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CONFRATERNIZAÇÃO FAMILIAR [3887]
O antigo appartamento é um labyrintho. Ainda original é o mobiliario e, caso a um templo gothico eu compare-o, attesta seu estylo que não minto. Attraz da bibliotheca, outro recincto se occulta: é pela porta dum armario, secreta, que se chega ao sanctuario satanico. O ambiente é bem distincto. Paresce até que eu sempre estive la, assim como em Turim ou em Salem...
Alli se reencontram, no sabbath, da casa os moradores com alguem que chega e sae incognito: la está! No centro duma roda, elle está bem disposto: nem paresce que fez ja milhões de anniversarios... Eu tambem.
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PECCADO INFERNAL [3991]
O Diabo, quando espeta, no trazeiro, um peccador, do tridente é, bem na recta do cuzinho, aguda a dor! Mas a bicha, que incorrecta ser bem sabe, quando for para o inferno, tem por meta esse garfo empalador!
Tudo é muito relativo...
Cada qual por si decida!
Eu, portanto, não me privo de nenhum prazer na vida!
Si do Demo o peido fede mais que fossa na avenida, um masoca até lhe cede a bundinha dolorida...
FIM DO FESTIM [4000]
Não exsiste melhor data, si este outubro chega ao fim, do que aquella que arremacta meu festejo: o Halloween.
Ja nem fallo dessa chata molecada; fallo, sim, dos bruxões, da velha natta satanista, minha affim.
Harry Potter que se foda!
Sua auctora tambem va!
Eu commigo tenho toda a familia, no sabbath!
No fundão do meu armario
(Rosemary morou la) abrir novo itinerario uma falsa porta irá!
POESIA CONCRETA [4014]
Tem “visualidade” meu poema?
Tem “visibilidade” seu auctor?
Um delles a terá, seja qual for, comtanto que seu thema nada tema. Com olhos livres ver, eis o dilemma: eu posso, si quizer, ver qualquer cor num verbo e, nelle, um verso, ao me suppor poeta e ao me proporem um problema.
“Visivel”? “Visual”? Faz differença a alguem cuja visão não é concreta, si é nitida a palavra de quem pensa?
Hem? Como tal dilemma se interpreta? Eu vejo com poetica licença. Eu vejo cada lettra, a curva, a recta, na mente, ora minuscula, ora immensa. Ver tudo, sem ser visto, é ser poeta!
QUESTÃO CONTROVERSA [4023]
“Fulano é um polemista!” Quem commenta pretende elogial-o. A mim, comtudo, taes typos não convencem. Não me illudo: “polemica” é só prosa barulhenta. Prefiro crear algo que accrescenta mais numero e valor. Não fico mudo si sou desaffiado, mas me escudo no verso, que perdura e se sustenta. Palavra debattida é folha ao vento, que o tempo annulla e macta: só me attrevo a dal-a por escripto a alguem que enfrento e dar satisfacções a mais não devo. Si vae ou não virar um monumento, si está gravado em baixo, alto relevo, não sei, mas é na pedra que o momento do embatte se eterniza no que escrevo.
ARCHIVO VIVO [4031]
Fechada a decada, um cyclo encerro e expurgo livros, pois falta espaço. Mas, quando as ultimas pilhas faço, um anagramma me chama, ao berro: “Você me exquesce, mas eu não erro seu nome, Pedro José! Devasso fui como auctor deste grosso maço: José Sylveira da Pedra-Ferro!”
Lembrei-me, então, do meu velho nome de guerra em lettras, jamais usado, entre mil outros de falso fado, pois surge o Glauco e o ciphrado some. Talvez mais tarde esse occulto lado resurja e ao Glauco o logar lhe tome, até na mesa em que o bardo come, mas Pedra-Ferro, esse está archivado.
