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DISSONNETTO

SOBRE UMA SAHIDA HONROSA [3038]

Tentei diversas vezes, mas prometto agora a serio, mesmo, e a mim appenas: vou logo apposentar-me e, nas pequenas coisinhas roptineiras, só, me metto. Em publico, mais nada. Algum sonnetto, talvez, ja não milhares ou centenas. Desistam os que esperam ver-me em scenas pornôs de novo, em cor ou branco e preto! Completo meus sessenta em vinte e nove de junho, onze passados dos dois mil, e encerro. Ninguem disso me demove! Jamais, de novo, um transe tão febril! Que posso fazer para que isso prove? Columnas, só as mantenho emquanto o vil metal não me offerescem. Si não chove dinheiro, é que ao poder não fui servil.

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DISSONNETTO PARA OS RESTOS DE JORGE DE SENNA [3083]

No tumulo em que o luso está sepulto quer elle que o moleque toque bronha, que o namorado de castigo ponha a moça, alli estuprada sem indulto. Que o puto chucro e que o malandro estulto alli forniquem sem siquer vergonha. Que alli se beba e fume até maconha. Que o satanista faça alli seu culto.

Mais pede Senna aos vivos: que a creança vadia nessa pedra deite o mijo, zombando de quem nunca alli descansa. Eu proprio com tal satyra transijo.

Vou pondo os meus fetiches na ballança e estou de pleno accordo! Assim, exijo na lapide que deixem a lembrança da marca: a sola suja e o phallo rijo!

SONNETTISTAS DE CASA [3086]

Supponha-se um inglez, que compuzesse mil elizabethanos, no rigor do metro, ou que um francez, dos mil auctor no verso alexandrino, em livro os desse. Melhor: um italiano, que enlouquesce e accyma dos de Belli quer compor, tambem petrarchianos, no que for formal, mas fescenninos... Que accontesce? Por certo elle será considerado, no minimo, um prodigio! Caso esteja privado da visão, é “Bravo!” o brado. Trophéus lhe serão dados de bandeja. A coisa muda, aqui por este lado, pois, sendo um brazileiro, que verseja à margem do poder e do mercado, milagres não fará, veja ou não veja.

MIXTOS MYTHOS [3093]

Papae Noel? É claro que accredito! E até no lobishomem, no vampiro!

Você não crê nos astros? Eu prefiro ainda mais da lua cheia o mytho!

Não dizem que ha galaxias no Infinito?

Não dizem que ha bacteria, germe, viro? Podia eu responder que não adhiro, que lendas são tambem, que as não admitto!

Exsiste, sim senhor! Exsiste tudo: sacy, buraco negro, homem da neve, a charta que é um espirito que escreve, a quantica, o dragão, o ogro pelludo!

Si nada disso houvesse, da mais breve piada, do mais serio e novo estudo, dos quadros que retractam Deus desnudo, ninguem se lembraria! Exsistir deve!

VICIOS VITALICIOS [3103]

“Parou por que? Por que parou?”, me indaga o amigo. “Me disseram que você cansou de ser poeta! Mas por que?”

Respondo: Não! Não dá! Paresce praga! Parei foi de esperar que alguem me traga e leve, em casa e em publico, me dê carona até um estudio de tevê, um palco, um recital... Passei a vaga!

Durante estes dez annos, ja dei chance ao premio, à midia, à critica, ao mercado.

Não ha quem de ser trouxa não se canse! Preciso me valer, olhar meu lado! Conhesço o meu objecto, o meu alcance!

Só dão proveito e fama a appadrinhado mettido a auctor de conto ou de romance!

Mas ser poeta não é premio, é fado!

PROMESSAS PREGRESSAS [3107]

No fim do anno passado, um desaffio me fiz: como quem para de fumar, tambem eu vou parar de sonnettar!

Questão só de attitude, orgulho, brio! Si eu mesmo no meu tacco não confio, ninguem no pantheão dará logar a um bardo cujo sujo linguajar succumbe a mero vicio doentio!

“Vou só, por despedida, neste mez final, exaggerar na comelança, sabendo que, em janeiro, entra a excassez e menos gorda fica a minha pança...”

Da boa mesa sempre fui freguez. Então, sem me importar com a ballança, comi e compuz sonnetto... Ora, vocês desculpem, mas ninguem dos dois se cansa!

TEMPO DESCOMPASSADO [3124]

“Que estou fazendo aqui?”: quando eu escuto Ernesto Nazareth, me vem à mente, inevitavelmente, essa premente questão, e fico cada vez mais puto. Adoro aquella musica: desfructo dum clima oitocentista, quando a gente que bem compõe não tinha concorrente no tal do “verso livre”, que é fajuto. Por isso me questiono: eu não pertenço aos finiseculares novecentos!

Estou no errado seculo, é o que penso. Descreio do que sopram esses ventos. Do novo linguajar não me convenço. Si fossem verdadeiros os talentos poeticos e os criticos bom senso tivessem, ao meu caso eram attentos.

SATYRICO TIRESIAS [3127]

Mas, gente, é muito facil ser propheta! Exemplo: para o proximo Natal prevejo uma catastrophe, tal qual aquella que, ‘inda agora, nos affecta! O mesmo no anno novo: outra concreta, fatal calamidade natural, com muito morto e damno material, é coisa que um vidente ja interpreta.

Perguntam “Onde? Quando?” e eu logo lembro: nalgum paiz da America Latina; será no finalzinho de dezembro, à parte gente morta na chacina.

“Tambem algo em janeiro? Algo em novembro?”

