Chegamos com mais um número da revista Ecos da Palavra. Neste número foi proposto como tema, Pandemia: a arte cultural e a sua inovação, inspiração vs. vazio da essência das artes. Nestes dias de mudança quotidiana, de interiorização de novas metas e alterações a nível pessoal e profissional, os meses vão se passando e a adaptação é como que obrigatória e há que o aceitar e inovar, pelo menos tentar ao máximo aceitar esta aprendizagem e daqui tirar o máximo de proveito, encontrar a inspiração mesma na dificuldade. Tempos de mudança, De escuridão absoluta, Caos da criação, Que dará em silencio, A luz a Humanidade…
Parabéns a cada um/a dos/as selecionados/as pelo magnifico trabalho!
Conheça o Projeto Literário A Mística dos Encantados O Projeto Literário A Mística dos Encantados é uma iniciativa idealizada por Maria Toinha e Marcos Andrade. A iniciativa literária está voltada para a produção de livros, poesias, contos, canções e artigos, escritos a partir da experiência de Maria Toinha como mulher negra, mãe de santo e retirante da seca de 1958 no Ceará. Venha nos conhecer e viajar por esse Mundo Encantado de Maria Toinha!!!
Rua José Carneiro Filho, 03, Canaan/Trairi/CE, CEP 62690-000
Selecionados Agostinha Monteiro Alberto Arecchi Alessandra cotting Ana Cunha Ana Maria Castelo Branco Ananda Ferreira Anderson Evaristo Augusto Filipe Gonçalves Bruno Michel Ferraz Margoni Carmo Braz de Oliveira Catarina Canas Cecília Maria Pereira Pestana Celso Lopes Claudia Jane Maydana Cristiane Ventre Eva Crochemore Gerson Augusto Gastaldi Gisela Peçanha Hélio Guedes de Oliveira Henrique Duarte
Janielson Araújo da Silva Jober Rocha Lara Machado Larissa Scomparim Luis Marcelo Santos Marcos Andrade Nádia Paiva Neila Reis da Silva Noi Soul Norma Bezerra Patricia de Campos Occhiucci Paulo Luís Ferreira Paulo Roberto Pedro Lino Perpetua Amorim Robinson Silva Rosangela Mariano Sandra Mara Alves Sigridi Borges Thais dos Santos Sousa Vanessa Brandão Vinicius Marques Zyon Colbert
Agostinha Monteiro É natural de Aguiar da Beira, mas reside em Vila Nova de Gaia. Licenciada em Línguas, pela Universidade de Coimbra, e Mestre em Educação, pela Universidade do Minho, reparte a sua atividade profissional pela docência, formação, tradução e escrita. Publicou Contos de Esperança, Lendas e Histórias de Aguiar da Beira e Aprender a Escrever, mecanismos de estruturação textual e participou em várias coletâneas em Portugal, no Brasil, na Argentina e em São Tomé e Príncipe, tendo sido distinguida com alguns prémios, menções e destaques literários.
Cruel inspiração
Que nunca falte engenho ou arte e que a ausência de inspiração não atinja o poético coração não se alastre numa pandemia destruindo a criatividade na magia.
A inspiração é uma amiga infiel vestida de beleza, esconde o seu fel para surgir a seu belo prazer transformando arte em confusão esbatendo as emoções da multidão.
Tem o poder de alterar a realidade e de ao nirvana nos transportar mas se tal não for sua vontade para o vil inferno nos faz viajar rindo da sua pura crueldade!
Agostinha Monteiro
Alberto Arecchi (1947) é um arquiteto italiano, mora na cidade de Pavia. Tem uma longa experiência em projetos de cooperação para o desenvolvimento em vários países africanos como especialista em tecnologias apropriadas para o planejamento de hábitat. Presidente da Associação Cultural Liutprand, edita estudos sobre a história local e as tradições, sem descurar as relações inter-culturais (site: https://www.liutprand.it). Escreve contos e poemas em italiano, português, espanhol e francês.
A PANDEMIA E A MARCHA DOS PÍFAROS Alberto Arecchi Aquele ano, as celebrações do Natal e os encontros familiares deviam decorrer em segredo, como nos dias das catacumbas. Os drones nos espiavam de cima, prontos para interromper qualquer tentativa de reencontro entre amigos e familiares. Não havia guerra, apenas um clima de terror gerado pela ignorância dos governantes. Os que tinham que proteger o povo deram à luz a intenção insana de trancar todos em suas casas, sem trabalho, sem carinho. Nosso mundo se transformou em uma grande prisão. Nem mesmo os sábios podiam chegar, de perto ou de longe, para trazer seus presentes. Eles transformaram nossa terra em um deserto, sem futuro ou esperança. Então, um dia ouviu-se um ritmo pulsante de tambores e flautas, pífaros e tambores. Começou a amanhecer, vinha do céu, cedo, na manhã daquele remoto mês de novembro. Do céu... “Mas de onde?” Vocês poderiam perguntar. Eu não sei, ninguém sabia. Começou suavemente, um estrondo distante, como um trovão. A cidade inteira foi acordada por um bumbo, e logo em seguida pelo início de uma alegre execução. O ritmo enchia os ouvidos, trovejava no crânio e batia nas têmporas. Você sentia vontade de acordar, de sair de casa e começar a andar com um passo constante. Como no quartel uma vez, no momento do
serviço militar, quando, após o alarme, antes do pequeno-almoço, fizemos os exercícios para começar o dia. Parecia a marcha de um
exército de tempos antigos, um dos ritmos alegres que empurravam massas coloridas de camponeses, que usavam pouca roupa, apenas alimentados e mal armados, para marchar em direção à morte, a escorregar ou saltar em piques ou contra tiros. A cidade inteira estava se movendo ao ritmo da marcha, e mil tambores, milhares de pífaros, e talvez algumas trombetas fora de ordem, em contraponto, chamavam as pessoas a deixar suas casas, para derramar para as ruas, avançar para os parques, e em seguida ainda, sem interrupção, se afastando das áreas residenciais. A menina Lisa ouviu o chamado dos tambores. Saiu para o jardim e olhou para o céu. Imediatamente sentiu o desejo de ir para a rua, para se juntar ao rio de gente andando, como se todos estivessem hipnotizados. Todos se movendo na mesma direção, mas ninguém sabia para onde. Os caminhantes estavam indo, um após o outro, como se tivessem ouvido o apelo do Velho da Montanha. Andavam como as crianças do conto de fadas, por trás de um flautista que não estava lá. Eles não foram, no entanto, para saltar em um rio. Começavam em consenso a definir na mesma direção. Saiam da cidade, foram determinados para a estrada principal. Logo eles se encontraram marchando em fileiras cerradas. A música estava se movendo, levando o povo de caminhantes em direção a um destino misterioso. O ritmo animava as pessoas. Todos caminhavam decididos, alguém com passo mais pronto. Havia aqueles que se moviam como correndo em um parque. Alguém esboçava movimentos de dança, inspirado pelos ritmos da marcha que pareciam descer do céu. Andaram, andaram até ficar cansados. Em seguida, eles começaram a se organizar melhor. Ao longo do caminho, todos ofereciam comida e refrescos. Também o grupo se acrescentou com outros viajantes. Pontes e viragens, corcundas e solavancos, e comprimentos retos, campos e arrozais, canaviais abandonados. O mundo inteiro fluía em ambos os lados do longo caminho. A estrada acabou, mas isto não conseguiu parar o ritmo acelerado, que instava as pessoas a caminhar, cada vez mais, para se aventurar no desconhecido. Eles
continuaram ao longo de um caminho de terra, de uma pista, em uma floresta selvagem. Subiram, ajudando-se uns aos outros, sobre as rochas que dominavam o vale. Chegaram ao topo, eles olharam para o mundo a seus pés, e foram além, sempre seguindo o apelo mágico
de pífaros e tambores. A Lisa se divertia muito em contato com o mundo colorido de tantas pessoas felizes. Chegou o momento em que a multidão alcançou aquilo que parecia um obstáculo intransponível. Na frente de todas essas pessoas, havia uma grande extensão de água calma, apenas ondulada pelas vagas de uma brisa suave. O ritmo que tinha levado a marcha nesses dias se tornou mais leve, um rolo de bateria no fundo com uma doce melodia do vento. As flautas prevaleciam naquele tempo, dominando os pífanos. Os mais capazes olharam em volta, juntaram madeira e outros materiais, e começaram a construir barcos. Todos aprenderam e foram capazes de trabalhar com as mãos. A grande frota navegou no mar, empurrada pelos ventos, atraída pela música misteriosa. Lisa passou em um barco que parecia ser feito de papelão colorido. Não se preocupava por sua segurança, mas apenas pela “beleza” do meio de transporte. Ela vivia esses momentos como um grande piquenique, onde todos se amavam e todos estavam jogando, e o jingle vindo do céu fortalecia o seu sentimento. Quarenta dias, quarenta noites. Não houve inundação, não houve tempestade. Em mar calmo navegaram, com o favor do vento. A música celestial os acompanhava sempre, agora mais suave, outras vezes com tons mais fortes. As pessoas já não andavam. Alguém remava, alguém estava a pescar, outros cuidavam da vida diária das pequenas comunidades que se formaram nos barcos. Lisa fez amizade com as pessoas em seu barco. Eram todas pessoas agradáveis e fizeram-na sentir-se à vontade. Finalmente, chegaram a uma ilha remota. Uma ilha cheia de grandes recursos, em que não havia armas, nem petróleo, nem plástico, nem dinheiro. Desembarcando na nova terra, navios e barcos se desfizeram. Era como se tivessem sido planejados apenas para uma viagem só de ida, e para a duração certa. Umas estavam vazando, as outras perdiam peças. Os homens desistiram e decidiram se instalar no
lugar que tinham alcançado. Era uma espécie de paraíso terrestre, virgem, cheio de água e frutas. Agora o ritmo celestial havia-se transformado em uma espécie de música de fundo suave, apenas articulada, quase misturada com o farfalhar das folhas. Os recémchegados olharam em volta e se espalharam por toda parte, procurando um lugar para se instalar. Eles começaram a construir
cabanas, fazer amizade com os animais locais, crescer algumas plantas. Nunca mais souberam o que tinha acontecido no mundo que haviam deixado para trás. Não sentiram nenhuma nostalgia pelas moradias urbanas, por carros e televisores. Andavam ocupados, em vez, de cultivar e colher os frutos da terra e de viver em paz com seus vizinhos. Não ouviram mais a música celestial de pífaros e tambores, na verdade nunca mais foi ouvida nenhuma música misteriosa. Será que esse Natal de esperança trará a libertação do pesadelo e dos maus governantes?
Alessandra Cotting Sou paulista, morando atualmente em Maceió. Escrevo desde criança, embora tenha desengavetado meus textos há pouquíssimo tempo. Sou formada em Letras e pós-graduada em Literatura contemporânea. Publico textos em revistas literárias e trabalho, atualmente, na produção do meu primeiro livro de contos.
Do olho torto
ELE CHEGOU TARDE, naquela hora da noite em que vagalumes e estrelas se confundem em seu voos rasantes, ora côncavos, ora convexos. Deve ter sido em uma dessas confusões, dentre tantas, que pedi pelo olho torto, pra que voltasse ao prumo. Chegou já com a camisa fora do corpo, jogada no ombro com o desleixo dos finais. Ouvi o som do ferrolho carcomido – do mesmo tom de marrom do olho dele – e puxei intencionalmente o cabelo pra frente, jogando-o sobre a face esquerda, sentindo a cócega leve que me ruborizou. - Oi, benzinho. – foi recebido com um beijo de longe, já que a agonia dele nunca me deixava abraça-lo do jeito que vinha, suado, salobro, ostentando o sorriso que me tombava sem esforço algum. A JANTA ERA NOSSO MOMENTO MÁGICO que eu preparava cantando e servia com um risinho escapado, bem no cantinho. Estava botando a mesa enquanto ele fazia as necessidades de porta aberta e me contava sobre seu dia, quando o ouvi dizer algo sobre me levar pro inferno. Parei, a concha pousada no ar. - Vou te levar comigo. Senti um gelo contornar a espinha ao mesmo tempo em que deixei o líquido fumegante voltar à panela. - O que foi que tu disse, ai? – falei, enquanto dava a volta no móvel que me separava dele. Queria encará-lo.
Ali, sentado no vaso, não estava meu marido, o que vi foi uma figura distorcida e derrotada. Pendendo da calça, a fivela do cinto tocava o chão, poderia refletir seu olhar melancólico, mas não tinha nada além de uma sombra que perpassava o corpo tombado sobre si memo. Cerrei os olhos obrigando o olho bom a enxergar. Houve um outro resmungo baixo e grave, que ficou sem resposta. Com movimentos calculados, fui pro quarto e fechei a porta atrás de mim. Tomada de pavor, prostrei-me de joelhos, o olho torto contabilizando os mistérios do rosário. Alessandra Cotting
Ana Rita Cunha nasceu a 6 de novembro de 1993, em Lisboa. Licenciou-se em Estudos Portugueses em 2014 e terminou o mestrado em Edição de Texto em 2019. Em 2016 foi publicada na antologia Emergentes da editora Livros de Ontem. Escreve criativamente desde que se lembra. Novos Traços - Ana R. Cunha
Eram 16:58 de terça-feira, dia 7 de abril. David estava com a sua mãe e interrompeu a conversa ao recebeu um telefonema de trabalho. Dirigiu-se à janela para atender o telefone. Não era normal ligarem mesmo à hora de saída de trabalho mas já tinha acontecido. Normalmente eram situações que eram precisas resolver urgentemente e ele não se importava de contribuir. Sobretudo dadas as circunstâncias que se tinham instaurado e com todos em teletrabalho, David sentia-se mal em ignorar a chamada. Tinha de haver uma certa adaptação com a nova maneira de trabalhar e ele entendia isso perfeitamente. A chamada era dos Recursos Humanos e ele ouvia atentamente. No decorrer da chamada David observava a rua, que estava praticamente vazia, salvo alguns carros que de vez em quando apareciam à distância. Era a hora do fim das aulas na escola e no entanto a rua da escola perto dele estava completamente vazia. Não se ouvia os barulhos habituais: as crianças a rir, os carros a apitar, os pais com pressa de ir embora, “vamos lá”. Este silêncio ia perdendo a sua estranheza. A chamada demorou menos de quinze minutos e David manteve-se calado durante a maioria da sua duração. Não sabia o que dizer. Quando a chamada terminou, pousou o telemóvel no móvel perto da janela. Atravessou a sala de estar para voltar para perto da mãe, que estava no balcão da cozinha. A mãe perguntou com curiosidade o motivo do telefonema. Enquanto falava com ele procurava algo na cozinha, remexendo como nunca ia deixar de ser hábito embora a casa fosse dele. David olhou para ela durante alguns segundos antes de falar.
Voltamos ao início do ano. David tinha arranjado um estágio extracurricular remunerado, com duração de três meses, numa das maiores empresas de contabilidade da cidade. Sentia um alívio enorme por ter conseguido quebrar o seu período de desemprego de meio ano, após a loja onde estava alegar problemas financeiros e ter despedido metade dos seus colaboradores. Desde que tinha terminado a licenciatura nunca tinha conseguido entrar na área, por agora como estagiário, mas na entrevista asseguraram que era muito mais fácil integrar os quadros da empresa desta forma. Mas pouco tempo depois de ter entrado, em março, o governo do país declarou estado de emergência devido à pandemia que cada vez mais afetava o mundo inteiro. A pandemia tinha-se complicado em tão pouco tempo que havia apenas um grupo restrito de pessoas, que pela necessidade extrema dos trabalhos que exerciam, não podiam deixar de ir trabalhar. Sem o seu serviço a sociedade pura e simplesmente parava. A todos os outros trabalhadores pedia-se para ficarem em casa, isolarem-se e trabalharem em teletrabalho. Assim foi o caso de David e dos seus colegas, que tiveram de começar a trabalhar a partir de casa. Embora o departamento onde David estava não lidasse com atendimento ao público, a ida até ao trabalho de transportes públicos e trabalhar com tanta gente em espaços fechados era perigoso para a saúde pública. Ouvia-se dizer que o vírus era de grande contaminação e o número de infetados subia em flecha diariamente. Enquanto David arrumava as coisas, a sua chefia direta tinha-lhe posto a mão no ombro e disse para não se preocupar. Ele acreditou porque via a tranquilidade da empresa a lidar com a situação e a sua eficiência, acreditou que não havia pânico nos emails enviados pelos Recursos Humanos e pelo diretor e que o negócio não estava muito afetado. A sua adaptação ao teletrabalho não foi particularmente difícil. Tinha várias alterações de rotina mas nada de muito complexo, só mudava a localização e o isolamento físico. O reajuste era fácil de fazer. Podia maioritariamente em contacto com colegas e com acesso à Internet, então o seu trabalho podia continuar em casa sem grandes problemas. David tinha conseguido controlar a sua produtividade, apesar do volume de trabalho ter diminuído e haver mais distrações
em casa. O trabalho ia aparecendo e ia conseguindo manter-se ocupado. Manteve o horário de trabalho e fazia tudo com, para além da ida e da volta para casa de transportes. Na primeira semana todos os trabalhadores receberam um e-mail de agradecimento por todo o seu esforço e empenho nestes tempos sem precedentes. Metido no trabalho e na sua rotina, David não pensava muito na situação, ou melhor, tentava não se preocupar. Se por um lado se ia começando a ouvir em despedimentos em massa, ele acreditava no seu chefe porque lhe tinha assegurado que não se preocupasse. Pelas notícias que ia ouvindo na televisão o governo já estava a tentar implementar medidas que preservassem o máximo de postos de trabalhos possíveis, ao ajudar as empresas. E não tinha motivos para desconfiar que o chefe lhe estivesse a mentir. Não eram amigos próximos mas davam-se bem e quase todos os dias bebiam café juntos. Uma quinzena depois todos os trabalhadores receberam uma comunicação a anunciar mudanças à situação da empresa. Com as novas medidas do governo para ajudar monetariamente as empresas e assim ajudar a manter os postos de trabalho, a empresa tinha aderido ao regime de lay-off e que haveria redução ou suspensão de contratos. Que estas situações seriam tratadas individualmente. David esperou pacientemente para ouvir o que se ia passar. Claro que tinha medo da instabilidade, mas talvez com a ajuda do governo não tivessem de despedir ninguém. Uns dias depois do e-mail, soube que a sua carga horária iria passar para metade. Em conversa com o seu chefe este parecia não tão confiante como da última vez e desconfortável com a conversa. - O teu trabalho é importante e a empresa dá muito valor ao empenho que dás. David quis acreditar nas suas palavras e queria ignorar o seu instinto, que lhe dizia que a situação não ia acabar bem para ele. Não o estavam a despedir e esta situação só seria até a pandemia terminar, certo? Talvez era esta a maneira de prevenir terem de despedir pessoas e não prejudicar a empresa. Se o trabalho estava a diminuir
também diminuía o lucro da empresa e teriam que ajustar essas perdas por algum lado. Com mais tempo livre era mais difícil manter uma rotina fixa e produtiva. Em certos dias só acordava para fazer trabalho e voltava a dormir. Sim, a redução do horário era chata mas ao menos podia continuar a trabalhar. Sentia que não se podia queixar porque continuava com emprego e tentava concentrar-se nesse facto. Mesmo sem querer, e evitando as notícias, não se falava de mais nada sem ser da pandemia. A preocupação das pessoas, as histórias de quem se viu completamente desamparado no meio desta situação, o perigo enorme de contágio, começavam a tornar David paranoico. Notava o quão repetitivas eram as notícias e que não se falava de mais nada a não ser do COVID-19. Ao início não se entendia o que era, depois cada vez mais informação começou a surgir. E os primeiros casos, que levaram ao aumento de casos e ao Estado de Emergência, ao isolamento social, à reclusão em casa. David ia muitas vezes à janela, sobretudo quando o tempo mais solarengo chegou e imaginava o retorno da normalidade: poder voltar a ir à praia fazer bodysurf com os seus amigos, o primeiro mergulho do ano. Até o facto de beber uma cerveja numa esplanada se tornava uma luxúria. Ao início era mais fácil não ver televisão, para não se distrair com o volume de trabalho que ia surgindo, com o contacto com os seus colegas e as reuniões com a sua chefia. Mas com a redução da carga horária do trabalho também os colegas pareciam ter-se fechado mais, pareciam afastar-se e estarem concentrados apenas na sua vida. As conversas eram curtas e mais orientadas para o trabalho, quando necessário e David não queria intrometer-se. Muitas famílias passavam situações difíceis com o distanciamento que se impunha, ele próprio não sabia quando voltaria a ver o avô, com medo de contagiá-lo. Agora voltamos ao fim do telefonema. David quebrou o silêncio, quase sem acreditar no que ia dizer. - Não me vão renovar o contrato.
