Edição Nº 11 maio – junho 2022
Estimado leitor, Esperamos que este número da revista digital Ecos da Palavra seja do vosso agrado e encontre, em cada página, momentos de alegria, instantes de liberdade em cada palavra ou pintura dos nossos selecionados. O tema livre é uma forma de incentivar a mais criatividade dos nossos artistas. A arte sempre terá a sua magia e agradecemos a cada um dos participantes pelo seu magnífico trabalho que tem vindo a demonstrar em cada número.
Catarina Dinis Pinto Diretora geral Sigridi Borges Diretora editorial
ENTREVISTA COM ROSARLETTE MEIRELLES
Ecos da Palavra: Quem é a artista Rosarlette Meirelles por Rosarlette Meirelles? Rosarlette: Sou uma artista que não tem interesse no mundo capitalista da arte, assim sendo não espero ganhar meu sustento através de minhas obras e sim de atividades artísticas educacionais, embora aconteçam vendas e encomendas, como também exposições. Esse pensar vem do saber que se minha subsistência tivesse que vir das minhas obras, estas perderiam sua essência, intensidade e verdade, passariam a ser uma produção para agradar o interesse da maioria com uma forte vertente estética decorativa, onde decididamente não
mora a minha produção. Tenho como estímulo nas minhas produções as causas e os invisíveis sociais, a intenção é gerar reflexão, até um certo incômodo na apresentação da realidade dolorosa de determinadas questões, por isso não posso me importar em vender, somente em tocar as pessoas de alguma forma. Acredito que fazendo o meu trabalho com verdade e paixão o retorno sempre vêm de forma positiva.
Ecos da Palavra: Caso tivesse a oportunidade de escolher um artista português, para juntos tomarem um café e conversarem por uma hora inteira, quem seria? E se fosse um artista brasileiro? Qual o motivo dessas escolhas? Onde aconteceriam esses encontros? Rosarlette: Uma artista portuguesa que admiro é Paula Rego e o artista brasileiro Candido Portinari. A primeira, com 87 anos nos deixou recentemente. Suas obras têm uma figura humana realista incrível. Suas personagens femininas têm expressões corriqueiras e informais, um universo que me toca demais quando retrata as mulheres. Já Candido Portinari me toca quando retrata os invisíveis sociais, os desnutridos e carentes. As figuras humanas retratadas por Paula e Candido, trazem deformidades que enfatizam os transtornos psíquicos e sociais por que possivelmente estão passando seus personagens, são incríveis! Provavelmente marcaríamos um café numa padaria dessas bem simplórias de bairro, para assim termos talvez a possibilidade de estar próximos das pessoas que normalmente retratamos.
Ecos da Palavra: Quando você pinta, pensa no seu público? Ele chega a influenciar na sua arte?
Rosarlette: Não penso no meu público, penso nas pessoas de um modo geral que terão acesso ao trabalho, sendo assim não me influenciam ao pintar. Quando pinto estou retratando alguma questão social que me incomoda e que sinto necessidade de externar com uma ideia visual que traga um conceito, não necessariamente muito óbvio.
Ecos da Palavra: Um grande escritor acabou de escrever um livro e a convidou para ser a autora da capa. Quem você gostaria que fosse esse escritor? Rosarlette: Graciliano Ramos, seria maravilhoso se ainda estivesse vivo, escrevendo ou que eu tivesse sido sua contemporânea.
Ecos da Palavra: Conte-nos um pouco sobre o projeto “O Voo da Rosa”. Rosarlette: O Voo da Rosa começou quando fui morar na Bahia, na intensão de dar liberdade as asas da artista plástica Rosarlette Meirelles, que até então teve que se dividir em ser funcionária de editoras, agências publicitárias, centros culturais etc e ser mãe paralelamente a estes trabalhos. Tinha acabado de reler o livro Fernão Capelo Gaivota, que me inspirou por sua filosofia, onde o personagem principal busca sua verdade e o seu real interesse na vida. Na Bahia pude dar início ao atelier Voo da Rosa, onde pude unir a arte e a educação de maneira livre e intuitiva sem as amarras de instituições ou formatos pré-estabelecidos. E até hoje é essa filosofia que permeia o Voo da Rosa onde quer que esteja.
Ecos da Palavra: Possui algum projeto artístico a longo prazo? Gostaria de compartilhar conosco? Rosarlette: Tem alguma coisa que não gosto de compartilhar são projetos, justamente por estarem no estágio de projetos. Só compartilho quando estão maduros e já prontos para iniciarem. Mas posso adiantar que o meu foco continuará o mesmo, só vou mudando a forma de apresentar, seja na estratégia, técnica, suporte ou no lugar, infelizmente aquilo que falo nos meus trabalhos sempre existiu, existe e continuará existindo, que são as desigualdades sociais e a falta de saber administrar diferenças entre os seres humanos.
Ecos da Palavra: Muito obrigada pela entrevista. Gostaríamos que deixasse uma mensagem aos leitores da revista Ecos da Palavra e desejamos a você uma vida repleta de alegrias. Forte abraço.
Rosarlette: Só tenho que agradecer a oportunidade, e dizer que se tiverem interesse em conhecer minhas principais produções, estou no Rosarlette Meirelles's (@rosarlettemeirelles) Instagram profile • 1,099 photos and videos
Todas as imagens da entrevista são do arquivo pessoal de Rosarlette.
