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MAR POR PERTO
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A presente edição é inspirada nos trabalhos desenvolvidos na América Latina através de Sereia Ca(n)tadora (São Vicente, Santos – Brasil), Dulcinéia Catadora (São Paulo – Brasil), Eloisa Cartonera (Argentina), Sarita Cartonera (Peru), YiYi-Jambo (Paraguai), Yerba Mala (Bolívia), Animita (Chile) e La Cartonera (México).
Edições Caiçaras é uma realização do Instituto Ocanoa, Projeto Canoa, Percutindo Mundos e Imaginário Coletivo de Arte
Capa feita a mão com material reciclado.
Contato: mb-4@ig.com.br 13-34674387
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FLÁVIO VIEGAS AMOREIRA
MAR POR PERTO
Edições Caiçaras
Ilha de São Vicente /SP Abril de 2013 5
© Flávio Viegas Amoreira Capa, projeto gráfico, diagramação e editoração: Márcio Barreto Conselho Editorial: Flávio Viegas Amoreira Marcelo Ariel
Amoreira, Flávio Viegas Mar por Perto / Flávio Viegas Amoreira – São Vicente: Edições Caiçaras, 2013. 72p. 1.Poesia brasileira I. Título Impresso no Brasil
2013 Edições Caiçaras Rua Benedito Calixto, 139 / 71 – Centro São Vicente - SP - 11320-070 www.edicoescaicaras.blogspot.com mb-4@ig.com.br 13-34674387 / 13-91746212
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O Mergulho - Chico Lopes Eu, filho do Noroeste paulista, depois transeunte da Mantiqueira mineira, escritor de pequenas cidades e periferias em geral áridas de outras médias e grandes, sou de lagoas, não do Mar. Um dia um amigo levou-me de São Paulo a Santos, rindo de meu medo de água grande, e rindo depois quando eu mal arrisquei pisar nas ondas, olhando para a Desmesura, aturdido, a maresia me inundando e a silhueta de um navio muito, muito longe. Meu amigo, feliz com seu corpo, carregou minha filha Elisa, muito pequena, de cavalinho, para dentro das águas, os dois explodindo em ondas e prazer. O batismo dela em reino de Netuno. O que não posso esquecer. O mar de Santos (e todo Mar) voltou-me anos depois quando, no círculo de cartas do site Cronópios, conheci a poesia de Flávio Amoreira e ele me mandou seus livros. Aturdimento com essa prosa/poesia que corre solta em trilhos só determinados pelo grande Desejo (aquele que é o contrário da morte, como jurou Blanche Dubois). Aspirando à integração/desintegração, Amoreira beberia o mar todo, regurgitando-o em estrelas. Para serem apanhadas por nós, uma por uma, na ponta dos dedos. Felicidade em encontrar nessa poesia pedras de toque que alumiam o tempo todo, brotam como flores insólitas e precisas – algumas tive que anotar – com uma coragem desabusada de quem quer gozo eterno “perto do mar, longe da cruz”. Fomos descobrindo, com nossos e-mails, afinidades, gosto pelo mesmo Cinema, gosto por alguns autores (Rimbaud, Artaud, Camus). Talvez sejamos muito diferentes (eu não o conheço em pessoa) e eu seja certamente mais interiorano, desconfiado, circunspecto. Ele me parece sobretudo – pelo que vejo do facebook, pelo que intuo na escritura – um homem de grande expansividade e alegria. Eu tenho lidado com sombras em meus contos e novelas. Muitas sombras. Talvez por isso o aturdimento luminoso, marítimo, sem limites, me apeteça tanto. Sou criatura caseira, circunscrita, afeita ao musgo das estantes. Mas minhas estantes guardam muitos Mares – o de Pessoa, o de Valéry, de Conrad e todos os outros. Este MAR POR PERTO é muito Amoreira – frutos picantes, gozosos, textos que se emendam doidos, mas nunca gratuitos – o
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jorro é de quem sente e sabe o que diz, de quem muito leu, amou e foi devidamente intoxicado pela Musa para nunca mais querer parar de amar. Ele se põe diante dessa “parte ainda erma do universo condensado” e “o Texto ébrio num barco estreito”, ele “nunca mais sombra nua, só oceano vasto”, segue a loucura bendita da embriaguez de Rimbaud. Toques de Whitman, de Piva, de alguém que enlouquece, procurando a água marítima dos faunos ébrios nos esconsos malditos de “Sampoema” (para falar a verdade, os dois “Sampoemas” deste livro me deram São Paulo mais que milhares de livros em prosa da atualidade; além de lirismo sem pejo de espécie alguma, os cacos metropolitanos de todas as faunas & floras com humor, paródia e estilhaços lindos, polissemia do tamanho de todos os múltiplos mundos). Sim, Amoreira, sei que em alguma esquina da Vila Madalena tem um ator besta precisando saber quem foi Capote, sei quem foi Gerard Philippe e percorro as muitas vidas de Rimbaud há muitos anos, livros que contam e jamais esgotam o Arthur flamejante. Também sinto que, para falar com Artaud, você explode a balela antiga da divisão entre autor e obra, é autor-ator de teu drama, dono e possuído de teu mar, e que bradará sempre, contra as paredes dos que escrevem por beletrismo broxa : “Qual valor além da redenção?” No face, fico ao teu lado ouvindo Billie e Nina, reouvindo “Laura” (o desejo imenso e frustrado de Clifton Webb no arrepiante tema de Raksin, Gene Tierney inundada pela luz do holofote policial e não sendo violada por ela), entendo o suicídio de George Sanders (todo suicídio de sensíveis é sim justificado e os tolos deste mundo jamais entenderão como é preciso saber merecer a morte), a agonia de Pris em “Blade Runner”, a lasca de céu puro que há nesses blocos de inferno que a vida nos deu e nos meandros horrendos do mundo capitalista assassino de luzes. “Se amas, mergulha, nada deve ser deixado pela metade, nem o naufrágio, se tanto queiras”. Com Amoreira a questão se resume em mergulhar. Mergulhemos. Chico Lopes é autor de três livros de contos: “Nó de sombras”, “Dobras da noite” e “Hóspedes do vento” e da novela “O estranho no corredor”. Também é crítico de cinema, ex
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programador do Instituto Moreira Salles, com muitas colaborações em sites como Cronópios, Musa Rara, Verdes Trigos, Verbo 21 e Germina. Seu e-mail é franciscocarlosl@yahoo.com.br
Gato Pardo no Escuro - Madô Martins Quer pensar agudamente? Leia o Flávio. Quer se questionar a respeito do mundo em que vivemos? Leia o Flávio. Quer abdicar da acomodação? Leia o Flávio. Assim é Flávio Viegas Amoreira: instigante, revolucionário, provocador. Um gato pardo no escuro cuja presença se insinua através dos olhos faiscantes. Que inquieta, porque a qualquer momento pode nos atingir com seu bote certeiro. Que nos causa admiração, porque isento de máscaras ou artifícios baratos. Que se destaca pela sinceridade, apaixonada ou vestida de ironia. Pelo autêntico jeito de ser, em que têm igual peso a razão e a emoção. Pois, ao se afeiçoar, exibe o lado oculto da ternura de que também é feito; e quando ama, o faz intensamente, de corpo e alma. Talvez por isso nos demos tão bem, desde o primeiro encontro. Somos ambos explosivos, cada qual à sua moda. E apanhamos muito da vida, com nosso jeito sanguíneo e indomável de ser, rebeldes a qualquer engessamento. Flávio tem a alma desdobrável dos artistas. Transita com desembaraço pela literatura, a dramaturgia, a pesquisa, a produção de eventos. Convive com escritores, atores, músicos, artistas plásticos, circula com segurança pelo passado, o presente e o futuro, com a certeza dos iluminados. Igual ao gato, consegue transpor obstáculos com facilidade e, entre bibelôs de suscetibilidades, segue seu caminho sem derrubar um único sequer. Só não tem paciência com a ignorância pretenciosa e a desonestidade. É quando me faz lembrar de Proust desejando um escudo “contra as flechas da mediocridade”. Leia o Flávio. Depois destas páginas, você não será o mesmo, garanto. Ficará mais sábio, com certeza. Mais crítico, mais consciente. E também mais senhor de seu papel no mundo. Com a invejável auto-suficiência de um gato. Pardo e no escuro.
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Madô Martins é jornalista e escritora, com 11 livros publicados e coluna semanal no jornal A Tribuna, em que publica crônicas desde o ano 2000. Poética do Afogamento (ou: dos fantasmas do mar de Amoreira) – Antonio Arruda “Por que cantais a rosa, ó Poetas!/Fazei-a florescer no poema”. (1) (Vicente Huidobro) Onde o mar engole as antenas, ou também o contrário, ou ainda a simultaneidade deste devoramento dúbio/duplo, onde o enigma se faz onda de palavras que nascem do próprio movimento caoticorgiástico de ir e vir do verbo, as torrentes do pensamento político-libidinosorevolucionário, amante de Artaud e pivianamente obsceno, tresloucado em Cioran: assim Flávio Amoreira nos faz náufragos de sua poética em Mar por Perto. Flanêur sem pós-(a)modernismos, sua palavra é barco e leme e mar e invade São Paulo e de novo retorna ao cais de si, onde, repleto de amores naufragados e desejos de luta contra a imbecilização (também do amor), o poeta grita seu brado ao vento da pós-modernidade e, esparramado na interconectividade simbólica de sua experiência de viajante de/em si, lança-se na rede de virtualidades imagéticas para recriar o real potencializado em poesia: a violência arrebatadora da onda explodindo na rocha imaginária. “Está por vir poeta que ande além das coisas/inventa dor colorindo vaga/peregrina língua pensa esgarça”, escreve Flávio Amoreira em “Coesia”. Ecôo palavras de Vicente Huidobro: “O poeta faz mudar de vida as coisas da Natureza, recolhe com sua rede tudo aquilo que se move no caos do inominado, estende fios elétricos entre as palavras e ilumina subitamente rincões desconhecidos, e todo esse mundo estoura em fantasmas inesperados” (2). Os fantasmas de Mar por Perto vagam em navios há tempos perdidos nos oceanos das metáforas insondadas e oferecem a Flávio Amoreira (escafandrista da palavra mar) pérolas sujas, imundas até, de tanto que desgostam de serem pérolas. Palavra-vaga de ressaca de tanto desgastar o verbo-ativo de poeta que ainda, como poucos,
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navega/enfrenta a vida contrares, controndas, contra-si-mesmo até o ponto de desvendar-se o profundo obscuro que é a Poesia. Antonio Arruda é roteirista, dramaturgo, mestre em teoria literária, professor de comunicação e semiótica e náufrago das palavras não escritas. Perto - Marcelo Ariel O poema não pode jamais ser ofuscado pelo poeta, existe um movimento perverso em sociedades provincianas que erroneamente projeta mais luz no poeta do que no poema, Flávio Viegas Amoreira precisa ser lido para além desse movimento perverso que tenta prender o poeta dentro da limitada esfera do personalismo , sua poesia dialoga intensamente com uma desconstrução do poema barroco , das fontes do barroco, mas também evoca elementos do expressionismo e da poesia beat, um dos primeiros textos sobre sua poética foi escrito por mim no extinto jornal da biblioteca de Cubatão e neste texto eu chamava a atenção para as conexões de sua poética de fundo homoerótico com as mais sofisticadas escolas de poesia do mundo contemporâneo. Este ‘Mar por perto’ é uma ótima oportunidade para uma justa reavaliação de uma obra que está entre as mais poderosas produzidas nos dias de hoje dentro da literatura latino americana. Marcelo Ariel é escritor e dramaturgo.
