A presente edição é inspirada nos trabalhos desenvolvidos na América Latina através de Sereia Ca(n)tadora (São Vicente, Santos – Brasil), Dulcinéia Catadora (São Paulo – Brasil), Eloisa Cartonera (Argentina), Sarita Cartonera (Peru), YiYi-Jambo (Paraguai), Yerba Mala (Bolívia), Animita (Chile) e La Cartonera (México). Edições Caiçaras é uma realização do Instituto Ocanoa, Projeto Canoa e do Imaginário Coletivo de Arte. Capa feita a mão com material reciclado. Contato: mb-4@ig.com.br 13-91746212 13-34674387
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PEQUENA CARTOGRAFIA DA POESIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
ANTOLOGIAS DA PAUSA VOL. 1
PEQUENA CARTOGRAFIA
DA POESIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
Marcelo Ariel (Org.)
Edições Caiçaras São Vicente /SP Novembro de 2011
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© Marcelo Ariel, Ângela Castelo Branco, Camila Vardarac, Daniel Faria, Katyuscia Carvalho, Lucila de Jesus, Maiara Gouveia, Marceli Andresa Becker Organização e seleção: Marcelo Ariel Capa, projeto gráfico, diagramação e editoração: Márcio Barreto
__________________________________________________ Ariel, Marcelo Pequena Cartografia da Poesia Brasileira Contemporânea / Marcelo Ariel (org.) – São Vicente: Edições Caiçaras, 2011. 87p. (Coleção Antologias da Pausa) 1.Poesia brasileira I. Título Impresso no Brasil __________________________________________________
2011 Edições Caiçaras Rua Benedito Calixto, 139 / 71 – Centro São Vicente - SP - 11320-070 www.edicoescaicaras.blogspot.com mb-4@ig.com.br 13-34674387 / 13-91746212
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Para Ademir Demarchi, Alessandro Atanes, Ant么nio Ramos Rosa ( In memoriam) e para vc.
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Resenha de Claudio Daniel (publicada na Revista Zunai)
" Pequena Cartografia da Poesia Brasileira Contemporânea (São Vicente: Edições Caiçaras, 2011) é uma antologia organizada por Marcelo Ariel que reúne sete autores jovens, que vêm publicando seus poemas em blogues, sites e revistas eletrônicas comoGermina, Pausa e Zunái. A internet é o veículo mais atualizado e pluralista para a divulgação da poesia, e nela encontramos as vozes criativas e inquietantes de nossa produção literária, que chegam aos leitores sem a mediação dos cadernos culturais da imprensa diária, cujos critérios de escolha são influenciados pelolobby das grandes editoras e pelas tendências hegemônicas na política literária. Não encontramos hoje veículos como o Jornal do Brasil dos anos 50, que contava com críticos como Mário Faustino, ou o Folhetim dos anos 80, que publicava resenhas de Paulo Leminski. Quem estiver em busca de informação estética nova ou de reflexão crítica atualizada perderá o seu tempo folheando as páginas da Folha de S. Paulo ou da revista VEJA, mas encontrará diferentes vozes, estilos, temas e mitologias criativas no ciberespaço. Na apresentação da Pequena Cartografia, objeto artístico artesanal com o belo projeto gráfico elaborado por Márcio Barreto, o organizador da antologia diz: “A internet possui muito do artesanal e se harmoniza com práticas de edição como a desta Edições Caiçara, a internet é um esboço dos circuitos telepáticos do cérebro, trata-se da costura de fios visíveis e invisíveis. Nesta seleção que é uma pequena tentativa de realizar um recorte pessoal do que considero o mais representativo da poesia brasileira contemporânea, poemas de Marceli Andresa Becker, Katyuscia Carvalho, Lucila de Jesus, Ângela Castelo Branco, Maiara Gouveia e Daniel Faria formam este pequeno livro, pequena tessitura, que na verdade é a construção de um pensamento sobre a poética dos autores selecionados e sobre a