SELECIONADOS Adenilda Silva Souza...............................................15 Ana Maria Da Costa Roque....................................16 Augusto Filipe Gonçalves........................................19 Bere Ramos..............................................................20 Carmencita Barbosa Frederico.................................21 Cristiane Ventre .......................................................23 Elisandra Correia de Campos...................................24 Elizandra Martins.....................................................25 Gabriely Dutra..........................................................26 Hélio Guedes............................................................28 Higor Souza..............................................................29 Iraci Marin................................................................30
Jacqueline Quinhões da Luz.....................................32 Jorge Abreu...............................................................37 Joyce Lima................................................................38 Karine Dias Oliveira.................................................39
Lara Machado...........................................................40
Manuela Matos..........................................................41 Mônica Monnerat......................................................43 Nazareth Ferrari........................................................48 Paulo Bunga..............................................................49 Raquel Lopes............................................................52 Regina Alonso..........................................................53 Sofia Augusta...........................................................54 Taís Curi...................................................................55 Vitória Lina de Queiros Guimarães.........................58
Adenilda Silva Souza https://www.facebook.com/profile.php?id=100004543601188
UM MOMENTO Noite calma, com tudo indo bem Céu estrelado com um luar de poucas noites. Sorrisos sinceros e ternos sem conter a alegria Era pra ser só um momento, um olhar e nada mais. Por que ainda está aqui? Por que ainda lembro? Sem nome, idade, jeito ou tradução de pessoa que você é, Como chegou assim trazendo a ira e algo mais. Eu desperto sempre tarde já passado da hora Com desânimo e tristeza, sem vontade de nada, E hoje não, foi diferente eu queria tudo e nada ao mesmo tempo. Talvez seja você, mas só talvez, porque sei que não haverá ninguém real.
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Ana Roque. Sou natural de Lisboa, tenho 64 anos. Formação inicial em Secretariado e Relações Públicas,. Aos cinquenta anos e por gostar de pessoas, tirei o Mestrado em Psicologia Clínica no ISPA. Trabalhei vinte cinco anos em moda, e doze em Turismo. Sempre gostei de escrever, e neste momento reformada por força da pandemia, dedico-me à leitura e à escrita. Frequentei o Curso de Escrita Criativa, de Analita Alves dos Santos, segui para o Livro em Ação, onde faço parte da coletânea de contos que neste momento está a ser terminada. Faço parte do Clube dos Writers onde participo em desafios de escrita assim como Masterclasses com diversos escritores. Sou apaixonada pela natureza, pelo mar e bem-estar físico e mental, fiz desporto desde sempre. Acredito que com todas as histórias que tenho em mente e no papel, um dia irei escrever e publicar um livro. @ana.m.roque.73 (instagram) Ana Maria Roque )Facebook) Ana.costa.r@hotmail.com
A IMPORTÂNCIA DA EMPATIA EM TEMPO DE PANDEMIA Nos dias de hoje falamos muito de Empatia, e da sua importância. No entanto, toda a nossa vida saiu transformada, após o confinamento e a falta de afetos, do toque de tudo o que nos faz despertar sentimentos. Colocarmo-nos no lugar do outro é imprescindível para viver em sociedade, podendo melhorar a nossa saúde, será que em excesso também nos poderá prejudicar? O segredo reside no seu equilíbrio, emocional com o racional. A pandemia mostrou-nos que a vida acelerada nos distancia de nós mesmos, o isolamento ajudou-nos a resgatar a nossa identidade, e a vulnerabilidade do outro. 16
A falta de abraços e de empatia do exterior, aumentou a necessidade de conexão social e os comportamentos de ajuda, melhoraram a nossa ansiedade por vivermos oprimidos. Ser solidário, ouvir os outros, imaginar que estamos na situação de outra pessoa são formas de construir empatia. Numa época de distanciamento social e de isolamento pela quarentena, foi fácil ficarmos mais centrados em nós e nos nossos familiares. No entanto, a empatia desenvolveu-se de outras formas, através das redes sociais com eventos online, desenvolvendo ações de ajuda, colaborando com instituições de caridade. A perda de emprego para alguns, o fecho do comércio em geral, todas as restrições que levaram a perda de qualidade de vida em muitas pessoas, fez com que houvesse mais união e espirito de entreajuda. A partilha de bens essenciais, movimentando os que conseguiram colaborar de várias formas dentro do possível, tornou-se de igual forma, de uma estratégia empática muito importante. A ideia de que as pessoas ficaram melhores com a experiência da pandemia pode ser uma ilusão, tudo depende de como cada um se sentiu e da sua verdade. Quem já tinha o poder de ser empático, intensificou as suas virtudes, no entanto há quem tivesse ficado mais individualista. 17
O medo inicial de algo novo e desconhecido, a solidão de muitas pessoas, principalmente idosos, a conexão do cérebro com o corpo físico, levou a que se desenvolvessem situações de ansiedade extrema. Podemos estar distanciados fisicamente das pessoas, sem nos distanciarmos emocionalmente.
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Augusto Filipe Gonçalves. Tem 37 anos de idade, é jurista de profissão, natural e residente em Penafiel. Licenciado em direito, pós graduado em ciências forenses, investigação criminal e comportamento desviante e mestre em ciências jurídicas, internacionais e europeias. Tem várias formações a nível de escrita criativa, criação de personagens, guião e argumento. Autor do Livro: Sofia, A Visão Poética Filosófica. Coautor de diversas antologias em Portugal e no Brasil.
PRECISAMOS DE TEMPO Precisamos de tempo, Tempo para nos conhecer, O que temos no nosso SER, Que é algo que demora, Não aparece agora, Mas assim descobrimos, O ato de viver. O ato de viver, Pode consciência do EU, Não do que é meu, Não do que é teu, Não é só a posse, É essência, Que dá razão à existência. Sim, porque a existência, Só por si é fraca, É coisa fútil e barata, Precisa de algo que desperte, Com vivacidade alerte, Pois a riqueza do SER, É o recheio da essência. 19
Logunan Bere Ramos
Houve um pacto fundamentado, entrelaçado com um vermelho tão intenso capaz de desatar os nós. Capaz de impulsionar quantas camadas do meu ser, além do espaço-tempo. Postergando eu e você. 20
Carmencita Barbosa Frederico Facebook: Carmencita Galina Email: barbosa157@hotmail.com Minha Pátria é minha língua – Fernando Pessoa
Eu, o crioulo e o português, nós os três Eu e os meus botões Para lá de todos os guiões Trespassando as minhas articulações Escusando quaisquer opiniões Arquiteto minhas reflexões Umas vezes na língua de Camões Outras, no primeiro ar dos meus pulmões Duas línguas, diferentes expressões Ambas soltando os meus grilhões O crioulo, o meu colo de mãe O português, o meu ombro de pai O crioulo na minha esquerda, encostada ao meu peito O português na minha direita, onde tenho mais jeito
O crioulo, pegadas impressas na minha alma O português, meus versos livres numa tarde calma O crioulo nos quatro cantos da minha casa O português ampliando o alcance das minhas asas 21
O crioulo, na medula dos meus ossos O português massageando o meu dorso O crioulo onde exprimo sem manias O português nas obras do nosso grande Mia O crioulo, nos meus silêncios quase mudos O português, nas minhas metáforas e no meu canudo O crioulo, nos meus amassos amarotados O português, nos meus abraços engomados O crioulo, no meu cuscuz com mel O português, em Belém no seu singular pastel O crioulo, nas mornas da minha doce Cesária O português, é ‘Carmencita’ em fado cantada por Amália O crioulo, nos meus clichês Do português virei freguês Eu, o crioulo e o português, nós os três Com voz e vez, dispensando porquês No meu prefixo e no meu revés Nos meus cabeçalhos e rodapés No ar que respiro E, certamente, no meu último suspiro!