David nem se tinha lembrado de que esta era a data limite para avisarem que não queriam renovar o contrato. Desta vez o chefe nem falou com ele, como das outras vezes, nem nunca iria responder ao pedido da carta de recomendação que David eventualmente fez. Provavelmente não conseguia enfrentá-lo depois de lhe dar tanta esperança em algo que não se concretizou. A mãe abraçou-o e falaram um pouco, antes da mãe voltar para casa. Tinha deixado alguma comida feita. Seria para o jantar, disse a mãe, mas a quantidade era mais do que suficiente para várias refeições, como era habitual. Mas David não tinha fome. Passou o resto do tempo a mudar de canal, tentando-se distrair com a televisão. Acordou a meio da noite, numa posição desconfortável. Foi para a cama onde passou grande parte do dia seguinte lá. Virava-se na cama, a pensar no que ia fazer com a vida dele. Agora era uma altura péssima para ficar desempregado. Grande parte das empresas estavam com dificuldades para manter os colaboradores que já tinham e os únicos sítios que via a contratarem eram sítios de grande contacto com público e de grande risco de contaminação. Ao mesmo tempo que queria emprego tinha medo do possível perigo que podia correr neste tipo de trabalho e em contacto com o vírus. Mas parecia ter mais medo da esperança que lhe dava enviar respostas a candidaturas todos os dias só para nunca ouvir nada de volta ou para ser rejeitado. Voltou a passar pelo que tinha passado e que esperava poder ter evitado durante mais tempo. enviava dezenas de candidaturas e havia um silêncio ensurdecedor do outro lado. Todos os dias recebia notificações dos sites de procura de emprego onde se tinha inscrito e evitava-os a todo o custo. Para quê enviar candidaturas agora? Para quê procurar? Com o passar dos dias o derrotismo ia-se apoderando dele pela falta de resultados da procura. Evitava pegar no telemóvel porque quando o fazia, via nas redes sociais o sucesso dos seus amigos e conhecidos no teletrabalho e mesmo aqueles que, a risco, tinham que ir trabalhar para a rua. Mas depressa fechava as redes sociais, para pouco tempo depois voltar
a abrir as aplicações no telemóvel sem se aperceber, num ciclo repetido pelo aborrecimento. Também se aliava à televisão, que durante o início do confinamento tinha servido para ruído de fundo, agora dava por ele a ver notícias constantemente. A queda da economia, o aumento de casos e os países mais afetados, a falta de resposta capaz a crise sanitária, as mortes em flecha, os despedimentos em flecha, e nada mais do que a pandemia em todos os telejornais. As ruas estavam cada vez mais desertas. Das poucas vezes que tentou ir à rua sentia-se nervoso, julgado por ir a algum lado, mesmo para caminhar, com a desconfiança e medo que pairava. Aliado com o medo que tinha de apanhar o vírus e transmiti-lo à mãe não era capaz de sair de casa. O pouco contacto humano que ia tendo era ao receber as compras em casa, que fazia com pressa, para lavar as mãos de seguida e tudo o que chegava. Numa das alturas em que via televisão e sabia que estava aborrecido mas não tinha energia mental para fazer mais nada, estava a mudar os canais sem prestar grande atenção ao que dava na televisão. até passar por uma uma reportagem sobre os efeitos que o COVID-19 estava a ter na saúde mental dos portugueses. Passados meros segundos da reportagem mudou de canal. Mas passado algum tempo voltou a mudar para o canal onde estava e ele decidiu voltar atrás para ouvir tudo do início. Foi como um interruptor que se ligou na sua cabeça. Percebeu que estava a ser mais afetado do que aquilo que se tinha permitido aperceber. Tinha parado de tentar e estava a sentir-se em baixo mas a sua vida não ia parar à espera dele. Tinha obrigações para cumprir e não podia ser fatalista, as coisas tinham de melhorar. Ele precisava de começar a perceber como podia sair do buraco onde se sentia. Pegou no telemóvel e decidiu telefonar à mãe para saber como estava e como estava o avô . De seguida queria ligar a Sérgio mas hesitou. Ponderou porque é que estava a hesitar falar com ele sobre isto, já se conheciam desde o quarto ano e eram praticamente como irmãos. Não fazia sentido evitar. Ligou e pediu desculpa por não ter estado muito comunicativo e pediu-lhe ajuda, que se sentia um pouco
perdido no meio de toda a confusão e a incerteza. Explicou-lhe o que se tinha passado, tinha evitado falar e tinha bastante vergonha de como tinha lidado com o despedimento. Sérgio ouviu-o com atenção e agradeceu o facto dele ter partilhado tudo com ele. - Já pensaste em ter falares com um psicólogo sobre isso? Acho que fazem consultas por videochamada agora. O primeiro instinto de David era responder que não precisava, mas sabia que seria preconceito da parte dele. Ele sabia que não estava bem, embora admitir isso era muito mais complicado. Havia uma voz interna que o chamava fraco por querer procurar ajuda. Se fosse qualquer amigo dele na mesma situação e quisesse ir a um psicólogo ele apoiaria a decisão e acharia perfeitamente justificável. O amigo fê-lo prometer que ia pesquisar sobre isso e ponderar as suas opções. Sérgio terminou a chamada dizendo: - Vai falando e não fiques escondido dentro da toca. David ficou a pensar durante algum tempo nesse comentário final e decidiu tomar o seu conselho. Tinha feito sempre um esforço para manter contacto com os seus amigos mas ele tinha que confessar que desde que trabalhava de casa se tinha descurado disso. Hesitou contactar os amigos para lhes perguntar como estavam. Que assuntos é que havia para se falar agora que todos estavam em casa? Nem todos os amigos estavam em teletrabalho, mas a grande maioria sim, pelo que ele se tinha apercebido. E depois perguntariam o que é que ele anda a fazer, o que se tinha passado e ele tinha medo de se sentir pior do que se sentia. Começou a contactar aos poucos alguns amigos, hesitante sobre como poderia correr. Tinha medo que os amigos estivessem demasiado ocupados para ele, que as conversas fossem desconfortáveis ou sem grande rumo. Ao contrário do que podia ter achado, as conversas com os seus amigos estavam a ser uma grande ajuda, direta e indiretamente. Deram-lhe algumas ideias do que podia procurar para tornar a quarentena menos sufocante. E sobretudo ajudavam-no a perceber sobre toda a incerteza que todos sentiam relativamente ao futuro, às suas carreiras e a quererem a
normalidade sem saberem quando voltara ao normal. Percebeu também que vários deles ou amigos eles, que estavam em posições mais precárias do que a ele e que ele não tinha a menor noção porque nunca tinha vindo ao assunto esse tipo de pormenores, tinham sido dispensados. Aos poucos ia juntando a informação que ia obtendo de todos os lados, que a empresa estava a receber apoios do estado mas que tinham dispensado várias pessoas em todos os departamentos, alegando diferentes motivos para tal. - É pena ser precisa uma epidemia para darem o mínimo de importância a trabalhadores que sempre foram essenciais para a sociedade não parar. - tinha comentado uma vez um dos seus amigos, em videochamada, antes de se despedir e ir para o trabalho. Acima de tudo deram-lhe uma nova perspetiva de que esta adaptação trouxe dificuldades a muitos e de muitas maneiras diferentes. Claro que já sabia isso, tinha visto nos telejornais que o desemprego tinha aumentado, assim como as dificuldades de subsistência e o medo da instabilidade. Mas ao ouvir pessoas que conhecia parecia tornar as histórias mais reais. Racionalmente sabia que não fazia sentido nenhum mas apercebeu-se que inconscientemente tinha criado um certo distanciamento relativamente ao que via na televisão e perdido um pouco de sensibilidade. Destas conversas foi ganhando algumas ideias do que fazer. Decidiu que ia tentar organizar melhor o dia, procurar trabalho. Começou por fazer uma lista, sempre se tinha organizado melhor com a informação disposta de forma visual. Começou a procurar o que fazer durante o confinamento. Foi escrevendo todas as opções que lhe vinham à mente e depois pouco a pouco ia riscando umas que não faziam sentido para ele. Pesquisou um site que um amigo lhe tinha dado onde estava a aprender japonês e foi procurando os tipos de curso. Pesquisou e informou-se sobre consultas de psicologia online. Olhava para as páginas, hesitante. Depois de um grande debate mental entre não querer gastar dinheiro por estar desempregado e a vontade que lhe estava a surgir de fazer estas coisas, percebeu que
era um investimento que ele merecia e que o recompensaria. A saúde mental era importante Provavelmente também para limpar a mente e conseguir organizar-se de forma mais produtiva, para conseguir garantir que conseguia tratar da sua saúde mental e fazer o melhor de uma má situação. Tinha de recuperar porque a vida não ia esperar, ele precisava de seguir em frente, arranjar trabalho. não tinha direito a ajuda do estado. E sobretudo continuar a sua vida em frente, o melhor possível. Enviou alguns pedidos de contacto a alguns psicólogos. Nunca gostou muito de telefonemas e primeiros contactos, sobretudo numa conversa tão vulnerável, eram sempre difíceis de superar. Mas no fim dos telefonemas acabou por encontrar uma psicóloga com quem se tinha sentido mais confortável e menos estranho. Marcaram uma consulta para o dia seguinte. No fim da primeira consulta sentia-se cansado mas mais leve. Raquel Sousa tinha elogiado a sua ideia da lista e tinha sobretudo deitado abaixo o seu preconceito contra ele mesmo e invalidar o que sentia. David passou grande parte da consulta a chorar e sentia-se estranho por isso. Mas Raquel tranquilizou-o que era perfeitamente normal sobretudo quando havia questões subjacentes que não tinham sido abordadas, que não tinha de se sentir envergonhado por exteriorizar que certas questões o afetavam e que era saudável deixar-se sentir o que tinha para sentir. Iriam trabalhar para que continuasse a reconhecer essas situações e pudesse cada vez mais chegar longe. Uns dias com mais sucesso, outros dias com menos, tentava ter um horário fixo, como a psicóloga lhe tinha recomendado. Vestia-se como se fosse para o trabalho, tomava o café a olhar pela janela, acrescentava ideias a uma lista de coisas que podia fazer e depois procurava trabalho. O progresso das consultas não era imediato, claro. Nem sempre era fácil levantar-se e em algumas ocasiões vestir roupa de rua era gastar grande parte da energia que tinha. Tinha de manter uma espécie de diário, onde apontava as tarefas do dia e podia ir escrevendo sobre o dia, nem que fosse só ao fim antes de ir dormir. Era difícil, tinha sido avisado disso. Nos dias em que conseguia sentia-se orgulho e aumentava a motivação. Nos dias em que as coisas não corriam tão bem estava a aprender a aceitar que
muitas vezes planeamos as coisas e não julgar-se por isso, a ouvir o seu diálogo interno e a modificá-lo. Uma dessas tarefas era limitar o seu tempo nas redes sociais e a ver notícias. Só ao falar com a psicóloga é que percebia o quão prejudicial era. O dilúvio de informação, muita dela nem sempre verídica, em demasia poderia ser nociva e piorar a saúde mental. Era bom manter-se informado mas sabendo dosear essa exposição às notícias. Era difícil, sobretudo quando tanta gente nas redes sociais partilhava notícias contraditórias, muitas vezes falsas. Era praticamente o único assunto na Internet. Como se podia manter ocupado? Ao olhar pela casa decidiu que tinha de organizar tudo e reorganizar tudo, deitar coisas que não precisava fora. Aos poucos a casa ia-se tornando mais caótica para depois se tornar mais organizada. Pilhas de livros, cadernos e sacos de roupa e de lixo começavam a ocupar o chão mas com o passar dos dias via-se a arrumação em algumas partes da casa. Mas não podia passar o dia inteiro a arrumar a casa. Outro item da lista era exercício físico. Ele já não se lembrava da última vez que tinha ido correr. Vestiu-se de fato de treino, foi para a rua e colocou música a tocar. Mas depressa se arrependeu, quando via que não tinha resistência nenhuma e parou em menos de dez minutos. Mas também podia andar, era exercício na mesma. Parou um pouco e riu-se. Há dias que não tinha vontade de rir. Um rapaz passava com o seu cão, sem lhe dar atenção. David estava a apreciar o sol, pura e simplesmente isso. Por momentos o mundo pareceu tão simples e era disso que ele tinha saudades. Por vezes ele conseguia ser o seu pior inimigo e não simplificava. Ao chegar a casa, tomou banho e retomou as arrumações. Pegou numa pilha de cadernos e de fotocópias da faculdade que estavam para um canto. Foi pegando nos cadernos e folheando para ver o que podia deitar fora, relembrando as disciplinas e a nostalgia que lhe trazia pensar nos tempos da faculdade. Um dos cadernos era mais antigo e misturado com os outros e lá dentro vários desenhos. David ficou surpreendido mas sorriu e sentou-se no chão, a folhear. Ele
pensava que tinha deitado fora todos os cadernos de desenho que tinha. Já há muito tempo que tinha parado de desenhar consistentemente e que tinha parado de pensar nisso sequer. Inconscientemente ele sabia a razão provável que o fez desistir de desenhar. O pai nunca tinha sido a favor de qualquer passatempo que ele tivesse. Das últimas memórias que ele tinha do pai foi numa das piores discussões que tiveram, pouco tempo antes de se separar da mãe e sair de casa. O pai tinha entrado no quarto e tinha começado aos gritos com ele, a troça-lo pelos desenhos e enquanto estavam aos gritos o pai mandou a caixa de lápis para o chão e rasgou as folhas que ele estava a usar. A mãe só depois chegou ao quarto e tirou de lá o pai. A caixa de lápis tinha sido o produto de várias semanadas poupadas e dinheiro para lanches poupados para investir. De toda a conversa tinha gravado na memória as últimas frases dele. - Sê um homem e vai para um curso como deve ser. Não andes a gastar o meu dinheiro nessa porcaria! Tinha reprimido a memória ao ponto de ter ficado anos sem pensar nisso. Mesmo depois do divórcio dos pais nunca mais tinha desenhado. Agora mal falava com o pai, algumas vezes por ano,mas continuava a ser algo que o afetava. O desprezo do pai no geral pelas atividades dele mas sobretudo as reações dele quando ele ia contente mostrar os desenhos aos pais e o pai despachava-o porque estava a falar ao telefone ou havia sempre algo mais interessante a dar na televisão. E a olhar para os desenhos que fazia, embora visse muitas falhas e fossem muito infantis, por serem feitos por uma criança, via um novo valor neles que nunca tinha visto. Ficou sentado um pouco, a olhar para eles, a pensar nas manhãs de fim-de-semana em que ia para a frente da televisão, comia uma taça de cereais a ver os seus desenhos animados preferidos e depois tentava desenhá-los. Pousou os cadernos nas pilhas com as outras coisas que ia guardar e continuou a arrumar.