Literatura e Resistência – Renato Tardivo Flávio Viegas Amoreira é escritor no sentido forte do termo. Atento à interlocução com novos e já consagrados autores, sua participação em eventos literários e culturais não traz prejuízos para a sua obra. Poucos autores produzem com a fluência e qualidade de Amoreira. Romance, conto, poesia, teatro, Amoreira não é escritor de um só gênero. A relevância de sua obra para a literatura brasileira contemporânea justificou, por exemplo, a presença de Flávio na antologia Geração Zero Zero, organizada por Nelson de Oliveira.
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Neste Mar por Perto, encontramos frases e versos lapidares, precisos por sua poeticidade e força de resistência. O poeta fala do mar e a partir do mar, continente às avessas de onde parte e para onde retorna o seu verbo. Verbo que sobe a serra, navega na internet, dialoga com a filosofia e, ao fazê-lo, explicita (com poesia, sempre!) que o escritor é ser situado. O leitor encontrará, aqui, a literatura enquanto resistência; o literato, um resistente. Renato Tardivo é escritor e pisicanalista Um mergulho ao longe - Fabiano Fernandes Garcez Flávio Viegas Amoreira além de jornalista, crítico literário, poeta, contista, dramaturgo, ator, é homem mítico, mito, dividindo-se entre sua Santos e nossa São Paulo, nos provoca com sua visceral literatura verboporrágica, é um dos maiores nomes de sua geração, denominada: Geração 00, e mesmo não sendo músico, faz ressoar melodias de suas palavras. Este livro é um convite ao um passeio ao mar aberto, de onde todos os seres vivos vieram, esse mergulho de retorno se dá da mesma maneira, para nós que somos do planalto, quando jovens nos deixamos seqüestrar por amigos para uma noite e quando mal percebemos estamos em alguma cidade litorânea e nos deparamos como a beleza orquestral do mar. Esta sinfonia marítima nos chama, nos clama, nos toca, até que nos deixamos cair em seus braços, em um enlace íntimo e instintivo, então somos banhados, limpos e saímos de suas águas revigorados! Flávio tem voz própria, única, porém não é difícil aqui ou ali encontrar um sotaque de Roberto Piva ou Hilda Hist. A poesia deste Mar por perto, que, mesmo lida, chega aos nossos ouvidos e perpassa por todos nossos sentidos, é tormenta arrebatadora tal qual um tsunami que chega com toda sua força e passa arrancando nossas colunas, nossas bases, nossas fundições. Por isso mesmo este Mar por perto é para ser lido em voz alta, de forma performática, faça isso, leitor, e se alguém te olhar estranhamente, repita em volume mais alto ainda os versos do primeiro poema: É preciso um grito de liberdade pelo amor ao desprendimento/O Tempo é uma invenção do Espaço/ No começo era o mar que de onda se fez Verbo/ O poeta é
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quem navega solto no absurdo! /Triste seja o que não tem dentro um louco! Tudo é absurdo, tudo é sonho. Neste Mar por perto navegam o canto orgiástico a cidade de São Paulo no poema que nunca termina Sampoema, o diálogo com o mundo contemporâneo da da internet como é o caso de PoemaFace que apresenta alguns postpoéticos, a busca instintiva/reflexiva do fazer poético como em Coesia e Poema aos olhos de Deus, além do monólogo Clarice Lispector: roteiro do insondável, do poemaconto Mark Mutek. Leitor, ao andar pela areia da vida pragmática, use este livro como concha, uma vez já encontrado, o encoste em seus ouvidos e ouça o barulho do mar revolto, mergulhe de corpo e alma em suas águas, junte-se a elas e perceba o quanto somos feitos de água, revolta, música, sonhos e poesia! Fabiano Fernandes Garcez - poeta, autor do livro Rastros para um testamento, entre outros.
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“Os mártires, caro amigo, têm de escolher entre serem esquecidos, ridicularizados ou usados. Quanto a ser compreendidos- isso, nunca.” Albert Camus
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ESCREVER É UM TESÃO, AMOR Meus livros são rastros do indeterminado que encalço.
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Escrever tem conotação andante, superação do que outros entendiam ser obstáculo (solidão, carreira, inadaptação social) e quem sabe maior condicionamento fenomenológico possível e concretizado na cabeça do escritor inédito ou até em branco. Percebe, Bob? Como se o escritor fosse a realização extrema do projeto ‘husserliano’: as imanências nos caem em forma de História, Cosmologia ou Alma e transmutamos tudo coisa ‘realizada’ em palavra: essa demiurgia que lendo Hilda e Ponge chamo de ‘noesis lírica’. [Ouço falar aí no Rio dum Botika, ele escreve feito Agrippino internético e eu passo por ruas que são minhas encruzilhadas externas e vejo quantos Botikas o mundo revela. Queria incutir em ti o germe da escritura: nota que tudo mais que lê ao deparar na tua estranheza é escritura florescendo: põe no papel, arremeda os cavaleiros ou pícaros, dispõe da leitura de modo errático e obsessivo: faz dos livros esse vício de Portnoy anotando fluxus orgiásticos no banheiro que é teu quarto: escritor é o que se masturba mantendo as mãos no parapeito adivinhando regresso da chuva: somos daqueles que retemos até última gota poema de Whitman ou conto de Clarice prolongando gozo do encantamento. Os anos douram os cadernos que acumulam tuas reservas poéticas: ande, não mantenha amizade com mais de meiadúzia de reais escritores: escritores demais reunidos são gente perigosa de vaidades brochantes: tens Rufus, Tom, Alfie, esses interlocutores preciosos que desvelam ritmo contínuo dessa francomaçonaria que é a sensibilidade compartilhada. Renuncia ao ofício que não seja mais que um ganha-pão: escritores deveriam ser todos bancados por governos soviéticos, viver de renda burguesa, ganhar bilhete premiado além do dom inato ou casar num arremedo de fachada. Ideal é ser Oswald ou Cole Porter, ter todo tempo não-livre para releitura ou mixagem do pensamento. Sexo ocasional, amores não-opressivos, dispensar celular e carregar um livro de bolso em transporte coletivo; de preferência não viver distanciado do Mar apesar de não pisar na areia: os horizontes belos tiram concentração, mas o Oceano é único horizonte belo imprescindível. Não ter tempo para futebol, carnaval; abandonar a faculdade, viver de bico: assumir compromisso monástico com a Literatura: nada mais importa, nem ser editado é urgente enquanto não tiver bagagem cheia e algumas
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aventuras prosaicas pra alumiar. A vida do escritor é massa folhada enrolada em tubos concêntricos do dentro ao mais profundo de ti: outras dobraduras são outras vidas ainda que de escritores paralelos, mas não sendo Você. Tornar-te escritor é pra mim ato de generoso egoísmo: com quem mais conversar depois do orgasmo quando bate vontade de um cigarro ou do chuveiro: intelectuais não são bons amantes, mas alma nada tem com sexo dizia o velho Bandeira. [Tinha 15 anos: meu primeiro contato com alguém dessa espécie santa foi na Praça Sezêrdelo Correia; eu morava andar abaixo e ouvia a máquina de escrever madrugada inteira tocando-tocando-tocando e pela manhã cheiro de urina no elevador: diziam ser ele que se embriagava e mijava ali]mesmo: gravei o mito dum gênio, vinte anos depois João Antônio morria ali mesmo no decadente prédio de Copacabana entre Siqueira Campos e Hilário Gouvêia, só e em decomposição: o mundo é putrefato aos que pensam impossibilidades estoriadas. Ia ao Rio para mudar de mares, meu cérebro vive na RioSantos; nesse porto de Brás Cubas cresci lendo parnasiano Vicente de Carvalho e o maldito Plínio Marcos, ser santista é um destino costeiro: me aparto do que seja continente, insulo-me para melhor perceber-te escritor que doma minha inquietude. Voltando ao Rio da Glória lembro Pedro Nava... Escrever deve ser isso: casmurrice da meia-sentença, focalização universalizante, um tear de urdiduras entrançadas, hirtas entre as lanças de saxões e celtas: hiperconsciência: filtro onda percepção se aguça, extremizando o irrelevo do palpável: ponteiros brilhando cada lustro de transcendência num relance do cais de pedra ensolarando a popa que reparte penúltima onda. sempre é penúltimo nosso tempo incriado no aguardo. Tomei aulas de regência rudimentares: a interioridade expõe-se cruazinha ao relevante-revelado: volições formatadas, significantes-bólidos: pega Bob! toma o que o mundo transpira... imensurável sofrimento do óctuplo descaminho: não consente desviar-te do caminho do verbo que te persegue, deixa até o Brasil ao precipício: o Brasil é tara que a noite coça; foda-se função social, missão corporativa: atira-te ao livro por fazer nessa ilha roubada a muralha pela encosta. Sempre tem Maresia que nos salva: exangue, estiola imaginário na plenitude do teu gozo. A Ilustrada é para os ‘fashionistas’: literatura de boutique,
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sempre surge um Rufatto com Cataguases na cabeça vendendo marketing travestido de miséria. Literatura de favela, literatura macho, papaia, literatura de mercado, literatura adjetiva em etiqueta, Bob! É a Praça Roosevelt simulando John Fante; Sampa corroída de Bukowskys fakes! Antes ler Bilac seriamente que render-se ao Coelho Neto das cervejas: as patotas oficialistas agora vestem a mortalha da ‘transgressão consentida’. Nada é mais pesado que o corpo suportado daquilo que não amamos: encerrado na alcova do centro escuro de mim quero irmanar o Mar da minha com tua tessitura: é tudo mentira o que te disseram ser Literatura além da alcova, adequa-se à tua intuição essencial, a intencionalidade de nosso absurdo pressentido. Vamos delineando Paul Klee no ato expressivo de escrever: redução eidética onde letra calculada no molde de pedra ou esponja. A leitura estabelece relação simbiótica, valências com que será transliteração ruminada do transe epiléptico do ‘’Idiota’’ ou do amor de Eduardo por Otília: tenho Fiodor ou Goethe numa sinapse impressentida. Atenho-me ao dado enquanto tal e desconstruo em sua impureza: especulo sobre nitidez da inexatidão, é ampla atmosfera a partir do rarefeito ordenado que decomponho em verso, microconto, ensaio. Teorias abstrusas gongórico cultista: é preciso ir ao fundo de Cioran para alçar até bricbracs cortazianos: escrever é dum cinismo capaz de crer em tudo! porfia de arabescos, sermonário laico: símile gráfico das galáxias, toda poesia é sinal de ‘porenquanto’...Bob, sistematiza teus fragmentos, o Mar não padroniza: ele estranhece memórias, é um teimoso fazedor de concomitâncias. Gramática e verossimilhança é papo de tipógrafo: acentua pingos só nos excessos de emocionalidades. Se beber, prefere a vodka: chegado aos 40, o escritor embebeda-se de café e xilocaína. O que pede deve dizer-se: escrevendo ou falando com parcimônia. Excesso só de escritura. Falar só de joelhos. Cós / senda e grota: tornamo-nos Eurípedes numa caverna atlântica. Acolhe mais os substantivos: o método mítico dos sintagmas, alheamentos significativos, estranha aparecências: oxímoros viandantes. Pega um sonho, sensação: destece, emula, entretece; escrever é ter sido em dobro.