O PHANTASMA CAMARADA [4032]
Adviso eu a vocês! Si for preciso manter-me numa cama hospitalar, por muito ou pouco tempo, ou me operar, de appenas uma coisa eu os adviso: Não quero sentir dores! Desde o siso, que tive de extrahir, ao ocular martyrio do glaucoma, a supportar dor venho, vendo advesso o paraiso! Alguma analgesia a medicina precisa offerescer! Sobre meu hombro não joguem dor maior! Quero morphina! E então? Nenhum dos medicos opina? Não pode um velho cego ser excombro do orgasmo! Allivio exijo à aguda signa! Ou tantas dores algo as elimina, ou, morto, eu volto e juro que os assombro!
EPIGONOMASTICO [4036]
Brincando de anagramma, fiz um rol das possibilidades do meu nome civil, e este nenhuma lettra come:
Padre Sade Feijó Serra Virol. Tentei outros primeiro, mas, em prol do genero que os versos me consome, achei um virulento, que me tome por clerigo e, pois, sadico de excol.
Serei Glauco Mattoso sempre, é claro, mas, quando necessario for, terei um typico heteronymo, um mais raro, com cara de villão, fora da lei.
Em meio a tantos outros que eu encaro, talvez mais proprio seja o que encontrei, talvez mais legendario, até, do faro podolatra, cruel, masoca, gay.
PRETO NO BRANCO [4113]
Que eu tenha o sobrenome de Ferreira da Sylva, que é tambem do Virgulino, não causa expanto algum, sendo destino commum a muita gente brazileira. Mas, caso de outros dados alguem queira saber, e quando os factos examino, descubro que o bandido nordestino estava, num dos olhos, com cegueira. Glaucoma tambem teve Lampeão, molestia que, supponho, a ponctaria em nada lhe affectara no olho são nem sua vida activa affectaria. Bandidos, todos somos, todos são. Commigo algo em commum a mais teria aquelle cangaceiro: uma visão normal da crueldade, noite e dia.
CADASTRO NACIONAL DOS POETAS JUBILADOS [4115]
“Pessoas” somos, “physicas”, duzentos milhões! É só “juridica” uma empresa! Pessoa sou, e assim me sento à mesa, palestro e participo dos eventos! Mas fico puto quando alguns jumentos, na hora de pagar-me, manteem presa a grana! Uma pessoa está indefesa, pois, sem “nota fiscal”, perde os proventos! Peor é quando querem “quebrar galho” e pedem que um terceiro passe a nota!
Ahi que mais me offendo! Então não valho? Sou cego e apposentado! Minha quota exijo como gente! Meu trabalho é verso e não commercio de chochota! Não pago nem recebo si caralho eu chupo, nem si lambo um pé de bota!
CADA MACACO NO SEU TACCO [4116]
Tambem me deixa puto alguem que vem pedir que eu participe dum evento fallando de outro auctor, por mais attento que esteja eu aos que a ver commigo teem. Ja muito pelas lettras fará quem fallar sobre si mesmo! Eu me contento si posso interessar quando commento meus proprios versos e elles entreteem! Dos outros, pois, que falle um professor, um critico! O poeta, sendo cego, fará rir si fallar da sua dor! Me chamem para isso, e eu me encarrego de expor-me e à gargalhada alheia expor meu rosto: a ser palhaço não me nego, nem quando, no auditorio, um gozador gargalha si nas rhymas excorrego!
ORAÇÃO DO PAGÃO [4117]
Satan, que estaes no Inferno, seja o vosso prophano nome egual a zero e esteja bem longe o vosso reino desta egreja na qual rezo, desfeita, ja, em destroço! Pão fresco, todo dia, não vos posso pedir, que não me venha, de bandeja, aquelle que admassastes, nem cereja no bollo pedirei, Padrasto Nosso! Tambem não vou pedir que perdoeis as dividas que temos pactuado ha seculos, por meu antepassado, tamanha a temptação que offeresceis!
Só peço, ó Satanaz, estar zerado: livrar-me de cumprir as vossas leis; trocar, por meia duzia, seis seis seis; quitar, ficando cego, o meu peccado!