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Cristiane Ventre
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Elisandra Côrrea de Campos. Fotógrafa, atriz e dançarina. Escreve poesias, dramaturgia, ama brincar com as palavras e eternizar momentos através de suas fotos.
Se não consegue entender minhas palavras,
jamais terá a sensibilidade de sentir a dor de meu silêncio.
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Elizandra Sabino nasceu em São Pedro de Turvo/SP e mora em Ourinhos/SP. É professora na Secretaria Estadual do Estado de São Paulo.
ENTRE NÓS As pequenas e porcelanadas chávenas Galhofam na prateleira iluminada Atam e desatam complicados nós Rolam, desenrolam e se enrolam Em emaranhados barbantes Provocando uma efusão de alegria e riso Uma delas, move-se livremente A gracejar, desvencilha-se do unido barbante Atravessa o tangível espaço E entre a conexão e a separação Abruptamente, flutua Tudo gira e entra em movimento Seu frágil corpo cai de costas Estatela... despedaça-se E espalha-se sobre o assoalho Esperneando, ela ainda tenta se juntar Mas não consegue unir seu corpo Partido...quebrado...abandonado
Ansiando sentir-se inteira A pequena chávena lamenta-se - Por que não me ajudam? - Ei... por que isso? As outras continuam a atar e desatar nós A desenrolar e se enrolar em barbantes
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Gabriely Dutra. Psicóloga em Formação pela Universidade Federal Fluminense - UFF/Niterói. Pesquisadora/extensionista no campo da Deficiência e pesquisadora do tema da Subjetividade. Militante feminista e anticapacitista pelo Diretório Acadêmico da Psicologia. Email: gabrielydutra@id.uff.br https://www.facebook.com/gabriely.krugerdutra/
O EQUILÍBRIO NAS MODULAÇÕES Afetos vem e vão, meu corpo sente o fluxo. Sente a alegria num instante a frustração no outro, fluxo intenso me perco. Me perco no sentir das intensidades. Intensidades da relação não sei lidar confio, não confio modulações Me perco... no afeto de uma resposta, na falta dela. Inquietação num sopro, me acalmo. Modulações 26
Me perco nas incertezas futuras que o momento nos coloca, ansiedade Não sei… agi com intensidade afastamento, eu sei agi com intensidade, acesso. Modulações Me acho nas incertezas, na inquietação que ela provoca num instante, raiva num outro, calma. Modulações, acolho esses afetos Amo com angústias na existência do eu. amo com calma o equilíbrio é o amor. amo com raiva amo paciente amo ansiosa amo triste amo alegre Libertação. 27
Hélio Guedes. Membro e Diretor da Academia Brasileira de Poesia (ABP). Membro Efetivo da Academia Internacional da União Cultural, Membro Titular da Academia Madureirense de Letras (AML). Poemas, contos e crônicas publicados em várias antologias, revistas e blogs especializados no Brasil e no exterior, redator e responsável pela consolidação do conteúdo de duas edições do Dicionário do Petróleo em Língua Portuguesa (Brasil, Portugal, Angola e Moçambique) pela PUC-Rio / Editora Lexikon. falecomhelioguedes@gmail.com
BONZAIS Dias sempre passam Como torneira pingando. Hora a vida fecha Na noite, fogo certeiro. É chuva forte que chega E no chão, velho pinheiro Sim, o degrau sobe Essa escada e olha com medo A altura do tombo. Saudade é coisa Que aparece e não vai embora. Verei minha terra?
Naquela cidade, A rua abraça a calçada. Meio-fio sofre. Do céu, desce a paina E para o chão verga o tronco. Passou e não observamos. 28
Higor de Souza Gomes, estudante do curso de Letras na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, moro na cidade de Cassilândia (MS), amo literatura, escrevo poemas e outros tipos de texto, todos de autoria própria. Se quiser me encontrar nas redes sociais, procure por Hhigorsouza.