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Mar móvel de palavras sem parecença: serenidade melancólica, a vida contada em estações climáticas repartidas em segundos: vou aludindo aos modos do objeto enquanto me acudiam as dores e o parto do texto. A raiz originante presentifica-se estruturada: a obra é posta ali como fosse Pão de Açúcar e sempre tivesse na Guanabara semântica do meu trajeto inventado no rumo. Literatura por sensação e adição: patchwork, entende agora Bob a necessidade da solitude entre o que não seja livro? relação mesmo de letargia untuosa: envolvom-me, ‘- envulvo-me’ com a palavra, ando sem chapéu, sapato furado: nem-aí até que surja a escrita desfeita do que me era desespero. Assim João Antônio, Pedro Nava, é essa tragédia que nos desapercebe do que seja Vida por estarmos envolvidos demais nela: ‘envulvas’ entre parênteses do investigado incessante. O sonho que adormeço é o recurso à esperança na treva. Temo que não te refugias sensatamente do bulício das máquinas registradoras: o capitalismo é nazismo em conta-gotas: faz vítimas que gargalham vítimas sem contundência explícita dos crematórios. Escritor invendável! Segue o que te digo: Mar! parte ainda erma do Universo condensado. Há um princípio subjacente em cada estrela, catástrofes primais, paraísos perdidos: ouço eco das noites brancas. Regozijo no recesso ribeirinho das nebulosas: há essa metáfora de sentar e rascunhar a concórdia do gesto em trégua com significante em disposição espacial alucinante. Escrevo porque não aquieto, percebe as coisas quando antes eu desdigo. A frase tem limite acidental: o que delimita é um tal ritmo oco perpassando sintaxes imprevisíveis. Górgonas, greias, vagalhões, bracejava até o pressentimento adejando experiência aprisionada. O Texto ébrio num barco estreito. Não escrevendo morre amargor tardio volátil respingo flutuante. Escrevo para te dizer, Bob: consome-te inesgotável, vai ao ser da palavra e pratica a divindade rabiscando os velhos princípios. Sou judeu errante: a destruição do templo encerra esse homem-sinagoga: reunião dissoluta de Simão bar
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Kosiba e Adriano, vivo em luta entre a Fé no Reino e a dissolução na recriação do nada para nunca.
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O MEDO DA POESIA
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Texto para “Poéticas para um novo tempo” do grupo experimental Percutindo Mundos
Vocês não podem me ouvir enquanto não se renderem à poesia! Estão surdos ao encantamento e presos ao cotidiano sem luz! Quero que ouçam o mar como um chamado ao profundo! Somos heróis do universo com medo da vida! É preciso um grito de liberdade pelo amor ao desprendimento O Tempo é uma invenção do Espaço No começo era o mar que de onda se fez Verbo O poeta é quem navega solto no absurdo! Triste seja o que não tem dentro um louco! Tudo é absurdo, tudo é sonho Só o presente é real como oferenda do oceano ao infinito! Só esse nosso teatro é verdadeiro! Não tenham medo da poesia: ela é quem assopra do cais chamando o barco do eternamente.... bendito seja o que cria, o que cura e o que desvenda! SINFONIA DOS NAVIOS ANDANTES
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Poema a favor do apito dos navios por ocasião da saída de Santos em viagens marítimas. Obra musical de Gilberto Mendes, baseada no poema.
o meu coração vaga em segredo vento que ronda forasteiro sobre o mar canta a dor das águas no dia que não mais mourejar meu peito todo corpo alma / pensamento torna ao Oceano zarpando sem cais rondarei / abissal de gotas condenso navio ébrio ondeando / poeta entoarei cantos no longe infindo onde não mais atracar na beira do céu por ti espreitando léguas distando de infinito a infinito buscando / ainda terei tempo eterno ao navegar de retorno hei de novo te achar mais afastado tanto é o aproximar na noite a aurora / desfio o começo caos / cosmo : verei o princípio do mundo fechando entre o Sangava e o Xixová meu Éden / estirado da barra ‘a enseada os contornos da serra adeuses onde a terra jaz nem paragem ou porto : rochedo soluto ou galáxia / te espero em desterro sempre em Santos ou nenhum lugar.
CAVALO AZUL
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Poema inédito, musicado por Gilberto Mendes para CD produzido pelo Sesc – São Paulo intitulado “Cavalo Azul”. Lançado no Festival Música Nova, o poema foi interpretado pela soprano norte-americana Martha Herr e regido pelo maestro, também americano, Jack Fortner.
NÃO CANSO NEGAR MEUS LAÇOS PARA ESSE FEROZ PRECIPÍCIO DE PENTIMENTO A VIL POEIRA NO QUE DORES E SORRISOS SINTO ARDER PEITO AFLITO ANTECIPO O RAIAR NAS VAGAS TENHO O RUMOR DA SORTE, A VÓS DA REBENTAÇÃO - AVISO O TEMOR INSANO JAZ A POMBA NA OLIVEIRA QUE TRANSIDA POBRE SUSPIRA-ME EM SILVOS DE EMOÇÃO PERPASSA OS PLANOS INFINDOS DO EXCELSO UNIVERSO E, POR VALES E VEREDAS, O CANTO SE DISSOLVE. SOAM NAVES DE AURORAS CAEM MALÉFICOS ESTIGMAS. JÁ PRONTA AS MANHÃS QUAL VALOR ALÉM DA REDENÇÃO? EVOLA O VOO DE PÉGASUS SOBRE A NOITE E DIANTE MADRUGADA ALIVIANDO ALMAS AMORDAÇADAS
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LONGE VAI O CAVALO AZUL ALADA SUA LIBERTAÇÃO A NAU SOB SOL ARFANTE SOAM NAVES DE AURORAS QUE DELÍRIOS DE RANGER E PRANTO CLAMAM ANJOS DE ENCANTOS QUANDO SERENA ALMA ‘A MORTE QUEM AINDA AO MUNDO TEM APEGO? MESMA SEPULTURA DOR E EGOÍSMO VAI O CÂNDIDO AMOR SEM CASTIGO LIBERTO O ESPELHO DE NARCISOS E O AMOR LIBERTO DOS AMARGURADOS LÍRIOS ESPELHOS E NASCENTES PARA O ETERNO SÃO CHAMADOS NÃO CANTE DOR, OS POEMAS CESSEM PRESSENTIMENTOS FLORADAS POLINIZAM VENTO ACASO E RAZÃO BEIJAM. ONDE, QUANDO, PELO TEMPO DORES, PRANTOS, RASTROS, SÓ ONDE A SORTE? POR QUE A SINA? NEM AS NUVENS DO HORIZONTE RESTAM ALGUM DO CÉU TÃO CINZA. Ó ENORMES CRINAS SEM HALO LIBERTAS DA DOR E TRAVO NUNCA MAIS SOMBRA NUA SÓ OCEANO VASTO.
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POEMA PORTO
Sobrevivi ao naufrágio da paixão encerrei todas viagens além-mar esperando no mesmo porto de partida o amor é um barco não mais à deriva agora tornei-me eu mesmo o cais fugi ao fogo de minhas quimeras não eram sonhos, eram tempestades sem murmúrio
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que seja condenado mil vezes pela culpa que não carrego mas nunca me julguem pelo arrependimento daquilo que deveria e não cometi por medo do desejo que hoje me aponta o dedo sem mais Amor que não vivido...... no verão quedei as velas no verão estaquei as âncoras no verão fiz-me albatroz num penhasco tosco agora tornei-me eu mesmo o cais e desterrado marinheiro chegado o outono e quando soar o sino, não estiveres por perto o templo ainda reverbera em ti o sentido daquele instante não mais consolação / ainda assim o silêncio compartido ecoa dum maio que também partia depois da magia duma noite sem retorno não tens mais aquele maio / nem mais aquela precisa noite volta-te ao mar da tua origem : a ele pede reflexos que retenham a lembrança: que as vagas contenham nas ondas o pó do teu destino quando o inverno diz mais uma vez solidão mais uma vez solidão no inverno : responde terno , tiveste num maio pausa ao tormento; foste o homem com seu amado das ruas em silêncio / do vinho ainda em teu hálito; cálamo num casto leito paixão em teu repouso a Vida não é entendível compreender no vácuo do absurdo no gesto donde escreve amor sem mais amor para ser lido não mais carta que te chegam, mas outrora a linha do horizonte promete Aurora foste apartado do meu tempo / mas desde o copo a boa nenhum amargor rescende a ranço poeto, esvoaço é a manhã que me sopra e preenche o lastro a fala dos anjos que creem nas páginas ainda em branco vai! por quem quiseres e aceita que a folha siga
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como o acaso que arde ainda em brasa torna-te ode / elegia eras um corpo, Amor agora erra como poema na estante só amanhece no rosto que move a escrita longe é onde a ausência é menos que o desespero impossível é o estado da desistência precipitado pelo medo Poesia é a razão sobrevoando de asas soltas o Eterno é amor de caso pensado; se amas, mergulha, nada deve ser deixado pela metade nem o naufrágio se tanto queiras... hoje estou livre da paixão do teu corpo embarcou um Oceano em mim...
