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A PORTA VINGATIVA [4670]

Sahiu, batteu a porta. Entrou, tambem. Ignora o sonnettão parnasiano que falla em maldicção. Mas qualquer damno aos outros elle tracta com desdem e batte a porta. Batte, firme, nem que seja às dez da noite ou, salvo enganno, até de madrugada. O tal do “urbano silencio”, diz, é “coisa de gay zen”. Echoa em todo o predio o barulhão. Coitada da avozinha, da tithia!

Até que, certa tarde, a ventania empurra a porta e prende, delle, a mão. Os dedos, no battente, quebram. Mia o gatto ou foi seu grito? Os outros dão risada. O zelador, um cidadão pacato, elle tambem se delicia.

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SUPERSTIÇÃO SUBESTIMADA [4734]

“Sou foda! Sou marrento! Sou marrudo! Si alguem me questionar, nem me molesto! Só pedra eu não attiro em cego! O resto eu faço e me lixando estou p’ra tudo!” Assim disse um malandro. Não me illudo: um gajo desses pensa até no incesto! Jogava, com certeza (eu proprio attesto) pedrada num ceguinho carrancudo. Achava-se que pedra, si attirada num cego, attrahiria a maldicção, pois bruxos de nós muitos sempre são, mas hoje não influe a praga em nada. Ao menos é o que pensa o marmanjão que adora appedrejar-me e dá risada si accerta a ponctaria: aguento cada cascalho! E o cara a rir, como dum cão!

CIRURGIA ESPIRITUAL [4781]

Perdeu-se na memoria em que anno aquillo commigo accontesceu: operação espirita, em que o medium tem a mão guiada por um medico, a assistil-o. Deitei-me num divan e, sem vacillo, o medium, meio medico, razão mostrou ter ao dizer-me, de antemão, meu quadro exacto: “viu-me”, a seu estylo. Mexeu, sem verter sangue, bem no centro dum olho condemnado à atroz cegueira. Senti que me cortava, la por dentro. Achei que isso não fosse brincadeira. Mais fundo nessa mystica não entro. Visão, eu não ganhei, mas não me cheira fajuto aquillo: ainda me concentro no assumpto, nem da morte estando à beira.

SIGNA DIONYSIACA [4906]

“Poeta não se inspira! Elle transspira!” A phrase não é nova: ja foi dicta de muitos modos. Numeros, os cita quem falla em porcentagens para a lyra. Noventa, ou mais, por cento: ha quem confira assim o grau de exforço. Em dez limita o grau de “inspiração”. Portanto, evita suppor que baixe um demo em quem delira. Eu fico dividido na questão, que deve ser polemica divina. Me sinto um apollineo porque opina meu lado racional, mas não sou tão. Nem sempre o raciocinio predomina, porem: quando o commando é do tesão, à sanha subordina-se a razão e a signa subordina a disciplina.

NINGUEM ZOMBE DA HECATOMBE [4910]

Segundo o kalendario maya, o mundo accaba no anno proximo! Seria aquella a americana prophecia, egual ao texto biblico iracundo? Não para por ahi, porque, segundo o livro desse povo, o Alem envia catastrophes de quando em quando e, um dia, a historia recomeça... É astral, no fundo!

Não um Apocalypse, mas a fonte de cyclicas catastrophes! Será que alguma salvação ja não nos ha e a Terra tem tão pessimo horizonte? Mas, seja como for, o que virá surpresa não nos causa, caso compte a gente com a porra desse monte de merda accumulada que aqui está!

THEORIAS ATTRAZADAS [4911]

Segundo o “Popol Vuh”, livro sagrado dos mayas, nosso mundo não termina appenas uma vez: sua ruina repete-se aos millennios, feito um fado. Tentando interpretar esse legado, alguns estudiosos da divina e kosmica mensagem, que os fascina, se fazem portadores do recado.

Querendo ou não querendo, um dia accaba o mundo, a humanidade, a natureza, a fauna, a flora, a janta alli na mesa, emfim, tudo que morre ou que desaba.

Nenhuma creatura excappa illesa dos cyclos. Si voltarmos para a taba, de gosto Satanaz é quem se baba e alguem, na NASA, exquesce a luz accesa.

IRRESISTIVEL RESISTENCIA [4994]

Paresce recorrente esta questão: Resiste a poesia? Resistente seria a tudo e todos? Ou somente alguns poetas podem ser, ou são? Respondo por um cego que a visão perdeu e revoltou-se: o bardo sente a dor mais dolorosa, o sol mais quente, o amor mais amoroso e o chão mais chão.

Si amar é resistir, resiste a lyra. Si odeio quem me opprime, ella resiste.

Si anxeio ver, resiste quem delira. Quem versos faz nas trevas não desiste.