EQUINÓCIO DE SENTIMENTOS Cativante solstício de verão Sopra as folhas do outono que aproxima, Chamando a boa chuva que se estima De ardentes longos dias que virão. Procuro abrigo quente e aconchegante Quando a noite de inverno traz geada, Então o tempo vem e faz chamada Da bela primavera cativante. Tarde plena e tranquila de esperança, Mar de paz e sossego em tempo ruim, Parte o coração frio das lembranças, Reconstrói dentro d’alma com marfim, Traz de volta a alegria de criança Que antes havia se perdido em mim. 29
Iraci Marin advmarin@gmail.com
LETÍCIA Acordo sorrindo para o meu nome. Depois de grande, soube que houve disputa por causa dele. Até os vizinhos se meteram na questão, indevidamente! Acontece que mamãe comentou com uma comadre que o pai queria para mim o nome de Barbarina e ela queria o de Gilda. Mas, convenhamos, nenhum deles possui referência significativa para uma vivente sorridente - no caso, eu. Isto tem alguma razão de ser? Tem, e muita, porque eu me comporto e guio a minha vida no espírito do meu nome. Certa vez, na escola, eu sorria durante uma aula de Ciências. A professora perguntou por que eu estava sorrindo e por que sorria quase o tempo todo. (Ela reparou neste detalhe da minha vida.) Respondi: eu sou Letícia, professora. Os colegas riram a valer. Até ela abriu um sorriso amarelo. Ou seria pardo? Fiquei sendo chamada, por alguns dias, de Letícia do Sorriso. 30
Cheguei à idade de namorar. Minhas amigas já estavam com seus pares. Nossos encontros diminuíram em extensão, o compromisso delas tinha outro rumo. O meu ainda era o mesmo. Estava preocupada com isto? Não, acho que não. Apenas começava a me sentir um tanto afastada, ou distante, ou sem assunto. Elas tinham as coisas do namoro para preencher o tempo de nossos agora breves encontros. Um dia, uma das amigas me disse: você é sorridente demais, este é o problema. Eu ser Letícia era um problema para mim? Viver carregando sorrisos plenos era um problema? Isto me deixou acabrunhada, acho que fiquei triste mesmo, naquela hora. Fiquei cismando sobre a possiblidade de eu ser um atrapalho para mim mesma. Seria esta a razão de ninguém me querer em namoro? Ter namorado, casar, era o desejo de todos, dos pais, dos avós, tias e tios e até das comadres conversadeiras. Eu não tinha namorado e então estava na boca de muita gente.
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Jacqueline Quinhões da Luz, autora graduada em Letras e Pedagogia e PósGraduada em Neuropsicopedagogia e Psicomotricidade. Se dedica a literatura Infanto Juvenil participando de Antologias dentre os quais “Elementais” (Ed. Andróss), “Palmares”, “Iemanjá” (Ed. Cartola), “Não Pararemos de Lutar”, “Ao badalar da meia-noite” e “Confabulando” (Ed. PSIU), “A magia do Natal” (Ed. Lura), “Um susto danado”, “Sob as luzes de yule” e “Das Profundezas” (Ed. Nébula), Eu conto um conto (Ed. Philia), “O trem das seis” (Ed. Quimera), “Nasce o amor”, “Eu escritor”, “Folclore” (Ed. Perse), “A magia do Tempo” (Ed. Arkanus). https://www.facebook.com/jacqueline.quinhoesdaluz https://www.instagram.com/quinhoes.luz/
DONA DE SEU DESTINO Maria renunciou a tudo para viver, o que acreditou que seria uma linda história de amor, não demorou muito para perceber que a vida não lhe reservava exatamente um conto de fadas, tão pouco unira-se a um príncipe. No começo tudo era bonito, mas aos poucos começou a sentir na pele as dores dos maus tratos e na alma feridas provocadas por duras palavras que lhe fazia sentir-se pequena e sem valor. Sofria calada, à medida que o tempo passava seu corpo colecionava marcas e na alma cicatrizes, nem mesmo durante a gravidez foi poupada. Não conseguia soltar de seu peito o grito sufocado. Já quase no final de sua gravidez ficou sabendo que esperava dois bebês, um menino e uma menina, mas um deles era especial. Ouviu tudo em silêncio, acreditou que isso faria seu companheiro tornar-se mais sensível, mas quando contou-lhe viu em seu olhar a condenação, como se fosse sua culpa e sentiu o gosto do abandono, estranhou, pois ao contrário do que pensava não era tão amargo. 32
Trabalhou até o último dia da gravidez, sem nunca reclamar de nada. Ganhou muitos presentes que lhe ajudaram no enxoval das crianças. À noite quando chegava, organizava tudo e conversava com eles. Maria sentia seu coração apertar quando lembrava das palavras do médico, como seria lidar com sua menininha. Dois meses para completar a gravidez, voltava para casa, sentiu uma forte dor e viu sua roupa manchada de sangue. Tentou levantar-se, mas não conseguiu e desmaiou. Quando voltou a si estava a caminho da sala de parto, seu útero havia rompido, segundo o médico devido algum trauma. As marcas que Maria trazia em seu corpo não estavam apenas por fora, não tinha noção do quão profundo eram. Na sala de parto, ouviu o choro do primeiro bebê, mas não ouviu o da menina. Adormeceu sem conhecer seus filhos. No dia seguinte, recuperada, foi conhecêlos na UTI neonatal. Como eram pequenos, não conteve as lágrimas ao ver seus filhos lutando pela vida. Em pouco tempo, se viu sozinha com os dois bebês, sendo um especial, numa casa com poucos recursos. Em silêncio chorou. Já era noite, tinha colocado os pequenos para dormir quando bateram a sua porta. Abriu e viu uma de suas patroas que trazia um enorme embrulho nas mãos. Sem jeito, ficou com vergonha de convidar uma pessoa tão sofisticada para entrar, mas por educação ofereceu o que tinha, um copo de água. Dona Fernanda 33
sempre foi diferente, uma senhora distinta, de poucos elogios, mas no fundo apreciava o jeito dedicado de Maria. Fazia pouco tempo que tinha ido fazer a faxina em sua casa. — Desculpe vir sem avisar Maria, mas como não tive mais notícias, precisava ver como você está. Trouxe-lhe algumas coisas para que se alimente bem, pois serão dois para amamentar, precisa se cuidar. Aquelas palavras caíram em seu coração como gotas de chuva em um solo sofrido pela escassez, no caso de amor, de cuidados. Agradeceu, mostrou seus filhos, conversaram sobre tudo que aconteceu e sobre sua menina. Dona Fernanda saiu da humilde casa decidida a ajudar. Os dias se passaram Maria ficava até de madrugada lavando e passando roupas, sem reclamar e cedo retomava a função que intercalava com os cuidados aos pequenos, não tinha limites para o trabalho. Maria não sabia escrever, não concluiu os estudos, houve uma época em que pensou em retomar, mas perdera as contas de quantas vezes ouviu: “Mulher minha não anda a noite em escola!” Nunca questionava, achava que era ciúme, sinônimo de amor. Via seu dinheiro ser gasto com bebidas, muitas vezes trazidas por ela na tentativa de evitar gritos, brigas, mas as agressões sempre vinham, se não levasse seria agredida do mesmo jeito. Essas lembranças a faziam 34