ÓRBITAS exorbitado das despedidas . a felicidade é uma cegueira da Morte : apalpa e segue a cruz estrangeira do abandono quando o universo padece verme dos meus destroços. depois aí é o que não pressinto o mergulho peremptório : crer é estabelecer dívida com o impensável : corte no procedimento das estrelas / eu ouço o gritos assustados do escuro na retidão do desenlace : a chuva cega por dentro / os que saem de mim são passageiros de algum pensamento já transcorrido. Nunca deixei de te amar pelo esquecimento do sentimento / o sentimento não tem passado nem marco fixo: transcorre de viver em nós a coisa e sobrevivemos até o fenecer do mar na aurora quando
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vejo palavras esboçando um dia que não mais estarei vivo para as coisas que serão então o instante / tento dizer o melhor aproximado dum significado / sabemos demais isso / não pensava noutra coisa antes de dizer palavra : escrevo o que já perdi ao dizer falando. Sinto solidão não estadia / pressentimento de estar fora do que tenho sido mesmo que não todo possível de ser . aqueles que tenho me socorrem da incerteza do Amor decisivo : desenlace / ele me enternece pela lembrança duma atmosfera / superfície ultrajada. Quis toca-la a Verdade / ela assentiria ao custo de sucumbir sob o peso da vacuidade sem propósito / ausente de Deus /não saberia pronunciar seu nome senão por escrito / nunca adormeci em sonho e finjo ser infeliz pelo que sei ser demais vertiginoso / simultaneidade ubíqua / estado de não ser o que componha cena ou fato /tudo que não venha ao caso e uma nódoa precipitando-se em tudo que seja provisoriamente belo / que aparência tem as pessoas fora de suas ilhas revestindo a Alma de duplicado encanto? Oceano discursivo recobrindo o mutismo das esferas / as explicações lógicas aborrecem quem quer perceber / longe é mais sentido : há o antes da Alma / vergastado ao dobre / desinstante / o solar desvanecimento entregando-se ao sopro soturno dando num suspiro galáctico / tudo aconteceu no ato da espera / há uma escusa excessiva no desnecessário espanto com as fontes e as tormentas / teatro das palavras sucede ao delírio dos significados / o Verbo azeda ao ser posto na boca ODE AO FUTURO Dedicado a Amilcar de Castro
esboçamentos
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tenho ternuras que nem sei pelo conto tendo só a livre poesia e um tempo longo de conquista certeza : tempo e areia onda e onda : ondas aceitado de lado o destino de lado tão fundo distingo a crista e os tubos onda e onda: ondas escondi do movimento o segredo aquietado no cá de mim se escolhida aos montes passagem tem a secreta porta solução través dormentes até se em branco as páginas não devem ser jogadas em golfadas olha a dobra! a volta merguuuuuuuulha.... mínimo de pressa ao excesso dessarte. SAMPOEMA Teu ventre regurgita seres de estranheza orgíaco encanto terra sem marcos acampamento solidário aos lobos da estepe poetas / fodidos/ eruditos de céu in-concreto: campos de pivas orides fontellas panaméricanos agrippinos catadores lumpensinato estelar vencer Sampa é perder-lhe o medo tua geografia são seus rostos bolívares-norte-coreanos
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lagos anônimos de gozo e morte a Paulista é praia de ondas com pressa cimento cal fétido / grana espúria : do Jaraguá vejo-te cosmovo : Sampa é ducaralho divino esporro único mundo donde perdi o medo: perder nu ao medo nu era o começo indistinto agora reconheço alamedas / janelas / quartos de estórias insuspeitas em cada cômodo um coito / parto / féretro águas pútridas / córregos em transe / pirajuçaras marginais de rios carontes refletindo desespero de Virgilíos e Dantes : cosmoagonias : Sampa é ducaralho azar mais sorte: a vida não perdoa desatento transeunte tudo-todo-rola-cadainstante; poemizosampa navalhando névoas cinzas nuvens de estanho ilusão paraísos consoloção liberdade jardins oscar freires de infame exclusão marianas ângelas leopoldinas vilas no caminho havia uma praça trecho arremedo de troços e a praça fez-se árvore numa igreja de enforcados insones luzes de horas : cada habitante inapetente é uma paisagem espreitando esconderijos dalguma memória te esperam vãos / vales / veredas / te esperam algum sentido : algum sentido para onde damos em alamedas becos / beneditocalixtos / anhamgabamentos conas / répteis / fósseis / múmias virgens salve Sampa sodomizada / poesia pederasta oralizada: todo-tudo-sempre é Sampa e Sampa é foda: aqui-quase-nada / quase-nada/ nada em orgasmo múltiplos de signos/ significados infindos
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vejo estranhos que passam: eu Whitman tropicano: garanhões / ninfetas / anjos putos/ proxenetas risco que corro e escorro longa mirada para ser feliz num átimo / fóton de esquina por esquina senhas códigos berros espectros em amuradas Davids Lynchs / Win Wenders / barras códigos estacas: Meu cérebro é onde? : noites de autorama Madrugafas mais darks que a escuridão do nada Interlagos de lágrimas: engulhos esgares vômitos Da metrópole essa meretriz viada que comigo deita Quando esparramo-me de paisagem e realizo delírio Por inteiro : eu sou carona de teus fetiches pesadelos Espasmos oníricos: insights luminares / beatniks Transmodernos / aqui Deus é Joyce , Mallarmé é seu profeta : eu moro é na Literatura sampauleira sampaulisto sampinferno sanparteiro de entradas bandeiras volpianas baratas forasteiras trens sobrehumanos traças suburbanas : trago o gole de amargura oswaldiana : a tristeza é a prova dum 69 sou 13/ 11 / oito infinito, infinito onde o som se estreita/ andróides / zumbis / iracemas da Vieira / índios de Moema incorporo metálico estalido dos espigões em meu rabo e meus cornos eriçados de antenas Sampa é zoom!!!! Quem não poema não come ! Eu pagão : proclamo! Quem poema não mais engole sapos : poetas todos ! bruxos, bichas, menos os broxas que cantam loas ao parnaso endinheirado profano Disposto o peito aberto a camisa em desalinho Sampa me afronta com sua zona e risco
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Sampa é o Ó entre brejos e bronhas : atmosfera saída dum filme B assassinatos chacinas negras noir ferozes volantes / violência fashion homens mix de mulheres blade runners andróginos : transgêneros líricos merda cercada de gente por todos os poros dos lados dentro estou fora e foda-se o recheio o borbagato me bulina / sinto a maresia baseada no Oceano lisérgico na imagética moldada por camadas de cânhamo: O Mar é longe / vagas de gente empoçam castelos de areia: a multidão é sempre sociedade anônima : cambaleio / resisto por grutas/ grotas/ gretas/ rizomas/ elevadores capengam / shoppings da babilônia: midnights cowboys pela gay caneca não existem pontes entre todas essa gente viver é lançar pontes do vazio refletindo a luz do nada muretas guaritas tiras do ouro bandeirante nada insiste subsiste uma vista onde nunca se encaixa ao mesmo tempo ao todo se situa onde mora o deserto é menos só que na Augusta a chama tupi jazz, jazz, jazz em terracota e taipa em Sampa fiespe-se, fiespe-se ou foda-se! Urbe orbe pulsando fênix de turbinas em chamas Caldeiras / turbilhão : miragem do movimento Sempre estamos onde nem supomos Os vagões levam homens apalpando suas malas Duras penas / diamantes em pencas chaminés de ouro Cravejados de sapopembas e diademas
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Eu canto por que minha alma não desiste Penso, louco logo resisto! Reconheço todas tribos O gigante polvo capitalista não é nada perto de nosso Espanto e grito Cruel argamassa solitude que nos une Artefatos / bólidos/ hélices / inversão térmica das cores Sampa é asco que não afugenta Náusea que me alucina Sampa não existe : está sendo no ato: Porra loca dum gozo carcomido O mercado come-se : dinheiro é autofágico Cria é para sempre onde sempre exista Sampa anda em mim por via estreita Poetemos onanistas! Abaixo arcadas cerebrais: descontruir discursos é urgente! Façamos desse cu doce subversivo argumento.’’ SAMPOEMA II há um corpo sem alma brotando dos vales um rugido ecoa duma encruzilhada feito praça de touros os estudantes, operários, a conversa de comadres: tudo leva descrer que exista mesmo uma cidade essa é pátria sem ancestrais reconhecíveis as fachadas cobrem-se de resto enquanto conto os rostos sem lábios expressos continuam rolando os números substitutos de nomes que se mudam para o Araçá sem deitar herdades na boleia de carros sem cortejos não mais saudades
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sentimentos são mal vindos : correm todos sem fúria um vazio se abre numa clareira trançando a urbe que fala baixo para o barulho não se inquietar de espanto atrás da Igreja Santa Cecília nasce uma odisseia virgem e sobe um bonde invisível entre a Rua Veridiana e a sina mal impressa da legião de mortos / anjos escalam estrábicos parapeitos farejando em coro um barão do café conduzido com pompa as esferas em fótons a linha absurda dos ressuscitados : Lapa - Praça do Patriarca transido : o tempo não mais contado corpos em permanente exílio: honestamente a cidade é só um pretexto para seus olhos sobre as coisas não explicadas restam as palavras dizer o possível ávida a noite engoliu a vontade da pressa: o amanhecer será a alguém a lida e a prece hoje entrou-me no ventre da alma um amor que sonhei descendo a Rua Augusta, preciso como a chuva das cinco quero-me libertar-me de Sampa torna-me refém de seu precipício anular-me de sua lembrança mas quedo gozoso com o Copan entre as coxas fálico com suas dobras oceânicas como um tubérculo nascido entre minha boca e calidez do ânus : túmido, emprenho-me pelas costas estéril como um córrego canalizado de teu esperma estrelas errantes entorpecem se eu pensasse uma vontade doida
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a mentira se faria concreta como um gemido lúcido da grande dama encerrada como fruto estranho na Major Diogo e só os loucos tem um só motivo belo para não desistir do sempre eu que me estranho por farejar o Eterno estilhaçado nos guichês e filas compras, pagamentos em banco, formigueiros na 25 de março eu que não mais suporto ser cotidiano, não sei ser moderno transito entre a foz e o rebento.... desço a bucólica Vila Mariana numa primavera com rosto mesmo tranquilo de Ana Rosa transido de amor busco meu Rimbaud imaginário entre a Rua Pelotas com Morrissey ao ouvido : “This Charming Man” e o jovem esguio e lívido, num véu leve de viadagem beat, me cercava de esperanças enquanto olvido a massa amorfa em Sampa todos os poemas são esparramados em prosa buscando um horizonte entre a verticalização neo-clássica dum gosto típico de New York do brejo a Rua Amaury, os cafezinhos com mulheres fakes de traveco e seus Havana, os rostos sarados correndo ao petshop, não aguento mais Sampa se não inventar a minha masturbada num jorro de poema contaminado da verve de Whitman, saudades de Piva e um oásis na Casa das Rosas onde Willer e Guedes fazem as honras dos paraísos artificiais de Win Wenders Não! não a Sampa de Sommer e Hercovitch : abaixo a Sampa broxa e maricona! quero uma Gotham City avessa onde Heath Ledger inverta as cartas : a chave do medo é o caos ! os malabares de volta às esquinas fervidas! Neurópolis de
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Tragtenberg e todos os saxofonistas nos saudando entre o Bela Artes e o Garoa Paulista: não matem Sampa com as armas sutilíssimas do tédio!! do charco ao viaduto : matar uma cidade pelas bordas : urbanicídio contra rios, músicos, cinemas de calçada, urbanicídio contra o pensamento estaiado em lombadas: ora diremos ainda em Sampa veremos estrelas!! a Sampa dos invertidos de Lorca e Ginsberg!! duro como cão sem plumas, ébrio entre o Trianon e a serra que nos socorre: estendo-me a ver todos tipo-assim-tá-ligado no parapeito da Praça do Pôr do Sol baseado em sinestésicos hologramas sinápticos e releio João Cabral de Melo Neto tão sertãorido quanto o papo Mercearia São Pedro : Sevilha é a única cidade que soube crescer sem matar-se . Cresceu do lado do rio , cresceu ao redor , como os circos , conservando puro seu centro , intocável , sem que seus de dentro tenham perdido a intimidade... Sampa, urbanicida neo-jeca resgata os rios e poetas! Megalópole não para vencer na vida Mas adensar o mundo por dentro profundo e denso.... ainda a mata atlântica resgatará do Jaraguá ao Banespa as vias nervosas, fresta por fresta, e Sampa não mais de alcaides des-entendidos, será dos rios e poetas!!