No dia seguinte, um dos tópicos da conversa com a psicóloga fê-lo referir essa situação. - Já pensaste em voltar a desenhar? O primeiro instinto era dizer que não, que já não sabia desenhar. Que não sabia o que fazer com uma folha à frente e não sabia por onde começar. Mas depois de encontrar os cadernos não conseguia pôr a ideia de parte sem tentar. No dia seguinte, depois de enviar respostas para algumas candidaturas, pegou numa folha e num lápis e sentouse a olhar para a folha. Ficou assim algum tempo. Bateu com o lápis na secretária a tentar pensar. Não tinha ideias nenhumas. Tentou começar a fazer algo mas não lhe estava a sair como ele queria, amarrotou a folha e mandou-a fora. Voltou a pegar nas folhas dois dias depois. Começou a desenhar e quando deu por ele a mãe estava a ligar e já estava a desenhar há horas. Já há muito tempo que não se divertia daquela maneira e sentia-se feliz, de mãos sujas de grafite e um desenho longe de ser perfeito mas o primeiro de muitos anos. No dia seguinte acabava de enviar candidaturas para ofertas de emprego, de ler os seus e-mails e ia desligar o computador quando recebeu no e-mail informações sobre um curso online de ilustração digital. Achou uma coincidência interessante e decidiu abrir e explorar, sem grandes expectativas. Não só havia aulas online como também havia um fórum, que podia pré-visualizar, mas onde via atividade sobre vários tópicos relacionados com o curso ou com outras questões. O valor para o curso era um fator a considerar, mas o curso tinha flexibilidade de tempo para o fazer. E o certificado era um bom investimento numa possível carreira. Afastou essa ideia da cabeça imediatamente, ninguém o contratava na área em que se tinha formado, quanto mais em desenho. Nem sequer tinha seguido o curso de Artes no ensino secundário. Pensou nessa questão durante uns dias, até ter falado com Sérgio. Não sabia responder ao porquê de ainda não se ter inscrito. Tentou argumentar com o amigo mas parecia que tinha mais curiosidade e entusiasmo pelo curso do
que vontade de alimentar as desculpas que ia dando. Antes de poder concluir a conversa recebeu um telefonema de um número que não conhecia e despediu-se do amigo à pressa. Das poucas vezes que recebia um telefonema de um número que não conhecia ficava com a esperança que fosse a marcação e uma entrevista mas às vezes que tinham ligado tinha sido para vendas ou inquéritos de marketing. Estava com medo de se encher de expectativas mas não conseguia evitar. - Boa tarde, estou a falar com David Correia? David tentou não se entusiasmar e tentou acalmar a ansiedade. - Boa tarde, é o próprio. A conversa durou cerca de quinze minutos e queriam já marcar uma entrevista para o dia seguinte. David ficou tão ansioso que quase se esquecia de que era ótimo se desse certo. Mas ele também não queria encher-se de esperanças porque podia não dar em nada. Não tinha sido o único de certeza a enviar e-mail e a ser chamado. O trabalho era para tradutor como trabalhador independente mas como seria para vários projetos eles queriam manter a mesma pessoa, por uma questão de consistência. O projeto precisava de ser coeso e parecer escrito pela mesma pessoa, no mesmo estilo. Era mais fácil também quando se podia integrar o trabalhador numa pequena empresa e criar um dinamismo que funcionasse. Assim que desligou o telemóvel olhou para o site e aproveitou a motivação para se inscrever. Se não fosse naquela altura tinha medo de desistir e não se inscrever. Enviou mensagem ao Sérgio a dizer que já se tinha inscrito e passou as horas seguintes a preparar-se para o curso. Decidiu encomendar alguns materiais básicos para desenho em papel, já que não tinha nada com ele, instalou os programas com os quais ia trabalhar e pesquisou a bibliografia para organizar tudo para estudar. No dia seguinte David acordou mais cedo do que o costume, não só porque tinha que o fazer mas porque despertou naturalmente e não tinha conseguido adormecer mais. Depois do banho escolheu uma
camisa e foi ligando o computador e ligou o tablet para ter o seu Curriculum Vitae aberto. Tentou perceber se o quarto parecia desarrumado para quem o visse e quando olhou para as horas viu que estava praticamente na hora da entrevista. Sentou-se, ligou a chamada e ajeitou o cabelo enquanto a chamada não iniciava. A entrevista correu bem, David conseguiu ir libertando-se do seu nervosismo e ir mostrando a sua personalidade. Mesmo a pergunta que mais temia, o porquê do fim do último trabalho teve uma resposta desembaraçada,sem dar a entender que estava ressentido com o seu último emprego. Nunca era uma boa tática falar mal dos antigos empregadores, nunca se sabe se poderão estar conectados e dá uma péssima impressão ouvir um futuro colaborador a falar mal duma empresa onde se trabalhou. De certeza que não dava motivos para ser contratado porque no futuro poderia fazer o mesmo. Ficaram de lhe dar uma resposta no espaço de dois dias e no fim desses dois dias combinaram uma segunda entrevista. Explicaramlhe com mais detalhe o trabalho e nunca foi dito explicitamente se o queriam. Sentia-se parvo ao perguntar, sobretudo quando lhe enviaram os documentos para fazer um contrato. A impressora estava no móvel atrás dele e olhou para trás para ver quando as folhas imprimiam. David ia-se levantar para as ir buscar, assinar e digitalizar logo e voltou a sentar-se no mesmo segundo. Tinha-se lembrado, a tempo, que só estava de camisa e roupa interior. Começou a entrar em pânico a ver como se ia levantar. Demorou alguns segundos até perceber que tinha uns calções de treino na cadeira, quase a ir para o chão. Fê-los deslizar o mais disfarçadamente possível mas sem destreza nenhuma e enquanto se tentava vestir sem mexer muito os braços e o corpo fez uma questão para poupar tempo. Ia deixá-la mais para o fim mas assim conseguia vestir. Foi acenando com a cabeça, tentando vestir-se enquanto tomava o máximo de atenção possível ao que diziam. Quando desligaram, David ficou sentado a olhar para o ecrã, sem saber o que fazer. Sentia um misto de emoções. Por um lado sentia medo de estar a voltar a depender de um trabalho onde não tem nenhum vínculo laboral e que podia simplesmente ser dispensado
quando já não precisassem. Mas a geração dele tinha vindo a crescer com a noção de que não teriam um emprego para a vida. Ao menos tinha conseguido arranjar algo que conseguia fazer durante o confinamento e ia aproveitar enquanto pudesse. Depois teria de voltar à procura de trabalho mas já teria mais uma experiência para acrescentar ao currículo. Era uma boa mudança e ele queria aproveitar a felicidade e o alívio e não pôr o negativismo sempre primeiro. Decidiu não se preocupar com isso naquela altura. Ia mandar algumas candidaturas se lhe interessassem mas agora poderia ser um pouco mais seletivo com as candidaturas que enviava, até porque também não havia muitas empresas a contratar nesta altura. Se pelo menos Numa das videochamadas que fez com a mãe decidiu contar-lhe sobre o curso e mostrar-lhe alguns desenhos que tinha feito, para o curso e fora dele. - Ainda bem que voltaste a desenhar, sempre desenhaste tão bem. Notou uma pequena diferença no tom de voz da mãe e ficou na dúvida se a mãe tinha ficado emocionada mas não comentou. Não sabia se ela se tinha lembrado da falta de apoio do pai ou se alguma vez sequer se tinha apercebido. Mas não queria trazer esse assunto nem colocar a mãe transtornada. Desde que o divórcio tinha sido finalizado, nunca mais tinham falado do pai e não era preciso. A mãe nunca o tinha proibido de se continuar a dar com o pai e ele percebia o porquê, ele é que teria de tomar esse tipo de decisões. Ficou feliz por ter partilhado esta redescoberta com a mãe e durante as próximas chamadas a mãe fazia sempre questões de perguntar se ele andava a desenhar. Os próximos dias foram preenchidos com o trabalho que tinha para fazer, as tarefas e o que precisava de estudar para o curso, o que obrigava David a ser organizado. Por vezes duvidava conseguir balançar tudo mas a motivação que ia ganhando não o deixava querer desistir. Estava a ganhar ímpeto para melhorar cada vez mais, a nível profissional e pessoal. O trabalho ia chegando e no geral estava a correr bem. O seu patrão, que já tinha conhecido na entrevista, dava-lhe prazos mas não o pressionava insistentemente para saber quando entregava os textos
e David apreciava essa confiança no seu trabalho e a autonomia que lhe davam. No geral recebia comentários positivos sobre os trabalhos entregues, e cada vez que alguma questão surgia era explicada e ele conseguia corrigi-las sem grandes problemas. Era fim da semana quando David terminava o último parágrafo de um texto que era para entregar dentro de uns dias. Ia aproveitar para entregar este trabalho mais urgente, sair e no resto do fim-desemana ler uns capítulos para o curso e relaxar. Quando acabou de rever o documento, guardou-o e arrastou-o para o e-mail. Clicou no botão de enviar e assim que o e-mail enviou fechou o computador e arrumou algumas coisas na mala. Finalmente começaram a levantar algumas restrições e as pessoas já podiam ter alguma vida social, embora com algumas condições. David e Sérgio iam a uma esplanada mas com distanciamento e levou a máscara comunitária que a mãe tinha trazido para ele há uns dias atrás. Guardou o álcool-gel, a carteira e as chaves e foi ter com Sérgio. Estava ansioso por estar com ele, embora com novas condições. Esticaram as mãos para se cumprimentar mas lembraram-se um segundo depois que tinham de manter a distância, riram-se. Contavam as novidades um ao outro, embora falassem regularmente. David não lhe tinha mostrado os desenhos e Sérgio insistiu que adoraria vê-los. Como tinham sido da mesma turma durante vários anos ele sabia que o amigo tinha boas notas nas disciplinas de Educação Visual e relacionadas com desenho mas nunca se tinha apercebido do seu talento. Aquelas horas traziam de volta um pouco da normalidade que tanto lhes fazia falta. Na segunda-feira um dos seus chefes ligou-lhe. David atendeu, para falarem de alguns detalhes sobre os próximos trabalhos e receber feedback do que tinha entregue. - Aquele desenho é teu? - ouviu um riso na voz. - Qual desenho? - O desenho que enviaste nos anexos.
David passou de confuso a confuso e ansioso. Abriu rapidamente o e-mail que tinha enviado na sexta-feira, com medo do que lhe teria enviado. Sem perceber tinha enviado o seu último trabalho de casa do curso para o chefe. - Eu peço imensa desculpa, é meu sim. É um trabalho de casa para o meu curso. - Estás a pedir desculpa pelo quê? Achei que estava muito bom. - Obrigada. - disse baixinho. - Estás a tirar um curso de quê? Não me lembro de teres referido isso. David explicou então que se tinha inscrito no curso quase ao mesmo tempo que tinha começado a trabalhar lá, como era o curso e que estava a conseguir conciliar com os trabalhos. - Gostava de ver mais desenhos teus, se não te importasses de mos mostrar. David concordou, embora se sentisse envergonhado com isso. As aulas estavam a correr bem, melhor do que podia ter imaginado. Um dos maiores medos que tinha era de se sentir de parte por todos terem estudado artes na escola secundária ou na faculdade. Não estava à espera de pessoas de outros cursos. Mas na primeira aula percebeu que, tal como ele, havia várias pessoas que tinham escolhido formação académica noutras áreas mas que viram naquele curso uma oportunidade de aprender mais sobre o seu passatempo ou aprender um novo. A interação nos fóruns ajudava-o muito. Não tinha amigos próximos artistas e era a primeira grande oportunidade que tinha de discutir conceitos, trocar inspiração. Nunca tinha tido hipóteses de mostrar desenhos e pedir opinião e ter quem lhe mostrasse os desenhos de volta, a querer a opinião dele. Os professores tinham uma abordagem completamente diferente do que tinha experimentado com os seus professores de faculdade no geral. Conseguiam dar uma grande importância às qualidades dos trabalhos, incentivar melhorias de forma construtiva e disponibilizar
materiais de apoio apropriados para poderem ir melhorando o máximo possível de trabalho para trabalho. A primeira vez que entregou uma tarefa tinha imenso medo do feedback que pudesse ter e demorou até abrir a resposta do professor. O trabalho não estava perfeito, mas David ficou boquiaberto com a quantidade de críticas positivas que o professor tinha apontado. E não só eram positivas como eram bastante concretas, o que fazia delas muito mais difíceis de contrariar mentalmente. Estudou os pontos a melhorar e concordou imediatamente com todas as questões levantadas. Eram sobretudo questões que tinha de praticar e estudar mais, o que era perfeitamente compreensível. Continuava com as consultas com Raquel, tentando arranjar espaço para elas durante a semana. Conforme o tempo passava ele conseguia apreciar cada vez mais a sua decisão de ter ido e que arranjou ajuda numa altura crucial. Sentia em grande parte, que para além do desabafo sem julgamentos, que era sempre bom, que estava a arranjar ferramentas para conseguir identificar os seus processos mentais negativos e geri-los, sem sempre de forma perfeita mas tentava contraia-los o máximo possível. Com tudo a correr tão bem David sentiu-se indisposto assim que o seu chefe lhe disse: - Precisamos de falar contigo. Não respondeu. Acenou com a cabeça e tentou preparar-se para voltar a procurar emprego, ele já conhecia aquela conversa. - Estivemos a pensar e penso que não é bom continuares a ter este trabalho de tradução. David acenou com a cabeça, com um misto de emoções. Confuso por não ter percebido porque é que não estavam contentes com o seu desempenho e triste porque sentia novamente que lhe tinham tirado o tapete do chão quando ele menos esperava. Mas já devia ter percebido que não devia ter expectativas nenhumas em relação a isso. - Porque vais deixar de ter tempo para a tradução dos textos. - Estou confuso.
- Estivemos a falar com a direção de design gráfico e eles estão a procurar um estagiário e como é um trabalho que requer o seu tempo, terás que te aplicar nisso. Ficou chocado, a olhar para eles como se não acreditasse no que tinha ouvido. - Isto claro, se tu quiseres. - Sim sim sim. - disse David. - Para além do talento que claramente tens tu queres aprender e és ambicioso. Não foi preciso conhecer-te há muito tempo para perceber isso. E nós já percebemos que tens vontade de trabalhar e interesse em aprender, és humilde e recebes bem todas as críticas construtivas que temos para ti. É esse tipo de espírito que pretendemos alimentar na nossa empresa. Acordaram alguns detalhes, o início do estágio agora que se ia voltando aos poucos à rua e a trabalhar fora de casa, ficou de receber a documentação necessária por parte dos Recursos Humanos. No fim da chamada David ficou a rodar na sua cadeira durante algum tempo, como se tivesse acabado de sonhar. Não conseguia acreditar na conversa mas queria muito que não fosse mentira. E acima de tudo sentia-se com força para lutar, ele sabia que tinha muito para provar e para aprender. Teria que aprender rapidamente e produzir bons resultados e não havia espaço para dúvida. Enviou uma mensagem a Sérgio para lhe ligar quando pudesse porque tinha boas notícias, pegou no seu caderno, leitor de música e colocou algumas coisa num estojo pequeno e saiu porta fora com um casaco e a mochila na mão. Conduziu até perto do rio, estacionou e sentou-se à beira-rio. Ficou a contemplar o rio durante algum tempo, depois as pessoas que passavam. Ainda não se viam muitas pessoas na rua como há uns meses atrás, mas as coisas pareciam voltar ao normal. Via-se algumas pessoas a correr e animais de estimação com os seus donos, como nunca se tinha deixado de ver. Mas agora viam-se mais.
Agora já podiam estar pequenos grupos a passar, mantendo alguma distância das outras pessoas. Várias pessoas com máscaras, outras tantas sem. Não era obrigatório ter máscaras na rua, mas ao entrar em qualquer estabelecimento não se podia estar de outra forma. Talvez não ao normal que antes conheciam mas a um normal adaptado. Sentia-se sortudo e privilegiado, tinha tido a sorte de mudar a sua vida. Não podia dizer que a pandemia lhe tinha trazido coisas boas nem que tinha sido uma sorte tudo isto acontecer. Mas tinha-se apercebido que podia preservar na adversidade e que não se podia deixar isolar. Precisava de acreditar mais nele e de se deixar depender dos outros, até certo ponto. Tinha começado a fazer progressos que nunca tinha feito e descoberto o que queria fazer da vida e não ia desistir. Tirou o caderno e um lápis começou a desenhar. Não podia imaginar uma celebração melhor.
Ana Maria Castelo Branco é natural de Passira/PE. Casada, professora, escritora, poetisa, contadora de histórias. Gosta de admirar a natureza ─ do nascer ao pôr do sol; olhar o céu, a lua, as árvores, o mar... Aprecia objetos dourados. Também gosta de ler, escrever, cantar e de dias chuvosos com relâmpagos e trovoadas. Escreve poesias e literaturas infantis. Participa de algumas antologias e concursos literários. Tem um cachorro que se chama Oba, e cinco livros de literatura infantil publicados e mais três no prelo. Breve, lançará seu livro de poesias. Acredita em Deus, no Amor e na Vida Eterna. CONTATO: anamariacastelobranco10@gmail.com
Bordar a vida, tecer a rotina Ana Maria Castelo Branco De repente, o mundo parou Mas, seguimos em paz com a vida Respiração, inovação, inspiração E refazemos as refazendas... Fomos tecendo a rotina Com fitas, agulhas e linhas Alegres bordando a vida E enrolando os problemas... E logo, o desenrolar das ideias Pra enfrentar a pandemia No horizonte, somente incertezas Mas, pros desamores e dissabores Fomos buscando uma cura... Na caminhada de versos Alguns vocábulos excelsos foram de mansinho chegando E expulsando os reversos... Confiantes cocriamos Do vazio, fizemos artes e bendizemos ao tempo... É certo, a vida nos conduz
Para além do lugar comum
Reconstruímos a vivência Bordamos os nossos sonhos Sem pensar no amanhã Sem medo da morte trágica... Entrelaçamos os acasos Nesse tecido de vida Com diálogo e imaginação Há fios de todas as cores Passando por nossas agulhas... Seguimos alinhavando Todas as nossas direções Toda a nossa existência E ao final, nasce o bordado Se bem feito ou se mal feito A mão que pegou a linha Também conduziu a agulha E escolheu o seu tecido... Se bordou sabedoria Ou se bordou ignorância A vida segue diária... Que tenhamos a consciência de que, Se nós somos a planta Também seremos a colheita.
Ananda Ferreira Professora, mãe, mediadora de leitura, amante dos livros para infância. Escrevo nas horas vagas e não vagas e que vê na escrita uma forma de reviver memórias e de fabular sobre memórias que não pode viver.
Discos dançantes
Ananda Ferreira
Rodavam na vitrola e como mágicas músicas brotavam. No aparelho e em mim. Era mágica! E nunca deixou de ser, mesmo despois que descobri que os discos eram resultados da impressão de ondas sonoras. Até hoje, em plena pandemia, a um ano e um pouco mais, ainda acho mágica nas músicas saltando dos aplicativos para dentro de mim, fazendo cócegas capaz de alegrar meu corpo em tempos difíceis... Mágica! Ainda tenho a capacidade de me encantar com tudo isso, talvez ainda embebecida pelo o que aquele objeto circular causava em mim ao rodar e rodar. Tinha os meus preferidos. Raul Seixas como carimbador maluco despertava temor com “EI! PERAÍ! AONDE VOCÊS PENSAM QUE VÃO?!”. Medo de estar fazendo alguma coisa errada e alguém gritar “EI!...”, mas curiosidades mil nasciam ao ouvir tudo que aconteceu há dez mil anos atrás. Amava Moraes Moreira e sempre soube, desde de menininha, que ele era bem diferente do Alceu Valença como ele cantou mais tarde no Pernambuco é Brasil. Do Alceu só fui gostar mesmo na juventude. Diferente do Moraes, que me acompanhou no ABC com seu forró e suas tardes na liberdade vendo passarinhos avuar, sem contar os Novos Baianos. Falando em baiano teve o Gil, Gilberto Gil. Por esse foi um amor realçando, bem no gerúndio mesmo. Gerúndio presente no Refazenda. Porque Gil é ação em curso. Uma das
minhas canções preferidas até hoje, talvez pelo convite para ir refazendo tudo, sempre. Ainda no Nordeste, não mais na Bahia, tinha ela, que habita uma das histórias mais pedidas do “conta de novo” pela minha filha: Elba Ramalho. Chego já, Dominó, No som da sanfona... mas era o Bate coração que me fazia subir na mesa, pegar a escova de cabelo e cantar e dançar. Eu era ela. E com o coração batendo forte como a música eu arriscava, riscava o pé e cantava. Morrendo de medo do “EI! PERAÍ!”. O arriscoso suprimia o medo de estar em cima da mesa. Eu cantava, dançava, rodava como disco. Pequenina, nEssa alegria. Hoje conto, em terras nordestinas, bem na Bahia do Raul, do Moraes e do Gil para ela, outra pequenina, menina. Grande coincidência.
Anderson Evaristo .. pseudónimo
A Arte se Sufoca, Mais Não Morre!"
A arte se sufoca mais não morre Agoniza mais se inspira Sabe a força que tem, Por isso respira.
Fortemente leva sua essência Não se destrói com o tempo se faz crescer na dificuldade Como uma árvore cresce ao vento
A arte se sufoca mais não morre Na dor do vazio reluz Arte não some, não desaparece. Em várias formas de traduz.
Assim como passa o tempo A dor passará Ao por do sol refletir E a arte como uma fênix, renascerá.
A vida continua A cultura sobrevive A arte próspera Como um canto do pássaro livre.
Viva! Viva! Viva! Não deixa sua inspiração decair Liberte a arte que existe em você, A cultura precisa de nós Pra florescer
A vida próspera A pandemia vai passar Não se deixe abater Se inspire na força que a vida lhe dá.
Augusto Filipe Gonçalves, nascido a 20 de Junho de 1984, natural e residente em Penafiel. Licenciado em Direito e Mestre em Ciências Jurídicas, Internacionais e Europeias pela Universidade Lusíada do Porto Pós-Graduado em Ciências Forenses, Investigação Criminal e Comportamento Desviante, Instituto CRIAP Porto Funcionário da Penafiel Verde, E.M no departamento jurídico Autor do Livro: Sofia, A Visão Poético Filosófica, Vision Libraries 2019 Curso Livre On Line Filosofia e Nós Com Isso, Mário Sérgio Cortella, Abril 2020
Co Autor: Antologia de Poesia Livre Liberdade,2019 Chiado Books Antologia de Poesia Portuguesa Entre o Sono e o Sonho, Volume XI - 2019Chiado Books III Volume da Coletânea Três Quartos de Um Amor, 2020Chiado Books Revista Literária Web Ecos da Palavra 2020 – 1º Número Revista Literária Web Ecos da Palavra 2020 (Verão, O Mar e o Amor) – 2º Número Revista Literária Web Ecos da Palavra 2020 (Folhas de Outono) – 3º Número Antologia Quarentena, Memórias de Um País Confinado, 2020, Chiado Books Revista Projeto Auto Estima – Outubro 2020 Antologia de Poesia 2020 – 2020 Edita Edição e Comunicação Antologia Entre o Sono e o Sonho, Volume XII – 2020 Chiado Books
Acreditar Sim, é preciso acreditar, Cada um no seu SER, Para se conseguir transcender, Pois assim, Só assim, Conseguirá crescer.
Crescer que é o sentido, É o foco da existência, Mas para isso tem de estar comprometido, Com a autoconstrutora essência.
Sim, a essência está sempre capaz, É sempre valente e audaz, Mas tem de a existência avivar, Para que no todo a pessoa venha a alcançar, Um mais alto patamar, Com consistência, Com competência, Senão, é uma ilusão, E tudo não passou de rápida efervescência.
Augusto Filipe Gonçalves
Bruno Michel F.M. – Poeta, escritor, compositor, filósofo e educador. Graduado em Comunicação Social, Educação Física e Filosofia. Especialista em Psicologia aplicada à Educação Física e ao Desporto e Metodologia do Ensino de Arte. Professor Titular de Cargo Efetivo na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Aprovado no Concurso de Mestrado Profissional em Educação Física pela UNESP 2021. Autor de 21 livros publicados. Facebook: Bruno Michel Ferraz Margoni
Poesia Pandêmica Michel F.M. Teu sorriso esfacelou, Tua esperança esfacelou, Teu sonho esfacelou, Ela não vai voltar. Não foi o vírus que a matou, Foi o desprezo pela vida, De quem nem mesmo a conheceu. Não conheceu os teus amores, Não conheceu as tuas dores, Os teus temperos e sabores, A tua chama lutadora a flamejar. Tua missão esfacelou, Teu projeto esfacelou, Tua presença esfacelou, Ela não voltará. Não foi o vírus que a matou, Foi a tolice desmedida, De quem negava o inegável.