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minha própria poética, porque esta fronteira entre nós e os Outros foi a primeira a desaparecer quando alguém disse a palavra ‘Poeta’ pela primeira vez”. O depoimento do autor, que reproduzimos aqui, merece destaque por desmistificar o suposto “distanciamento” ou “neutralidade” que alguns acreditam ser o princípio regulador de tais escolhas; nenhuma antologia é neutra, nenhuma é definitiva ou imparcial. Toda mostra é parcial, deriva de conceitos estéticos e critérios de gosto pessoal de quem a organizou. Longe de ser um pecado heurístico, peculiar às obras do gênero, a parcialidade é uma confissão de honestidade e de rigor intelectual, que não admite concessões: toda escolha de autores e textos criativos é uma operação crítica, é uma visão curatorial da produção literária de um período, e como tal deve tomar partido, sim, elencando os trabalhos de mais destacada elaboração estética, de acordo com os princípios teóricos, metodologia e grau de subjetividade do curador. Todas as antologias são incompletas e sujeitas à discussão; por isso mesmo a existência de diferentes recortes críticos de um mesmo período histórico é enriquecedor, não apenas para a batalha de ideias, o confronto de diferentes teorias, mas também para a correção de eventuais exclusões, causadas, não raro, pelo desconhecimento. Não é possível avaliar todos os poetas de uma determinada geração sem um distanciamento temporal, para que o crítico possa consultar o conjunto da obra de cada autor, as revistas literárias publicadas na época, antologias, resenhas e outros textos que forneçam sinais luminosos sobre a produção do período. A empreitada de Marcelo Ariel é altamente arriscada exatamente por isso: ele se dispôs a fazer uma pequena cartografia do que se faz hoje pela mais nova safra de poetas brasileiros, quase todos sem fortuna crítica e inéditos em livro. Esta é uma intervenção cultural perigosa, e ao mesmo tempo excitante e necessária, que apresenta para nós um pequeno número de
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autores significativos, que trabalham a linguagem poética de modo consistente, rigoroso e inventivo. Quase todos os poetas incluídos por Marcelo Ariel em sua breve antologia revelam um certo grau de hermetismo, derivado de leituras de Heberto Helder, Paul Celan, Lezama Lima e do Neobarroco: é o caso, por exemplo, de Daniel Faria (“Sangue / de espelho líquido. // Os intermináveis gestos / opacos / da cidade que se joga / sobre os meus braços”) e de Marceli Andresa Becker (“a fome que tenho se come / porque há saída nenhuma / na voz”). Pertencem a esta mesma linha criativa poetas como Andréia Carvalho, Diogo Cardoso, Adriana Zapparoli e Roberta Tostes Daniel, que mereciam estar incluídos neste volume. O “artesanato furioso” (Marino) de nossa poesia mais recente tem revelado uma força semântica e imaginativa que contrasta com a lírica morna e insossa da linha coloquial-cotidiana, hegemônica nos cadernos culturais, que tem como ícone o livro Elefante, de Francisco Alvim, que recicla o poema-piada e o poema-crônica-de-jornal já exauridos em nosso Modernismo, quase um século atrás. Desafinando o coro dos contentes, a poesia jovem traz de volta as imagens fortes, ambíguas, monstruosas, os ritmos sensoriais, o léxico inusitado e a invenção sintática, levando a poesia para o seu terreno natural, o da encantação e do estranhamento. Quem tiver dúvidas de que a poesia é uma forma de magia, que leia com mais atenção os versos de Marceli Andresa Becker: “inviolado pelo espelho. / (mas se cantar / é cantar contra ouvido e pele, tempo de fibras, / mas se beleza é tu contra carne, / então cantar, cantar, pra te fazer / pedaços)”. Ou ainda, de novo, Daniel Faria: “só se for na beira da praia, lá dentro / a pura monotonia, os dentes da maresia, / que absolutamente não canta, saltam do verde e liso mar / e ferem seus olhos, lambem seus dentes, apodrecem sua boca”. Em outros poetas incluídos na Pequena Cartografia, como a carioca
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Camila Vardarac, encontramos o poema em prosa de imagens rápidas, alucinadas, o discurso em jorro contínuo, que de imediato nos remetem à poesia beat e ao surrealismo; porém, há algo mais na escrita da autora, que sugere um diálogo com a estrutura comunicativa dos novos meios eletrônicos, como se palavras e frases fossem os cenários de um videoclip: “cotovelos sobre cacos de vidro retêm as palavras enquanto o / sangue foge, desenho as letras do seu nome dentro do coração / transformado em origami de caveira”. Imagens rápidas e fortes de um brutalismo que se aproxima ainda das artes visuais (lembremos aqui de Francis Bacon e do traço sombrio de quadrinhistas como Bill Sienkiewicz). Uma poeta que dialoga com o simbolismo, o surrealismo, a lírica portuguesa e os seus próprios gritos interiores é Katyuscia Carvalho, capaz de criar metáforas intensas e raras como estas: “Aprofundar interiores / Inconter