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NAZCA a ruptura como dinâmica, não ortodoxia. autonomia pressupondo novas investidas: poesia instaura reino pantanoso na Literatura, incerto mal progressivo que instaura estranheza de texto, devir miraculoso da imanência insistente: é demais estonteante o primeiro brado / percebo-me num ocasional bafejo/ rumos em disparates / ah! pulsões do ardor / Universo por desatinos lógicos/ dúbias montanhas: dói o não feito pelos olhos mal rompido amontoado desenlaces / poema vocifera primavera inútil / o mais adiante é inconsequência sem urgência, intrinsicamente ligo-me a um conjunto composto que impreciso quando descrito: pressinto reparação da assertiva refeita em dúvidas / espero vencer-me, escrevo-te. rasgueime a frio numa cruzada na passagem do Helesponto: agito a fronte larga e debruço / tornei a Éfeso na rubra romaria: um batalhão de fiéis prorrompia / depuro meu coração: nunca será a Groenlândia. não existe uma só perspectiva isolando-me: enveredo-me por algum horizonte inascido num mar dum fundo oco. conheci alguém no encalço: sozinho não conheço derrota, insisto ao dobre e meio: apuro o passo e vou ao martírio de mim com sombra testemunha. Eu vaporizo elementos em palavras- pólen: necessito entrar-me dando ao tom do vento o vazio dalguma guarida. guardo último espelho da aurora: o fim é pedaço extenso do começo alongado ao abismo dando num prenúncio e quando penso desconverso, elido. o caule entre
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a seiva e o prepúcio: goza artimanha desfolhada. hás de ser sempre meu amigo: torna a teu recanto transtorna a letra morta é pouso de quem não mira fundo. há dignidades num influxo: abarca o transporte imerso submergindo enigmas: a carruagem da morte esquece desse que não titubeia. quem escreve nada sabe do que diz nisso acaba sendo mais verdadeiro que tudo-todo omitido pelas coisas: vai além da compreensão o leitor que o sucede na reverberação do que nadava em vale num paraíso dúbio. a imaginação é mais impura das gentilezas que a razão recebe do absurdo: a razão é tão velha como a primeira cafetina da mais velha das profissões: a pilhagem de termos. Aos dezoitos anos conheci uma guilda de homens que se amam nos subúrbios de suas pernas que voam em assovios: vem nesse canto escuro! há uma ponte que nos esconde do riacho turvo: a noite a praia é breu e nada do céu testemunha as braguilhas em bronhas clandestinas. conheci gente depois da infância e nada perdi esquecendo a meninez: a juventude é forte Quixote arfando estanho/ conheci a deusa, o tigre e suas presas: eu vim de enfrentar desconhecimento e agora pari um ogro azul que chamamos nuvem: não quero o que passa / desço e pranteio o que permanece disfarce que desato. imaneço: tenho um par de óculos e lunetas: tudo que arreganho é dos marujos de Holanda. Volto ao nome / restabeleço a crença: houve dormires em que velavam cortesãos / giramundos / não existem musas: só homens pelos braços. a mim não foste senão. Farei ondas / crescerás um Mar : findaremos vozes / segredos dissipantes: passa um gato do meu feitio de brilho da estatura do meu sonho. Céu / Mar: vácuo que precede é vão: saudades é pranto vestido de amplidão e serra. amanhece gêmeo: somos ambos.
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COESIA Coisa não é outra pois nomear apontando olhos dourando de objetos os nomes? navio-poeta cais é a mão que aponta sentir doendo enjeitado do Acaso encontra raiz perfeita florescendo alma disforme a fronde simetria teimam vozes estranho fado melancolia métrica tendo tudo terei com Tempo o nada em excesso nem saiba nem onde triste aurora rebentará sol arisco pesadelo
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remonta ao todo que algo embala alva nuvem segue fardo refazer noutro dardo exasperado a centelha é o recomeço que recende bola de fogo e pensamento para quando o que se amoldando noto a praia antes do Oceano o prisma profetizando / horizonte urânio celestial tudo mais do Amor da mão distando, aproxima querer o germe laivos inconclusos cada manhã será uma manhã outro dia verso este mesmo hora é o que transtorna de ponteiros fantasma contrário possível intento estátuas de sal ao léu cruzeiro pedras põem-se ao lugar no pouso Eterno não repousam mitos estar longe é qualidade desfazer meu corpo não é fora do Mar pela vista que conjugo não concebo sem mim do Mar só eu vejo sem par o promontório nonda vago / perispaço não concebo poesia sem tato encarno a sensação dum escaler distante tudo que não diste nenhum prazer consome inconcluso o gosto azul que sorvo é bem mais que cheiro rumor orvalho é gozo do olfato orgasmo do palato se outro dia é esse aposto esvanece poemas descabaçam procuro em você golfo seta mirante
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procuro em você `quem dirijo rastro procuro em ti farol agosto gancho procuro em ti porão tonel fardo procuro navego em você Sol-mulher Atlântico manso pervogo voluto hefesto forjo-me dorido mastro transtorno tempo passado remorso desfazimento segue aos passos do que ainda quero tirando Deus do meu pedaço esconde-te onda arresto nada pende no Oceano túrbida fronde criar mais do sal esfeito tem-se espaço pó recolhido serenado extremo façanhas aguada aprisionas fazer dias claros vales nítidos um mar-tu mais fundo horas restantes ao molhe sobram desistem da Arte queda punha um gesto na ideia içando rima está por vir poeta que anda além das coisas inventa dor colorindo vaga peregrina língua pensa esgarça.
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POEMA AO OLHO DE DEUS
A linguagem é quando rompemos sodomizados por um Deus imagético de estrelas em sustenido só Deus é capaz de gozar ejaculando adjetivos reticentes essa paixão epidérmica pela palavra me puxa feito quem se deleita fornicando entre as ondas dum mar bravio de violáceas escamas resisto mesmo naufragando de mim se somos rosto fugaz do Devir que seja o Verbo rebento um rosto que resta diluído pelo acaso passageiro das esferas na água oca dos espelhos opacos Deus penetra-me sem estrofes réstia / fresta trepadeira da alma em tronco fungos entrecortados de veios de açucena permeiam o pulmão do mundo exalando arbóreo oxigênio por
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alvéolos incandescentes? que estiletam o ar de setas trespassando o acaso... duas forças competem entre minhas costelas dilaceradas de significados exangues: longe e nunca... toda poesia de minhas entranhas nisso se contêm quedas da violação de meus sentidos eviscerados: longe e nunca... ai emasculado do divino: escrevo orgasmo cósmico entre a rosa túmida entre minhas ancas tortas como a órbita de Urano criar é um ato anti-natural viver é apenas passar por apuros entre a dor lúcida entre o vazio e o nada existir é um travo semântico de nossos membros e células consumindo-se no esforço insano de desatar o absurdo poesia é então o elaborado sêmen infértil dum vício solitário perpetuado por signos / gestos ou insondáveis rebentos de galáxias distantes dum agora contínuo mesmo sem mais o meu e teu gosto... é preciso mastigar o que escreve nas coisa por nós o pensamento criativo liberta: o ex-pensamento é o encontro da palavra com o mundo: Poesia não esquece a bagagem, mesmo que o destino seja o nunca ele nasce com o invólucro sedoso e nos despacha com pano sem nenhum apuro esse amontoado, esse chamado, destino... a vida é um nada imperdível nascer ao lado do mar, desde os mais antigos ancestrais, foi a sina de ser vocacionado para a sondagem... a inquietação alternando profundidade: todo disparate me soa verdade do Oceano em mim. Eu `causo-me` espécie as vezes.
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Não saber quem sou foi meu primeiro estalo para sentir-me escritor, para fazer-me poeta. A vida para mim? é fazer tudo por acreditar / tudo está por acreditar Esse esforço insano por crer / ainda assim nessa lida nunca me senti tão bem convivendo mais comigo... estava disperso até de minha sombra, essa sorrateira que também deve ser trazida e tragada ao conversar com minha luz. Três horas... a madrugada é uma senhora deflorada parindo mil auroras... Imagino alguém pensando num hotel em Adis-Abeba ou Tókio que eu também exista... sempre há alguém para vibrar nosso tempo: esse amor longínquo diz-me com intuição voltada ao hemisfério ocidental do meu corpo e toda vontade de meu dorso, que terei um inverno afetuoso aquecido pela face doutro rosto onde a entrega só é possível depois de feito nosso acerto de contas... eu chamo o ponto P dentro de mim: meu cerne por aflorar. Quanto mais desaprendo é o recomeço do sentido. amas? é o enigma / respondes? anúncio do desacerto o desejo vem na emergência de um esvaziamento extremo. Tenta o oco de ti: encontrarás um fóssil recheado de resquícios do que não foste. O homem sem alma foi descoberto nas ruas... um poeta o identifica pela senha dos olhos de quem vê longe... de repente era uma multidão de desalmados... enjaularam o poeta que sopra cantos como Orfeu: versos sem preocupação mais de se libertar. Você é a medida de quem ama / do que... busco o pássaro da noite / afasto-me dos espectros que ofuscam o paraíso terreno. A elaboração do luto nasce da fala / o que se perdeu recomeça no reinvento das cinzas”.