Quem a matou não se deu conta, Que a negligência contamina, Não há vacina, pra estupidez. Ele nem mesmo a conhecia E suas inofensivas idas e vindas, Ceifaram vidas, arruinaram vidas. Não me recordo dos teus nomes, Nomes demais pra recordar, Nomes demais pra mencionar. Mas conheci os teus amores, Eu conheci as tuas dores, Os teus temperos e sabores, A tua chama, lutadora, a flamejar.
Carmo Bráz de Oliveira Autor de dois livros de poesias: “Por Amor (Recanto das Letras)” e “Mosaicos de Gelo (Becalete)”.Classificado no Concurso Nacional de Novos Poetas (2018 e 2019), Conexão Brasil 2019 - Concurso da Câmara Literária de Pomerode; FLIST 2019 (Festa Literária de Santa Tereza – Rio de Janeiro – Revista Phillos dedicada a Chico Buarque); Revista LiteraLivre; Revista Eco das Palavras; Antologias: “Ao Intento do Vento 2” da Academia Mineira de Belas Artes; Poesia Sem Fronteiras (Academia de Letras Sociedade dos Poetas Virtuais; “O Livro Mágico 3” (Editora Becalete). Delegado da UBT (Foz do Iguaçu); Membro do Centro de Letras do Paraná; Prêmios: Medalha Patrono das Letras de das Ciências– Comenda D.Pedro II;Comenda do Mérito Histórico Guanabara – Diploma de Mérito Cultural e Social; Prêmio Caneta de Ouro (FEBACLA). Escritor da Página Escrita Cafeína - Coluna Capuccino. 1º Lugar (Poeta Local) do Prêmio Cataratas de Contos e Poesias (2019-2020)
Pandemia Tantas vidas dilaceradas de cada família tantas dores perda de pessoas amadas mundo triste, sem cores A arte então se reinventa Tentando reconstruir o mundo a inspiração então aumenta diante do medo profundo Porque a arte existe e não é operação exata disse o poeta e insiste porque a vida não basta
Como água sem um rio conhecimento sem ciência no peito enorme vazio tem na arte sua essência Nesta pandemia o poeta de memória esquecida tenha sempre como meta reinterpretar a vida. Carmo Bráz de Oliveira Página do Autor: https://www.recantodasletras.com.br/autores/carmobraz
Catarina Canas A aprendizagem da matemática sempre foi uma parte importante da minha vida. Por outro lado desde pequena que adoro música. Aliás, comecei a aprender música antes de aprender a ler ! Nos últimos tempos e pensando na música, fui fazer o curso "Como escrever canções" com @Adriana Calcanhotto. E aí descobri o poder das palavras: como é giro brincar com elas, encaixá-las, ajustá-las de uma forma matemática, e ao mesmo tempo permitirlhes transmitir ideias, emoções, sensações, estados de alma. Será poesia ? Não sei, para mim é a Matemática das Palavras® ! https://www.facebook.com/groups/matematicadaspalavras (DESEN)CANTO
O vento quando sopra o que diz ? Será que ao soprar quer dizer Que está farto deste modo viver ? E a chuva de tão intensa que cai, Serão lágrimas dum céu tão cansado Com seu pranto já desencantado ? E os vírus que minam a terra, Numa acesa e desumana guerra, Atacando os humanos sem dó ?
Universo diz-me o que hei-de fazer; Eu assim não consigo viver, Não é este mundo que quero p'ra mim. Tenho culpas de males que te fiz. Perdoa-me, esquece e se puderes, Deixa-me voltar a ser o que fui de feliz.
Catarina Canas
Cecília Maria Pereira Pestana nasceu a 4 de Dezembro de 1957, Torres Novas, distrito de Santarém. Passou a infância em Torres Novas, Lourenço Marques (Maputo), Águeda, e reside na cidade do Funchal, Ilha da Madeira, desde os 9 anos de idade. Amante de leitura de poesia, começou a escrever aos 14 anos de idade. É coautora de cerca de 35 antologias e coletâneas, em Portugal e no Estrangeiro, e oito e.Books. Publicou o seu primeiro livro de Poesia “A Voz do Poeta “, Fevereiro de 2020. Membro de várias Academias.
Em arte de pandemia Tempos ceifados e tristes Estes tempos de pandemia Roubou-nos a cultura e os fados Triste sessação de agonia. Sufocou-se a arte e a cultura Que tanto nos apraz a ventura De sonhar, ver, ouvir com prazer Tanta inspiração, doce lazer. Na essência das artes e pintura De tão rica a nossa arte e cultura Ficou este vazio mordaz e inculto Triste o abandono que muito dura. Esperando em tremenda agonia O fim desta triste sinfonia Queremos voltar a ter alma A ter voz, liberdade, sempre com arte! Funchal, 18 de Abril de 2021 Cecília Pestana
CELSO LOPES Nascido em Guará, interior do estado de São Paulo, e radicado na capital paulista há muitos anos. Tenho formação em Letras e Literatura (USP/SP) e atuo na área de Comunicação corporativa. Publicações: Pedra na Contraluz (contos), Retrato quase falado do meio do caminho (Poesias), Dei bandeira, hein? (mosaicos urbanos), Dias contados (contos). Email: elipse84@terra.com.br
“BAILE DE MÁSCARAS”
Cai a máscara; o Vírus nos escancara, cara a cara, o perigo invisível, afogando o que antes alegrara; e aflora, engolindo o que o futuro nos reservara... Cai a máscara; nada, ninguém que nos prepara o front de enfrentamento nessa guerrilha tão rara; guerreando, de mera ameaça à dor que arrastara. Cai a máscara; põe a nu as “pestes” por que passara o mundo, a humanidade que em escalada enfrentara; De joelhos segue, rogando aos céus o que clamara. Cai a máscara; um Pierrô trama o que outrora relegara; A Colombina chora, suplica o baile que tanto esperara; atira confetes, serpentinas e lágrimas que derramara. Cai a máscara; a fantasia pura que a mente sonhara sob ritmos de sons excitantes, penitencia-se. Calara o riso que sempre condenara. Nada disse, não falara.
Cai a máscara; Desvenda o rosto, a mente aclara e cerra os olhos com as lágrimas que esparramara. Há de haver um Deus que da minha fé se apiedara. Cai a máscara; ai de quem foge, dali se arredara, sem pagar pelos tempos sombrios que se purgara, em pensamento, palavras e obras, que tanto falhara. Cai a máscara; livrai-nos do Amém que se distanciara, e do cruel acerto de contas, que com tantos falhara: buscai as vestes e adereços, que agora se estilhaçara. Cai a máscara; ansiamos pela aurora que tantos arrastara; ergueremos bailes, salões sem muros, celebrações preclaras... buscando os rostos, o beijo antigo, o abraço que nos acalentara.
Texto: Celso Lopes
elipse84@terra.com.br
Claudia Jane Maydana é de Rio Grande, cidade portuária no Rio Grande do Sul, Brasil. Cursou Letras Português/Inglês e é Mestre em História da Literatura pela Universidade do Rio Grande – FURG. Atualmente trabalha como secretária em Escola de Educação Infantil e tenta escrever o que os monstros dentro do armário lhe ditam, seja em forma de poesia, conto, crônica ou romance de ficção. Do porão Por C.J. Maydana https://www.facebook.com/claudia.maydana/
Os soldados inimigos chegaram primeiro à China. Não se sabe ao certo de onde vieram e era igualmente incógnito para onde iriam. Ela os viu no noticiário das oito, no entanto, pareceu mais um filme de Coppola ou Kubrick, com uma pitada da ficção científica de Ridley Scott. Indiferentes a sua mente abstrata, os soldados avançavam. Em coisa de duas semanas chegaram de avião ao Reino Unido, Itália e França. Em fevereiro chegaram ao Brasil — e que orgia carnavalesca fizeram! Matar, matar e matar, com o consentimento das vítimas! Enquanto o riso se espalhava pelas bocas e os beijos eram sugados das línguas! Era sexta feira de março e uma amiga ligou. Combinações para a night, quem vai de carona com quem, quem bebe e quem fica sóbrio. Antes do tchau, falam da guerra, inconscientes de que os soldados inimigos já marchavam país adentro ao ritmo das marchinhas de Momo: “Será que chegam aqui”?
“Acho que não! Coisas do Centrão, São Paulo e Rio... até chegarem aqui, o exército dos bons vai dar jeito”! Mais tarde, no barzinho de costume, ninguém fala a respeito dos soldados. Ela, porém, que tem boa relação afetiva com sua paranoia, os imagina invadindo o recinto: as portas se abrindo e eles metralhando o musicista, o qual já está em guerra declarada contra os smartphones que pululam mensagens sobre as mesas e entre copos e corpos. E, entre copos e corpos, suas essências escorrem pelo meio dos dedos da vida... menos ela, na sua imaginação seletiva, que pensa que uma estranha razão ocorre e que, entre tantos, seria poupada. Um dos soldados mira bem abaixo, na direção de um rim: é ali que ela tem sua vulnerabilidade... é ali que a bala vai definir melhor as coisas do destino... O soldado olha bem para ela, encara seus olhos redondos de medo. Não se impressiona com seus feitos humanos em resposta à caridade, não liga se ela é “gente fina, elegante e sincera”... não decidiu ainda se ela é uma “escolhida”. Ele simplesmente a cerca... observa sua estrutura frágil, ri o riso fácil dos poderosos e pensa se lhe dá uma chance ou se lhe poupa a guerra do dia seguinte. O soldado a despreza. Ela é fácil demais! Ela não dá beleza à bala, na trajetória da conquista de um rim! Parte então dali com seu pelotão: mandar bala em outra freguesia mais interessante: “Vamos deixá-la para depois... vamos dar-lhe um presente: a esperança! Deixe que se ache a escolhida por mais um tempo!” Ela volta para casa. Fecha tudo e arma trincheiras sanitárias. Relata sobre o medo em seu notebook, arregalando os olhos mediante os barulhos lá fora. Ela se sente como Anne Frank no porão... e talvez, se ficar bem quietinha e não chamar a atenção, o pelotão passe pela rua ruidosa, carregado pelo ar, e não a encontre em sua casamata de conforto e entretenimento particular.
Ela está tranquila. A caixa gelada contém comida para quase um mês! Em um mês, o exército dos bons vai ter de dar um jeito!
“Paranoia” já é nome próprio e senta nas cadeiras da casa e escolhe músicas no aplicativo. Fornece ajuda no preparo de bolos e salgados: as duas precisam jogar ingredientes dentro de um estômago cada vez mais exigente! E os banquetes não têm hora... seguem como vontade de rei: “Escravo! Uma taça de suco gástrico para acalmar o meu bolo alimentar?!” Há registros fotográficos de corpos espalhados pelo Paraguai. Ela torce o nariz, mas cobre o rosto com a máscara. O mundo de sua atualidade era tão falso pela Internet, às vezes, quanto as ficções de Coppola, Kubrick ou Ridley Scott — embora o embasamento fosse sempre justificado em fatos reais. Mais alguns meses e ela já escreveu o equivalente a uns oito diários de Anne Frank. “Paranoia” conseguiu uma nova amiguinha: chama-se “Agonia” e as duas tiram coisas do lugar pela casa, para meio que deixá-la confusa... e sentam nas cadeiras do quarto, de mãos dadas e sorrindo, enquanto ela tenta dormir. As receitas médicas caducaram e as pílulas para acalmar a festa das amiguinhas já desocuparam os blísteres há tempos. Ela até pensa em buscar mais... parece que os soldados arrefeceram um pouco lá fora... mas, um segundo batalhão está por chegar e o medo de colocar o corpo além dos muros é grande demais para arriscar na saga de uma nova prescrição médica. E então ela desiste. E resiste. Os soldados do segundo pelotão parecem ser mais frios e impiedosos. Já não selecionam somente entre velhos e doentes... lhes interessa o tiro sobre a carne jovem... a mácula sobre o sorriso inocente. E encontram outros mercenários pelo caminho que os ensinam a ser ainda mais letais. Ela já está bem familiarizada com as amiguinhas Paranoia e Agonia. Quando passam dos limites, manda calarem a boca na
calada da boca da noite. E nem lhe incomodam mais os blísteres vazios sobre a cômoda — a indiferença produz alguma força, afinal! Ela lê Sêneca e Epicuro. Precisa se conformar com o inevitável! Da rua, ouve civis em rimas cruéis: “Não tem como evitar! Os soldados, a todos vão pegar!” Ela se encolhe em seu casulo invisível. Faz inventários malucos de heranças sem valor que vai deixar para herdeiros desconhecidos e sem seu sangue... Deixa tudo em dia, temendo a auditoria do dia seguinte à marcha dos soldados... quando então pisotearão seu corpo, sem a influência da sorte desta vez. “Paranoia” lhe diz para limpar o browser do computador. “Agonia” sugere uma visita até a caixa gelada para uma fatia do pudim que desabou ao desenformar. São comandos muito fortes para ela escolher não atender! Em seu mundinho de pequenas escolhas, ela sabota a rotina por deitar sem a escovação dentária e permitir que milhões de germes façam uma rave sobre sua língua. É uma escolha inconsequente e sem grandes complicações — mas, ainda é uma escolha e ela adora optar pela transgressão! Lá fora o vento carrega os soldados silenciosos. Eles descobriram que, no silêncio, o terror é maior. E ela mentaliza, em sua cabeça ignorante de rezas, que o amanhã poderá trazer um novo dia... e que os soldados, por uma razão mágica como nos filmes da Disney, sumam das ruas e, como seu desejo-criança, transmutem em algodão doce...
Cristiane Ventre Tema: A arte cultural e sua inovação, inspiração versos vazio da essência das artes Estamos em um momento onde falar de arte parece causar estranheza. A pandemia trouxe incertezas, medo e isolamento. Criar, ter inspiração nesses momentos é tentar também se apoiar na fé, resgatar a esperança, sonhar com um amanhã melhor. Pensar em arte é também um refletir sobre sentimentos, emoções, sonhos. Todas as sociedades se expressaram ao longo da história. Produziram arte com os instrumentos que tinham disponíveis em sua época. O Brasil acima de tudo respira arte. São tantas regiões diferentes, tantas tradições culturais por vezes distintas, mas que formam uma unidade. A arte nesse momento de pandemia reflete um pouco sobre o sentimento individual, mas também nos une através do compartilhar emoções por meio de obras artísticas. O poeta que transfere emoção para as rimas, versos. O artista transfere a emoção para a tela com seus pincéis, cores e formas. A orquestra reúne tantos talentos e o maestro define com precisão o compasso da música. O cinema, o teatro e o circo, que com seus mestres do riso e da emoção nos tocam profundamente a alma. A arte também cura ao trazer ânimo a quem adoece. E o que é arte?
O bordado da toalha, o jarro de barro, o cesto de vime, o crochê e o alinhavo? O esboço no papel e a comida saborosa na mesa? As danças e os personagens do folclore? A resposta é sim. Todas essas manifestações populares podem ser definidas como arte. Definir o que é arte é refletir sobre as tradições, as culturas, os costumes de um povo. E a arte no Brasil é tão rica – como não lembrar das festas juninas e as cantigas populares? Sabemos que arte é manifestação e tradição de um povo ao longo da história. Então, ensinar uma cantiga ou uma brincadeira para uma criança é um exercício de resgatar a tradição ao longo das gerações. A arte, portanto, precisa sim ser valorizada como patrimônio da humanidade. O artista plástico tem o olhar nas obras dos grandes pintores clássicos ou modernistas. O escritor reflete sobre os grandes clássicos da literatura. A arte recria o que está a nossa volta e aproxima o homem do que é belo e sagrado. Conviver também é uma arte. Assim disse o grande escritor Mário Quintana: “Conviver é uma arte e depende de como você desenha, escreve e esculpe”
Autoria do Texto: Cristiane Ventre São Paulo- SP.
Cristiane Ventre
Eva Crochemore
NEBULOSIDADE Eva Crochemore
Aproximou-se a pálida nebulosa, disforme névoa de muitos tons, poeirenta nuvem de tímida luz. Quem és tu, neste gasoso mar?
Ao expandir-te em fragrante olor, és expressão substancial da poesia. Ao comprimir-te em cinzenta dor, aterrorizante potencial da pandemia.
A dor, a morte e o isolamento a ofuscar o belo, a confinar a arte. O ser, a vida e o mágico momento, tempo de inovação em toda parte.
Explode a arte no ínterim pandêmico, emoção patética num retrato surreal. Imagens fabulosas de genial estética, em forma, som e cor no universo virtual.
GERSON AUGUSTO GASTALDI Pseudônimo: Emaday Luz E-mail: gagcid2011@hotmail.com O autor é paulistano, nascido em 1949. Fez os estudos preliminares na cidade de São José dos Campos, e o secundário no município de Araras/SP. Em 1982 concluiu o curso superior em psicologia educacional, graduando-se pela FMU de Campinas/SP. Em 1985 radicou-se na capital paulista para exercer atividades e d u c a c i o n a i s e e d i t o r i a i s . Durante 26 anos atuou em diversos segmentos de ensino tendo executado estudos e trabalhos aplicados às literaturas infantil e juvenil. Publicou livros de contos, poesias e psicologia. Constam em seu acervo literário pessoal mais de 500 obras, entre crônicas, poesias e contos psicológicos, tendo sido premiado em diversos concursos e gincanas culturais. Atualmente está aposentado, viaja e participa de eventos literários. SURTANDO O GRANDE SURTO Gerson A. Gastaldi
Douglas Homero era um sujeito tanto supersticioso às ocorrências catastró-ficas e apocalípticas mundiais, cujo elenco está previsível nos anais das clássicas profecias. No entanto, assim que medrou na China o caos pandêmico do Corona-vírus, migrando descontrolado para eclodir por todo o planeta, o circunspecto rapaz abalou-se sensivelmente. Diante desse surto batizado pelo codinome de Covid-19, o qual se propagou fertilmente e veloz pelas metrópoles do mundo e em nosso país proliferou pelas grandes cidades, infectando e fazendo milhares de vítimas fatais; ele, o competente mestre de engenharia estrutural na Universidade Federal de Belo Horizonte/MG, entrou em órbita, surtando o grande surto maligno. Douglas inteirou-se profusamente da situação calamitosa que a pandemia vi-nha causando pelo planeta, e, diante de dados estatísticos
e dos gráficos apresen-tados pelas autoridades de Saúde Pública sobre a propagação da doença, ele então arquitetou na mente uma ideia mirabolante para salvar aqueles com quem convivia e lhe eram caros, isto é: seus pais, sua namorada, seus dois irmãos, os parentes mais queridos e alguns amigos mais chegados a si. Tão logo foram suspensas as aulas na universidade da capital mineira, o emi-nente professor elaborou um plano esdrúxulo para concebê-lo numa realização real e sofisticada. Foi desta forma que ele criou um pacote de prevenções contundentes, não só como proteção de vida e saúde para os seus diletos, contudo, idealizou um projeto de engenharia espacial já voltado para a área da aeronavegação cósmica. Destarte, ele iria construir incontinente um foguete turbo-propulsor movido à energia a laser, com capacidade para 20 pessoas e adaptado com todos os recursos tecnológicos possíveis, já conjugados com normativas de automação, navegação e tecnologias aeroespaciais vigentes. Dessa forma, num plano de perspectivas visio-nárias, ele pretendia doravante apresentá-lo como uma inovação na Feira de Arte Cultural e Tecnológica de Belo Horizonte, pelos meados de 2021. Assim que foi decretado o isolamento social no país pela Secretaria de Saúde do governo federal, no início do primeiro trimestre de 2020, Douglas Homero ra-dicalizou de vez, tornando-se cientificamente arrebatado. Primeiramente, o engenheiro começou a trabalhar em casa, acelerando o seu projeto tecnológico com vários critérios para levar avante a construção do mesmo. E na sequência, ele vendeu o seu sítio perto da Pampulha com vinte cabeças de gado e uma casa que mantinha alugada em Betim. Também se desfez de um cami-nhão e dois automóveis que possuía, arrecadando assim uma elevada quantia em recursos monetários; e por último, efetuou diversos empréstimos bancários. Após realizar várias transações financeiras ele passou a comprar equipamen-tos de montagem, material aeroespacial, computadores, componentes eletrônicos, propulsores aerodinâmicos, chapas
galvanizadas, estruturas de aço carbono, ins-trumentação de fibra óptica, rotores, painéis solares, cabine blindada de aeronave, trem de pouso hidráulico, e uma infinidade de aparelhos de medição, além de uma turbina para aceleração de partículas a laser.