silêncios / Apalpar um grito que / não terminou / amputado por alguma canção / que soou mais profunda” ou ainda “Um dia encontrarão / os fósseis rupestres / de uma saliva já extinta / virão tradutores / e ólogos e istas / capitalizarão: / (beijos cravados na rocha)”. Ângela Castelo Branco, poeta e artista plástica, resistiu à tentação de simular paisagens na escrita, fazendo a sábia escolha de pintar o pensamento com todas as flores da fala. A sua poética é a da música do pensamento, mais irônica do que metafísica, mais fragmentária do que sistêmica, e nela recolhemos versos de alto impacto como estes: “Feito: costura de retalhos. Chão sujo de fiapos, retirar o que / não é composição. (...) / Qual o instrumento, qual o instrumento que acontece uma mulher?” A construção minimalista, voltada ao retrato fragmentário de paisagens, objetos e sensações, mas evitando reverberações estilísticas derivadas de uma leitura ingênua da Language Poetry, está representada na poesia de Maiara Gouveia e Lucila de Jesus, poetas que elaboram artesanatos de alta densidade semântica. Em Lucila, há uma presença maior do humor, da ironia, do paradoxo e do
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non sense, como nestas linhas: “Os velhos e / as formigas / são invisíveis”; “O amor ansiado / é negro / branco / e amarelo”; “Tudo o que sei / sei sem saber. / Não aprendi, / só encontrei. / É que nasci / com os tendões / hiperextendidos”. Maiara, por sua vez, é mais elíptica, lacônica, não recusa os desafios da sintaxe e nos apresenta insólitas construções verbais, como esta: “escamas de peixe / medeias em fuga / cabelos vivos / no côncavo dos séculos // (a música) / de águas-medusa / guelras / ou ábaco líquido / (a mística do cálculo) / em ondas, em orlas / linhas tortas inúteis // onde o livrotransparência / arde / até os rins”. A breve seleção de poemas organizada por Marcelo Ariel é sedutora, instigante e nos faz pensar sobre os augúrios das sibilas do apocalipse, para quem a poesia brasileira contemporânea está sempre “em crise” – estratégia de legitimação do cânone estabelecido pela negação insípida da poesia mais recente. A Escola do Ressentimento, que tanto mal faz à nossa crítica literária, é desmentida por obras inteligentes e corajosas como a de Marcelo Ariel, que nos brinda com uma feliz reunião de poetas e poemas."
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“A voz de uma só árvore desconhecida de um só murmúrio no livro de todos os livros de ninguém a voz extrema do princípio inacabado a voz do acaso revelador e do desejo errante e sepultado a voz que quer fugir de si e da pele viva do mundo e da noite e da morte e do naufrágio da terra e da obstinação do mar e de todos os homens num só homem solitário a voz anônima de sempre e de nunca num só ponto num grito inaudível num grito puro com todo o sentido do silêncio e não sentido a voz da cinza permanente a voz viva do fogo”. Antônio Ramos Rosa
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APRESENTAÇÃO A seguir seleciono algumas postagens da Revista Pausa (http://revistapausa.blogspot.com/) Revista eletrônica editada por Mim, Alessandro Atanes, Márcia Costa e Flávio Viegas Amoreira. A Internet possui muito de artesanal e se harmoniza com práticas de edição como a desta Edições Caiçaras, a Internet é um esboço dos circuitos telepáticos do cérebro, trata-se da costura de fios visíveis e invisíveis. Nesta seleção que é uma pequena tentativa de realizar um recorte pessoal do que considero o mais representativo da poesia brasileira contemporânea, poemas de Marceli Andresa Becker, Katyuscia Carvalho, Lucila de Jesus, Ângela Castelo Branco, Maiara Gouveia e Daniel Faria, formam este pequeno livro, pequena tessitura, que na verdade, é a construção de um pensamento sobre a poética dos autores selecionados e sobre a minha própria poética, porque esta fronteira entre nós e os Outros, foi a primeira a desaparecer quando alguém disse a palavra “Poeta” pela primeira vez. Novembro de 2011
Marcelo Ariel é ensaísta, poeta e performer. Autor dos livros “O Céu no fundo do mar” (Dulcinéia Catadora, 2009), “Tratado dos anjos afogados” (LetraSelvagem, 2008), “Conversas com Emily Dickinson” (Multifoco, 2010) entre outros. Mantêm o blog : teatrofantasma.blogspot.com Coordena cursos livres de poética e etnopoesia e trabalha na Editora LetraSelvagem.
