcionada por um homem de meia-idade com papeladas debaixo do braço. Ele ajeitou seus cabelos suados enquanto fazia um cumprimento padronizado: — Bem-vinda, madame Annette. Mesa 36. Annette espiou o restaurante.
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— Não há um lugar mais privativo? O homem fez a mesma expressão entristecida do chofer: — Desculpe, mas... — Tudo bem. — Ótimo. – Ele seguiu para o restaurante. – Você tem 15 minutos. — Só isso? — Sugiro que comece pelo prato principal. Ele estendeu os braços, apresentando o enorme restaurante, e Annette se deu ao luxo de gastar meio minuto admirando a arquitetura medieval. Enormes colunas sustentavam sua imponência, enquanto o grupo de jazz ao fundo tornava a experiência mais sublime. Os improvisos do pianista, que não aguentava ficar sentado, preenchiam o espaço de acústica perfeita. Mas todos os sons desvaneceram num segundo quando Annette encontrou a mesa 36. Ele já estava lá, sentado, talvez esperando, talvez procurando o menu, talvez apreciando a união de tudo o que nos permitia viver... Annette chorou antes mesmo de poder tocá-lo. Após 50 anos de casamento, tudo o que ela queria era a garantia de incontáveis cafunés. Ele fincou os pés no chão para recebê-la, com um largo sorriso, daqueles que são reservados a uma pessoa especial. Annette beijou seu marido como se um beijo não fosse o bastante para demonstrar o tamanho de seu amor. Cinco minutos depois, o garçom alertou Annette sobre o tempo limitado do qual ela era refém. — Não temos muito tempo, Howard... — Então vamos começar com a sobremesa. Annette riu, aliviando seus ombros, e se lembrou de como ele não perdia a chance de fazê-la rir. Entre conversas e lembranças sobre peripécias na criação dos filhos, Annette não se esquivou da vida que foi obrigada a viver nos últimos vinte anos, uma vida sem Howard. Todos aqueles anos honrando um casamento construído com suor e risadas serviram como recipiente de mágoas quando Annette assistiu seus filhos saírem de casa feito nômades que esgotam recursos e abandonam o que antes chamavam de lar. Anos depois, quando estranhos invadiram sua casa e afirmaram que eram seus filhos, ela não soube em quem acreditar. Tudo ficou escuro até a enfermeira acender a luz do quarto e Annette
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perceber que dormia sobre uma maca de hospital. Ela gritava e exigia os braços de Howard, sempre Howard, e planejava fugas impossíveis. Perdida entre memórias, Howard a trouxe de volta para aquele mundo. — O que houve, meu amor? — Saudade. – Ela limpou as lágrimas, arrancando os cílios postiços. – Faz sentido se chamar assim. Howard abriu um novo sorriso. — Vivemos uma vida e tanto, hein? – Ele aproximou a cadeira até poder tocar o rosto de sua esposa e ajeitar seus cabelos grisalhos e encaracolados. – Que casal viveu feliz e apaixonado até o fim dos tempos? Ela riu, balançando a cabeça. — Você é uma invenção da minha mente. — Como pode ter tanta certeza? Howard se levantou e estendeu sua mão à esposa. De início, Annette negou o pedido, sabendo que estava certa. Mas ela também sabia que estava apaixonada demais para estragar o momento com doses de realidade. Afinal, não é o que se deseja saber quando o amor de sua vida te convida a dançar. Com uma intimidade natural que só eles, Annette sentiu cada parte de seu marido a fim de se lembrar para sempre. As costas curvadas, ombros ossudos, rosto macio... Pequenos tremores marcaram presença sob seus pés. Lágrimas não foram rejeitadas como antes. Apenas cinco segundos de repouso e ela já era a mulher mais feliz de todos os mundos. E, pela primeira vez, ela aceitou o que estava por vir. — Howard? Ele descansou o queixo sobre sua cabeça e emitiu um som aliviado, como alguém que acorda antes do despertador. — Estou pronta, mas quero ir com você. Ele assentiu e o casal caminhou até um portão gigantesco que aguardava Annette — e somente ela. Howard parou bem ao seu lado, pronto para girar a maçaneta e deixar seu cavalheirismo imortal florescer pela última vez, até que sua voz aveludada quebrou o silêncio: — Últimas palavras? Ela respondeu, sem hesitar:
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— Eu te amo. Howard sorriu e soltou sua mão. Annette recebeu a tristeza inevitável por querer mais tempo, mais um beijo, mais uma dança. Ela imaginou como seu marido deve ter se sentido quando caminhou pelo mesmo portão sozinho, sem consolo nem afago. E ela caiu em prantos, percebendo que também estava sozinha. Uma vida inteira construída sobre alicerces felizes era o que preenchia sua mente desde o princípio do fim, mas o cérebro humano e sua vontade de querer mais partia seu coração. * Deitada em uma maca de hospital, Annette teve uma convulsão que estremeceu seu corpo inteiro de uma só vez, chamando a atenção dos médicos reunidos ao redor da paciente de longa data. O desejo de socorrê-la era instintivo, mas todos estavam proibidos de revivê-la até o fim da simulação. Em algum momento, Annette abriu os olhos e estendeu um sorriso reconfortante. Ninguém poderia acessar seus pensamentos, mas tal sorriso concordou com as palavras de um velho sábio que, certa vez, afirmou que nós conhecemos o amor e a morte apenas uma vez.
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Biografia Weslley Moreira de Almeida é graduado em Letras e mestre em Literatura pela UEFS. Poeta, tem livros publicados, o mais recente: "Memórias Fósseis" (2016, EDITUS - Editora da UESC). É revisor e colaborador do Jornal Fuxico - NIT/UEFS. Escreve no seu blog Lê-tranças: www.letrancas.blogspot.com
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