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DISSONNETTO DAS APTIDÕES HUMANAS [1581]
Na India, ficou celebre o fakir que dorme numa cama toda feita de pregos, sem que possa se ferir, e nem siquer de fraude se suspeita. Tambem o encantador, a se exhibir, mantem uma serpente satisfeita appenas com a musica, a servir de publico espectaculo subjeita. Mas pouco se commenta no Occidente, por mais que esteja alguem bem informado, accerca do que um cego ao seu cliente dispõe-se a offerescer por um trocado. Alem de lhe tractar da dor nos pés emquanto o seu cliente está sentado, permitte que seu penis, attravés dos labios, lhe ejacule, ao ser mammado.
DISSONNETTO DOS DOTES NOTAVEIS [1582]
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Os bruxos, em geral, não são bonitos. As bruxas, muito menos. A razão do facto é que haveria alguns conflictos do magico poder com o que é vão. Si a bruxa attende aos bellos requisitos e o bruxo for descripto como “um pão”, a desmoralizar-se estão os mythos e a lei se exvae: cadê a compensação?
Em nome do equilibrio universal, um typico factor se verifica.
Quem ganha dons marcado é por signal visivel, que as feições lhe identifica: Nariz e bocca tortos, saliente orelha, verrugonas de cangica, testão, olho saltado, agudo dente, pelluda mão, gran crica e molle picca.
DISSONNETTO DA DADIVA ADVERSA [1583]
A dupla maldicção, que annulla a van belleza e as ambições futeis embarga, transforma o joven bruxo numa ran e a virgem bruxa numa velha amarga. Por outro lado, o typico galan obstenta da burrice a crassa carga, e a bella actriz, à qual não falta fan, só tem a offerescer a chota larga. Aos factos não ha nada que resista. O surdo é genial compositor. Maneta é aquelle celebre esculptor. O cego é o mais maldicto sonnettista. Assim Satan nos deixa a sua pista: Não ha do Alleijadinho obras que provem que quiz perder a mão, nem do Beethoven o ouvido, ou do Mattoso sua vista.
DISSONNETTO DA DUPLA IDENTIDADE [1637]
Si tem poder o Demo para, em forma de Deus, ser confundido, então questiono: Não tem tambem poder, não se transforma em Demo esse Senhor, que é nosso dono? E, si um pode ser outro, qual a norma que irá dar ao theologo seu monotheismo authenticado e sem reforma capaz de obstar da fé meu abbandono?
Não ha! Não ha parametro! Esse Deus não passa dum disfarse de quem meus mais feios pesadellos revisita, em sua sanha cynica e maldicta! O modo como tracta o ser humano, causando e desfructando de seu damno, comprova que é Satan quem tudo dicta e tudo appenas segue a sua escripta!
DISSONNETTO DA BOLSA SEM BRILHO [1641]
Mas é mesmo um panaca! Por ter sido brindado com a bolsa, está gabola! Faz todo esse barulho e esse ruido por causa duma merda de saccola! Tá certo que a saccola é premio tido por gordo patrocinio e, numa eschola, qualquer um ficaria convencido! Mas elle, no ridiculo, extrapola!
A todos gesticula. Agita a mão, dá “chau”, sorrindo. Para as photos posa. Accena. Joga beijo. Aggarra a rosa que alguem lhe attira... Ah, va lamber sabão!
Não tem desconfiometro, o bundão!
Ainda si essa bolsa garantisse bom livro! Mas dá chance à gabolice, appenas: pratta falsa em promoção!
DISSONNETTO DA DEFESA DE THESE [1643]
Sonhei que minha these defendia e a banca era formada só por quem ja tinha fallescido: a poesia julgada pelos que, de facto, a lêem. Luiz, Gregorio, Emilio... A turma lia meus versos e o que nelles se mantem: em termos de thematica, a ironia e em termos de rigor formal tambem.
Melhores professores, quem almeja?
Bocage, ou Madragoa, me questiona si quero ser lembrado pela conna que falta ou pelo pé que me sobeja.
Entrego uma resposta de bandeja.
“Da conna”, digo, “todos teem cuidado e o pé tem muito callo a ser tractado...”
E todos votam que approvado eu seja.