chorar, nesses momentos sua menina vinha, tocava em seu rosto e quando sentia as cicatrizes perguntava: — Dói muito mamãe? Não chore, estou aqui. Dona Fernanda apegou-se as crianças e ia vê-los com frequência, sempre com embrulhos nas mãos. Tornou-se uma amiga sincera, passavam horas conversando e aos poucos Maria soube que tinham histórias de vida semelhantes. Como podia imaginar que aquela senhora tão elegante trazia em seu corpo também marcas profundas. Certa vez, chegou com um pequeno embrulho, além do que sempre trazia e dele tirou caderno e lápis, estava decidida a ensinar Maria a ler. Aos poucos Maria ia desvendando o mundo das letras e repassava a seus filhos. O menino pegava com facilidade, mas a menina devida sua deficiência era mais difícil. Aos poucos conseguia ler histórias para seus filhos e se sentia muito orgulhosa. Conseguiu voltar as suas faxinas, levando os pequenos nas casas que assim o permitiam, mas apenas na casa de Dona Fernanda, eram levados para todo lado, muitas vezes iam passear até que a mãe terminasse a limpeza e isso vinha sendo bom, tinha-lhe como um exemplo de superação e força. Naquele dia, quando voltava para casa, já chegando perto viu de longe seu ex-marido. Maria pensou em dar meia volta, mas... Respirou fundo, segurou firme as mãos dos filhos e enfrentou a situação. Estava embriagado, e tentou fazer o que sem35
pre fez, mas Maria reuniu todas suas forças e de seu peito finalmente saiu o grito a muito sufocado. Seu grito e o choro das crianças atraíram a atenção dos moradores que a socorreram. Abraçada aos seus filhos e muito envergonhada Maria chorava. Sua menina novamente agarrou seu rosto com suas pequenas mãos e lhe disse: — Fique calma mamãe, não se sinta assim, ele não vai mais machucá-la, estamos aqui, não vamos deixar. Os médicos tinham lhe dito que sua menina não enxergaria com seus olhos, mas esqueceram de lhe dizer que veria tudo com seu coração. Seus filhos eram especiais. Nunca mais permitiria que a fizessem se sentir pequena e indigna de ser feliz. Maria sabia que a história de outras mulheres que ainda guardavam seu grito sufocado no peito, muitas vezes não tinham um final feliz e estava decidida de alguma forma ajudar com seu exemplo para que se libertassem e pudesse como ela, não ter um final, mas um recomeço de uma vida feliz, de muitas lutas, mas de vitórias também. Maria recuperou sua autoestima, a capacidade de sonhar e sentia-se dona da sua vida e... Dona de seu destino. NOTA: O texto original foi apresentado em 3 páginas, conforme o edital. No entanto, após a diagramação da revista, fez-se necessária a alteração em virtude do programa usado.
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Jorge Abreu é poeta, autor de danações (Trevo, 2018) e de feitiço (Primata, 2021). Tem poemas publicados em antologias e revistas eletrônicas brasileiras; é do signo de Escorpião, e mora em Barra do Corda – Maranhão.
CONVITE Vem comigo Pros Alpes Suíços Patagônia Japão Tomar chocolate Em Campos do Jordão Falar sobre isso Ou aquilo Na Serra Da Mantiqueira Como quem nada Quer E tudo almeja Comer cerejas Em algum lugar Da Europa Ou da Oceania
Agarrados um ao outro Dia e noite Noite e dia!
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Joyce Lima, baiana, Doutora em Educação, bióloga, professora, poetisa e escritora. Os primeiros contatos com o mundo poético aconteceram aos cinco anos de idade, quando foi alfabetizada pelo pai. Organizou algumas antologias infantis e participou de várias antologias no Brasil e em Portugal. Membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni e membro de academias virtuais: AVAL e AMCL.
O BEIJA-FLOR E O HOMEM O beija-flor beija a flor que alimenta O vento abraça as flores que perfumam o ar As ondas beijam as pedras que lhes dão força O homem destrói os sentimentos de quem o acolhe. O cão protege quem o trata com carinho Os pássaros se ajudam durante o voo A vaca não se afasta da cria enquanto são pequeninos O homem maltrata seu irmão por uns poucos trocados. Os carnívoros se alimentam de animais por questão de sobrevivência O Sol nasce e brilha para todos, assim como a chuva O homem, por sentimento inexplicável de quem não ama O homem, mente, fere, atropela e difama.
Mas ainda existem homens que merecem admiração Separa o joio do trigo sem causar perturbação Anjos que Deus colocou na Terra para brilhar Equilíbrio, amor e caráter eles sempre sabem usar.
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Karine Dias Oliveira. Nova Friburgo/ Rio de Janeiro. Professora. Pósgraduada em: Gestão Escolar, Supervisão Escolar e Orientação Educacional; Psicopedagogia Institucional; Educação Ambiental. Amante da leitura e escrita, tenho por hábito escrever histórias infantis (ilustrando-as), contos, microcontos, trovas, poesias, crônicas, etc. A escrita é a minha paz, meu refúgio e inspiração pra vida. Um sonho: ter as minhas produções publicadas em material, totalmente, autoral. Selecionada em inúmeras publicações e vencedora de Concursos Literários (além de menções honrosas e especiais).
QUANDO O AMOR VENCE... Frio que geme Sob pele desnuda Quando a alma treme... É o mesmo que gela a barriga Quando o amor vence Na sobreposição do inverno Sobre as demais estações! Frio que pede um café quente Quando a conversa é com gente como a gente... E, quando os olhos pedem algo mais presente É que se revelam os beijos ardentes Onde lábios agregam segredos contentes Tornando-os um ser só... Na partida do frio latente!
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Lara Machado é estudante de Letras. Para ela, escrever é espalhar fragmentos de si para quem quiser recolher.
PODE ME LEVAR Por muito tempo eu temi
Que alguém me tirasse de mim Se eu me perdesse para alguém O que me restaria nessa vida? Mas isso antes de ver teu olhar Pode me levar toda para você
Em troca te peço apenas uma coisa Te deixe totalmente comigo.
