“Do alto, em silêncio, o guardião cria, a Boca do Vento grita — sou daqui, sou pra mim, sou pra ti, sou pro mundo.” O tempo e vários outros olhares se encarregaram de transformar a singela Ilha em um arquipélago criativo. Do cotidiano tradicional, conectado ao rio e à natureza sertaneja, surgem obras que mimetizam a fauna e a flora. Seres mitológicos e humanos também são representados pelo vasto repertório do imaginário local. Mestre Aberaldo diz com sabedoria que a natureza entrega a obra pronta e o artista dá só um retoque para finalizar. Mulungu, umburana, aroeira, mororó, pereiro, craibeira, imburana-de-cheiro, cedro, braúna, jaqueira, pau-ferro… De raízes, troncos e galhos caídos brotam Aberaldo, Bedeu, Boioio, Boró, Camille, Carol, Cicinho, Clemilton, Dedé, Eraldo, Fabrício, Faguinho, Gedson, Guilherme, Jordânia, Leno, Lucas, Neto, Petrônio, Rejania, Salvinho, Samuel, Toinho, Urânia, Valmir, Vandinho, Vavan, Vieira, Yang, Zé Crente e um dicionário completo de criadores. Uma infinidade única no Brasil. Em 2020, durante as pesquisas para o documentário Ilha do Ferro: Bom Dia, Boa Tarde, Boa Noite, nos deparamos com narrativas de antigas olarias locais e causos sobre a lida diária com uma tipologia extinta até então, a cerâmica. Em meio à queima dos tijolos, das telhas e das la-
jotas que abasteciam o povoado e seus arredores, há relatos de pequenas peças figurativas e utilitárias que habitavam o universo lúdico dos jovens que participavam das caieiras. Para reviver a história e resgatar uma tradição, construímos um primeiro forno com os mesmos tijolos de um antigo, em ruínas, e com a técnica do mestre Poeta, um ancião referência nesse ofício, que já havia construído dezenas deles na região. Em seguida, convidamos o mestre-artesão Genilson, um oleiro experiente, para transmitir por meio de oficinas os seus saberes para crianças e jovens interessados na argila. E, finalmente, no dia 16 de março de 2022 realizamos a primeira queima – um novo momento para um velho costume. A semente da Olaria Comunitária Ilha do Ferro está plantada, regada com ancestralidade e sob o fértil Sol contemporâneo. O ímpeto de alguns artistas já molda belos contornos na plasticidade do barro. É o caso do jovem artista Tundum e seu novo capítulo. O barco da vida navega e assim nascem novas tradições, da mesma forma que o Boa Noite variou do franco-ibérico bordado Redendê. E que também o diga o saudoso mestre Fernando, que, de tanto fazer com o pai tamancos (uma herança holandesa, como conta a museóloga Cármen Lúcia Dantas), se inquietou para fazer bancos, cadeiras e um sem-fim de esculturas que inspiram todo o arquipélago formado.
Documentário produzido p ara o projeto Alagoas Feito à Mão.
Os versos entre aspas integram as composições criadas por Rodrigo Ambrosio para o documentário Ilha do Ferro: Bom Dia, Boa Tarde, Boa Noite, de sua autoria.
"Minha arte tem uma inteligência que só artistas da natureza podem compreender" Mestre Fernando Rodrigues dos Santos ©FOTO PRETO E BRANCO: DOAÇÃO CELSO BRANDÃO ©FOTOS: FELIPE BRASIL / THIAGO SAMPAIO
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