Em seguida, num grande galpão de sua propriedade, o mestre passou a engen-drar a arquitetura para a construção de um foguete salvador aos seus parentes e correligionários, tudo dentro de um projeto aeroespacial, idealizado em etapas de montagens, estruturação de propulsão, navegação teleguiada, análises gravitacionais, testes aerodinâmicos, etc. O projeto de Douglas Homero decolou rapidamente e após seis meses de tra-balho diuturno, auxiliado por quatro alunos seus, eis que despontava no interior do seu galpão de alvenaria um suntuoso monumento aeroespacial, denominado por ele de DH-PIONER. O projeto prosseguia em ritmo acelerado, contudo, estava sendo mantido em segredo total, sem qualquer divulgação ou alarde, para não atrair leigos ou curio-sos ao seu propósito final que era o de orbitar pelo espaço. Nesse interim da construção do seu artefato, Douglas quase não tinha tempo para absorver as novas notícias que norteavam a aceleração ou estabilização no avanço pelo contágio do Coronavírus aqui no Brasil, com as prevenções oficiali-zadas dentro das quarentenas, lockdowns, isolamentos sociais, distanciamentos, testes viróticos, regras sanitárias e outros métodos de contenção à epidemia. Vale dizer que o professor ignorava que em Oxford, na Inglaterra, o labora-tório AstraZeneca, com a colaboração da FioCruz brasileira, já havia desenvolvido e testado com êxito uma vacina contra a Covid19, onde foram desenvolvidas com sucesso as técnicas que possibilitavam a criação de componentes químicos para a dissolução sorológica alogênica no corpo de doentes infectados.
E também na República da China, a empresa SinovacBiotech, em parceria com o Instituto Butantã de São Paulo, já avançavam na fase final de testes para a produção da famosa vacina Coronavac, a qual atuava e destruía o vírus na sua pro-gressão contagiosa, imunizando o paciente em 85% após as 2 doses aplicadas nele. Concebia-se também nesse estágio, a vacina Sputinik, fabricada na Rússia, já sendo aplicada com ótimos resultados na população do país, além de outras que já estavam em fase de testes e desenvolvimento à produção massiva em vários países da Europa, EUA e Ásia. Resumindo: diante do avanço promissor dessas novas tecnologias da bioquí-mica, Douglas Homero, já mergulhado de cabeça em seu projeto aeroespacial, per-manecera alheio, apagado e inconsciente, sem atinar com os rápidos avanços da ciência médica através do mundo. Decorridos já quatro meses após o surgimento das novas vacinas, eis que a pandemia do Coronavírus avançou, contudo, foi sendo controlada, isso por que diversas nações passaram a fabricar com sucesso o insumo IFA (Ingrediente Far-macêutico Ativo), como imunizante para vacinas, e assim os países severamente infectados os foram testando em suas populações, mantendo todo o planeta dentro do controle virótico, como uma guerra contra o surto maligno. Nesse bom contexto, o Coronavírus acabou virando um monstro sobre rédeas, mesmo se alastrando com novas mutações, foi sendo subjugado aos poucos com o início de uma vacinação prolífera programada por segmentos e etariedade. Durante toda a propagação da pandemia até a introdução das vacinas, foi o tempo que o jovem engenheiro levou para concluir o seu foguete turbo-propulsor a laser, justamente 11 meses de trabalho duro e ininterrupto. Ressalte-se, portanto, que no início de 2021, o monumento aeroespacial DH-PIONER do professor já estava concluído alguns dias antes do início da vacinação em nosso país. Assim ocorreu. Com pouco alarde e muita perspectiva, o brilhante engenheiro convidou em segredo a sua família, alguns parentes e toda a galera amiga para celebrarem a realização do seu grandioso projeto de salvação aos quem desejas-sem escapar da cruel pandemia.
No entanto, quando os convocados chegaram ao galpão do professor acadê-mico, eis que ficaram todos extasiados e de bocas abertas com a dimensão do pro-jeto ali exposto à contemplação, sendo o mesmo uma obra tecnológica incrível, concebida sobre grande inovação científica de última geração. Douglas Homero, até aquele momento ainda não havia divulgado o propósito do seu espetacular engenho. Empolgado e envaidecido por sua invenção, ele não aquilatara que a propagação do Coronavírus já havia sido controlada e que tudo já estava voltando à normalidade e à realidade no atual mundo contemporâneo. No entanto, foi nessa hora de exibição tecnológica que se lhe desprendeu da mente a máscara supersticiosa de proteção que vinha mantendo em segredo, ima-ginando ter confeccionado a grande salvação para os seus parentes e diletos ami-gos, quando, precisamente, um deles ali no galpão de montagem o interpelou muitíssimo determinado: – Professor Douglas, afinal pode nos explicar para quê a sua pessoa construiu esse majestoso foguete e nos convocou aqui para vê-lo funcionar? Douglas, despertando do seu entorpecimento emocional, como que deshiber-nando de um sono glacial, questionou os presentes ali convocados no galpão: – Antes de passar-lhes todas as informações e dar a partida nesse poderoso foguete o qual projetei a fim de salvaguardá-los de um grande mal, quero saber sinceramente de todos: – Algum de vocês aqui comigo gostaria de dar um passeio pelo espaço sideral neste meu exclusivo DH-PIONER? Os convidados ali presentes entreolharam-se perplexos e meio desconfiados, porém, em suas faces o engenheiro notava certa expressão atônita de incredulidade e pilheria, diga-se, quase sarcástica, quando um deles ali de supetão, indagou-lhe: – Explique-nos, mestre! – Salvaguardar-nos de quê grande mal tu imaginou?
O professor respondeu-lhes: – Ora, da cruel pandemia que está rolando pelo mundo! Um dos seus amigos, rindo abertamente, lhe elucidou a situação no planeta: – Você extravasou completamente, professor Douglas! – Pois saiba que a pan-demia já está sob controle e tende a ser erradicada da Terra! Em seguida, os con-vidados o questionaram com energia: – Mestre, responda-nos com toda sinceridade: – Isso é uma façanha voadora ou apenas uma brincadeira de protótipo sideral impressionista? – Que foguete cósmico é esse, meu colega? – Acha que vamos voar nisso aí? – Esse engenho possui a certificação da Agência Espacial Brasileira para ir pro espaço, mestre? O docente, um tanto atarantado, observando que ninguém se arvorou com en-tusiasmo para passear no seu invento, não perdeu a compostura. Ato contínuo, acrescentou num tom de enfático desafio aos presentes no galpão: – Então o que vocês consideram como utilidade neste artefato voador? Os convidados, todos admirados diante do inusitado foguete, nada deduziam para que servisse aquele veículo. O certo é que não tinham qualquer ideia precisa à serventia do portentoso invento. No entanto, alguns se arriscaram a lançar suas impressões como uma prospecção útil ao engenho, exemplificando considerações à sua possível utilidade. E um por um foi dando a sua posição opinativa para o engenheiro visionário: – No meu parecer professor, isso é um monumento construído para ser posto numa praça arborizada, não é mesmo? – Possivelmente é um protótipo encomendado pela NASA ou pela ONU?
– Quem sabe será um brinquedo para ser instalado num parque de diversões? – Me parece uma peça para ser exposta num museu de transportes, talvez? – Se não me engano, pela sua dimensão, esse foguete sugere que seja um pro-jeto gigante de engenharia aeroespacial que o professor construiu à pedido da sua universidade, não é mesmo pessoal? E assim, foram saindo os palpites enigmáticos da cabeça de cada convidado, os quais esperavam do inventor uma resposta pragmática às suas suposições sobre o seu empolgante artefato. Douglas Homero, ao ouvir as considerações dos seus diletos amigos e fami-liares, tomando a palavra, inseriu a todos uma resposta incisivamente evasiva e lacônica, ao proferir: – Esse foguete minha gente, naturalmente possui uma quantidade astronômica de serventias, mas... sinceramente, digo a todos vocês que eu possa ter-me enga-nado quanto a sua utilidade, contudo, presentemente não imagino a finalidade que venha ter à humanidade! – No entanto, eu os convoquei aqui para que me dêem algum sábio parecer sobre um problema que ora pesa sobre o meu ombro e também na minha cabeça espacial flutuante! Com ênfase, ele concluiu categoricamente: – Algum de vocês aqui neste galpão, saberia me responder como farei para pagar uma dívida de R$ 5 milhões de reais que dispendi para construir esse fogue-taço cósmico, possuindo ele muitas utilidades, mas sem nenhum passageiro para levar a bordo pelo espaço? No epílogo dessa história, alguns meses depois, eis que o fantástico foguete DH-PIONER do eminente professor de Engenharia Estrutural, Douglas Homero, acabou sendo guindado e carregado num grande caminhão, para em seguida ser removido ao Shopping Center Alterosas, de Belo Horizonte. Conclusão: após chegar ao seu destino, o mirabolante e espetacular artefato cósmico DH-PIONER do ilustre professor, acabou servindo como uma inusitada atração turística astronômica, com
ingresso a R$ 10,00 por visitante que desejasse dissecá-lo totalmente por dentro, com direito a funcionar as suas turbinas de acele-ração a laser.
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Gisela Lopes Peçanha é natural de Niterói, RJ. Escritora, cantora. Premiada em diversos concursos literários de Universidades Federais Brasileiras, a citar: Universidade Metodista de Piracicaba, SP (1º Lugar, em 2015 e 2016); Universidade do Pampa, RS; Universidade de Brasília (menção honrosa, 2020); Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (2º Lugar, 2018); Finalista: UNIFEBE, SC; UNICAMP, SP; UERJ, RJ - 2020. Prêmio Rubem Alves - 1º Lugar - Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto SP, 2015. Prêmio Machado de Assis - Menção Honrosa - Concurso Internacional Confraria Brasil – Portugal, 2015. Conquistou mais de 100 prêmios literários. Publicou em 51 antologias, a nível nacional. Membro da CAL - Comissão de Autores Literários – 2021. Acadêmica efetiva - Titular da cadeira de número 36 RJ Patrona: Hilda Hilst - Academia Internacional da União Cultural.
Contato: giselamusik@yahoo.com.br Facebook: Gisela Peçanha
AR-TE (Gisela Lopes Peçanha)
Adiados sonhos Sonhos marcados Marcados encontros Encontros chegados Chegando a hora
Hora esperada Esperança no peito Peito: oxigenado. Oxigênio lá fora Fora a demora Demoram trancados Trancas do medo Medo de nada Nada do tudo Tudo que dói Dores: curadas. Cura, mundo Mundo, és fruto Fruto dourado Doura a vida Vida vence Vence o vírus Vírus morre Morte, finado.
Infinda, linda Bela, livre
Liberdade, ar Arte, amar-te!
Abre as asas...
Hélio Guedes de Oliveira Membro da Academia Brasileira de Poesia (ABP). Membro Efetivo da Academia Internacional da União Cultural. Poemas, contos e crônicas publicados em várias antologias, revistas e blogs especializados, redator e responsável pela consolidação do conteúdo das edições do Dicionário do Petróleo em Língua Portuguesa (Brasil, Portugal, Angola e Moçambique) pela PUC-Rio / Editora Lexikon. Professor Universitário da Escola de Engenharia da Universidade Católica de Petrópolis (UCP) entre 1975 e 2010 e professor de cursos técnicos de pós-graduação em várias faculdades brasileiras. E-mail: falecomhelioguedes@gmail.com
A ESCURIDÃO E A LUZ Da escuridão dos insensatos, Das incertezas dessa noite, Como uma gangorra, Hoje, o vazio negro, Depois, do fio de uma luz, O dia nascerá. Prepare-se para ele.
Nome: Hélio Guedes de Oliveira
Henrique Duarte Assinatura: Poeta dos Jardins
Henrique Duarte, nasceu em 20 de dezembro de 1984 na cidade de Laguna - SC. Em 1998 mudou-se para Florianópolis - SC, por conta do falecimento de sua mãe Maria das Dores de Bem Duarte. Em 2001 ingressou no Grupo de Poetas Livres, onde aprimorou o conhecimento e vontade sobre o escrever. Nos anos de 2004 à 2011 foi religioso no Instituto dos Irmãos Maristas. Formado em Teologia, Ciências Sociais e Mestre em Sociologia, tem poemas publicados em Antologia do GPL, e nas redes sociais. Formando família com Lílian Luana da Silva e com a pequena Verônica da Silva Duarte. Viveu em Dourados MS até 2017 trabalhando como professor na Rede Estadual de Educação do MS. Atualmente vive em Rondonópolis MT e é professor efetivo na Secretaria de Estado de Educação do Mato Grosso. <https://poetadosjardins.wixsite.com/poetadosjardins>
um novo alvorecer
O porquê de um povo Que sofre em vida Como um espírito novo Que desconhece uma saída
Para seu apelo que louvo Com fulgor a partida Do verdadeiro alvo Que mata razões em corrida
E que deduzo o retrato Do povo mestiço em trabalho Para um sonho de ato exato
Em todas as habilidades Que enxergamos o mundo Como a imagem real do povo
Janielson Araújo da Siva, artisticamente intitulado de Menyno da Lua, nasceu em 08/07/1992 na cidade de João PessoaPB. Atualmente residindo na cidade onde nasceu, graduou-se em Letras-Português pelo Instituto Federal da Paraíba e possui PósGraduação Lato Sensu em Metodologia do Ensino da Literatura Portuguesa e Brasileira pela Faculdade Educamais. Em julho de 2020 foi premiado, obtendo a segunda colocação, com a obra “A Flor do Capital” no II Concurso Literário Nacional promovido pelo Instituto Federal do Paramá – IFPR, campus Palmas.
Psicografia dos vencidos Autor: Janielson Araújo da Silva1 Quantos CALE-SEs de sangue bebidos, Quantos por ela já foram vencidos, Deixando o rastro de dores sentidos E os eternos ECOS corrosivos. Quantos mais ainda serão precisos, Para que os clamores, dos vencidos Ígneos, sejam deveras ouvidos. Ouviu? São os dos mais de cem mil vencidos! Foram tantos pela “gripezinha” tragados Em inefáveis Gritos e Ais não ouvidos. Ouça! Dê ouvido às vozes dos vencidos! Não dê voz aos perversos passarinheiros. Vá além da aparência. Ouça os cancioneiros Da ciência! Sufoque os das más crenças!
Jober Rocha Profissão: Economista, M.S. PhD Nascimento: Rio de Janeiro Escritor com diversos prêmios recebidos em Concursos Literários, no país e no exterior. E-Mail: rochajober4@gmail.com A influência dos fenômenos da Vida e da Morte sobre as Artes Jober Rocha
Em razão de acontecimento recente, envolvendo a morte por covid 19 da filha de um grande amigo, escritor, resolvi colocar no papel algumas palavras sobre este importante assunto, que a todos nós contagia pelo grau de tragédia que o envolve. Foi tal o desespero dele, na ocasião, que jurou jamais ser capaz de escrever o que quer que seja; tanto por lhe faltar vontade e inspiração, quanto pela revolta que sentia com relação ao Criador de todas as coisas. Independente da crença de cada um, a probabilidade de que a vida tenha surgido por acaso em nosso planeta é zero ou muito próxima de zero - de acordo com estudos científicos de biólogos e de químicos. Em virtude deste fato e do bom senso (ou da sã razão), intrínseco aos seres humanos, somos levados a acreditar que existe uma mão sobrenatural e invisível, por detrás do fenômeno da vida, que põe e dispõe sobre a nossa existência. Para o surgimento da vida na superfície do planeta, foi necessário um planejamento prévio das condições climáticas e ambientais, bem como de condições biológicas, físicas e químicas; planejamento este que o simples acaso não seria capaz de proporcionar. Ademais, após haver surgido, para que as espécies
mais complexas, como os seres humanos, se multiplicassem, se fez necessário que um macho e uma fêmea de encontrassem e que estivessem dispostos a manter conjunção carnal. Além disto, que a fêmea estivesse em um período fértil. Mais ainda, que um único espermatozóide conseguisse fecundar o óvulo e que esta fecundação conseguisse progredir, sem interrupção. Que a mãe não possuísse nenhum problema de natureza orgânica, durante a gestação, que, eventualmente, provocasse um aborto e que a criança, finalmente, conseguisse nascer saudável. Percebe-se nisto tudo um planejamento prévio, para oferecer condições ao surgimento e à perpetuação da vida. Antigo texto, denominado Corpus Hermeticum, atribuído a Hermes Trimegisto, conhecido como o pai do Hermetismo, da Alquimia e do Ocultismo, apresenta a seguinte frase hermética: “Em cima, da mesma forma que embaixo”. Esta frase, segundo os analistas dos textos de Trimegisto, indicaria que as coisas se passariam da mesma forma, tanto no macrocosmo quanto no microcosmo, tanto no início quanto no fim, tanto no futuro quanto no passado. Em sendo verdade esta afirmativa, do mesmo modo que a perpetuação da vida com o nascimento foi planejada, previamente, pelo Criador ou por seus prepostos (espíritos de luz); a morte também possuiria um planejamento prévio, delineado pelos mesmos espíritos e acordado com o espírito que desencarnaria. Ninguém iria antes da sua hora e esta hora já estaria antecipadamente estabelecida (conforme tese mencionada na doutrina espirita). Mesmo naqueles casos de suicídio, o suicida estaria, apenas, seguindo o que lhe havia sido planejado anteriormente à encarnação (pois, como ninguém pode nascer por si só, isto é, por moto próprio, também não pode morrer por si só, a não ser que lhe seja autorizado. Veja que inúmeras tentativas de suicídio não são bem sucedidas e, por outro lado, acidentes simples são muitas vezes fatais, indicando que nem sempre as coisas ocorrem como as pessoas imaginam, demonstrando certo determinismo e não livre-arbítrio, conforme minha tese). Isto tudo seria verdade, apenas, na hipótese da existência de um Criador (e na vigência de sua onisciência e de sua
onipotência), possibilidade esta, na atualidade, considerada crível e verdadeira por grande parte dos seres humanos. Assim, o início seria igual ao fim; isto é, ambos seriam determinísticos. Da mesma forma, o futuro seria igual ao passado; isto é, a vida humana viveria ciclos, que se alternariam no tempo, de expansão e de contração, de sístole e diástole (esta opinião hoje encontra respaldo no meio científico, notadamente na arqueologia). Embora esta hipótese de planejamento anterior possa ser contestada por aqueles que não concordam com a existência de um Criador, é, pelo menos, uma hipótese de bom senso e tranquilizadora, principalmente, para quem perde prematuramente um ente querido. Por outro lado, em que pese a grande tragédia vivida pelos familiares em casos como estes que ocorrem em época de pandemia, o entendimento e a aceitação de que, em termos metafísicos, todos nós (avós, pais, filhos, netos, etc.) nascemos e morremos em uma mesma data; isto é, os anos, as décadas, os séculos e os milênios estão todos contidos em um mesmo ponto do tempo cósmico (tempo este que sempre existiu e que sempre existirá), possibilita apaziguar os corações e as mentes de amigos e familiares de imediato, quase sempre revoltados contra o Criador por tão cruel decisão. Por sua vez, aqueles que não acreditam em um Criador (e no planejamento da vida e da morte), em momentos de crise e de dor, como este mencionado, devem entrar, imagino, em completo desespero; posto acreditarem que jamais tornarão a encontrar aquele ente querido desaparecido; quer sob uma nova forma física, em outra encarnação, quer sob a forma espiritual, em outra dimensão. Não consigo imaginar aqueles que não acreditam em um Criador e na vida após a morte, ficarem indiferentes, em face de um acontecimento trágico de tal magnitude. Existe, entretanto, uma terceira hipótese: a dos que acreditam em um Criador, mas que acham que este não se manifestaria nas coisas humanas, não tomaria partido, nem possuiria nenhum desígnio para as suas criaturas.