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Manuela Matos reside em V. N. Gaia - Portugal e publicou dois livros de poesia: "PEDAÇOS DE LUA" 2010 e "AS CORES DO SILÊNCIO" em junho de 2015, pela editora Mosaico de Palavras, com 2a edição em dezembro do mesmo ano para colaborar com o projeto Konta Komigo que apoia os sem-abrigo. Ficou classificada 2o e 3o lugar, Edições Arnaldo Girão e selecionada para publicação do livro "Poesia-Poeta-Cidade" - Prémio Literário Valdeck Almeida de Jesus. Recebeu uma Menção Honrosa no II Concurso de Poesia Pablo Neruda. Obteve 1 Menção Honrosa em 2012 no XI Encontro de Poetas no Gerês. Recebeu ainda o Prémio Especial de Poesia em 2010, 2012 e 2013, atribuído pela J. F. S. Nicolau – Porto, e o 2o lugar no concurso ALAP em 2016, com a participação do Brasil e vários países da Europa. Convidada pelo Grupo ASAS DE POESIA - Maia em fevereiro de 2016. Participou em 22 Coletâneas; 2 em Prosa e 20 em Poesia e ainda em 2 Ebooks. Publica nos grupos Escritartes, Luso-Poemas e Solar de Poetas
TEIA DE AFETOS Anelo as flores que brotam Como asas de mariposa Enlaçando passos de dança Que a música alcança Nos jardins suspensos Do teu olhar… Recolho sonhos coloridos Em doces lampejos Bordando poemas floridos Entrelaçados de beijos... Recolho palavras loucas Grávidas de poesia Como gargalhadas soltas Tatuadas de fantasia... 41
Recolho risos de criança Pincelando a frescura Reflexos de esperança No oásis de ternura... Recolho encantos secretos Em manhãs claras Nessa teia de afetos Ao correr das searas...
Anseio as flores e os beijos O riso e a dança A música e a esperança, E a poesia aos molhos A escorrer pelos teus olhos…
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Mônica Monnerat, professora de Língua Portuguesa, residente em Santos, possui especializações em Educação de Jovens e Adultos, Gestão Escolar e Educação a Distância. Com a pandemia, começou a escrever gêneros textuais diversos.
HAIBUNS
INESPERADA GRATIDÃO
Segunda- feira sem sol. Mais preguiçosa do que de
costume, a manhã se estende sem pressa. Na rua, a caminhada rumo ao Studio é mais prazerosa. O sol escaldante não faz parte do cenário. Na calçada, ainda aguardando o caminhão do lixo, o
homem remexe o latão procurando algo para comer. Também ele se sente mais leve. Assim como eu.
Chuvinha de verão Mendigo agradece a Deus o frescor do dia. 43
COISAS DE VÓ A meteorologia não anima muito: muita chuva no fim de semana. O passeio cancelado causa certa decepção. Janeiro com chuva não estava no programa. A menina que passa as férias na casa da avó reclama. A avó manda um WhatsApp para cada um dos amigos da neta. Vai para a cozinha, prepara bolo, pão de queijo e uns docinhos. No capricho. A campainha toca pontualmente às 15h. As crianças começam a chegar. A neta se alegra com a surpresa. As risadas são tantas, ninguém se lembra da chuva... Férias de verão Mesmo com chuva o encanto do lanche da tarde...
QUASE SEM PERCEBER... E daí, sem mais nem menos, o mercadinho do bairro mais colorido. O ajudante chega de bicicleta e com mais disposição começa a arrumar os frutos nas bancas. A moça da loja arruma a vitrine. Tantos tons de terra... O café com bolo caseiro mais apetitosa agora. Ah, e a água do chuveiro mais quentinha causa uma deliciosa sensação. Andar descalça já nem é tão prazeroso... mas acho que ainda não me toquei... Sutilmente breves, sinais em meio à rotina Outono chegando.
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ANTÔNIO BERBIGÃO Era chamado de Antônio Berbigão. Não sei o motivo desse apelido, talvez por apreciar o sabor desse tipo de marisco muito comum lá no Sul. Nasceu em uma cidadezinha humilde de Santa Catarina. Parto prematuro. Na casa ao lado acontecia uma festa, que mais tarde, evoluiu para uma briga. Sua mãe se assustou com os gritos e o bebê nasceu antes do previsto. Tão pequenino, cabia em uma caixa de sapatos. Quando menina, gostava de ouvir suas histórias, de sua infância na roça, tão diferente da minha... Muitas vezes notei, admirada, sua habilidade em extrair raiz cúbica de cabeça, a rapidez com que fazia contas ou decorava uma sequência enorme de palavras utilizando uma técnica chamada mne..., mne... mnemônica ( pensava que fosse uma palavra inventada só para me homenagear, coisa de criança...). Os filhos não tinham muita paciência, não. Até riam de suas histórias, tantas vezes repetidas... mas eu, não!! Tinha orgulho e para mim foi o primeiro contador de “causos” que conheci. Bem novinho, foi no primeiro dia de aula na escola da roça. A professora mostrou-lhe a cartilha colocada sobre o tosco banco de madeira. E disse: - A, e, i, o, u. 45
O guri olhou, prestou atenção. E percebeu a bolinha com perna ( a letra a), o i (pingado) no meio da página, e a bolinha sem perna ( o “o”). As letras dispostas como o número cinco em um dado. Na outra página, a mesma disposição, só o tipo de letra diferente. Olhou com cuidado, viu que tinha um pingado no meio e afirmou: a, e, i, o, u. Percebeu que a sequência se repetia. E acabou decorando-a. Lá pela quarta página, as letras apareciam juntas, formando ditongos. O menino não pronunciava a sílaba junta, mas soletrava: a-i ( para ai), o-i ( para oi), i-u ( para iu), e assim foi fazendo. Acabou lendo sete lições em um único dia. A professora, mulher simples do campo, correu para anunciar na escolinha: - Esse menino é um “fenônimo”!!! E o moleque não entendeu nada. Foi embora comendo as bergamotas que encontrava pelo caminho. Com dezoito anos veio para Santos tentar a vida. Trabalhou na loja de tecidos do turco Bechara. Morava em um modesto quarto de pensionato. Um dia, uma mulher da vizinhança, sabendo de sua habilidade com a matemática, pediu-lhe para orientar seu filho numa prova do antigo curso ginasial. Segundo Antônio Berbigão, o menino tinha uma “inteligência extraordinária” e passou em primeiro lugar. Daí a irmã da mãe tinha outro filho, que ele também ajudou. Começou a dar aulas particulares, e pouco tempo depois alugou uma salinha. Como antigamente não 46