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Contato: marceloahriel@yahoo.com.br
ÂNGELA CASTELO BRANCO
Na poesia de Ângela Castelo Branco, vemos a busca pela transfiguração de um sagrado que mora dentro do cotidiano, tornar visível este sagrado que pode ser visto com os olhos nus, é uma das características da poesia de Ângela. Seus poemas também procuram uma nomeação do mundo como um lugar de visitação onde uma fúria calma repousa, como um mar que dorme dentro da linguagem, sendo a água deste mar, o silêncio. Alguns poemas possuem a economia tensa e precisa de um epigrama e outros são Elegias que se recolhem para dentro de um pensamento-que-envolve-o-pensamento e observa as coisas da vida de um lugar que é entre o fora e o dentro, um entre,
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como uma porta sem trancas, feita de visão e silêncio, colocada entre o acontecimento e o evento. Blog da autora: http://angelacastelobranco.blogspot.com/ . SEM TÍTULO para deixar um pássaro ao seu lado sem precisar de gaiola basta cortar semanalmente a ponta de suas asinhas que crescem, toda vez que o vento chama mas tem de ser rápido, antes que o sol sopre a lembrança do ninho Como um corpo salgado de tanto escavar a luz sinto que transitas passas apressado, a folha cai uma voz cristaliza-se na janela
SEM TÍTULO Por aqui as abelhas vivem para tocar trombetas abrem os ouvidos em soluços e solstícios na procissão de flores suicidas ao mar encontro o lugar da montanha onde a neve pára neste aconteço de perder e achar é bem mais perto meu lugar de risco
SEM TÍTULO Não há pássaro que antecipe seu vôo
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Peso ou medida que anuncie para onde O que se ergue de um pouso inesperado, ergue o repouso para mais do que alto Estranha tranqüilidade de permanecer antes do chão se abrir ESFORÇO
Saber o tamanho de um pássaro disponível andar sob a linha de pesca deitar os olhos nas larvas que se enrolam e o que se tem Adequar o vestido para a ocasião de nascer Nascer agora, sob uma espécie de ventania Empurrando os mortos para os muros, murmúrios Ócio divino do existir Estudo as horas que se cercam de círculos Ando com o pó de flor cingindo as ruas e sei como duas orelhas se tocam no amor Era por minha conta: raspar os restos de uma fome real e devolver no cio qualquer prato de abelha quente
AULA DE POESIA 2 A arte jamais será ensinada. Arte é fricção e violência.
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implantar LUGARES de VIDA COMUNITÁRIOS e produzir uma subjetividade que auto-enriqueça sua relação com o mundo.
Poesia: acontecer do Ser na manobra de materializar o indizível Poesia é fazer poesia. Não revelação nem desocultação. E milagres acontecem. Como o único ato possível no horizonte do real.
SEM TÍTULO Aula de Poesia número 1: Substituir ritmo por pulsar Métrica por Atmosfera e transformar virtuose em Possessão
INSTANTES QUE CABEM OU CAEM
Metáfora: Golpes espessos em vasos de barro. Eis a nova argila. Úmida lembrança de um crime perfeito. Cresce a vestimenta, roupa do espírito. Carne do imaterial. Jamais falsificar o medo.
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Todas as laranjas cortadas sobre a mesa. E eu, a descascar maçãs antes que o filme acabe. Monolito: ovo apertado na mão. Gelado que escorre pelo canto de dentro do braço. Grade atravessada na garganta. Quadrado preto no meio da sala. O mesmo de antes, o mesmo que nunca vi. Feito: costura de retalhos. Chão sujo de fiapos, retirar o que não é composição. Som de corte na mesa, risca de giz, alinhavar e soltar. Partir em carreira, marca do café sob o papel. Qual o instrumento, qual o instrumento que acontece uma mulher ? Ser, até na dobra dos joelhos. Até aonde o peito voa. Ser, na mesa pequena, toalha quadriculada, no pote de manteiga, faca equilibrada e saco de pão amassado. Colecionar tentáculos. Afiar o corte da manhã. Ser, para