Esta última hipótese, todavia, faz menos sentido, para mim, do que a penúltima. Não posso imaginar um Criador que não se interesse por aquilo que criou. Por mais feia, deformada, ignorante, doente, abjeta, etc., que tenha sido qualquer criação sua, é evidente que ela saiu dele, do seu âmago. Ao rejeitá-la estaria rejeitando a si próprio. A criação sem finalidade jamais existiu, pois tudo aquilo que existe na Natureza tem uma razão de ser, mesmo que a desconheçamos. Como todos nós que aqui chegamos, já encontramos o planeta feito (com seus recursos minerais, vegetais e animais) e não fomos nós que o fizemos: então, somos forçados a acreditar que alguém (ou algo) fez tudo o que aqui já encontramos ao chegar. Como sabemos que o nosso sistema solar, com seus nove planetas, não é único, pertencendo à Via Láctea, um conjunto de três galáxias existentes em um Universo com incontáveis outras galáxias, cada uma delas com seus infinitos sóis e planetas, não podemos, sequer, imaginar, por fugir à sã razão, que isto tudo não tenha sido criado por alguém (ou algo) e que tudo tenha surgido, espontaneamente, do nada. Portanto, creio que apenas a primeira das hipóteses é verdadeira, dada a forma como as coisas se colocam e dada a nossa capacidade de raciocinar e de intuir, como seres humanos que somos. Sendo esta primeira hipótese verdadeira, devemos encarar nossas existências como uma corrida de obstáculos, cuja finalidade é, através de cada um dos obstáculos que encontramos pela frente, aprendermos algo importante para nossa evolução espiritual. Por mais que sintamos a dor da perda, em um episódio como este, e, muitas vezes, fiquemos revoltados com o Criador que, com sua onisciência, poderia tê-lo evitado e não o fez, devemos entender que aquela data e aquela forma de partida foram previamente acordadas, pelo espírito que partiu, antes da presente encarnação, e, embora trágica e inesperada, teve a sua razão de ser. Jamais poderemos imaginar um Criador omisso, que podendo evitar um mal para alguma de suas criaturas não o fez. Jamais poderemos imaginar um Criador vingativo que desse fim a um neto para castigar seus avós ou um filho para castigar os pais. Mas,
podemos imaginar um espírito que, ainda na dimensão espiritual, escolheu quando e onde queria encarnar e quando e onde desencarnar. Embora sejamos todos netos, filhos, pais ou avós, nesta existência, os espíritos são independentes e eternos e já foram também netos filhos, pais e avós em outras existências e em outras famílias. Mas, voltando ao assunto das Artes perante os fenômenos da vida e da morte, ocorreu-me comparar a vida de alguns artistas daqueles que foram tocados pela vocação desde bem cedo – a um grande vulcão. Não ao vulcão que após uma primeira, e única, demonstração de sua monumental capacidade e potencialidade, passa o resto da vida dormitando em alguma montanha isolada ou no fundo do oceano, sem mais nada produzir de magnífico que traga, novamente, encanto, deslumbramento ou que cause temor àqueles que de longe o observam. O Vulcão a que me refiro - e existem muitos destes espalhados pelo mundo - é aquele que se comunica diretamente com o magma do centro da Terra, com regular frequência. Por sua boca, ou cratera, vertem para a luz do sol, constantemente, várias toneladas de minerais nobres e, até mesmo, eventualmente, alguns diamantes de quilates, fogos e purezas únicos e de rara observação no solo; fato que, por si só, justificaria todo aquele trabalho da Natureza; bem como a enorme quantidade de terra, lavas e cinzas que o vulcão é obrigado a lançar pelo solo e pelos ares, para possibilitar a contemplação, pelos nossos humanos olhos, daquelas preciosidades, até então, escondidas no interior do planeta. Alguns poucos artistas, iguais aos vulcões que mencionei, possuem uma ligação direta com a dimensão etérea, onde se encontram as divindades, trazendo dali, estou plenamente convencido, as palavras, os diálogos, as cores, os sons, os temas, os personagens, as situações, as teses e as teorias com que enriquecem seus trabalhos, produzindo, por vezes, obras-primas divinas; muito embora, algumas vezes tragam junto - da mesma forma que os vulcões fazem com as cinzas, as terras e as lavas – obras de qualidade inferior, cujas únicas funções são as de trazer à luz e fazer realçar, as qualidades daquelas pedras preciosas e
daqueles metais nobres, que produziram sob a forma de arte, seja qual for sua expressão. Inúmeros outros escritores, mesmo sem desfrutar desta ligação com a dimensão onde habitam os deuses, possuem também como que pequenos vulcões internos, que os obrigam a liberar constantemente parte da matéria prima intelectual que, em combustão, circula por suas mentes em busca luz do olhar e da apreciação dos amantes das artes. Tais artistas têm uma necessidade, imperiosa, de produzir ininterruptamente, colocando, para fora de si, todo aquele material em combustão a ponto de entrar em erupção; o que faz com que frequentemente passem várias horas por dia em seus gabinetes, trabalhando. Aquilo que para outros poderia ser considerado como um castigo ou uma obrigação, para eles constitui-se em um prazer inaudito. Muitos artistas vivenciam de tal forma as suas obras, que chegam a se emocionar quando as dão por terminada; da mesma forma, como se emocionarão aqueles que irão futuramente contemplá-las. A satisfação que a maioria dos artistas sente, ao ver uma boa obra de sua autoria terminada, é comparável a do pai ou a da mãe ao contemplarem o filho recém-nascido nos braços do médico que o extraiu do útero materno. Digo boa obra porque, mesmo os melhores artistas, nem sempre produzem obras das quais se orgulhem em sua totalidade. Fatores supervenientes que eu denomino de repouso dos deuses e que muitos chamam de falta de inspiração, podem afetar uma ou outra obra de artistas tradicionalmente reconhecidos como geniais. Finda uma obra ou mesmo antes disso, muitos já estão partindo para outra, quase sempre sobre assunto totalmente diverso da anterior. Seus trabalhos são como uma corrente de lava que têm a necessidade de ser expelida pelo vulcão, para que a pressão interna não faça explodir todo o centro criativo, onde o magma incandescente da criação artística ferve. Os leitores poderão, talvez, imaginar que ao buscar descrever algumas das características comuns, principalmente aos escritores por vocação, tento,
subliminarmente, fazê-los crer que me incluo nesta categoria. Nada mais longe da verdade, pois, além de jamais ter tido tal pretensão, trago vivas na memória as palavras de Niccolo Machiavelli, em O Príncipe: - “Assim como aqueles que desenham a paisagem se colocam nas baixadas para considerar a natureza dos montes e das altitudes e, para observar aquelas, se situem em posição elevada sobre os montes, também, para bem conhecer o caráter do povo, é preciso ser príncipe e, para bem entender o do príncipe, é preciso ser povo”. Portanto, para conhecer bem o leitor é preciso ser escritor e, para bem entender o escritor, é preciso ser leitor. Estou realmente convencido de que, em se tratando de obras geniais - embora materializadas estas através de seus autores foram elas, com certeza, concebidas pelos deuses em outra dimensão, gestadas nas mentes dos respectivos artistas durante algum tempo e trazidas ao público através das mãos destes virtuosos que, ao longo dos tempos, têm proporcionado enorme prazer e engrandecimento ao gênero humano. Finalizando, evidentemente que nenhum de nós gostaria de passar por uma situação como a que motivou este texto, mesmo considerando as observações feitas anteriormente; entretanto, perante o fato consumado, a nós, seres humanos, restam apenas duas alternativas: aceitá-la e entendê-la ou não aceitá-la e revoltarse. Estou convencido de que a primeira delas é a alternativa correta. Ressalto, finalmente, que este texto expressa meu particular ponto de vista sobre o assunto, não se constituindo em nenhuma critica com relação a aspectos dogmáticos de determinadas religiões ou relativamente à ausência de qualquer religião.
Lara Machado é uma escritora sonhadora, sente imensa alegria em espalhar suas palavras para quem desejar ler e espera tocar a vida de quem ousar ler positivamente.
Arte na pandemia
A arte na pandemia foi prejudicada na questão de eventos presenciais, venda de artesanatos em pontos turísticos e pelo perigo de fazer gravações novas. Mas toda moeda tem duas faces, muita gente acabou sendo forçada a olhar para si mesma nessa experiência de solidão forçada e acabaram percebendo que aquele clichê “Todos somos capazes de produzir arte” é mais do que verdadeiro. Eu mesma liberei muito meu lado artístico nesse período, escrevendo, tirando fotos em casa, é incrível como viajamos através da arte, posso dizer sem pestanejar que a beleza da criação artística me deu muita força nesse período. O momento é complicado e triste sim, porém estou vivendo cada segundo eternamente, tirando toda a beleza do meu interior e espalhando na forma de arte para quem quiser apreciar.
Larissa Scomparim Natural de Campinas-SP, mora em Louveira desde 2017. É Neuropsicopedagoga, com pós-graduação na arte milenar de contar histórias. Além de possuir formação complementar em Sociologia e Artes Visuais. Atua há mais de 15 anos na educação com vivências em variadas faixas etárias. Na área cultural possui projetos aprovados no Proac e reconhecimento através de premiação em concurso de contação de histórias. Fez serviços voluntários levando alegria ao contar histórias em diversos ambientes sociais. E criadora do canal “INFINITO JÁ” e faz parte da ALLA (Academia Louveirense de letras e Artes. Trocação de histórias só precisa de AÇÃO
Larissa Scomparim
AÇÃO INOVAÇÃO SUPERAÇÃO ImaginAção TransformAção TrocAção ContAção
LUIS MARCELO SANTOS: é professor de História da Rede Pública Estadual do estado do Paraná, Escritor e Historiador. Especialista em ensino de História e Geografia e mestrando em História pela UEPG, já publicou artigos para jornais como o Diário da Manhã e o Diário dos Campos (de Ponta Grossa) e Gazeta do Povo (de Curitiba), assim como a obra local (em parceria com Isolde Maria Waldmann) “A Saga do Veterano: um pouco dos 100 anos (19052005) em que o Clube Democrata marcou Ponta Grossa e os Campos Gerais”. Desde 2017 mantém o canal O OUTRO LADO DA HISTÓRIA https://www.youtube.com/channel/UCwbP618gija6BgPedZHp15Q .
DA DOR A INSPIRAÇÃO SOMENTE QUANDO INSENSATO NÃO É O CORAÇÃO Autor: Luis Marcelo Santos
Em meio ao comodismo dos tempos de agora, sem desafios à criação Um esvaziar criativo se comparado aos outros tempos em que a arte era a maior distração, apreciação, logo uma muito maior atração a poesia e a arte visual, as histórias e demais manifestações de toda a sorte Logo como se encontrar em meio uma crise de inspiração, a solução? Se redescobrir maior motivação ao desabrochar da verdadeira arte
Verdadeira na emoção, sincera em seu maior intento, bom contento Provocar variadas discussões, levantar variadas opiniões e inspirações
Desabrochar, sem importar críticas, um ardente sentimento De modo que sua passagem não é ignorada, seja em críticas ou paixões Um fogo que não se sente tanto em nosso atual momento Obras a marcarem não só um breve instante, quando sim gerações
Logo, uma solução talvez se sinta, no pior caminho a imaginar que da dor uma nova inspiração se aproveitar elevar em ação Para isso necessário o sentir verdadeiramente, se tomar pelo sensibilizar à dor que muito se fala, mas nem sempre sincera é tal declaração Por isso somente ao olhar através da verdadeira dor se cogita o apelar aos que de fato não se faz insensato o coração.
Sublimar a angustia em arte, o horror da crise em mais nobre criação somente possível ao coração que se não faça hipócrita de fato almejando um mundo melhor através de alguma ação mesmo que somente sendo uma simples, contudo, comovente escrita de uma cena a nos fazer ver além numa singela canção sermos melhores que o embrutecimento da arena da vida nos dita
A peste agora iniciada, certa também pelo egoísmo humano inconsequente
impondo seus termos à natureza que reage em forma de doenças e outras formas de catástrofes a nos alertar sobre nossa debilidade evidente Reflexão que a arte igualmente pode instigar sob variadas formas sermos melhores ao mundo que, sem admitir, tornamos doente Aprimorar que a arte melhor nos lapida revermos nossas existências
Portanto, em meio a tantos sofreres, dele igualmente uma sugestão Aprendermos a crescer com o sofrimento que sem piedade nos castiga Da dor uma inspiração, mas somente se insensato não for o coração vazio somente a repetir comoções fingidas por quem o diga Quando sim comovido como é frágil a vida, essa sublime criação Expressar a necessidade em a valorizar, não somente em meio a essa voga
Pois como não dizer tão só voga ante o risco de essa lição se esquecer quando o horror desse momento ao passado vier a meramente pertencer? Então que pense o coração insensato nisso não se fazer, um vazio dizer em seu íntimo um discurso hipócrita tão só promover Mas sim um sensibilizar que tão bem a arte faz florescer ver como erros não reconhecidos, tornam a voltar acontecer.
Então que com esse desafio o aprender em novo crescer, elevação da alma, do sonhar, do criar, um mundo menos alienado Uma arte neste desafio a nos desalojar do comodismo, incitar a ação de um espírito mais criativo que tão carece ser despertado Podendo bem o ser em meio a este momento de tão dura atribulação que justamente exige um ser humano melhor começar a ser lapidado.
Marcos de Andrade Filho (Recife, 23 de junho de 1982 – ), é o nome artístico de Marcos Antonio Soares de Andrade Filho, professor, escritor, libretista, poeta e crítico literário brasileiro. Membro da União Brasileira de Escritores e da Academia de Letras do Brasil – Seccional Pernambuco, recebeu, dentre outros, o Prêmio Edmir Domingues da Academia Pernambucana de Letras e o Prêmio e Medalha Maura de Sena Pereira, da UBE-RJ. No gênero poema, é autor de "Não Lugar" (Bagaço, 2005); SPOLLIVM (EdUFPE, 2012); Fome Antiga (Liceu, 2017) e Reminiscências de um Legado (Amazon Books, 2020). Por incentivo do escritor Raimundo Carrero, está iniciando suas incursões na prosa de ficção literária.
Contatos
E-mail: scripta.andrade@gmail.com Perfil: https://pt.wikipedia.org/wiki/Marcos_de_Andrade_Filho Instagram: @fraterincognitus Facebook: https://www.facebook.com/marcos.deandradefilho/
ROSÁRIO Vida, doçura, esperança nossa! Salve! Espera. Preciso te dizer uma coisa… Mas a oração… Ela me perdoa porque sabe que eu preciso. Foi esta noite… Estava dando aula. A internet aqui é na velocidade do Capibaribe. Sem falar na paranoia agonizante de todo mundo. Hoje o ser humano é feito 60% de água: os outros dez dos velhos 70% viraram álcool
em gel. E como se não bastasse ter de ser mãe, professora, mulher, psicóloga, amiga, mãe-postiça de aluno com mãe viva, e todo o resto, ainda tenho de suportar essa desgraça mentindo em rede nacional e o panelaço que divide os prédios e os sensos… Com licença, gente, só um instante, desculpem. Mute. Baixa essa televisão! Tô dando aula! Mas, mãe, as panelas fazem muito mais barulho que a tevê! Eu sei, mas aí mistura o barulho das panelas, o relincho do presidente e o mugido do vizinho de cima, que apoia essa desgraça! Me obedeça e baixe esse volume para eu terminar a minha aula! Ave, mainha! A senhora é cheia de graça, viu, dona Eva? Pela fé! Pronto gente. Vou fazer o upload do arquivo para vocês lerem para a aula da próxima quinzena. Semana que vem é só tutoria remota, tá? Obrigada e não esqueçam de mandar o relatório e as dúvidas pelo portal. Tchau, meus amores! A cabeça dela cai sobre o teclado com o peso de quase meio milhão de vidas. Junto com médico, professor deveria virar santo súbito quando morre, ou quem sabe ainda em vida! Aposto que este Papa não iria se opor. Ô Abel, meu filho, cadê Mica, Saul e Lili? Sei não, mainha, saíram! Oxente? Uma hora dessas? Pra onde? É sempre assim… Ele fica com aquela cara de desconfiado. Sabe e não quer entregar os irmãos. E Fátima, está em casa? Parece que tá na cozinha, mainh… Mainhaaaaaa! Olha ela aí! O que é, minha filha? Precisa gritar desse jeito? É mesmo assim, desse jeitinho… Quando estão todos os cinco aqui é que são elas! Padeço no Éden quase literalmente. O ditado é certeiro! Cada um que grite dois “mainhas” ao mesmo tempo! Vocês também têm pai, sabiam? Que suplício! São dez Ave Marias para um Pai Nosso, que inferno! Não vejo a hora de terminar o Rosário dessa sina e vocês me tratarem como Salve Rainha! Foi aí que eu acordei, Fafá… Saudade dela! Foi tanto sofrimento… aquela intubação e a gente distante… Coitada de mainha… ir embora daquele jeito sem respirar!
Ô, Abel, meu mano… eu também sinto falta! Sabe o que me irrita? Naquela noite, Lili foi a única que chegou de máscara daquela noitada clandestina. E Mica e Saul insistem colocar a culpa nela. Eu estava na cozinha ainda e vi que eles estavam sem proteção. Quem trouxe esse vírus pra cá não foi a Lili. Mas é mais fácil culpar a caçula, né? Não quero sentir isso por meus irmãos, Fafá, para! Tá certo, Abel. Vamos continuar rezando pela cura de painho, que tá sofrendo a mesma coisa agora. Mainha já está em paz! Vamos! A vós bradamos, os degredados filhos de Eva; A vós suspiramos, gemendo e chorando, neste vale de lágrimas… Marcos de Andrade Filho Recife, 29 de março de 2021
Nádia Santos de Paiva Neves Sou Nádia, formada em Artes Visuais e estudante de Letras. Gosto de escrever e desenhar, desenvolvendo ilustrações com palavras ou imagens. e-mail: nadiapaivaneves@gmail.com
Baque
Conflitos. Para evitar criatividades Para exaurir sutilidades Para aniquilar trocas
Consternados. Ficamos paralisados Ouvimos cabisbaixos Trocamos inseguranças
Desejos. Não perder Não contaminar Ser inquebrável
Derrotas. Corpos silenciados Rotas interrompidas Tudo isso é culpa nossa
Neila Reis
Luzes da Ribalta
Neila Reis
E o inimigo invisível abriu sobre o mundo as suas asas de pandemia Prendendo a todos em gaiolas, repletas de medo, culpa e agonia O teatro fechou, a luz do palco se apagou e a dança então sumiu O lar virou prisão, a máscara virou razão, só a morte se expandiu.
A peste entristeceu os palhaços e desbotou a cor das arlequinas Proibiu em público o abraço e elevou ao alto, o coro de proteção divina De repente a música, ficou muda e se perdeu pelas curvas do caminho O homem largou a multidão e para sobreviver, teve que seguir sozinho.
O toque ficou distante, moldado por entre circuitos de lucidez ostentadora A realidade é apenas ilusão, e a verdade requebra nas curvas da lacradora Fala-se do novo, e que tudo será maior e melhor em um vindouro recomeço
Fênix renascida, que mata enlouquecida, a fera inclemente que ronda o berço.