Real é, mesmo sendo de mentira.

Em summa, resistente por ser triste, ou mesmo quando alegre, o bardo tira de lettra a dor, da lagryma faz chiste.

JOGANDO O JOGO DO JUGO [4999]

Bem antes que o glaucoma cause estrago total e que meu olho deixe cego, com outras morbidezas eu me pego ja desde cedo e dellas trauma trago. Myopia, astigmatismo... Quando cago, o exforço até me engasga! Tusso, offego, e às vezes nada faço! Não sossego à noite e, pela casa, insomne, eu vago. Disseram-me: ser cego é meu castigo. É these dos espiritas, que eu logo abbraço, masochista, ca commigo e, como menestrel, tambem advogo. Missão toda cegueira traz comsigo. Si a regra desse jogo é dura, eu jogo com ella. Pago o preço, mas me obrigo a solas lamber: gozo, emquanto rogo.

PAUSA PARA UM PIGARRO [5000]

Sonnettos, sonnettilhos... Sonnettando, completo eu, neste outubro, outro milhar. Estou, nesse terreno, a palmilhar por annos, uma decada... Até quando? Mostrei, me repeti, sob o commando de sadicos demonios, que logar meresce quem allega se humilhar a todos que, enxergando, o estão zoando. Agora, a gravar varios me disponho num microapparelhinho digital, em cujo manuseio sou bisonho, mas compto com adjuda fraternal. Ja menos, neste instante, estou tristonho. Quem sabe, assim, um poncto (não final, mas pausa dando) eu ponha nesse sonho insano, nessa lyrica infernal.

PASSIVO E REFLEXIVO [5008]

Momentos ha na vida em que confesso bastar-me, não por causa duma excolha, pois vejo-me tal como a secca folha, cahida, e ja do galho me despeço. Mas faço, solitario, algum progresso naquillo que me basta, caso encolha a perna e do pé passe a mão na bolha formada no trajecto que attravesso.

À guisa de punheta, pelo meio dos dedos me tacteio, de “molambo qualquer” me chamo, e até de nome feio. Às vezes, me enthusiasmo, fico bambo e quasi caio, nesse meu recreio.

A musica conforme, eu valso ou sambo: meu proprio pé, cansado, massageio e minha propria bota, afflicto, lambo.

CRENÇA SUSPENSA [5024]

Na roça, um céu de estrellas é bonito. Novella sem estrellas não tem graça.

Bilac, ouvindo estrellas, tempo passa.

Rennó lê nas estrellas algo escripto.

David, pelas estrellas, foi bemdicto.

De esquerda, enchem estrellas uma praça.

Natal exige estrellas: que Elle nasça!

Maldicto, em más estrellas accredito.

Estou cego, não posso mais revel-as, mas lembro-me das ultimas que vi: brilhavam, scintillantes, taes estrellas e tinham brilho proprio, de per si.

As minhas, foi Satan quem, rindo, fel-as. Chamadas de “escotomas”, bem aqui, no fundo do meu olho, as vi: foi, pelas fugazes, breves luzes, que em Deus cri.

OLHO CLINICO (1) [5026]

Pergunta-me um blogueiro como alguem se sente um escriptor, si exsiste um jeito seguro de saber. Eu não receito a formula, pois acho que não tem. Costumo comparar, e ao caso vem, as lettras à doença, o livro ao leito, pois, creio, cada caso é um caso: eu deito com febre; um outro deita mesmo sem.

Não é como o mechanico, o engenheiro, que segue de instrucções um manual e faz como os demais, desde o primeiro, sem ser um paciente terminal. Sem medico, sem mesmo um enfermeiro, o facto é que não temos hospital poetico... Qual critico é certeiro? Nos automediquemos, pois, do mal!

TECLADO SOBRECARREGADO [5054]

Qualquer computador, horas a fio usado, cansa e estressa um usuario. Na machina fallante, é necessario mais tempo ainda e muito sangue frio. Eu gasto, no meu, tempo demais! Chio, praguejo: não ha nada que compare o trabalho na cegueira ao mais primario serviço! Mais eu faço, mais addio!

Por isso, até me offendo quando alguem, querendo publicar o seu canhenho, me envia a porra toda. Acha que tenho disponibilidade? Ninguem tem!

Mal leio minhas coisas, si me empenho ao maximo! Então, como alguem me vem com textos kilometricos? Eu, hem? Nem mesmo opino sobre alheio engenho!

