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DISSONNETTO DAS IMPRESSÕES DE VIAGEM [1240]
Voltou da Transylvania meu amigo contando maravilhas: que hospedado esteve num castello e, bem ao lado do quarto havia um typico jazigo! Procuro disfarsar, mas não consigo conter-me, e perguntei si elle accordado ficou durante a noite: para aggrado meu, elle viu o Dracula! “Oba!”, digo. “E então? Que accontesceu?” Elle me apponcta as marcas no pescoço e faz a figa.
Ahi fico ouriçado. “Não me diga que agora seu canino tem mais poncta!”
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Allego ser do typo que não liga pro sobrenatural, mas será tonta a bruxa que endossar, pois me admedronta que olhar-me num espelho eu não consiga.
DISSONNETTO DO AVARENTO CASTIGADO [1244]
Gravura bem extranha foi aquella que lembro de ter visto num volume de textos sacros: pune-se o costume avaro do usurario na goela! Explico: ja no Inferno, dentro della um Demo bem caprino caga o estrume em forma de azeitona, e o réu que arrhume logar no bucho! A scena expanta e appella! Deitado, elle abre a bocca. O bode humano se aggacha a certa altura e lhe defeca, pingando, as gottas pretas de seu cano! No nitido desenho, nem cueca usava o condemnado, e um ar prophano de riso obstenta o bode a quem depreca! Eguaes scenas em verso sempre explano, sabendo haver leitor que se melleca.
DISSONNETTO DO RABO PRESO [1276]
Conversa grampeada, ao cellular do nobre deputado, mostra o quanto depende elle da acção dum pae-de-sancto, a cuja protecção quer appellar: “Querido, você tem que me adjudar!
Preciso dessa grana, cara!” E tanto insiste, que responde {Eu lhe garanto!} o bruxo do Congresso, ao desligar.
Consegue o que queria o deputado: caixinha gorda está, ja, recebida.
Embolsa a commissão, mas, em seguida, sentindo dor no cu, será internado. De cancer morrerá! Mais succedida foi minha maldicção! Ladrões, cuidado!
Dum cego tal rancor dá resultado!
Ganhar dinheiro sujo custa a vida!
DISSONNETTO DA CREATURA NOCTURNA [1279]
Agora que, debaixo da coberta, me encolho, volta o medo: sempre tive vontade de saber quem é que vive debaixo desta cama, occulto e allerta! Estando a luz accesa, ou si está aberta qualquer janella, o monstro que se exquive da forte claridade que, inclusive, cedinho dos maus sonhos me desperta! Mas quando a escuridão envolve tudo, lhe escuto os movimentos e o grunhido, presinto o corpo esqualido e pelludo! Orar a alguem do Alem então decido. Chamando um bom espirito, me escudo. Os dentes, a ranger, ja tendo ouvido, nem quero seu formato ponctiagudo sentir, para attestar que não duvido!
DISSONNETTO DO CHA SEM CEREMONIA [1299]
Em video registraram a lambança que fez um “immortal” da Academia na hora do chazinho: elle comia enchendo mais os dedos do que a pança! Brioches, brevidades... Não se cansa emquanto sua gula não sacia, farellos derramando da macia fatia que nos labios lhe ballança! Gagás, outros auctores tambem comem aos trancos e barrancos, num assommo, babando e lambuzando os beiços, como aquelle porcalhão, de lettras homem! Trajados de fardão, nem o rei Momo lhes rouba o carnaval! Como consomem! Que gula! Que banquete! Elles que tomem seu cha com bollo! O amargo pomo eu como!
DISSONNETTO DA CRISE DE VALORES [1301]
Quem vê que, mais e mais, se promiscue bandido com politico, dirá que tudo está perdido e que, assim, dá vergonha ser honesto, como Ruy. Ha crise de valores? Tambem fui temptado a concluir que, si gagá ficou a geração que escreveu ja bom livro, outra não ha que a substitue. Será? Não accredito! Embora agudo o grau de incompetencia appadrinhada, quem tem talento nunca fica mudo! Um dia, até darei muita risada! Razão isso dará a bastante estudo: Passada essa entresafra, a molecada verá que do azarão se salva tudo; do favorito não se salva nada!