reagir, mesmo a um custo, Até traçar a rota e amassar as uvas: 35 doses de rum, Claire Dennis Pai e filha, Yasujiro Ozu Nikita, Luc Bresson O profeta, Jacques Audiard White material, Claire Dennis Até estancar o fim. Poesia: há um momento em que a vida tem um sentido insuportável: um estado de profundo excesso. O corpo ocupa o seu lugar e o campo continua guardando o sol e a noite. Lucidez depois da chuva, engrenagem nova, ligação inesperada e clara. Certa vez ganhei uma caixinha pequena com uma jóia dentro. Aquela imagem de que se guarda algo a mais do que ela mesma e por isso adquire seu último estado de beleza não me sai da cabeça. Saber que se guarda algo a mais e, no entanto, trazer em si a sobra, que se desdobra porque contém. Sobra: palavra de poesia. Estado poético e poesia: ocupação dos cantos da casa, da palavra e do corpo. Busca de pontos cegos,
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comprometimento com o que se vê depois da visita da verdade. Condensação, convite ao desdobramento. É sagrado porque é intermitente, entra e sai quando quer. Último passo para a fusão total, ultimo momento antes de descer rio abaixo. Aqui não habita a análise combinatória ou a arrumação de dados. Fundação. Fundição, Casa de Solda. Amálgama. Corpo gasto em outro corpo gasto. Guardião de um único sim. Última cena do filme A Partida: escrever poesia é aquele momento exato de poder dizer: eu posso, eu posso preparar o enterro do meu próprio pai, preparei-me a vida toda para isso. Na costura dos silêncios, recebe-se a missão de ser poeta. Aceita-se ou não. “tenho sido convocada a escrever para homem só aquele que fia as bordas do guardanapo e guarda-os em sua gaveta costurando dentro a força de ser excesso” Crença: entre crer ou não crer prefiro o Sim. Na memória do corpo o estado de ritual, o estado de sincronicidade sem ruídos. Basta o olhar encarnado que os objetos começam a falar. Seres de ver, antever, prever. Sustentar a premonição é pesado e sem fim. Geralda era benzedeira, tirava o quebranto com uma folha de arruda e fumava escondido. Raimunda era religiosa, construía pássaros e borboletas de papel para prender na gaiola. Basta um pouco de pó e sol seco. Ter a experiência de crer no corpo: detectar aonde é discurso e aonde é real. Dar banho num homem cego, velho, negro e doente, carrega-lo nos braços, entrar em sua casa à noite sem bater, não duvidar do que deve ser feito. Sujar as mãos com a vida.
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Partilha real: dar adeus às teias de aranha, asas de galinha, labirintos e espelhos. Engolir a seco o escorregadio do Outro. Leitor de gravidades. Inaugurar o evento antes de nascer. Aguardar a fala profética mesmo quando a conversa não há. Pregar-se na parede, descer do muro. Não deixar ninguém no silêncio, ninguém que lá não gostaria de estar. Potência: ousar aumentar de tamanho, sem piedade. Olhar: não cuidar dos joelhos enquanto é o pé que está doendo. Cheirar o sangue antes que coagule. Até o fim: não há santos, gênios nem mestres. Há homens santos, homens gênios e homens mestres. Mãos grossas de enfiar a semente em terra dura. Devoção: construir uma estante com livros de religião ao lado dos tiroteios no deserto. Espantar a oblação. O aberto é mais do que folhas ao vento. Nada pode o guardador de sementes. Tensão: buscar a fala do chão. Cavar o poço de uma água nova. Ver os poros se abrindo no pano de chão esgarçado. Fomentar o fogo ardente nos ossos. Cada ato bem cavado tem um ritmo, uma febre, um ponto que ressoa. Vida no talo: corpo ereto. Métis: desejo solto na pele. O último ato. Mudar todos os ossículos do corpo. Descaminhar. Esticar a espiral. Não há outro modo de aproximar-se dela: lugar de habitar. Aqui o vento bate e transfigurase. Esticamos o ser na próxima esquina. Fábrica de mel. Policia do pensamento: quando o medo apaga a página, sacos de cimento pedem a voz.