FADO REALIMENTADO [5062]

Eu gosto quando alguem bom (como o Solha) de prosa e verso é franco ao commentar meu livro, emphatizando o duplo azar dum cego sem orgulho nem excolha. Eu quero (sem nenhum pudor que tolha seus termos) que o leitor perca o pesar, que perca seu escrupulo ao fallar do assumpto, não se cale nem se encolha. Preciso saber disso, necessito saber que quem enxerga normalmente se sente livre, emquanto eu vivo afflicto, temendo o que me venha pela frente. Por isso cito o Solha, alguns eu cito. Desejo, emfim, saber que alguem se sente feliz por não ser cego e ri do grito que eu solto, caso os olhos me appigmente.

RIJO DE MIJO [5064]

Chamar de “picca” ou “pau” me dá vergonha! Melhor chamar o penis de “menino”.

Assim, ja me accostumo e me previno: “brincar com o menino” é batter bronha. Si acaso eu a brincar não me disponha, assanha-se o menino, que é ladino e fica a dar pullinhos quando urino, não volta para dentro. E o que elle sonha?

Não sonha, só: delira! Quer brincar de heroe, de superhomem, de galan, de athleta, de rockeiro e superstar! Quer tudo ser, tomado dum affan de satyro, de macho cavallar!

Às vezes, só se alegra si é Satan ou Sade, si de alguem quizer gozar...

Mas dóe-me, ao levantar, pela manhan!

SONNETTAR E COÇAR, EIS A QUESTÃO [5077]

De amigos escutei que alguem commenta a minha posição na poesia, dizendo que à exhaustão eu ja teria levado o sonnettismo. Gente attenta! Procede essa attenção, mas, aos sessenta, ainda não parei. Que eu gostaria de ter levado, é claro! Quero, um dia, dizer que o fiz, que nada se accrescenta. Depois de alguns milhares, dez ou vinte, talvez à conclusão chegar eu possa de, emfim, tel-o exgottado, e com requincte, com meu estylo, minha propria bossa. Evito commetter algum accincte. Não creio que, comtudo, nesta grossa e vasta producção, tal chance pincte. Emquanto eu não morrer, mais um me coça.

EXAME DE CONSCIENCIA [5280]

Pae nosso, que no Inferno estaes, que nome vos posso dar? De sancto, não, é claro! Não venha o vosso reino a nós, meu caro Papae, si infernal fogo vos consome! Vontade, caso seja a vossa fome de sadicas vinganças, eu declaro que tenho medo della! Não é raro topal-a pela frente! E o bicho come!

Aqui na terra, a gente pede pão e leva pau no rabo! Eu devo o cu e os olhos, propriamente, em termo cru, mas, quando vos imploro, choro em vão!

Cahir em temptação virou tabu!

Peccar não tem siquer a redempção!

Que faço, então? Vos peço algum perdão?

Ou mando-vos dar rabo a Belzebuth?

DESLUMBRAMENTO DE MOMENTO [5281]

Milagres, ja vi muitos, de pequeno alcance, porem. Vi que uma ferida sangrenta cicatriza. Vi que a vida vegeta até num arido terreno. Vi coisas expantosas, e condemno quem acha que não chocam: a subida do leite na fervura, a suicida disputa entre barattas por veneno. Mas nunca vi milagre no glaucoma, que cega lentamente, e ja descharto tambem o accidental e agudo infarcto, que macta mesmo aquelle que bem coma. Nenhum milagre exsiste quando um parto normal resulta em obito e se somma à morte de animaes num ex-bioma. Milagres não exsistem! Estou farto!

ESTRESSE QUE CRESCE [5285]

Estou quasi dormindo, aqui sentado em frente do teclado. Dez por dia, no minimo, eu digito. Quem diria?

Assim, logo dou compta do recado! Que compta? Que recado? Sonnettado eu tenho febrilmente. Essa mania terá que terminar! Só me entedia, com somno, sonnettar... Ah, si me enfado!

Aonde irei parar? Aos seis, aos septe milhares? É demais! Não, não pretendo!

A gente se repete e se remette a assumptos que ja vivem recorrendo!

Sonnetto não é vinho nem chiclette!

Mas, quando uns tantos delles vou relendo, percebo que variam, sem que affecte, em nada, a compulsão da qual dependo.

O TEOR DO TERROR [5296]

Fallando de temores, eu receio aquillo que outros temem mas ninguem admitte: assombrações que, desde o Alem, nos venham demonstrar que o inferno é feio. De bem intencionados está cheio o inferno, diz o dicto. Mas, si vem puxar o nosso pé de noite alguem, na certa boa acção fazer não veiu. Não venham me dizer que, de vocês, nenhum seu pé puxado teve um dia, ou uma noite, ao menos uma vez, ao menos em secreta phantasia!

À parte esses devotos do Marquez, caveiras, eskeletos, nem seria preciso termos visto, mas quem fez pesada digestão ja se arrepia!

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