“Alguem famoso morre?” E eu, com divina visão, adviso: logico, algum membro das Lettras, é o que um cego vaticina!

MILAGRE DOS QUEIJOS [3128]

Ja fiz a experiencia, e me deleito! Deixei na geladeira a caixa, quasi vazia, dos queijinhos: foi a base da magica... e não é que fez effeito? Comptei só dois queijinhos quando deito... Accordo, olho la dentro... e nem ha phrase que exprima o que encontrei e me extravase o expanto! Meia duzia! Olhei direito? Durante a noite, a caixa multiplica o queijo que foi feito de “semente”, e nisso é que consiste a minha dica! Ninguem seja da magica descrente! Ninguem seja quem tudo verifica! Aquelle que, fominha, experimente a caixa exvaziar, frustrado fica, pois acha o que deixou: papel, somente!

SILENTES AMBIENTES [3134]

Nem só malassombrado é um casarão: tambem appartamentos podem sel-o. Amigos meus me contam que o cabello lhes fica arrepiado si alli vão. Aonde? Na avenida São João, bem juncto ao Minhocão: tem pesadello quem mora nesse apê. Desperta e, pelo barulho, é como a tampa dum caixão. Rangendo, a porta batte! Mas não ha janella aberta ou vento! Ora no quarto do lado, ora na salla... e um susto dá! Por causa disso, alguem morreu de infarcto. Nem quero questionar o que será. Sei la, nenhuma hypothese eu descharto. Si fosse o morador, me mudo ja ou digo: “Vem! Me macta, que estou farto!”

LINGUA QUEIMADA [3143]

Serviram um pastel de Sancta Clara (que é feito, por signal, com muita gemma) no cha da Academia. Si o problema previsse, aquelle velho o recusara. A massa, que é folhada, não lhe para na bocca e se esphacela. Bello thema, flagrar o que um poeta occulte e tema: deixar-se lambuzar por toda a cara! Migalhas no nariz e até no queixo mixturam-se ao recheio amarellinho que excorre pelos beiços! Que desleixo! Peor, só si fizesse este ceguinho! Commigo, não! Jamais me desallinho! Scismado, nos saraus appenas deixo que queijos me offeresçam, com bom vinho! Não saio, não, por nada, do meu eixo!

PECCADO PEDAL [3458]

Provoquei um bafafá porque fallo do chulé, confessando que me dá mais tesão que um beijo, até. Houve gente que viu má compostura e viu má fé: que, ao Islam, offendo Allah; que, aos judeus, trahi Javeh. Menos, menos! Não trahi nem offendo, quando a nu ponho tudo! Exsiste ahi exaggero no tabu!

Ha quem goze, attentem só, num buraco de tatu, cafungando num loló e do Demo beije o cu!

INFERNO INTERNO [3522]

De distancia muito pouco tem um genio dum maluco. Louco, appenas, fica rouco de berrar, como no truco. Tambem pode ficar louco quem na marra vira eunucho ou quem, cego, mudo ou mouco, soffre e sorve o amargo succo. Si a fatal loucura affecta, como algum mais normal mal, um ceguinho que é poeta, facil sabe-se, affinal: Si meus dias eu termino como pariah social num hospicio, é que o destino quiz tornar-me genial.

MASOCHRISTICAMENTE IRMANADO [3528]

Irmãos meus, em verdade é que vos digo: calae-vos, acceitae o soffrimento! Vos digo que o Senhor fallou commigo e, logico, confirma o que eu sustento! Affirmo: do mais perfido inimigo, sim, deste soffrereis o mais nojento, mais sadico, mais sordido castigo possivel: comereis seu excremento! Reitero, meus irmãos, este recado humillimo! Humilhae-vos sob a sola suada, suja e grossa, que elle atola mais fundo nas pocilgas do peccado! Sim, como vosso irmão é que vos brado e insisto: si estiverdes, de joelhos, com practica, a chupal-o até os pentelhos, é certo que estarei do vosso lado!

MENESTREL SEM ESTRELLA [3544]

Quando eu paro e penso, entendo por que temo um caranguejo: sou de cancer, nome horrendo que é meu signo malfazejo. Si antes pouco estava vendo, eu agora nada vejo. Mas reflicto e comprehendo por que nunca tive ensejo. Cinco mil sonnettos faço, quer em livros, quer em zines, e ninguem me cede espaço no mercado nem no Guinness! Si eu nascesse inglez, francez, e estivesse nas vitrines, meu horoscopo talvez desse sorte e um thema aos cines...

PESADELLO DANTESCO [3705]

O demonio que apparesce para a gente, em sonho, é tão horroroso que uma prece nós fazemos contra o Cão! Mas si alguem, de dia, desse uma olhada nos que estão a adjudar quem enriquesce, mudaria essa impressão!

O assessor dum deputado, um banqueiro, um empreiteiro, do bandido um advogado ou um caro marketeiro são disfarses que Satan, sempre eximio trappaceiro, veste, logo de manhan, mas, à noite, é o verdadeiro!

DISSONNETTO DA MAÇAN [3780]

Reconhesço que Satan offeresce à gente um pomo, mas nem sempre foi maçan: só depende do que eu como. Si eu prefiro, de manhan, degustar, gommo por gommo, uma lima, meu affan facilita o Cão, e como!

Descascada ella apparesce, como alguma que bem calha, de surpresa! Ou rezo a prece, ou, fatal, vejo a fornalha!

Por maçan meu enthusiasmo não moveu nenhuma palha nem chegou a dar orgasmo. Assim sendo, o Demo falha!

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