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Acídia: os homens padres da época medieval bebiam na hora do almoço e dormiam a tarde toda, noite adentro. Jeito simples de explicar a canseira do espírito. Vicio e seqüestro de si. Falimento, fé e alimento. Um comer por dentro. Priapismo: colocar um lençol na janela. Escurecer o clarão do trigo. Dobrar-se como muda nova ao sol e renascer à noite, seta nas mãos do arqueiro. Bancar: descobrir as plantas medicinais por entre o jorro das pernas. Tocar o impróprio a cada raio do eterno. Ruminação: um extenso campo de grama e dentes que não podem caçar. Ruminar o pensamento e ficar às voltas com a superfície. Todo sonho é ato, mordida e corte. Viveremos para sempre de um modo doméstico? Laranjeira, pés de mamão e tomates: eu Vos nomeio
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CAMILA VARDARAC
Uma ironia trágica que aponta para um vazio paradoxalmente alimentado pela energia da recusa, como em uma Akhmátova ainda bem jovem que viu todos os filmes de Godard e Buñuel. A imagética dos poemas de Camila Vardarac é precisa e
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melancólica, ela escreve como uma cineasta e talvez filme como uma poeta, se um dia vier a fazer filmes. Alguma coisa nos seus poemas me lembra a atmosfera das canções de Elliot Smith. 1. O ACROBATA E A TENTATIVA TRANSCENDENTAL SOBRE A CORDA CIRCULAR DO TEMPO Ecos o dia todo, palavras sem direção, como os braços de shiva, para atingir todos ou atingir ninguém. incômodo, como insetos no copo de leite, revestidos com a espessa nata do último lugar. olhos dentro do santuário, cujo portal é porta de vidro ofuscada pelo branco e lembra sempre que entre as entradas e saídas existe a palidez da incerteza e o risco tem a ver com percepção. dentro, tapetes empoeirados e nos cantos casacos que derretem todos os dias um pouco do bloco sólido de formol que envolve deus, que por sua vez não dança ao ritmo da fumaça om namah shivaya / om namah shivaya a alma inala prostrada diante da parede, formulando elipses para o alcance do nirvana meditacional, ainda que a posição lhe faça recordar castigo ou um cavalo de três patas a espera do sacrifício. 2. I- retrocesso do ser é acreditar que tudo já foi visto, quando tudo está em constante movimento e a mutabilidade é o moinho. II- imprimir formas fixas ao objeto é matar, naquele instante, o objeto. é romper seu elo com o mundo. mais do que um estado de animação suspensa, é um empalhamento.
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III- um ato fotográfico (ou outra forma de representação) seria o último suspiro da reprodução, a última evolução, ainda que capturada com extrema semelhança. IV- a lembrança do objeto inanimado seria mais palpável do que o próprio objeto em vida. V- o que foi confunde-se com o que agora é. real e imaginário. 3. eu não acredito na bondade dos anjos todos parecem bebês de rosemary o colorido dos vitrais não ameniza a melancolia assustadora estampada em seus semblantes no centro da casa sagrada o homem abre o livro sagrado e recita para si palavras pesadas como o som de mil crucifixos arremessados ao chão e eu penso nos pecados mais bizarros que rondam o confessionário de vozes alteradas depois aliviadas, por depositarem nos ombros do representante do pai a culpa dos seus atos impensados ou dolorosamente calculados penso nos joelhos esfolados por baixo das calças poídas dos fiéis fervorosos que não sentem o gosto de ferro na boca nem o gosto do sangue no cálice e os sinos badalam doze vezes pausadas ensurdecendo meus sonhos sacros
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fazendo-me abrir todas as noites os olhos quando deveriam estar fechados.
4. A NOITE NÃO ADESTRA INSETOS, NEM CONVERTE ALVORADAS O homem que parecia Lenin (sem as roupas da revolução) caiu no saloon, como um cowboy que escorrega no líquido das suas humilhações após tomar um tiro de vodka na garganta. A vida é faroeste, leste, norte, sul e no centro o homem tombado, entre dois retratos matadores, pensando como levantaria sem parecer fraco e patético ou pensando em qualquer coisa aleatória, porque esperar raciocínio coerente de um homem que está agarrado ao chão como se fizesse parte dele, é exigir demais. E então, de dentro dos retratos eles sacaram as armas, enquanto Pancho ajeitava o chapéu, Zapata precipitou-se em apertar o gatilho na direção da criatura estendida, porque é melhor morrer de pé do que viver de joelhos e aqueles joelhos já estavam entregues. 5. SEM TÍTULO Dois seres pálidos apagam suas sombras ao abandonarem as réstias de luz, seguem fracos e rastejantes como moribundos esperançosos na direção da escuridão plena, porque só no mais puro breu nasce a semente vital que alimenta os seus espíritos, semente que abre as cortinas da alma, fechadas durante a temporada do sol.