havia tantas exigências pedagógicas, em pouco mais de um ano fundou uma escola que chegou a ter mais de dois mil alunos. Até hoje não entendo como podiam não admirar sua experiência de vida, sua facilidade em lidar com as dificuldades... Parece que possuía um temperamento difícil, mas sempre me agradava com balas e presentes. Talvez porque percebia minha total atenção toda vez que contava seus feitos. Através dele fiquei conhecendo as histórias de Malba Tahan, a quem ele considerava um gênio. E também me ensinou alguns truques matemáticos que aprendeu com o autor do livro Aritmética Progressiva, Antônio Trajano. Um homem simples do campo, mas com a inteligência viva, o que fez com que ampliasse seus horizontes através do estudo, na maioria das vezes solitário junto a seus livros. Não sei de nenhum curso superior que ele tenha realizado, acredito que tivesse conhecimentos de contabilidade, já que sua escola oferecia curso técnico de comércio, porém no nível secundário, como era chamado antigamente. Hoje agradeço muito por tudo que aprendi com ele, por me tornar resiliente e enfrentar as coisas, mesmo com medo. Grande orgulho desse roceiro, decidido e teimoso! Esteja onde estiver, o meu carinho de sempre, seu Antônio Berbigão, o Professor Silva, meu querido avô... 47
NAZARETH FERRARI, natural de Taubaté, interior de São Paulo. É pintora, escultora, poetisa, Professora, Pós-Graduada em História da Arte, Engenheira Civil e Membro Titular das Academias: Valeparaibana de Letras e Artes, Academia Internacional da União Cultural e da União Brasileira de Trovadores. Conquistou inúmeros prêmios em literatura e artes visuais, possuindo obras na Alemanha e na França.
O TREM Eu era pequena, Via o trem passar, A máquina ruidosa, Apitando, apitando sem parar.
Alguns passageiros, Olhavam para mim... Eu acenava para eles, Achando divertida, A máquina ruidosa. Rolando sobre os trilhos, O trem perdia-se ao longe, Envolvido em sua fumaça. Parecia uma serpente enorme, Adentrando-se na mata, Repleta de beleza e graça. Hoje de menina fiquei mulher... Cresci com a doce lembrança, Do Trem que tantas vezes vi passar, Encantando minha infância! 48
Paulo Bunga. Filho de Fernando Manuel Bunga. Poeta e haicaísta angolano, autor do livro intitulado: O Enorme Imbondeiro, - mais conhecido como baobá, disponível em www.bestiario.com.br.
CARTA PARA A TIA Antes de mais, receba de bom grado, querida tia, a minha cordial saudação! Meu pai é quem escreve, mas eu é quem falo, quem sou eu?! Prazer em conhecer, eu sou o Paulucho, o seu sobrinho. Sou um menino lindo e forte que não queria perder o brilho da lua dos poetas, cheguei recentemente ao mundo para contemplar a lua desta noite. Querida tia, as coisas aqui fora são muito lindas, gostei de ver o clarão da lua cheia da noite de 16 de abril, dia que também vi pela primeira vez o nascer do sol num dos bairros longínquos da cidade do Uíge, em Angola, cujo nome é Bairro Bem-vindo, onde nasci na modesta casa da Mama Suza, como é carinhosamente chamada a parteira tradicional que assistiu a mamãe desde o terceiro mês de gestação até o trabalho de parto na manhã do dia 16 de abril de 2022, quando o relógio no pulso do papai marcava 6h. Segundo o papai, tive de ser muito forte para sobreviver, pois que os três primeiros meses de gestação foram de muito risco, mamãe teve sérios problemas do colo do útero que os nossos profissionais de saúde não conseguiram solucionar até a Mama Suza intervir e, como se não 49
bastasse, querida tia, mamãe recebeu a primeira dose de uma das vacinas contra a Covid de vetor viral que posteriormente causou outras complicações, no entanto, estou muiiito bem felizmente, nasci forte e saudável. Querida tia, puxei ao seu irmão, somos tão parecidos que nariz de dez recém-nascidos estou a carregar sozinho, meu nariz é tão grande e achatado como o do seu irmão e presumo que o seu também seja hahaha, olha que as nossas semelhanças não se limitam apenas no nariz, na verdade, vão da ponta do cabelo até as unhas do meu pezinho. Querida tia, estou tão empolgado para conhecer a senhora, papai disse que a senhora é bem legal e linda e, ele deve estar certo! pelo visto ele gosta muito da senhora, os seus olhos brilham sempre que fala de ti. A senhora não precisa se preocupar, o seu irmão está em boas mãos, eu não serei uma dor de cabeça para ele muito menos para a mamãe, dou a minha palavra a senhora que serei um menino bondoso e obediente. Querida tia, vou contar algo para a senhora: certo dia, enquanto ainda estava no ventre, ouvi sem querer da mamãe que o papai é escritor, especificamente um poeta, acho que também serei um, deve ser bem legal exprimir as emoções por meio das palavras. Razão pela qual, jamais fugarei a escola ou matar aulas, vou dedicar-me aos estudos para ser um grande homem no 50
futuro, de modo que a minha assinatura venha a ser um autógrafo, um dia escreverei com muito carinho o seu nome na dedicatória do best-seller que publicarei, até lá, cuida-te e saúda a prima Judi, a sua filha, decerto que seremos cúmplices na vida. Contudo, até, querida tia, espero ver-te em breve para fazer cocô no seu colo. Beijinhos! De seu sobrinho Paulo Bunga, com muito amor e carinho! Uíge, aos 17 de abril de 2022
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DEVOCIONÁRIO DO TEMPO Raquel Lopes A força de um amor quis ver Mover tudo ao redor para crer Os astros brilham para meu enlevo No diário religiosamente escrevo. Este amor navega para encontrar A felicidade igual o fruto mais desejado Ornado e de fino trato. Sobre tal condição ele me diz Para não temer a fúria do mar, pois é sábio juiz Tapar os ouvidos e não olhar Enquanto há sereias malévolas a difamar. Afastem-se criaturas vis! Afastem-se para o abismo infeliz! "O amor move o sol e as estrelas". Não edifica um castelo na areia.