Que a nova vida seja plena, sem o espectro de uma frágil felicidade inventada Que o espetáculo reinicie repleto de luzes, numa peça lúdica, infinda e encantada E que os fantasmas abjetos da ignorância e dor, sejam meras sombras esquecidas De um tempo onde a chama da saúde, foi temporariamente débil e desprotegida.
Noi Soul noiane@outlook.com IG: @noi.soul
Baiana de nascença e residência, menina, mulher, gente de sorriso fácil e de abraço farto. Adora as letras e a magia de juntá-las com intenção. Natural de Vitória da Conquista, dançarina, atriz, poetisa, escritora, nutricionista, graduanda em Artes e criadora de conteúdos digitais. Participante da Antologia Poética Café com Poemas, Editora Cogito; da Antologia Vida em verso: Emoção em poesia, Editora Versejar, dentre outras.
Norma Bezerra de Brito é brasileira, nascida na cidade do Crato/CE. Reside em Brasília desde 2011. Professora de Línguas Portuguesa e Inglesa, aposentada pela Universidade Regional do Cariri/URCA do Crato. É Especialista em Língua Inglesa e Mestre em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas, pela Universidade Federal de Pernambuco/Recife/PE. Norma é cronista e contista, com algumas incursões na poesia. Participou de cerca de 30 antologias de prosa e poesias, no Brasil e no exterior. Publicou na revista A Província e na Revue Artplus de Genebra/Suíça. Publicou um livro de contos e crônicas: A Vida não é Ensaio. É membro de várias academias literárias. É delegada, em Brasília, da Association d’Art, Literature Solidarité, de Genebra. No momento, trabalha em seu novo livro de contos e crônicas a ser lançado no final deste ano. Participará do Salão do Livro de Genebra (online) em maio/2021.
REFLEXÕES PÓS-PANDEMIA: o humano no novo normal Assustador. Quando vimos os países vazios, os monumentos solitários, os céus sem aviões, as ruas desertas, o condomínio silencioso e vazio, parece que estávamos dentro de um filme de suspense, distópico, tipo terror. Como o mundo parou assim de repente? Difícil explicar. Seria uma provação que o Pai, cansado de tantos desatinos de sua criatura, o descaso com a natureza, o materialismo superando o espiritualismo, resolveu nos dar uma lição? Confinamento. Tempos difíceis. O valor da vida tomou outra dimensão, desde que aprendemos, a duras penas, que ela é frágil e que podemos perdê-la facilmente. Eclodiram sentimentos como o medo, o cuidado com a saúde, a angústia de ver parentes e amigos longe de nosso convívio, a empatia pelo sofrimento alheio, e a esperança de dias melhores. Verificou-se o mesmo sentimento de epidemias passadas, de impotência diante do inesperado, de supervalorização da vida. Surgiu a tendência minimalista: joias, roupas de gripe e carros importados de nada valiam. A dor pela separação dos entes queridos foi superada, em parte, pela comunicação em vídeos. A imagem dos filhos, netos e parentes não poderia perder-se nos recantos da memória. As crianças passaram
a ter aulas online. Sentiam-se presas, tolhidas de liberdade. Os pais ficaram atordoados, com duas ou mais crianças dentro de um minúsculo apartamento. A violência doméstica atingiu níveis alarmantes. Na favela, com o excessivo número de pessoas num só casebre e até a falta de água nas torneiras, tornara-se impossível seguir as recomendações sanitárias. A fome começou a grassar. À miséria e à crise econômica do país, veio juntar-se uma crise política. Declarações instigantes de políticos e autoridades, no âmbito estadual e nacional, interesses escusos. Três ministros da saúde passaram o cargo durante a crise, deixando a população insegura, temerosa, órfã. Fazia-nos crer que não havia nenhuma preocupação com o vírus letal. A tecnologia tornou-se, cada vez mais, indispensável. Além de substituir o trabalho presencial, ela foi crucial para se retomar os contatos por meio de lives: reuniões, cursos, saraus, comemoração de aniversários. Nunca antes a arte se tornou tão necessária. Nos condomínios, havia shows nos fins de semana como um lenitivo para minimizar o sofrimento de pessoas confinadas, deprimidas; era também um meio de sobrevivência dos artistas. As artes, sem dúvida alguma, foram fundamentais para trazer esperança às pessoas, através de cursos online de artes plásticas ou história da arte, saraus poéticos, recitais, grupos de leitura, de dança. Por outro lado, na busca de alegria para os corações angustiados, jovens inconsequentes aglomeravamse em bailes, sem ter a exata noção do perigo de contaminação... Em contrapartida, a natureza agradecia. Os tempos eram outros. O ar, mais puro. Em lugar do barulho e da poluição dos aviões, podíamos ouvir o ruflar das asas dos pássaros, cortando o céu ainda mais azul. Das janelas, podíamos ver as plantas verdes, respirando o ar puro. Os rios corriam sossegados, livres de poluentes. Os peixes pulavam sem objetos e plásticos para sufocá-los. Em Brasília, os ipês enfeitavam as ruas com suas nuances de cores: roxos, brancos, amarelos, rosas. No mar, as ondas branquinhas vinham mansamente beijar as areias da praia. Era o milagre da vida pulsando, mostrando o quanto podemos sentir a alegria e a beleza de um ambiente livre de habituais predadores.
Muitas lições foram aprendidas neste período traumático. O mundo aprendeu que viver é muito mais do que respirar. É respeitar o outro, é ter mais tolerância. É praticar a empatia, é cuidar da natureza; é saber escolher os governantes do país; é ter o coração aberto às diferenças; É compreender que nenhuma cor, raça ou religião é superior à outra. É saber perdoar, é respeitar e fazer respeitar-se. É tempo de reflexão. Será que seremos os mesmos, depois de todas essas lições? Suportaremos que um ser humano seja humilhado por outro? Deixaremos pessoas inescrupulosas comandar o país? E a natureza ser maltratada? O Novo Normal será outra realidade de vida. Há de haver uma mudança de paradigmas, uma revolução de hábitos e de respeito aos valores até então menosprezados. O caminho será longo. Precisamos ter resiliência. A fé e a esperança formaram o alicerce para superar o medo, o pathos da tragédia. Devemos ter consciência de que os maiores tesouros estão pertos, como a família e a saúde; de que os verdadeiros heróis são os trabalhadores de serviços essenciais, como os lixeiros, os serventes e, principalmente, os médicos e as enfermeiras que arriscaram suas vidas, feito camicases, jogando-se de corpo e alma à missão de salvar a vida do próximo. Muitos faleceram nessa altruísta tarefa. De nada adianta revoltarmo-nos. A vida está sendo ceifada por esse inimigo invisível. Precisamos nos defender com o que temos ao nosso alcance. Ou seja, além das medidas protetivas, usarmos a mente positivamente. Nenhum negativismo. Resta-nos a esperança de que a compaixão e a solidariedade continuem, de que cuidemos da natureza com mais carinho. Ninguém será o mesmo depois da pandemia. Conscientizemonos de que a misericórdia de Deus é o que nos salva. E que no Novo Normal possamos ressurgir das cinzas, como a fênix, para um mundo mais humanizado e mais belo. Daí, olharemos para trás e diremos: tudo passou, resistimos e vencemos. Somos vitoriosos. Nome: Norma Bezerra de Brito Esperança
Pseudônimo:
Patricia de Campos Occhiucci
Escritora, professora e psicóloga, natural de Santo André reside no interior de São Paulo, na cidade de Mogi Guaçu. É organizadora de antologias poéticas da Psiu Editora. Também é uma das colaboradoras da revista eletrônica “BlahPsi”, que traz assuntos relacionados à psicologia para o público em geral. Participou de algumas publicações da Elemental Editoração e Psiu Editora, como as antologias de contos “Seguir o sol”, “Meu coração agora é todo carnaval”, “Dona de mim” e “Religion”. Também de lançamentos na categoria poemas das revistas Ecos da Palavra, Tremembé, SerEsta, dentre outras. Email para contato: patyarez@gmail.com e instagram @patyocchiucci
A forçosa distância Patricia de Campos Occhiucci
A pandemia trouxe panoramas Que, talvez, os olhos não percebiam As perdas num cenário de drama Pessoas que não mais se viram
Precisamos nos reinventar Trabalho, escola, tantas rotinas
Também para as artes divulgar Onde letras, imagens e sons se descortinam
Com reuniões e saraus virtuais E as exposições de quadros na rede Poemas declamados, músicas atuais A tecnologia transpõe as paredes
Mesmo diante da infecção e do medo Que a cultura ainda divulgue seu legado Com a inspiração revelando o segredo Do sentimento que ficou guardado
Anuncie beleza que gera inquietude Ímpetos causadores de enlevo Para uma melodia, o público aplaude E para as gravuras em alto relevo
Uma live sobre verso e prosa Grupo do WhattsApp sobre dramaturgia Quando a galera se entrosa Mesmo na distância existe magia
Para que continuem as produções
Que a alma corporifique em qualidade! E quando controlarem as contaminações Possamos caminhar em frente
Falar de amor e saudade Grafadas, esculpidas e cantadas Nessas e em outras nações Também presencialmente
Apreciando a gloriosa arte!
Paulo
Luís
Ferreira
é natural de Recife/PE. Fotógrafo de profissão. Graduado em História e Geografia. Têm con tos pelas Revistas: LiteraLivre, Coverge, Balbúrdia, Covil da Discórdia, Mirage, Elemental Editorial e Ecos da Palavra; diversos contos em antologias das Editoras, Jogo de Palavras, Big Time Editora, Bunkyo de Literatura e SF Editoração. Têm três livros: um romance, “Um Suco de Laranja sem Açúcar com Hortelã” e dois de contos, “Século XXI” disponíveis em Clube de Autores. E “Acampamento das Almas”, pela Autografia Editora. Contato com o autor E-mail: pluis.177@globomail.com https://www.facebook.com/pauloluis.ferreira.10/
Eu, Minha Pequerrucha e o Presidente Por: Paulo Luís Ferreira Disse o presidente que, se ele pegasse essa gripezinha, esse resfriadinho, de nome coronavírus que, os “mal informados”, como a imprensa e a OMS, estão chamando de pandemia, ele em si, não teria problemas, pois como um inveterado atleta do exército brasileiro que, provavelmente, além de seu tão decantado paraquedismo, deve ter feito muito levantamento de fuzil, não seria atingido. Então fiquei eu a pensar com meus botões, e recorri ao meu HD de memórias: que esportes fiz eu em minha minguada vida de atleta? Fazendo um esforço descomunal, deduzi que eu estou perdido, visto minhas reminiscências de infância só terem acesso aos meus intensos campeonatos de bola de gude e empinador de pipa; e os famosos tiros de cuspe à distância. Pois nem as cotidianas peladas da garotada eu não participava, porque eu era o afamado perna-depau do bairro, e no gol eu não jogava nem a pau. A propósito, que boa lembrança me veio: quem dera ainda ter aquela potência na boca, para dá uma bela cusparada certeira, para acertar em algum alvo contemporâneo, bem na cara do energúmeno, e depois sair correndo. Coisa de criancice que ainda mora em mim, eu acho.
Então disse para mim mesmo: maldito presidente, o que fez você de minha vida? Você tirou minha razão de viver, porque dessa eu não escapo, de acordo com seu diagnóstico de que, já que vamos morrer mesmo, pra quê esse negócio de quarentena, vamos pra rua gente, vamos cair na gandaia! É o que ele tem dito. E agora que faço eu? Se até os botecos estão fechados, não dando nem para fazer o disputadíssimo e animado jogo de palitos ou porrinha, como é conhecido aqui por minha turma. Depois que ouvi os eloquentes conselhos do presidente. – mesmo que contradizendo sua vontade. – Minha primeira providência foi entrar em quarentena. Ainda bem que, com o passar dos dias dessa minha existência que, segundo o grandíssimo, estou fadado a me despedir dela precocemente, por não ser um afeito aos exercícios, adquiri a prazerosa mania de ler e rabiscar historietas. Mas agora estou convivendo com o descalabro de viver prostado à frente da TV, a ponto de estar intoxicado pelas overdoses de notícias; e o encharcamento do palavreado: coronavírus, COVID-19, quarentena, OMS, confinamento, contaminação, álcool em gel, e outros tantos maneirismos e jargões médicos e jornalísticos. Sem falar das ânsias de vômitos, quando sou pego em flagrante a ouvir os fatídicos comentários do presidente. Não bastasse a deturpada apropriação da fala do diretor da OMS, Tedros Ghebreyesus, sobre a população mais desassistida. Hoje, logo após ver a fake news postada pelo presidente, – numa consonância impressionante – com um sacripanta mostrando o desabastecimento no entreposto de abastecimento de Contagem em Minas, fui ao mercado fazer umas comprinhas. Na saída fui abordado por uma repórter de TV. Ora vejam só, tinha que acontecer uma calamidade dessas, para eu ter meus 15 segundos de fama. E a repórter veio logo com essa pergunta de chofre: O senhor não tem medo de morrer? Eu? De morrer? Medo? Por quê? – respondi eu com o corpo começando a gelar – E como fiquei mudo à repórter desistiu da entrevista. Mas, enfim, chegou à onda salvadora: o panelaço logo no começo da noite para saldar as falas do presidente. Agora é todo dia.
Oito em ponto, todos vão à janela. Batem panelas, gritam foras ao presidente. Aqui em casa tornou-se uma festa. Eu e minha pequerrucha de 4 anos. Estamos nos tornando quase uma dupla sertaneja: Panela e Papeiro. Aliás, pensando bem, esse negócio de bater panela bem que serve como um pouco de exercício, pelo menos para as mãos. E por que não para o corpo, porque eu e minha pequena aproveitamos para fazer um rebolado dançante, enquanto batemos. Eu bem que já estava disposto a seguir à risca o exemplo do presidente, fazer exercício. Quando não tem panelaço já é motivo de acabrunhamento para mim e minha pimpolha. Papai hoje o presidente não vai falar não! Vai sim filha, aguarde um pouquinho ele deve estar conferindo as informações com o homem do churrasco sobre a teoria de que às aglomerações de poucas pessoas pode, mas de muitas pessoas não pode. Então a partir daí ele toma novas atitudes sobre a quarentena. Ah, manda ele vim logo que eu tô com sono... – diz ela cheia de dengo. Mas não demorou muito e logo começou nosso bate-bate: panelaço e papeiraço. — Pronto. Por hoje acabou o baticum de panelas, vamos pra cozinha fazer o suflê de chuchu enquanto esperamos a mamãe, né? — Onde tá a mamãe? — No hospital, trabalhando, ué! ... Vamos cortar o chuchu?... Você bate o ovo no papeiro... — Tá boomm! ... – fala meu chuchuzinho animada com a nova função.
Paulo Roberto
Formado em Letras – Português, Paulo Roberto tem imensa paixão à Literatura e Artes Plásticas. Publicou recentemente o Livro, Pôr dos Sonhos pela editora Multifoco com o pseudônimo (Bebetto), também Membro de dois grupos de Artistas: Celeiro Literário e Academia Planaltinense de Letras, ambos do Distrito Federal.
Solidariedade
Os olhos que se fecharam, fecharam-se feito portas as lágrimas ainda brotam das dores mundo afora.
Bebetto
Pedro Lino Pedro Lino é um verdadeiro ‘logophile’ - aquele que ama palavras. Um poliglota que não costuma falar muito. Além de um eterno procrastinador nas horas não vagas. Às vezes finge ser poeta, costuma se enganar suficientemente bem. São José dos Campos, Dezembro ‘99.
Contato: pedro.lino@unesp.br
Autor: Pedro Lino **
Lembranças:
Minha memória é um labirinto Muitas pessoas por ela passaram E lá se perderam
Talvez fosse só por diversão Mas essas pessoas agora estão presas nas minhas lembranças E quanto mais tentam fugir Maior o labirinto parece ser
Observo de longe como se confortante fosse Ver tantas memórias correndo, fugindo, perambulando, trombando umas com as outras Amedrontadas com a infinitude das minhas recordações
É um labirinto sem fim E essas pessoas não sabem disso Mas eu preciso que elas escapem
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Mar:
Lágrimas nada mais são do que palavras Cuspidas, vomitadas Transbordadas Pela alma
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Fugitivo:
Meu cabelo c a i E mais parece que ele só quer fugir da minha cabeça Tudo bem, tudo bem! Se eu pudesse, faria o mesmo
E também sairia c o r r e n d o
Perpétua Amorim
Cenas repetidas Pseudônimo : Melice Florheit O vento não sobra apenas em uma direção, As sombras giram em redemoinhos Enquanto as folhas caem uma por uma Neste outono interminável Desabitando os pássaros dos ninhos.
O ar rarefeito altera a visão Sou quase nada nessa tormenta As palavras cruzam com os gemidos Em solavancos perdem os sentidos Restando apenas a alma sedenta.
A imagem na tela invertida Corroída entre o medo e a ilusão Vazio de esperança em pinceladas inúteis Notas de uma canção repetida Em dó, dores incabíveis.
Paralelas de um tempo nulo No branco riscado ao léu O palco que o silencio adormece A plateia esconde com o véu As flores que não mais florescem.
Robinson Silva Alves Formado em Filosofia na Universidade Estadual de Santa Cruz e Licenciaturas Interdisciplinares na Universidade Federal do Sul da Bahia, residindo em Coaraci-Ba,tendo ao longo da trajetória conquistado cerca de 40 premiações em concursos de poesia além de inúmeras participações em revistas literárias.
Sobreviventes
Lutando todos os dias Contra o vazio Mascaras silenciosas Eterno desafio
Mil poemas Para trazer encanto Neste tempo de dor Onde reina o pranto
Silêncio quebrado No encanto poesia Confortando lágrimas Neste tempo de pandemia
Uma música ecoa A mais bela melodia Traz um pouco de paz Sonhos de magia
A arte resiste Neste período frio Traz acalanto No mundo sombrio
Isolados no medo Trancafiados na prisão A arte liberta Arrebenta o porão
Sobreviventes.
Autor: Robinson Silva Alves
Rosangela
Mariano
é formada em Letras (Português/Literaturas) pela UNISINOS – RS. Publica contos e poemas no blog http://lunaraescritora.blogspot.com. A poesia Janelas recebe Menção Honrosa pela ARLACS (Academia da Responsabilidade Literária, Artística, Cultural e Social) – Taubaté, SP. O Microconto Fantasmas é selecionado para a Revista LiteraLivre, 26º Edição, março 2021. Escrever é uma grande paixão!
Órfãos Rosangela Mariano E-mail: marihanaescritora@gmail.com
Às vezes, sinto-me órfão... ... e olho meu quadro de girassóis... ... cada pétala amarga lágrimas... ... e o amarelo solar, manchas esperançosas, acenam adeuses melancólicos...
... a arte escorre em tintas e cores... ... e o invisível da tela torna-se moldura para a pandemia que passa...
... arte, perenidade, invisibilidade...
Sandra Mara Alves/ Pseudônimo Bueno Professora Alfabetizadora, Artesã, Instrutora de artes manuais e artesanatos, Concluinte do Curso Especialização em Arteterapia.
Sandra Mara Alves A arte cultural e sua inovação A arte acompanha a humanidade há vários séculos, temos como exemplo a arte desenhada, pintada ou gravada nas pedras e paredes em cavernas construídas entre rochas. Essas artes registravam desejos de conseguir uma caça e expressavam as vivências dos primeiros homens. A arte sempre existiu e por si só foi e é até hoje instrumento da expressividade humana. Outras formas de artes apareceram pelas necessidades de sobrevivência do ser humano, como os utensílios e vestuários evoluindo do utilitário para adornos de suas moradias. No entanto, ainda que seja um oficio antigo os artesões conseguem mantê-los sempre atualizados, hoje existe em seu favor várias técnicas, produtos e materiais que possibilitam mais agilidade na produção de peças, sem que os artistas e artesões deixem de lado a faceta tradicional do oficio. Através de sua arte e de suas peças criadas para a utilização diária, para decoração e vestuário, o artesão traz a arte para o dia a dia das pessoas e assim torna mais acessível o contato e participação com diversos estilos de artes. Enfim as artes nas suas diferentes modalidades como (música, dança, cantos usados em rituais de cura e nas espiritualidades) sempre existiram e estão em todo o canto do mundo, através das manifestações artísticas que acontecem de diversas maneiras e nas diversas culturas que existem. A arte e a cultura tornaram-se objetos de estudo nas diversas áreas do conhecimento, a inovação da arte cultural está explicita no significado da própria palavra. A cultura é uma palavra de origem latina e deriva de colere, que significa “cuidar de”. Ao longo do tempo a palavra cultura tomou novo sentido.