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POEMA FACE
O FACE É BOOK mas a VIDA É PELE! *** É impossível conciliar inquietação estética com conformismo político! *** Criar uma pequena flor é um trabalho de séculos criar uma imagem que reflita o horizonte ecoa por mil auroras *** quando folheio jornais de domingo de Sampa e Rio sinto falta de minha biblioteca urgente! um meteoro atinge a Sibéria a Vila Madalena foi quase submersa com o Morumbi na sexta e tudo parece irrisório
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enquanto isso Sabrina Sato posa de pastora de Ataulfo e musa de Noel Rosa e o oxigenado de Neymar está bombando! fudeu! a mídia tradicional perdeu senso de medida! *** quantos lêem Rimbaud? quantos ouviram falar em Gerard Philipe? me sinto só num universo com alguns astros de órbita rara como a minha de Urano! na escala da evolução humana o poeta é o máximo do espírito e não ouvem mais os poetas em nome do mercado sujo das nulidades! *** a indeterminação de corpos quase naturais os membros como fossem galhos pendentes num lago benevolente de afagos / begônias, jacintos e rosas entrelaçantes fazer amor tem tudo a ver com tesão da literatura em contá-lo *** tatear o fluxo manter o ciclo refazer a fonte.... *** o POETA só se fode não ganha como DJ nem como CEO é sem sigla é POETA o POETA só vive de chorar perdas e tentar entendê-las até melhor que as mães....o POETA é quem sofre de modo inteligível é quem verbaliza a mãe com sentimento de filho ***
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a avareza ; o lucro; a ambição são filhas putas da prosperidade o humano só pede ser poético! poético é fudido, não sabe fazer negócio mas poético enxerga dentro das pessoas..... *** Só é artista aquele que é capaz de transformar a solução em enigma ***
frágeis açucenas que florescem em viço na primavera e não resistem por delicadeza ao peso bruto do verão açucenas tímidas por misteriosa beleza não alcançam por nossos olhos o ardor doutra estação *** longe muito longe agora ficou tua fisionomia e te vejo não como eras sem o rosto que te quis só , agora reconstruo como posso teus traços com essa vida que carrego tendo a dor como aprendiz.´´ *** releio Mircea Eliade / o verão com ares de maresia/ um miasma de entristecimento profundo/ fazer poesia é buscar o Self perdido entre tanta matéria que nos desvirtua do essencial das coisas..... *** a madrugada apetece à quem reflete, sente, pensa.... é o útero da filosofia....
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*** É incalculável é intransferível eu não posso dimensionar podemos fazer ideia de algo vago porque o sofrimento não é um mistério / o abominável espreita tudo é indiferente/ vale que humanos sentimos pensando como deve ser o que não nos toca diretamente: não é compaixão uma indagação que ronda: eu não estava lá , mas sei que no cerne das coisas sou um deles que padeceram para me sentir assim, assim de novo , humano... *** o infame o surreal de cobrar o abjeto dinheiro para consumir vidas no inferno ! o lucro! o maldito dinheiro que faz sorrir e apunhalar! villlllllllll *** culpa ao horror? lucro a todo custo! mentalidade mega! megashow, megaevento, megafaturamento! o capitalismo come vidas solto sem alvará e sem culpa! *** tudo é show enquanto o espetáculo consome vidas! onde a porta de saída para esse abate de jovens consumidos em nome do lucro! ? *** a classe média é a merda denominada burguesia o lixo é reciclado com vinho, design de interiores, todo lixo de quem nasceu na merda e caga compostura eu vivo VOMITANDO essa GENTE! REGURGITOFAGIA!
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*** durante toda vida considerei ´desejo´ o termo mais belo em qualquer idioma, agora associo ´coragem´ *** num país onde o HAIR STYLIST é mais ouvido que o analista político, o economista ou o poeta nada se espera que chamem CIVILIZAÇÃO! *** para a extrema verdade pede-se um remanso sereno grandes ondas surgem de profunda reflexão do abissal silente *** ao mar de letras.... trazendo cardume de novos significados.... *** largar pelo caminho bagaço do que não era para ser fruto.... *** chega-se uma idade, um tempo em que tudo que é tolo, supérfluo deve ser deletado: pessoas, sensações, temores, companhias tolas e falsos caminhos que não são objetivos reais é tempo de madureza! *** assim foi e será no começo era o mar que se fez verbo pela poesia das ondas.... ***
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ter um amor e viver o que se escreve escrever o que se intui poetizar o que se sente sentir profundo para criar! *** tenho um respeito reverencial pelos suicídas.... não faltam motivos aos sensíveis num mundo estúpido o ator George Sanders, brilhante ator! se matou num quarto de hotel em Málaga com um recado que tudo encerra: Para mim chega.... *** o poeta é IN-QUADRÁVEL! esse é o lindo ARTAUD o louco feito louco pelos outros loucos sendo poeta! *** o Tempo é uma convenção do Espaço abstrai e tece teu movimento indissociável de teu passo *** por que não encontra morada na pedra o poema que flutua? *** não existe momento só nossa percepção quebrando o contínuo fluxo ***
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- Não, tolinho! Truman Capote não é uma rua paralela à Oscar Freire, digo a um jovem ator inculto como vicejam nas esquinas da Vila Madalena! *** não suprimam o amor por convenção o desejo sempre emerge como recalque sem asas sigam o anjo quando apetece o voo amplo! *** é o ato, não a potência é o gesto, não a intenção *** vou ao vento e volto ao mar na madrugada do tempo.... *** a pornografia é monocórdia variação sobre um tema o erotismo é multiplicidade de perceptos *** o erotismo é poetização do corpo pelo esmero duma alma sensível *** só nos misturamos com o ´mundo´, o dia, a vida depois de refletidos em nós.... *** certa é a paga incerto o amor
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mas com todo preço amar é um risco bom.... *** em todo canto uma ponte entre o grito e o esquecimento no eco.... *** eu tenho me aplicado muito em esquecer.... *** desde que nascemos, nossa busca é conseguir alguma resposta para tanto silêncio.... *** sobre o homem “sem-si” o indivíduo sem conteúdo tangido pelo rebanho *** não “satanizar” o corpo tesão nas veias coragem pelas ventas... *** o DNA é o o sequenciamento poético da Criação Deus é um escriba e mestre Borges sabia! meu amado mestre! o universo é uma biblioteca em eterna disposição de textos encapsulados! ***
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Céu Mar vácuo que precede é vão: saudade é pranto vestido de amplidão e serra. amanhece gêmeo: somos ambos. *** o amor não tarde vem e te alinha ao estrado: cão indoméstico amo-te inédito ardor inefável amor esse nosso profundo: arrefece queda põe-te em mim; reexamino em ascese, vai-te hoje fomos carrego tu em talhe *** "teatro das palavras sucede ao delírio dos significados o Verbo azeda ao ser posto na boca" *** o mundo é muitos quando artesão das horas resgatando o Tempo exaurido retardando o sentido *** o corpo só desejo as vergonhas são cismas da alma *** Antes de fazer-se a Luz Deus pensava como iluminar o mundo do seu escuro de criação ***
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a madrugada é a solidão do dia
o futuro é agora somos o mundo poetas antenas do universo pedimos todos cuidemos desse barco que o mar é divino! *** CLARICE LISPECTOR: ROTEIRO DO INSONDÁVEL Monólogo apresentado pelo autor na rede SESC SP em junho de 2009
Clarice, o desejo é um risco bom; não tenho para onde voltar depois da liberdade: e a liberdade me joga no redemoinho da paixão. Apesar de ter a doença dos sentidos demais aguçados, elevo-me ao Himalaia desse amor que me perfura: estou em estado de insatisfeito: o amor é coisa intraduzível, mas reparto fragmentos de compreensão: o que importa é que eu não saia ileso. O desejo por onde começo a dizer que quero estar nele, ser por ele, contaminar-me de sua pele é uma aprendizagem. Desejo é a palavra mais linda em qualquer idioma: desejo como quem aprende a andar depois do parto de estar no mundo sem escoras: lanço-me ‘a ele o: Desejo. Agora ele tem cara: semblante de pedra. O amor é pedra onde cinzelo / quanto mais miro, mais turvo, embaço, mas não me cego: a pedra é o impossível que alcanço, o mais próximo do impossível, Clarice, é o homem impreciso: o amor por ele é sufocador, mas continua vago. Quero viver de tesão com o mundo: nunca ser indiferente , mesmo com ódios passageiros. Amargura é dor carnívora. A felicidade dói, machuca: é um peixe elétrico, viceja. No meu sofrimento há um pátio
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ajardinado que rego: retenho esse meu afeto e nele acho uma fresta no sufocamento. Não, não Clarice! A nudez desse homem não me basta: é o entendimento do tempo que tiro dele ‘a fórceps o que me sustenta: forjo o que amo, ele vem depois do que já intuía. Sabia desse amor em algum lugar do instante: agora que encontrei a face do meu delírio, remo na maré do próprio dilúvio que joga-me como arca: esse meu amor exige criar um Universo de coisas inexistentes. Abri a porta a um monstro marinho, colhi açucenas de puro aço, injetei força em minha medula adormecida de silêncio: cerrei minhas mandíbulas e segui farejando o absurdo. O amanhecer é improvável, a morte agora é não mais tê-lo: agarrei-me ao amor, ‘a pedra, ao homem: não me rendo até o último gozo desse santo suplício. O homem onde pouso o espírito é um mar que corre nas veias: sabor de maresia que imanto. Amor , Clarice, é impregnar-se de uma galáxia por dentro. Ele é vasto, já não mais pedra o amor: o desejo é montanha: é vereda, eu pastoreio e rebanho. Há uma geologia íngreme no subterrâneo: na psicologia dos meus dedos : ilumino com a espera as cavernas que ele me causou: escrevo-te Clarice para encontrar o silêncio. Não tenho mais forças para lutar contra o insondável: arrebenta em meu peito acanhado um Atlântico de ondas vertiginosas que me jogam contra toda realidade: a realidade é um sonho que me esqueceu. Estou em estado de praia, de rebentação: o abissal penetra-me agora : tenho coragem de ir ao fundo da coisa que sou eu, mas o eu espalhou-se. O amor reconhece a verdade não no coração , mas na imaginação da felicidade: o coração mentiu muitas vezes e agora não tenho altura para o abismo. Eu vi a Beleza e ela não me cansa de lágrimas: penso conceber o que se passa entre mim e o jogo, mas eis caído num lance inesperado. Eu quero esse amor mais do que o infortúnio de seu desprezo: a questão é o que fazer quando o amor secar de cansado: umedeço . Sei que existe a plenitude dum mergulho, da rosa, do ocaso do Sol no outono: procuro a plenitude Clarice, e lastimo que tudo concorra para desfazer-se: afogo-me, a flor despetala-se saudosa do caule e o crepúsculo me enche de terrores : não é a morte que tememos, é a finitude. Dizer-te torna-me menos fantasma de palavras: o Destino se interpôs em nossa conversa: o que não é memória é hiato , estou
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desvelando o amor pela fala : sou impelido a dizer, a tentar reproduzir abstrações tão concretas quanto a lâmina que me fere de não poder: amar tornou-se uma prece de fora para dentro: uma liturgia do recôndito, uma celebração visceral do incompleto, não estou conformado com amputação da minha Alma. Perco-me : sou fluvial, cedo ao leito rubro : navego na torrente precipitando-me desabrido: só não transpasso: essa é a causa do meu desespero sem descanso : não transpasso por nosso espírito não penetrar-se em coito: eu o tenho sem ter, Clarice, o corpo não é ainda o amor, a carne é movediça, meus olhos não fixam o delírio: a fatalidade dessa paixão é não poder ser totalmente outro por inteiro e o inteiro descobri de modo terrível: ele não se permite, o inteiro não existe. Aprendi a trepar com outra Alma. Há essa selva entre o real e o simbólico: toda atmosfera submarina aterrada surta e endoido sem loucura : esse o drama que me alimenta e implode: a paixão é composta de razão excessiva, mas há outra face da razão: a posse do impalpável. Ele é a fruta e o paladar da fruta: minhas vísceras contêm também sua polpa: eu consisto em ser por ele sem estar nele contido : por que não vem a palavra que encerre a angústia: onde adquiro a fragrância do Eterno? Evito-me as vezes: escapulo de mim, foragido de algum espelho ancestral, busco onde não encontrar o que me foi perdido sem ser percebido. Perceber é longo demais: quase nada tem um diagnóstico certeiro além da própria dor e do grito. Uma vez achei o perfeito : era invisível aos olhos desatentos.: o perfeito é quando sentimos não mais querer sentir: dormindo eu sinto, mas quero a dor desperto... o perfeito é rápido como um raio bruto ou a saudade em estado de anestesia. A maçã não amadurecida quedava distendendo-se ao meu apetite: um esplendor! o diabo, Clarice , é a espera da colheita. A culpa de todo meu amor é não contentar-me em ser sóbrio de luz: exorbito implorante: emociono de deixar ele entrar: não amo toda parte, sou raro e apartei um alvo: só me chamo Eu quando ele me afaga: sou Eu quando mais não for além de Eu , ele por dentro tatuado. Ele estendeu o braço e lembrei de ti Clarice, quando dizias sobre os amantes: eu disse a ele “sou tu e eu é tu, nós é ele”. Amo romper a gramática como um dique não contendo a represa : amo em azul , amo num azul muito delicado, o azul cobalto.