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Regina Alonso, pedagoga e escritora, nasceu em Santos. Tem livros de poesia, conto, crônica e haicai. Recebeu prêmios nesses gêneros. Dedica-se também à literatura infanto-juvenil. Durante a pandemia descobriu o prazer da aquarela e do desenho. Textos publicados nos jornais: A Tribuna, O Farol; na revista Brasil Nikkei Bungaku e antologias. Coordena grupos literários: Café com Letras Ambep e Haicai no Atami, ong Tamtam. Integra as Academias Vicentina Frei Gaspar da Madre de Deus e Santista de Letras Casa de Martins Fontes. Pela Telucazu Edições, seus últimos lançamentos: A sombra de Bashô, haicais, 2021; Não pode ser só isto, poesia, 2022.
FETICHE Enamorei-me de mim inesperadamente ao surgir a lua... Raios de prata atravessaram o pano do estandarte, porta-bandeira sem tocar a terra gazela branca em levitação. Enamorei-me de mim porque me fiz duplo, sombra esguia desse corpo agora meu. Entrelaçando os chifres espiralados descobrimos veredas ao luar espocando faíscas de luz na pele nua. Vestindo a silhueta que me coube num salto vertical toquei a primavera, choveu flores... Enamorei-me de mim animal fetiche ao clarão da lua. 53
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A LOUCURA VEIO PARA FICAR Os pensamentos não logram foco Permanecem como a lua dançante Nas mãos disformes e trementes A língua estala premente não produzindo som que reclame clareza perdendo-se a voz num novelo não havendo ponta por onde desatar A lucidez perde o trilho E a loucura veio para ficar.
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Taís Curi – Nascida em Santos(SP), jornalista, escritora e haicaísta. Mestre e doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo – USP. Autora de livros e outras publicações no campo da Cultura, do Patrimônio Histórico e do setor empresarial. Colaboradora de veículos impressos e eletrônicos. Membro da Academia Santista de Letras, ocupando a Cadeira 36.
A AFETIVIDADE QUE NECESSITAMOS Compreender o importante papel da afetividade na vida cotidiana pode significar o primeiro passo para a reflexão – tão necessária – sobre a intolerância e os maus-tratos que assolam o mundo contemporâneo. Com raras exceções, as sociedades estão enfermas e só conseguem enxergar o outro como inimigo. Ávidas por mostrar autoridade, deixam de utilizar palavras que podem agradar e comover, e promovem discursos que agridem e violentam. Ignoram que é no diálogo com o outro que o ser humano se reconhece como pessoa, que forma o sentido de ética, que cria o ‘nós’ e a partir daí estabelece espaços de convivência e aprendizado. Construímos o mundo a partir dos laços afetivos que formamos. Nenhuma inteligência artificial tem a capacidade de se emocionar diante da tristeza de um amigo, de consolar e dar esperança a quem precisa, de abraçar quem está só. O ser humano, sim. 55
Como bem observa Antoine de Saint-Exupéry, em O Pequeno Príncipe: “Só se vê bem com o coração”. É através dele que os acontecimentos se integram à totalidade, que valores e significações são percebidas. Infelizmente, nossas experiências cotidianas são permeadas por uma ideologia guerreira que, articulada com muitos valores da cultura ocidental, se opõe a um discurso com palavras que acariciam, mesmo sem prejuízos para uma argumentação sólida. O enternecimento, a linguagem da sensibilidade é tratada muitas vezes como uma atribuição de gênero, e não como um paradigma de convivência. Aceita-se a abertura para o sensorial, o afetivo, no campo das artes, da poesia. No campo da ciência, quase nunca. Há uma dissociação entre a afetividade e o conhecimento intelectual. Ocorre que a preocupação com os imensos espaços vazios do universo, com os mistérios das viagens interestelares, com a possibilidade de vida em outros planetas fica menor quando percebemos que o mais importante para os seres humanos são as demandas do coração. É o desejo de caber e viver em um mundo com um sentimento profundo de pertencimento, de solidariedade, familiaridade, hospitalidade e, sobretudo, de tolerância.
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Os avanços na área econômica, política, cultural, na medicina, no meio ambiente, obtidos nos últimos séculos, trouxeram inúmeros benefícios, mas também geraram uma competição fratricida entre os povos, que implicou na falta de solidariedade, no individualismo, na acumulação privada e no consumismo irresponsável. Resgatar valores éticos, espirituais, emocionais, que possibilitem ao homem se ligar e religar a todas as coisas, acolher o outro com ternura, respeitando sua cultura, sua dor, certamente abrirá novos e melhores caminhos para o compartilhamento mundial de vivências e descobertas que beneficiarão a todos.
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A AMIZADE Vitória Lina de Queiroz Guimarães
A amizade é ter alguém para contar, Alguém que você possa confiar, Que possa te consolar, E esteja ao seu lado, Não importa, Se esteja frio ou quente, Se esteja triste ou feliz, O importante é estar perto, A companhia é valiosa, Para a amizade cresça a cada dia, Da pessoa admirada, Uma pessoa assim, É difícil de se encontrar, É rara mas não é impossível, Mas ainda existe pessoas assim, Que gostam da sua companhia, E valoriza Quem está perto de você.
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Próximo número:
Imagem extraída da internet
Tema CAFÉ
O ciclo do café 59
DICAS CULTURAIS https://www.in-finita.com/ Portugal e Brasil
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https://revistaseresta.blogspot.com http://concursos-literarios.blogspot.com/
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