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Dos habitantes diurnos só querem o sangue contaminado que corre pelos corpos debilitados, aliás, esses seres obscuros valorizam muito mais o sangue por não possuí-lo naturalmente, é preciso consegui-lo a partir dos homicídios (nem sempre premeditados), assaltos a hospitais ou contribuições dos suicidas, que estão cada vez mais raras visto que esses kamikazes de hoje só querem mesmo morrer sem dor, uma morte calada num cômodo de apartamento impenetrável. Antigamente, corria nas veias um sangue mais limpo, regido ainda por algumas ordens naturais, sem tanta química corrosiva. Antigamente, sangue era néctar e quem quisesse morrer o fazia com honra e tiro e foice, às vezes corda e o desespero avisava aos seres da noite que o banquete estava servido, agora morre-se por pílulas, analgésicos e calmantes em excesso e nenhum alarme soa aos ouvidos dos sedentos noturnos… o fim também está próximo para eles, por mais que saiam das tocas lacradas assim que o sol se põe, na cansativa busca pela vida carregada de contagem regressiva. O fim se aproxima e o dia é apenas o prelúdio. 6. PEDINDO LEITE AO CRISTO MORTO Noite dos anônimos que escrevem cartas para destinatários inespecíficos. Tática do livre abandono - improvisação das palavras, imprevisibilidade dos rumos, linhas inacabadas em minhas mãos, sinais do destino que posso burlar quando a voz radiofônica disser a
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hora exata do disparo ou do salto ou do corte mais profundo do que a pergunta, as respostas foram desmembradas pelos filósofos que suavam os papéis em branco e acordavam de madrugada pedindo leite ao Cristo morto. Insaciáveis e desesperados todos os que percorrem os caminhos do saber, onde os espelhos projetam as saídas, as portas abrem para dentro. 7. AS BOCAS QUE O SILÊNCIO MOVE Quem caminha sozinho aprende a língua impronunciável pacto entre o eu e suas variantes inúmeras, as bocas que o silêncio move. 8. QUANTO RESSUS- CITAS O POETA MORTO cotovelos sobre cacos de vidro retém as palavras enquanto o sangue foge, desenho as letras do seu nome dentro do coração transformado em origami de caveira. sim, a lucidez é tão impossível quanto o silêncio e paixão sem êxtase ou morte é como estar entre os vivos num enterro: a neutralidade - existe quando ressus-citas o poeta morto para assassinar o que em ti nasce sem permissão 9.
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TIVESSE IDO COM O PASSAREDO Falo do esquecimento porque a eternidade é uma casa vazia e não me apetece habitá-la. por muito tempo meus dias foram infinitos até que, acompanhando com os olhos o trajeto dos pássaros, ouvi um disparo ao fundo, um disparate do destino do outro lado da parede, alguém morreu e achei tão fascinante que não consegui escrever sobre isso sem morrer também. antes tivesse ido com o passaredo, passaria menos mal, embora o céu mais próximo. minha condição é tão humana quanto meus pés no chão, terrível, nas subdivisões do cérebro meus pensamentos criam esquemas ilícitos, de fuga
10. O PÁSSARO ABSTRATO Tem um olho em cada asa, o estômago colado às costas e nos pulmões bicos abertos que entoam a fome. essa fome não é exata, por isso, insaciável. qualquer tentativa de entender a sua causa - é inútil o real manifestar-se contra a vociferação do intangível com duas mãos significantes, entre os dez dedos facilmente escapa o obscuro eco. 11. O SILÊNCIO É A RECUSA a loucura é o confronto
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de todas as vozes o silêncio é a recusa que mais desafia a luz momentânea do que se anula é o que vive enquanto o excesso é a explícita noite que tudo apaga. 12. POR MAIS QUE CHOVA chove e entendemos que é preciso transcender as três etapas da lógica, burlar a lucidez e rir diante de uma arma branca o pulso nos arremessa às cartas sanguíneas, escrevemos para lembrarmo-nos, para esquecermo-nos das nossas contradições, sabemos que existimos para inexistir e não podemos deixar de sentir toda a vida que se esvai entre os dedos parturientes da loucura, nada compreendemos porque nela moldamo-nos disformes entramos no labirinto, cegos e nus tateamos as nossas faces refletem, por mais que chova, somos iluminados e corajosos, somos raios capazes de abalar o globo com a impávida tormenta que nos impulsiona ao desconhecido dentro e fora de nós brindamos, não blindamos, somos generosos e impiedosamente sinceros por respeito à imperfeição, fortificamo-nos a partir da nossa fragilidade
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DANIEL FARIA Nesta minha cartografia estritamente pessoal, destaco agora os poemas de Daniel Faria, homônimo do poeta português já morto, mas servidor de uma poética de igual valor e densidade. Existe algo da força irônica dos metafísicos italianos aqui , acompanhado de um humor digno do melhor de Dino Buzatti e Cioran, sim, para quem não percebeu ainda, Cioran é um comediante trágico, na melhor tradição de Luciano ( o autor do Diálogo dos mortos). Os poemas de Daniel possuem uma conexão forte com os citados e o que relaciono a eles, também se conecta obviamente aos poemas
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dele, principalmente se observarmos o que pensa a imagética de seus poemas, o sentimento trágico da vida não é suavizado aqui, se o cineasta dinamarques Lars Von Trier escrevesse poemas seriam parecidos com estes do Daniel. Uma poética que nasce da energia da recusa e avança para o terreno pantanoso do que denomino raio x dos limites da crítica da razão cínica. Blog do autor: http://linguaepistolar.blogspot.com/ CAVALOS SERIAM DEUSES SE DESENHASSEM
acenda o cigarro, agora que o sol vai caindo guarde um resto de calor impreciso, jogando as cinzas no chão. observe as bailarinas que chegam, a luz que se acende sobre elas, a lona preta estendida como palco improvisado, mas antes do espetáculo, que provavelmente será uma bela merda, vá para o hotel que te espera caindo aos pedaços e sob o ar condicionado, mastigando fritas geladas somente então se pergunte quando foi que o Medo chegou (OitO-OlhOs entra na sala: vem aqui na frente pra que todos te vejam. você está vendo, o Medo?)