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Agora desnudo o que antes inexistia. Despojo-me do que antes não tinha: me totalizo: desnudei-me numa clareira da floresta escura: não fugir da sombra é o maior sinal de luz / a raiz sofre ao rasgar-se semente : da unidade ao fragmento, deitamos sementes de nossos corpos-raízes: sou primordial : tornei-me bromélia: o poeta mora onde se entrega amor . a pedra subjaz: dissolveu-se sedimento liquefeito. Esquecer é não ter vivido: se não tivesse nascido por onde perambulava o que é em mim existido? Clarice, estranho-me: : quem somos quando escrevemos? a máscara ou o rosto distorcido? Tenho a memória da terra , o Mar ejacula / corrosão da pedra / pomo / faca sem gume / fui alcançado por um distanciado farol da torre : eu presumo, não penso: pensar é certeiro, e nada acerta quando buscado: o sentido é outro que o da fonte . Sou amado como seiva esvaída em transe: os ossos desse amante salgam minha pele distendida : castelo de proa / assovios de navios na noite do Tempo: é noite do Tempo: o Espaço é claraboia / mansarda acolhendo Vida: o que é Vida , Clarice ? senão rastilho de pólvora. Confesso um segredo com meus membros em água viva: Clarice, confesso : meu amor é um navio sem rota cortando caminhos por minha artérias de zinco: cada célula de que sou composto , tem um núcleo exalando sentimento. Esgotarei a existência até a última seiva e haverá gotas que jorrarão meu Eu e o amor que experimentei nos elementos : nosso acalanto terá aparência de ciclos entre a chuva e o trovão. Escrever é poder dizer num relógio d´água tudo que não sei explicar: precipito-me de novo ao penhasco: queria tornar-me Oceano para libertar-me da paixão: rasgo com meus músculos impotentes o cruel muro da prisão: a paixão por ele tem sido minha prisão. Todas paixões são prisões: recomeço escalar o muro : o penhasco : agora quero ser calmo : quero ser contemplação: cansei da paisagem: eu o carrego amando sem mais muros. Conheci o amor numa tarde: agora meu futuro é sempre 2 horas da tarde. Alcancei a esfera: a esfera, o círculo que não domino não sou mais eu, nem ele que ainda amo, o cerne, a essência é a busca da libertação, estou no aprendizado da libertação, Clarice: libertação é espremer o que passa: busquei o total, o total não fica nunca pronto: então choro com o milagre do que passa: dos amassos que dou na existência: transo de espírito para o espírito : o dele é azul
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também. Dois nunca são um; amor é areia que junto para arquitetar um castelo que desmancha, mas ainda assim volta a ser Oceano-Mar. Somos rochedos vizinhos: o sal semeia esbatendo em nossas ilhas que se lambem de partida. Rochedos, mesmo assim seremos misturados de areia. Não somos mais ilhas: contemos um no outro: somos agora continente.
MARK MUTEK Eu Mark Mutek, especialista em arqueologia marinha terminava doutorado: ‘Distribuição espaço-temporal dos sambaquis’, era a tese liquefeita no meu apartamento-cérebro num beco da Aclimação assepticamente distante da Praça Roosevelt; sou entendido em criar guetos dentro de mim mesmo. Escrevo para não ter amigos, descontando horas, arrefecendo coração seco. Meu tesão é palavra: a Ciência me sustenta, faço Arte escavando contos obscuros achados entre as estantes formadas por volumes dispostos em estalagmites / estalactites de preciosismos verbais e minimalismo acústico. Pálido escritor que divaga escambos espeliologicamente, sampleando suportes literários desdatados. Três mil livros indo e vindo, soçobrando por sinapse cortaziana. A caverna separa em tacos ladrilhos gêneros estilísticos. Oceanografia embromo em tubos, sou escritor absolutamente. Percebi ser Natal pela necessidade que senti de reler contos; emboquei na Vergueiro até a Fnac em busca de George Duhamel. Ando escrevendo tesão por tesão em cápsulas, apostrofo, pósmodernizo. Cada passo de idéia é arrasão-quarteirão miniaturo. Curto muito ecodiversidade nesses dias turbulentos: loja de departamentos com várias saídas, banco de trás dum táxi na chuva e prédios decadentes são meus elementos além da gruta. Sinto-me Xavier de Maistre de Sampa que é extensão do quarto. Reler Saki, Jean Lorrain, quem sabe um CD de Pierre Boulez :
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a prioridade dentro da compulsão evocatória era Duhamel. Amo os jovens islandeses, chocolate belga, esquina paulista. Tudo que semelhe cigarro indonésio, trago acre, bunda lisa. Não trepava já por um ano, mas gozava escarafunchando : gosto de letras e rostos. Ao lado da secção dos simbolistas, na ecodiversidade fauno-sampaulina , um cover de Alex Kapranos dedilhava Théophile Gauthier feito um seláquio folgando sua magreza ferdinanda. Traços finíssimos, gorro de puto londrino, cativante pelo aroma de franquia tribalística. Gente é grife. Era um felino paulistano que alternava Hoffman com ‘Nitzer Ebb’; deveria ser encanto de Noel, mas ele parecia pedir ser sodomizado na noite do Menino Jesus. Regulava 22 anos, desceu a Alameda Campinas eu no encalço: há um instante em de dar instruções cronópicas ao ar que brota de minha passagem. Sairía da overdose erudita que me envolve nas comemorações coletivas para uma aventura amorosa com um estranho elfo maspiano. Usava diesel flutuando andrógino num mix de Lucius Malfoy e Lara Craft; queimei a cigarrilha imaginando gay cult que desconstruísse Derrida comigo. Estaquei quando ele se vira no abrigo da Brigadeiro: finjo não intuir seus conhecimentos Radiguet ouvindo John Cage numa daquelas estufas de plantas carnívoras de Tennessee Williams. Quando amo repentino deslindo todas possibilidades intelectuais que vão além do sorriso meigo e do rabo. Burrice brocha: não seria esse seu acaso. As pernas rapaces que ainda montem as travessuras dum sátiro; fluía acústica do tema: seguiria ele entrando no Baronesa de Arary. O porteiro com cara de Fregolente informa um jovem recém formado médico que comprava livros usados no oitavo. Corria lance de cada: fui ao terraço, sempre em sonho é o topo o que alcança. A cidade ofereceu-me autômato; o Trianon esverdeava a barafunda de sensorialidades: home-theater alumiava Coppelius às gargalhadas. Um holograma no feitio de minha carnalidade poética: retinia policromático em sinestesia. A mulher dos sacos embrulhada sorria estar sendo filmada: era performer natural do desalento. Até meu antro era solecismo devassado; Sampa entrava no antro, autofagia, tínhamos comido tudo: regurgitava. Meu joelho enfiara-se na escada
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que dava ao ensimesmado pouso de dizer comigo. Pus em ordem minha coleção de slides de praia. Seu nome seria Santiago, era meu peixe escapulido. Agora fodase! masturbar em literatura exige prece e calma ;- tenho que dizer muito até acalanto do sentido. Vario disconforme; o rapaz da Alameda Campinas é meu vício antrofágico. Torno aos sambaquis que não cessam de mandar lembranças. Tiro fotos de fogos de artifício. Espocam símiles das ondas do Mar. O brilho dos artefatos são trajetos do Oceano inventado. Santiago era meu peixe holográfico. SanPaolo era um presépio encardido, terno refúgio prá qualquer delírio. ESCRITURA: LITURGIA PÓS
Sentir-se escritor pode ser a morte, não sentir-se é praga incutida pela Literatura. O cânone carcome a vontade pura: escritura é liturgia da solitude, culto feito pelo entendimento em nome da desrazão: escrever é metaforizar a luz que ecoa do Nada. Se o Século não findar? Mais um motivo para inaugurar esse derradeiro com espocar de ícones da despedida. Literatura é invenção-feudo de quem monopoliza: não instruo, desdigo, nada desestimulo: se aparta do mundo e anota, molda algo de fatídico à paisagem e ao Discurso. Começo citando a mestre dos que não seguem mestre mais nenhum além das coisas ditas: Leyla Perrone-Moisés; por ela eu crescia admiração, e que era estima e fiança, respeito era. Da pessoa dela, da grande cabeça dela... “Ora, o que Barthes vai propor a seus alunos não é um modelo ideológico ou metodológico, mas a participação em sua própria prática de escritor. Ser escritor, para ele, não é um título honorífico, mas o preenchimento de uma função: o professor Barthes escreveu, escreve. O que ele pode oferecer aos alunos é uma abertura a essa prática. Ele se mostra então em ‘estado de enunciação’, falando do livro que está escrevendo, não para dizer; ‘escrevam como eu’, mas para convidar : ‘assim como eu escrevo um texto meu, você