Segundo o dicionário Michaelis, atualmente a cultura é o “conjunto de conhecimentos, costumes, crenças, padrões de comportamento, adquiridos e transmitidos socialmente, que caracterizam um grupo social”. A palavra arte é derivada de ars, do Latim, que significa “técnica”, “habilidade”. Porém a definição do que é arte é extremamente complexa, o entendimento do que é arte e do que não é arte, sofreu grandes transformações ao longo do tempo. A ideia de arte pode ser bastante diferente, dependendo da cultura e do artista que faz e de cada observador da arte criada. A arte pode ser entendida como uma habilidade de criar uma obra com valor estético utilizada como expressão de alguma ideia ou sentimento. Revendo a palavra cultura sua inovação e seu significado que é o “cuidar de” a arte passa ser utilizada como uma importante forma de tratar a saúde do ser humano, com técnicas de terapia pela arte, que propõe um fazer artístico com ideias livres e espontâneas, sem a necessidade de se preocupar com o valor estético, não sendo necessário saber desenhar ou realizar qualquer tipo de arte para expressar simbolicamente pensamentos, emoções e sentimentos, através da criação artística, e do fazer uso de várias modalidades da arte como desenho, pintura, modelagem, recorte e outros meios artísticos denominado de ARTES EXPRESSIVAS. A aplicação da arte expressiva tem intenção terapêutica é uma forma de tratamento que auxilia a pessoa lidar com seus conflitos internos, amenizar suas aflições. Essa forma de usar a arte como terapia é praticada com auxílio e atendimento do profissional arteterapêuta com formação especializada em arteterapia. A inovação da arte cultural colaborando no cuidado da saúde da humanidade.
Sigridi Borges Professora de Matemática e Escritora, nascida em São Paulo. Iniciou na escrita em 2013 quando descobriu que as letras eram mais que simples sementes plantadas nas folhas de papel: eram um sentimento. Autora do livro infantil “Algarismos em Sonetos” (Scortecci, 2016), participa de diversas antologias/coletâneas e revistas literárias no Brasil, na Argentina e em Portugal. Diagramadora e uma das produtoras da Revista SerEsta, literária, on-line e gratuita. Membro da AIML (Academia Internacional Mulheres das Letras). Casada, duas filhas, ama orquídeas, cinema, teatro e viajar com a família.
ARTE MASCARADA SIGRIDI BORGES
Olhos fitos mente aberta face coberta por máscara incerta.
A essência do ser transformada em arte escondida atrás de sonhos mostrada apenas pelo olhar.
Fotos, manchas, dores esperança vivida intensa e vívida
em meio a tantas flores que despontam num jardim de anseios de um toque, de um abraço.
Que a arte não morra que o tempo não corra e junto à certeza de que enfim voltaremos muito mais firmes e fortes no palco a brilhar.
Thais Sousa nascida e criada em São Paulo, pelas leis dos homens, é técnica e bacharela em administração com pós-graduação em Psicologia Organizacional e MBA em Gestão Estratégica de Negócios. Leitora assídua, se apaixonou pela escrita ainda na adolescência. Coleciona participações em concursos literários, antologias, saraus e revistas virtuais, incluindo internacionais, Revista Innombrable, Ecos da Palavras e Escritores Eleutheros. Em 2020 teve três publicações em antologia física e seis virtuais, para 2021 está previsto até o segundo semestre mais algumas publicações físicas. Possui divulgações de seus poemas em páginas literárias poéticas como Escrita Cafeína, Revista entre poetas e poesia e, por fim, Movimentopoesie-se. Pelas leis do Universo é viajante da vida em desenvolvimento, apreciadora de um bom vinho e adoradora de viagens. Humana. Instagram: @thasssou
Acróstico arte em dias de pandemia
Amanheceu todos os dias Ainda que pareciam os mesmos Restabelecemos energias Tentativas e mais tentativas de vida Esperançosos, só queríamos um novo dia Perceptivamente, o perigo persistia Em luto, seguimos pelos destinos em alforria Literalmente, estamos entre a vida e a morte Amuados, sem tanta sorte Vamos em frente, essa é a única veracidade Ingrediente necessário, viver, prosseguir sem crueldade Dádiva é abraçar os dias Ainda que a pandemia insista
Salve-se! Salve-nos! Salvemos nossos dias. Cuidemos de nossas vidas. Respirando (ar)te, queremos os dias sem epidemias.©
Thais Sousa
Vanessa Brandão é jornalista, mestra em Letras e doutoranda em Estudos Literários pela Unesp. Escreve crônicas e poemas desde menina. Mantém o blog literário www.minhajanela.com.br . Facebook: Vanessa Brandão e Costa
Revelações da memória Um tesouro encerra meu pequeno corpo humano Um castelo de riquezas as quais nem sei nomear As seleciono conforme as experiências cotidianas Indo, vindo, sorvendo amor e ódio Saudade e prazer Cheiros e visões das horas mágicas De luz, sombras, risos e cheiros da infância Tudo é memória Essa caixa guia de existências múltiplas Essa caixa onde habita Deus Deusas e anjos guia Tesouro confuso de vidas de outrora Que me permitem reconhecer Reencontrar Recebendo amorosamente o velho novo saber Memória de luz Ventre da alma
Disse um certo Santo Que se embrenhou nessa louca humanidade Sanando meus devaneios sem resposta Acalmando dúvidas e explicando Qualquer possível sabedoria
Vanessa Brandão Poema para Santo Agostinho, após leitura e estudo do texto O palácio da memória
Vino Marques Uma História de Hiatos por Vino Marques viniimarques712@gmail.com instagram: @vino.marques
Do mundo envidraçado, via um céu fosco translúcido e revelava para mim apenas duas coisas. Que as janelas estavam sujas e eu estava para dentro delas. Uma história de hiatos… O vento soprava agudo essas palavras, pelas frestas da maldita janela. Eu me levantava, pesaroso, enchia minha garrafa d'água, duas, três, cinco vezes. Trabalhava de nádegas doloridas até as cinco, fatiava meu gengibre em rodelas pequenas. Gosto do meu café com o sabor ardido da raíz. Meus punhos pulsavam dor e formigamento, sinais duma tendinite antiga a despertar. Uma história de hiatos… Despertava meu cachorro carente, procurava-me pela casa, com um brinquedo à boca e o olhar de um jovem apaixonado, como quem sente a vontade incessante de ocupar-se por inteiro, vazio. Contrariando as dores de meus dedos e mãos, trabalhava, do meio dia às cinco, cortava meus gengibres e escrevia aquelas emails… Foi numa viagem de fim de verão, que conheci a dona daquela voz aguda que os ventos sopravam. Seis horas e quarenta minutos foi o tempo que ficamos lado a lado dentro do semi-leito fretado. Ao final, estava encharcado dum mergulho profundo nos ventos molhados da alma daquela voz. Era paixão, o início da história de hiatos. Eu fechava as cortinas, dia após dia, na esperança de não viajar meus pensamentos ao céu fosco translúcido lá de fora. Esforço em vão. Em minhas idas ao banheiro, segurava minha alma
pelos braços, traiçoeira, ávida a buscar a voz dos hiatos lá de fora, feito um cão que busca seu dono para brincar. Seis horas e quarenta minutos foi o tempo que levamos para nos apaixonarmos, três semanas, o tempo para se esfriar. Eis o primeiro hiato. Não, não sentia falta de morar com meus pais. Família era amor, e o sentimento ficava mais bonito assim a distância. A proximidade trazia atrito, oleosidade e mal cheiros difíceis de inalar. Contrariando a sujeira de minhas janelas, eu abria novamente as cortinas, e assistia distraído ao céu encharcado lá fora. Um silêncio de hiatos… Como alma que perde o ar, lembro de sentir a saudade súbita e desesperada. Foi assim que abri meu computador, naquela tarde de dia qualquer, e escrevi meu primeiro email para a dona da Voz quieta. Meus dedos, animados, dançavam às teclas ingênuos, e o punho trabalhava desavisado. Era o início duma história de dores, Tendinite de Hiatos. As noites eram difíceis. Eu me deitava, sentindo em mim a energia dum dia não vivido, para dentro das janelas malditas. Acordava e recordava madrugada adentro, relia emails fatiados, chorava fotos, embaçava os vidros. Gosto das minhas noites com o sabor ardido da saudade. Daquele primeiro email, encharcado de saudade ressecada, vieram outros e outros e ligações e risadas. Os dedos dançavam com os dedos do Vento amado, juntos encontravam a alma e retomavam o mergulho daquelas primeiras seis horas e quarenta minutos. Era vida, alegria, expansão, para além das janelas e telas que me aprisionavam. Depois do primeiro encontro, o punho arrebentou em dores, os dedos choraram, as expectativas anasalaram. A história do segundo hiato. Não digitava amor apenas. Para além do meio dia às cinco, escrevia também saudade, alegrias, tristezas, medos e fantasias. Apreendida pelas janelas ressecadas, minha alma vazava pelas telas vazias do computador. Guardava textos de mim mesmo,
tímido demais para deixar-me ler. O cachorro acompanhava de perto, e da menor pausa da dança dos dedos, jogava-me a bola, implorando por brincadeiras. Do segundo hiato, vieram-me à noite as lembranças da paixão. Meus dedos, meses depois do primeiro encontro, cantaram para mim sobre a memória, a paixão dos jovens e as flores. Dessa música, veio o reencontro, e as tardes que gastavam meus dedos dançando pelas teclas, emails ao Vento. Levantava-me outra vez, enchia minha garrafa d'água, saboreava o gengibre cafeínado. Esticava os músculos e tendões, esticava também o pescoço d'alma, para além das janelas fechadas. A curiosidade era dona do tempo. E qual não foi a dor ao ver a dona das vozes mergulhadas enamorada por outro cachorro sem bola. O Choro da Garganta escapou, as lágrimas se derramaram em Vergueiro, e minhas janelas fechei. Conheci o amor e não foi pela Voz das seis horas e quarenta. Era inocente, novo, chamei-a de namorada e andamos. Ela chamava-se de minha vida, tomou-me os dedos e chamou-os de dela; reclamou minhas janelas e estampou-lhes o nome dela, minha alma e cão eram delas também. O terceiro hiato ardia feito gengibre demasiado, trouxe tendinite à alma, tomou-me a voz e me fez cativo. Sem refúgios, estourei em chuva envidraçada. Meu celular despertava, dia após dia, às oito da manhã. Anotava, aprendia, produzia, como se o mundo lá fora não fosse sujo e embaçado, e as janelas jamais tivessem sido fechadas. Uma história de histórias distanciadas, para muito além daquela paixão dolorida para os meus dedos, alívio d'alma. Da dor que o terceiro hiato não causava aos meus dedos, atingia-me em todo o resto. Não demorou para que a voz dos meus textos gritassem. Tímido, decidi lê-los de uma só vez, numa só voz, me assustei. Vi a dor do jovem desesperado, como um cão que jogava a bola a si mesmo, e implorando por brincadeiras, terminei.
Lia as notícias como quem não lia os textos que a si próprio escrevia. Os números alarmavam conformidade e as idas ao mercado se tornavam habituais, de um medo que adormecia desavisado. O amor renasceu lá na frente. Eu havia crescido, de beijos e amores trocados, minha alma já não mergulhava sobressaltada. Esperava pelas melhores ondas de vento, refletia e ponderava. Foi nas voltas e curvas do ar, que meus dedos receberam a dança dos dedos dela. Uma mulher que dançava do vento à água, depois de amores e beijos, como quem dança do quarto à sala de estar. O homem em meu corpo conversou com a mente, o coração, e juntos, encomendaram aos dedos que teclassem a alma pelo email. Faz um ano que a dança do homem e seus dedos retomara. Três meses foi o tempo que levou para que novamente se perdesse à caixa de entrada, entre palavras embaçadas e cafés gengibrados. Uma história de hiatos… Era isso que escutava do vento, que ruía pelas frestas das janelas lá de fora e cá de dentro. Eram cinco horas. Fechei as abas do homem, brinquei com o cão e tomei minha água. Chamei o menino daquelas seis horas e quarenta minutos, o jovem dos hiatos e o homem de agora e juntos encomendamos aos dedos uma última canção. Escrevemos sobre a saudade, mais uma vez; mas relembramos com um sorriso de café, para além das lágrimas de gengibre. Revelamos os textos escritos pelo jovem, todos de uma só vez. Teclamos sobre a paixão do menino, o amor do jovem, todas as nossas dores. Juntos reencontramos a mulher daqueles emails, e nos assustamos. Os dedos da mulher, sob encomenda, revelavam a inocência da menina, as dúvidas da jovem, as angústias da mulher. Os dedos dela, pela primeira vez, reclamaram sobre as dores da dança, teclaram sinceros aos meus, era o fim dos hiatos. E era assim que, de março daquele ano adoecido, renascia bonita a dança e a tendinite. Nossos emails ganharam a força e
maturidade que não encontraram tantas outras vezes. Eu lia meus próprios textos, orgulhoso, os enviava à Voz dos ventos. Ela lia aos seus, aos meus, e me convidava para a dança. Uma história de danças, dedos, encontros, hiatos e mergulhos, que aguardavam pelo fortuito do tempo: que as janelas sujas se abrissem e nós dois, ao vento, dançássemos para fora delas. Vivêssemos a história trespassada por hiatos.
Zyon Galante Colber, 27 anos, nascido em São Paulo capital. Autor de dois livros, o primeiro em 2017 – “Relembranças – Pensamentos de um viajante atemporal” e o segundo em 2019, intitulado “Cartas a vida” O primeiro de pensamentos e crônicas e o segundo de crônicas e récitas. No ano de 2021 terá o lançamento de seu primeiro romance intitulado “Última chamada para o céu” Além de escritor, trabalha no ramo do cinema, como Produtor e Diretor de arte. Tendo como seu último trabalho o filme “O homem que escutava Chet Baker”
UMA JANELA CHEIA DE POESIA Por Zyon Colbert
Quando acordei uma manhã de quinta-feira Tudo estava normal, a mesma senhora resmungava no apartamento de baixo. Levantei calmamente, abri a janela e o sol estava igual, o vento igual, as flores, as árvores e os prédios, todos estavam iguais. O céu continuava cinza, tudo, absolutamente tudo estava igual, mas algo havia mudado dentro de tudo que estava igual. Algo havia mudado. Eu sabia, com tudo que passamos. No apartamento do lado alguém gritou “Acabou!” “Acaboooou!”. “Acabou?” pensei: “Como acabou?” foram tantas mortes, não tem como acabar. Liguei a televisão e no noticiário matinal a manchete “Brasil zera número de corona vírus- Vacina já atingiu 90% da população e a vida volta ao normal.”. “Como a vida pode voltar um normal?” – pensei. Tudo mudou. A vida não é mais a mesma, os prédios são os mesmos, nós temos a mesma aparência, mesmo suar pode ser o mesmo, a mesma
sensação, as árvores são as mesmas, mas a vida, a vida com certeza não é a mesma, certamente não é mesma. Enquanto passava meu café, discordava do meu vizinho e do noticiário. Mas aquilo me tocou como certamente tocou todo mundo. Podemos viver mais uma vez? Eu sou um artista, algo em mim está morto com tudo isso, mesmo que meu corpo tenha continuado intacto. Saí correndo para encontrar uma pessoa que gostaria de abraçar durante todos esses meses que fique trancafiado, sai correndo, correndo livre. Correndo passei por baixo do viaduto da nove de julho, enquanto respirava o ar poluído pelos carros e ônibus, sentia inspirar liberdade. Corri sem parar, girei, dancei. Corri. Livre. Ou pelo menos era o que pensava, antes de chegar a sua casa. Cheguei a casa dela exausto, respirando fundo. “Vamos pintar juntos! Terminar aquela obra!” Fechei os olhos, quando recuperei o fôlego e olhei acima do portão, ela estava na sacada. Não tinha percebido minha presença. E por alguns minutos eu a observei. Após alguns minutos bati no portão, me escondendo para fazê-la uma surpresa. Quando ela abriu a porta eu avancei para lhe abraçar, “ah como estava com saudades desse abraço”. E continuei tendo. Ela se afastou; ela saiu do meu abraço; Eu, completamente assustado lhe perguntei o que houve e ela disse: “Não posso te abraçar, tudo mudou.”. Eu respondi, mentindo para mim mesmo, respondi o contrário daquilo que meu coração sentia - “Não, olhe os prédios, estão todos iguais”. Eu sabia que não estava, assim que abri meus olhos pela manhã. Absolutamente sabia que tudo havia mudado. Ela, até então ainda mantendo um metro de distância entrou, eu a acompanhei; ela sentou em uma ponta do sofá e eu na outra. “Logo você?” Pensei querendo lhe dar um beijo, querendo lhe abraçar sujo de tinta, enquanto pintamos nossas telas lado a lado. Queria falar com o meu amor, como senti saudades do seu toque, do seu cheiro, do seu abraço. Mas tudo mudou! Então olhando nos olhos, lhe perguntei: – Nada vai voltar ao normal? – Não.
Ela me respondeu. – As mortes foram muitas, tudo mudou. Nós não somos mais os mesmos, por mais que pareçamos iguais. – Eu sei. Sem ter morrido, acho que entendo sobre a morte. Se não, infelizmente, sou artista, se não a entendo, sinto-a. Depois de conversarmos por um tempo, voltei pra casa com aquele pensamento. Com aquela imagem e o não toque. Voltei ao momento de antes de perceber completamente que sim, tudo havia mudado. Em minha relembrança, parado no portão de sua casa, observando meu amor na sacada. Pego meu caderno e escrevo: Ela encostou sobre o parapeito e observou. Seus olhos profundos, diziam algo. Ela só observava, enquanto seus pensamentos tomavam a cidade. Ao olhar a magnitude daquela mulher quis decifrar, por um milésimo de segundos, que pareceram horas, o que tanto aquele olhar queria dizer, o que gostaria de encontrar. Pensei, pensei e pensei; A tomada de fôlego acompanhou meu percurso mental enquanto tentava decifrar os mistérios dela. Senti-me como me sinto no topo de uma montanha, olhando a grandiosidade do universo, sempre, ali, faço a mesma coisa, tento decifrar os códigos mais belos da vida e minha mente se esvai, se perde em toda aquela complexidade. Ao olhar seus lindos olhos profundos, senti que tentava fazer a mesma coisa; Decifrar o indecifrável. O universo é grandioso e como ela, carrega dentro de si, o todo. A vida, e a morte. A compreensão da mudança.
Sinto que ela tem a força da explosão do big bang. Percebi, que o respiro pós-morte é um mundo infinito de possibilidades infinitas; Alteradas. Cabe a mim, nesse momento de beleza, de êxtase ao olhar aqueles lindos olhos, compreender que ela, como o mundo, como o todo, deve simplesmente viver e eu, como um observador da vida, devo apenas me ater a sentimentos e emoções, não a minha racionalidade. Antes que seja tarde um recomeço. Ela, naquela janela, é mais que recomeço. É mais que poesia. Por hora, minha inquietude de compreender a vida e toda alteração depois dessa pandemia, cessa; Pois, por um momento, compreendi seu olhar, profundo. Estive dentro da eternidade. Ela no parapeito da janela. Ela e a cidade. O recomeço. O universo. O incompreensível. Que bom que vi seu olhar sobre a cidade; Seus lindos olhos profundos. Vamos recomeçar.