DISSONNETTO DA ENTREVISTA PREVISTA [1312]
Ja fui entrevistado vezes tantas que perco a compta, e penso si seria melhor que eu, doradvante, em poesia responda ao que gargalham as gargantas: Perguntam-me que sopa tomo às jantas? Sonnettos ja fiz sobre o que vicia meu gosto e, si o assumpto é putaria, em verso conto como lambo as plantas. A tudo um dissonnetto prompto guardo que, rapido, responda. Si preciso, uns tantos novos a compor não tardo, que aos velhos jamais causam prejuizo. Num alvo sempre cabe mais um dardo. Com practica, sae quasi de improviso qualquer thema proposto a um cego bardo, si causa, no auctor, choro e, ao leitor, riso.
DISSONNETTO DO BRUXO DE LUXO [1343]
Àquelle consultorio, quando fores, verás que o adivinhão te põe a nu: olhando-te, elle saca tuas dores e diz, na tua cara, quem és tu! Chamado “professor dos professores”, prefere ser tractado por “guru”; mais habil do que magicos e actores, plantando bananeira elle dá o cu! Mais querem saber? Isto não lhes basta? Astrologo e vidente, na charteira de cada paciente tem certeira visão de quanto ganha e quanto gasta! Conhesce cada cofre, em cada pasta! Si chega alli um politico, o fakir converte e até convence o outro a convir que, em vez de fodedor, é pederasta!
DISSONNETTO DOS PARALLELOS, PARA LEL-OS [1358]
Disseram que meu nome corresponde, até pelas fataes iniciaes, à Gilka, que é Machado, e não esconde que ao caso do Gregorio deve mais. Querer que a semelhança se arredonde, tambem eu quereria! Mas eguaes em tudo vae a gente encontrar onde?
Não só nos nomes busco meus signaes! Luiz Delphino muito a ver commigo teria, pois tambem se disse amigo dos pés, seu peccadilho mais sincero, os quaes, ao meu jeitão, amo e venero. Em outro poncto irá se assemelhar a mim, ja que passamos do milhar na compta dos sonnettos... Que mais quero, si, um dia, nem sonhei sahir do zero?
DISSONNETTO DO CHA DE CADEIRA [1363]
A lenha, às vezes, desço, e com razão, na nossa Academia, mas não é por ella ser a casa dos que estão morrendo, mas não morrem... bons, até! Desdenho é dos penetras, que só dão “ibope” na politica e o bonné não pedem quando perdem eleição. Nos outros, como auctores, boto fé! Collegas, desde sempre, os considero, assim como qualquer homem lettrado, e tenho mesmo, para ser sincero, vontade de sentar delles ao lado.
Em termos de cha faço, caso eleito, questão de tudo estar do meu aggrado: geléa nas torradas eu acceito, alem do biscoitinho admanteigado!
DISSONNETTO DA FACHADA FECHADA [1367]
De dia, aquella casa ja me intriga, no fundo do jardim, sempre fechada. Disseram que quem vive alli se liga a coisas do outro mundo... Isso me aggrada! Fallei della a uma bruxa, minha amiga, e foi-me confirmado: essa morada, alem do solitario ser que abriga, recebe sempre alguem de madrugada. É muito extranho, mesmo, tanto affan. La não se accendem luzes, mas se escuta barulho de conversa e até de lucta e tudo fica quieto de manhan. Só sei que não será coisa christan. Talvez appenas sadomasochismo, mas, quando passo alli, commigo scismo que Sade tenha encontros com Satan.
DISSONNETTO DA VIAGEM NOITE ADDENTRO [1372]
Passava o trem nocturno pelo matto cerrado, quando teve que parar. Olhei pela janella e, estupefacto, notei que me fictava aquelle olhar! Brilhantes como brazas, dalgum gatto selvagem suppuz serem, mas o esgar humano que faziam deu-me exacto contorno desse rosto tumular!
Caveira! Uma caveira! Está me olhando daquelle mattagal! Como na tela do cine, ella sorriu! E justo quando ja vinha se chegando até a janella, o trem se movimenta! Essa nefasta imagem de eskeleto magricella, terrivel, lentamente, emfim se affasta do campo de visão, e excappo della!
DISSONNETTO DAS HERMAS PARAGENS [1374]
Jamais pude evitar: a idéa vinha assim que da janella, quer dum trem, dum omnibus ou carro, eu me detinha a olhar o que uma estrada ao lado tem. Só matto! Minha mente ja adivinha o que accontescerá de mau si alguem à noite alli der uma paradinha, sahindo do vehiculo... Horror, hem?
Por credulo paspalho não me tomem! Que bicho o pegará? Sabe-se la!
Talvez o curupyra, o boytatá, a mula sem cabeça, o lobishomem!
Alguns desses monstrengos gente comem?
Não quero nessa hypothese appostar, mas durmo e vejo, em sonho, o tal logar sinistro, onde as pessoas vivas somem.