PEDROS NO CAMINHO [4135]
Sou Pedro, sim senhor, e si você tambem é Pedro e orgulho tem de si, será, como poeta, alguem que ri da propria sorte e em nada serio crê. Embora eu seja alguem que ja não vê, bastante coisa neste mundo vi. Que um Pedro foi apostolo ja li, alem de imperador... É o que se lê. Mas temos um xará, tambem pornô, tambem prophano arteiro do tabu, que, assim como Bocage, pau no cu metteu da sociedade, outro Rimbaud. Constancio é o sobrenome desse cru cantor, Pedro José, feito um avô dos Pedros actuaes, que fez cocô em publico e se expoz, posando nu.
A VINGANÇA DO ATTIRADOR [4144]
Qual logico e são cerebro duvida que esteja attormentado quem se macta? Si os outros victimaram-no, é batata que seja um revoltado o suicida. Comtudo, caso alguem que vae decida levar comsigo os outros, ja se tracta de surto, não appenas da insensata façanha de quem tira a propria vida. Algozes, tive muitos, por ser cego, podolatra, poeta, ou por ser gay.
De quem me boycottou odio carrego e desse vão rancor somente eu sei.
Porem ao desespero não me entrego, pois, quando me mactar, não mactarei ninguem: irei sozinho. Só lhes lego meus versos: isso os pune, é o que tramei.
REUNIÃO DA COMMISSÃO [4154]
Jurados, combinemos o seguinte: si o cego concorrer, não premial-o de jeito nenhum! Vamos embromal-o!
Depois o preterimos com accincte! Na lista finalista, que entre os vinte figure, permittamos... Mas no callo pisemos, p’ra que, quando dão gargalo os dez primeiros, elle ja não pincte!
Quem manda ser pornô, ser fetichista, fazer de diversões seu torpe parque?
Com duras consequencias, então, arque! Jamais elle entrará na nossa lista!
Ainda que recordes elle marque, neguemos chance ao cego sonnettista! Da nossa parte, nada elle conquista!
Só vale premiar Chico Buarque!
BONDE FOGOSO [4163]
Si, quando me queimei, ardeu-me o dedo, ja posso imaginar o que tu vaes sentir si eu te puzer fogo! Que mais deleita um bruxo sadico sem medo? Te admarro e liberdade não concedo, ainda que me implores! Infernaes e ardentes labaredas, que jamais sentiras, sentirás! E ainda é cedo!
Primeiro, deleitar-me aos poucos busco com essa scena quente que me inflamma e, emquanto a pelle allivio ja reclama, em ponctos isolados te chammusco!
Depois que me chupares (e quem mamma não chora), accenderei, num gesto brusco, o isqueiro que illumina o luscofusco, cantando “Sobe, chamma! Sobe, chamma!”
DO JEITO QUE O DIABO GOSTA [4406]
Um soropositivo está casado com soropositiva. Vão à festa os dois, onde não entra quem detesta a troca de casaes. Tudo é pensado. Rolleta russa fazem, pois o estado dos outros é normal. Quem pegar esta doença, vae passando e, assim, infesta, aos poucos, todo mundo, que nem gado. Os jovens do perigo teem noção diversa. Alguem mais velho não se arrisca, mettendo-se, qual bispo, com a bisca, deliberadamente agindo, não! As nymphas, com seus satyros, são isca e o proprio Dionysio amphitryão, mas goza, no final, somente o Cão, que vibra a lingua, emquanto um olho pisca.
TERRITORIO TRANSITORIO [4454]
Si longa for demais a minha estrada, talvez nem haja tempo de voltar. Si houver, voltar aonde? A qual logar pertenço? Algo acharei, voltando, ou nada? Na duvida, prosigo. Penso, a cada momento, si na vida vou deixar alguma coisa prompta e, quando o par de botas pendurar, si a coisa aggrada. A vida passa rapido! Me enganno achando que algum plano poderia bollar, pois muda tudo, ao fim dum anno, e exquesço de fazer o que fazia. Ephemero demais é o ser humano. Melhor, mesmo, é prever uma utopia mensal, ou semanal, cumprindo um plano a cada minutinho do meu dia.
