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DISSONNETTO DA RECORRENCIA RECORDISTA [1703]

Delphino, de mim antes, ultrapassa, em sonnettos, a casa do milhar.

Tambem elle passou pelo que passa alguem depois de tanto sonnettar. Repete-se no thema, a rhyma excassa evita e se vicia na vulgar; chavões accaba usando, ‘inda que faça questão de que o rigor deve imperar.

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Sim, temos copioso poemario!

Milhares de sonnettos dão idéa dum kosmo percorrido em odysséa, si a um vasto repertorio alguem compare-o.

Seria nosso thema assim tão vario?

Mas mesmo a variedade só varia naquillo que, na practica, seria appenas o detalhe secundario.

DISSONNETTO PARA UM QUASI ACADEMICO FALLESCIDO [1764]

Morreu o jornalista que, insistente, queria tanto entrar na Academia. Passou a vida inteira a toda gente dizendo que só isso pretendia. A cada vaga aberta, elle, contente por ver alguem morrendo, repetia na casa uma inscripção, mas delle à frente na fila estava alguem que se premia. Politicos, artistas, cineastas, astrologos e suas amizades, alguem sempre o pretere nessas gastas espheras da feirinha de vaidades. Até que chega o dia em que elle vae... é para o Cemeterio das Saudades, na tumba mais commum! E appenas sae na imprensa uma notinha dos confrades...

DISSONNETTO PARA OS MONSTROS MARINHOS [1857]

Questionam os philosophos da vida no espaço ou nas espheras de outro plano, mas sabio ‘inda nenhum poz na ferida o dedo quanto à vida no oceano. Refiro-me ao mais fundo, que convida a gente a meditar sobre o mundano adspecto dos viventes... Só quem lida com loucos pesadellos saca o insano. São monstros de assustar qualquer humano (e mesmo o mais heroico se intimida) aquelles que, la embaixo, nenhum damno nos causam... Mas o cego aqui duvida. E si os polvos gigantes, por enganno, a um desses maremotos em seguida, veem para a superficie? Quem tutano terá para detel-os na subida?

DISSONNETTO DA MORTE DE DELPHINO [1910]

Fallei ja muito delle, mas ainda ninguem o analysou pelo fetiche dos pés, que se affigura a mais bemvinda faceta, da qual faço meu pastiche. Tem lista de sonnettos elle, infinda, provando que, por mais que alguem nos piche, nós somos, os podolatras, berlinda de quem para o futuro um olho espiche. Seremos, eu com elle, rotulados de symbolo do amor que, nestes lados, se chama “compulsão”, ou mal que o valha. Quem é que sua lenda não trabalha? Supplanto, em quantidade, seus sonnettos, mas não supplantarei seus predilectos accentos pelo sapphico, sem falha. Falhei foi numa rhyma que não calha...

DISSONNETTO PARA UM NEGRO E UM CEGO [2039]

“As quotas para negros são, no ensigno e mesmo no mercado de trabalho, urgente providencia, em que um menino creado na favella encontra attalho! Si sou o presidente, determino medida immediata nesse falho systema e implanto as quotas! Um destino mais justo eu, que sou afro, agguardo e valho! Portanto, companheiro, não acceito que como opportunista alguem me veja, que alguem lettrado contra o nosso pleito deponha, e que a favor você não seja!”

-- Embora seja branco, eu lhe seria, sem duvida, a favor nisso que almeja, mas só si quota houver na Academia de Lettras para um cego que verseja!

DISSONNETTO PARA UM CORTADO QUE CORTOU [2043]

Amigo, era você quem mais podia appresentar meu livro, pois entende do assumpto e viu que minha poesia é boa e, si editada, até que vende. Por isso lhe pedi que recommende a obra: si um poeta me elogia, a critica academica ja tende a achar que minha escripta não é fria. Quem mais podia appoio dar-me? Quem? Mas, como ficou longo o seu prefacio, mandou meu editor que alguem passasse-o a limpo, até o tamanho que convem.

“Ah é, me’rmão? Que cara de pau, hem? Pois bem! Então nenhum auctor me venha pedir, que, alem de orelha e de resenha, não faço mais prefacio p’ra ninguem!”

DISSONNETTO PARA UMA MENSAGEM DE APPOIO [2045]

Escrevo, caro Glauco, para appenas lhe dar os parabens, pois ninguem tem coragem de se expor ante as hyenas do jeito que você se faz refem. Os outros se repetem nas amenas bobagens, mas seus versos mostram, sem o minimo pudor, aquellas scenas que nunca contariamos a alguem.

Você tem valentia, a gente nota. Vazar tudo em sonnetto o valoriza ainda mais, no olhar de quem lhe pisa no callo da cegueira e faz chacota.

“Bacchana a fé, me’rmão, que você bota! Muitissimo obrigado pela força, mas, mesmo que um amigo por mim torça, mais pode quem me poda e me boycotta...”

DISSONNETTO PARA UMA VELHA PERGUNTA [2046]

Accerca do motivo por que escrevo perguntam-me outra vez... Respondo ja: si espero, na cegueira, ser longevo, para mactar o tempo não será. Ganhar dinheiro? Fama? Não me attrevo a dar dessas respostas. Quem as dá até pode ser franco, mas relevo seu nome só na lapide terá. Escrevo porque, cego, ja não leio. Escrevo porque entendo o que me soa. Si abuso, ao versejar, do nome feio, é para não fallar, na rua, à toa. Escrevo e não me drogo, nem me macto. Escrevo em primeirissima pessoa. Escrevo porque vivo, e fico grato ao verso, ja que a vida não é boa.

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