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pode escrever um texto seu.’ O texto, como obra de arte, é irrepetível. O paradoxo do escritor que ensina é assim saboreado por Barthes: ‘Ensinar o ‘que só ocorre uma vez, que contradição nos termos! Ensinar não é sempre repetir? ‘Além disso, a escritura não é um saber prévio, mas um fazer onde se encontram saberes vários, imprevisíveis. O escritor ensina, pois, o que não sabe. Como qualquer professor, aliás; a diferença é que o escritor sabe disso. “Escrevo esse Mezanino prá ti, estranho que passa na tela: Tiago, que envia e-mail em dúvida sobre se escritor: [‘Sim, Flávio, sou jovem. Não estou totalmente ligado à Literatura, mas sorrio para a margem deste círculo. Estou com 22 anos. Esses textos, tanto quanto os que eu publico no blog, como os que envio, são experimentos, amadurecimentos. Queria ser mais dedicado, mais empenhado, mas fazer Literatura tem sido bem difícil. Não sei o motivo, mas para a idéia surgir, eu tenho que contemplar o ócio ou, como eu prefiro chamar, afirmar o ócio. Acho que isso é um traço bem forte de quanto ainda sou amador. Só quando eu conseguir escrever rotineiramente, da mesma forma que escrevo quando surge a idéia, poderia afirmar, sem ressalvas, que eu estou ligado à Literatura. Talvez, também, isso aconteça por não estar totalmente conectado a esse círculo.’] Tiago: o escritor faz escritura, Literatura é o que fazem do que ele cria sem alvo. Existem os que escrevem sobre alguma coisa (‘os escrevente’ / ‘escrevinhadores’) e os que escrevem, ponto final (‘os escritores’). Para os primeiros, a linguagem é instrumento, para os segundos ela é meio e fim; para os primeiros, escrever é falar de alguma coisa, para os segundos ‘escrever é um verbo intransitivo’; para os primeiros, interessa um ‘porquê’ (do mundo, da literatura), para os segundos só interessa o ‘como’; os primeiros buscam respostas através da linguagem, os segundos formulam perguntas na e à linguagem. Mas Flávio! Você discorre citando Barthes ou Décio Pignatari! Seguia andando com escritor queridíssimo e ele gozava: agora quem fala é Flávio ou Flávio citando Whitman!? Prezado
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Julián, eu quem digo o que seja ‘escrevente’ ou ‘escritor’: o primeiro afasta a poltrona ao leitor e gentilmente exclama :’’Sente-se, por favor e ouça o que te explico ‘’; o escritor simplesmente escreve e lança ao interpretante um brado rotundo: ‘’foda-se! o sentido, virese!’’ Julián, eu cito por que escrevo relendo: sou tributário de um novelo que deslindo e sigo entregando, não pontifico: lanço mão de apetrechos que me conduzam alguma inteligibilidade simbólica que apeteça ao ruminante em sua regurgitofagia. Não sei dispor diálogos, sou péssimo inventor de estórias originais: a escritura é transe orgiástico dum universo que não sucumbe, prorrompe em lances, disssolve-se, estilhaça: escrever em mim é ‘curtição’, ‘curtição’ da linguagem entre oralidades e não-verbalidades: moro nessa ilha que se enreda num arquipélago estrelado de ícones que moldam pegadasistmos ao continente-magma dissolvente. O significado é o que busco em cubos de gelo ou pelotas de fogo entre os dedos de quem burila nexos. Tiago, não aguarde círculos literários, roupagens, nomeadas, escreve o que é seu pronto: ao escritor outro é amoroso cúmplice; não me satisfazem horizontes, prefiro atmosferas que pedem personagens cheios de vontades além da contextura. Escritor é aquele que mora na linguagem, desdobra-se por ela e descondiciona o real de sua possibilidade direta e utilitária. Preciso focar: posso ‘viajar’ mas sem perder limite infindável de cronopiano: difícil é suceder um cara genial feito Daniel Faria: “A máquina sutil do desejo (de ler)’’; esse Mezanino quero fazê-lo diante da lateralidade, trazendo o que transleio ao patamar de onde deparo esses resistentes da subjetividade. Há pouco espaço para a subjetividade: a Internet seria plano da comunicação, mas revela-se também nicho onde a expressão revela excelência expurgada dos cadernos literários...
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Flávio Viegas Amoreira - escritor, crítico literário e jornalista; já lançou dez livros entre poesia, contos e romance; colabora com diversos jornais, revistas literárias e sites especializados em Arte. Faz parte da denominada “Geração Zero Zero”, autores de vanguarda surgidos no começo do século. Foi traduzido e adotado por universidades européias e norte-americanas. Fundador com Gilberto Mendes do “Fórum Santos Cultural”, de resgate das tradições de vanguarda e cultura do Litoral Paulista e do “sentimento atlântico do mundo”. EDIÇÕES CAIÇARAS São Vicente Brasil
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A Edições Caiçaras é uma pequena editora independente artesanal inspirada nas cartoneras da América Latina, principalmente na Sereia Cantadora de Santos e na Dulcinéia Catadora de São Paulo. Nasceu pela dificuldade homérica e labiríntica em publicar meus livros em uma editora convencional. É uma forma de reavivar o ideal punk do “faça você mesmo”, incentivando a auto-gestão e o uso da habilidade manual, algo que está se perdendo em nossa sociedade tecnocrata. Assim, de fato, começa a tomar forma a filosofia da Edições Caiçaras, mais do que um caráter social, nos interessa, ousar na forma e no conteúdo. Na forma é um aprimoramento das técnicas das cartoneras - os livros são feitos com capa dura, costurados com sisal e presos com detalhes em bambu, e no conteúdo, priorizamos um diálogo profundo com a Internet e com as literaturas locais do Brasil. Márcio Barreto
CATÁLOGO POESIA O Novo em Folha - Márcio Barreto Nietszche ou do que é feito o arco dos violinos - Márcio Barreto Pequena Cartografia da Poesia Brasileira Contemporânea - Marcelo Ariel (Org.) Perdas & Danos - Madô Martins Mundocorpo– as aerografias e outros desvios do tempo – Márcio Barreto Peixe-palavra (poesias caiçaras) – Domingos Santos Poemas Sinfônicos – Danilo Nunes DRAMATURGIA Atro Coração - Márcio Barreto
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Ácidos Trópicos – uma livre criação sobre a obra de Gilberto Mendes – Márcio Barreto ENSAIO Obras Cadáveres - Arthur Bispo do Rosário, Estamira, Jardelina, Violeta e o Deus do Reino das Coisas Inúteis - Ademir Demarchi Desaforismos (aforismos) - Flávio Viegas Amoreira Meu Namoro com o Cinema – André Azenha ROMANCE Teatrofantasma: O Doutor Imponderável contra o onirismo groove – Marcelo Ariel PRÓXIMOS LANÇAMENTOS Anga ibiisi (poesia) – Luis Serguilha (Portugal) Excídios (poesia) – Jorge Melícias (Portugal)
O IMAGINÁRIO COLETIVO O Imaginário Coletivo de Arte agrega artistas do litoral paulista em suas diferentes linguagens e tem como proposta fortalecer e propagar a “Arte Contemporânea Caiçara”, valorizando nossas raízes e misturando-as à contemporaneidade. Formado em fevereiro de 2011, é resultado de anos de pesquisas desenvolvidas em diferentes áreas que culminaram na busca de uma nova sintaxe através da reflexão sobre os processos criativos na Arte Contemporânea Caiçara.Seus integrantes convergem da dança, eutonia, teatro, circo, música, literatura, história, jornalismo,
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filosofia e artes visuais. Estão diretamente ligados à experimentação através de núcleos de pesquisas desenvolvidos no grupo Percutindo Mundos – música contemporânea caiçara (2008), Núcleo de Pesquisa do Movimento - dança contemporânea (2011), no Espaço de Consciência Corporal Célia Faustino - eutonia (2003), no Projeto Canoa e Instituto Ocanoa – pesquisa da Cultura Caiçara (2007). Em seu repertório constam “Ácidos Trópicos – uma livre criação sobre a obra de Gilberto Mendes” (teatro), “Atro Coração” (teatro), “Homo Ludens – fluxos, lugares e imprevisibilidades” (dança contemporânea), “O Jardim de Patrícia” (dança contemporânea), “O Universo em Movimento” (música), “Universo em Gentileza” (música), “Percutindo o samba” (música), “Mundocorpo” (música) e “Poéticas para um novo tempo” (música). Ao longo do tempo realizou encontros, oficinas e palestras, tais como o "Sarau Caiçara" - Pinacoteca Benedito Calixto - Santos /SP, "Mostra de Arte Contemporânea Caiçara" - Casa da Frontaria Azulejada - Santos/SP, "Itinerâncias - Encontros Caiçaras" - Casa da Cultura de Paraty Paraty /RJ, "Sarau Filosófico" - SESC Santos - Santos /SP, "Virada Caiçara" - São Vicente /SP e “Vitrine Literária” – SESC Santos – Santos /SP. Seu trabalho está presente em universidades, escolas públicas e instituições de cultura através de cursos, apresentações e palestras, além de inserir sua proposta artística em outros espaços públicos.
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www.edicoescaicaras.blogspot.com www.youtube.com/projetocanoa www.percutindomundos.blogspot.com www.soundcloud.com/percutindomundos
Mar por Perto foi impresso sobre papel reciclado 75g/m² (miolo). A capa foi composta a partir de papelão e sacolas de papel doadas pelo Espaço de Consciência Corporal Célia Faustino. www.celiafaustino-conscienciacorporal.blogspot.com
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