VALLE DE LAGRYMAS [4465]
O dicto diz que, para morrer, basta estar vivo. Verdade. Mas tambem é facil de occorrer o azar, alem da morte... e, de desgraça, a lista é vasta. Queimar a mão é simples, mas contrasta curar a queimadura: a gente tem que olhar para a folhinha. Caso alguem o braço quebre, tempo maior gasta. É sempre assim: na hora da desgraça, as coisas accontescem num instante, um olho, que Satan pisca, perante. Na cura, não: o tempo nunca passa. Malefica, a tendencia triumphante caminha sempre à frente, feito caça que excappa ao caçador. Que ninguem faça idéa de que a guarda o anjo garante!
CHUTOMETRO ACADEMICO [4466]
Garrett teria dicto que claudica Bocage quanto à metrica e que rhyma, talvez, forçadamente. E quem se estima, pergunto, este ou Garrett? E quem mais fica? Do meu “pornosianismo” uma pudica mineira disse o mesmo e que obra-prima não faço como allego. E se approxima, indago, ella do Almeida, ao dar tal dica?
Mal sabe a professora que claudico só quando quero e forço a rhyma tanto ou menos que Bilac, um caso rico! Milagres não farei, pois não sou sancto! Só faço poesia, não critico! Que lesse meu tractado e, tendo expanto com minha perfeição, fechasse o bicco! Mas, ja que criticou, mais me allevanto!
PEDIDO REPETIDO [4469]
Tambem você me pede, amigo, que eu escreva de seu livro alguma nota, resenha, orelha... a lista não se exgotta! Prefacio, até postfacio, lhe occorreu! Desculpe si estou cego e si este breu me impede de attender, pois quem adopta a machina fallante tem a quota bem curta e largo tempo ja perdeu! Si até recuso a amigo mais chegado, não posso, assim, abrir um precedente, e creio que você me entende o lado! Lhe peço que insistir, então, nem tente! Espero que você tenha sacado. Desejo-lhe successo, amigo, e crente esteja de que, emquanto me degrado no breu, você, enxergando, está contente!
COLLEGAS ÀS CEGAS [4525]
Um gancho, um admarrilho, uma presilha; a mascara, a colleira, a algema, a venda. É logico suppor que nada entenda do emprego disso o publico “baunilha”. Dum sadico jamais se desvencilha quem entre nesse circulo e se prenda a tudo que machuque, aggrida, offenda os ethicos conceitos da familia.
A Dona, a Mestra, a Mistress, a Rainha; A “sub”, a gueixa, a escrava, a serva, a ancilla: nenhuma quer ter sorte egual à minha. Não! Sem ver nada, alguem se rejubila?
Alli, quem tem visão não se apporrinha. No clube, um cego serve e nem vacilla: emquanto um macho sadico o expezinha, Sansão se sente, aos pés duma Dalilah.
TOSSE SECCA [4551]
Padesce dessa tosse que não passa o cego, esse estressado! Elle que engrosse a voz esganniçada, se alvoroce tossindo e sossobrando na desgraça! Assim, passando susto, elle que faça exforços successivos quando a tosse subir, nos seus accessos, caso coce, em secco, a chorda sordida e devassa! Sim, desassossegado estou à bessa, sciente do que disso ouço, possesso: Que soffra! Que soccorro o cego peça ao sancto, si quizer, mas sem successo! Nos surtos dessa tosse que não cessa, não fosse essa fumaça que, confesso, só serve de consolo, a safra dessa soltura me assoprava pelo sesso!
PRIMEIRAS INTENÇÕES [4568]
Faz tempo eu num pezão a mão não passo! Eu ora me pergunto: Por acaso alguem de mim tem medo? Ora extravaso: Eu mordo? Acaso arranco algum pedaço? Às vezes penso: Às favas! Que devasso me julguem! Não darei mais nenhum azo, em casa, a visitantes si, por prazo que seja breve, os pés não lhes abbraço! Daqui por deante, a todo rapagão que venha entrevistar-me, pedir quero que acceite uma massagem no pezão e ser bom massagista lhe assevero! Serei despreparado na funcção? Até vou advisando: Mal, dum mero e simples therapeuta, a nua mão não faz! Ou não estou sendo sincero?