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*** Sangue de espelho líquido. Os intermináveis gestos opacos da cidade que se joga sobre os meus braços como chuva de cacos de vidro meus olhos que afloram como bolhas de um lago translúcido. o reflexo do seu sorriso com uma gérbera no espelho do elevador vazio. Embriagar-se de vermelho dos sinais, ser menos o anônimo das ruas rasgar a pele e tatuar o vento, sumir do mapa – um projeto de lucidez infalível. *** ANDEI COMENDO SILÊNCIO
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Desde o dia em que nasci. Ele se tornou um grudento Novelo feito com teia de aranha Preso na garganta: Isso o que você vê Envolvendo as palavras Que saem de minha boca Não são flores negras Nem a contraluz de astros negativos. Era pra ser um poema – E nunca ficará pronto.
TRIUNFO Foi ali mesmo Em frente à fábrica de biscoitos Triunfo A garota passou sorrindo nos óculos De astronauta E cuspiu a granada Na outra boca. Os estilhaços se espalharam pelo corpo E surgiu este porco-espinho Que vocês agora espiam.
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(Ele antes perguntei A dois amigos se dali Naquela paisagem vermelho-escuro Debaixo do mato no calor infernal No fedor de bolacha de morango Qualquer um poderia Dizer com certeza se o outro lado Do deserto Existia de fato ou era miragem E o primeiro apontou o indicador Para a própria orelha Girando no sentido horário E o outro, o terapeuta Oito-Olhos Lamentou a devastação do Eu girando como água no ralo da pia, sempre no mesmo lugar Inconformado no seu narcisismo E sentenciou: Guerra é continuação Do narciso por outros meios) Cheguei em casa na dúvida Se o deserto das bolachas Triunfo ainda existia Alguém perguntou no dicionário Qual seria a melhor palavra para cruzar A fronteira Caminho, ponte, trilha, istmo ou passagem A palavra estava morta Na ponta da língua.
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DESTERRADO (UM LP) LADO A (A SITUAÇÃO HERMÉTICA) - Se você morrer hoje, flamívomo, veias de vidro, hidromel, Azar, vai ficar rolando entre as pedras do caminho sem descanso, um nome qualquer, seu nome, estas agulhas continuarão ferindo sua boca por dentro, até depois da morte. este é o castigo, distraído. os piratas chegaram pelas tubulações junto com os grifos mercadores de sangue congelado e levaram todas as letras, mesmo as mais secretas, mesmo as trancadas nas gavetas, mesmo as indefinidas meras manchas de quando você pensava que era um estúpido insone sonhando em ser a anemia de um poeta oriental.
LADO B (O HERMÉTICO SITUADO)
- com seriedade ela punha a luva de borracha o som era um gatilho
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seco sobre a pele, as mãos ao alto em oração ou assalto: - só vai ser uma picadinha (não sei porque, ela sorria) EU, MAZAGÃO. Advertência: isso não é lirismo, é história (mito). Mazagão foi uma cidade-fortaleza na guerra contra os infiéis. Não deu certo. O Imperador decidiu transferir a cidade, inteira, da África para a Amazônia. Os habitantes não podiam escolher, eram sujeitos ao (súditos). Até que Dona Maria, a Louca, dez anos depois de viagens e muita escrotidão, decretou: vocês estão livres de Mazagão. Depois disso, deles (os súditos) não se tem mais notícia. Isso aqui também foi escrito segundo os parâmetros da metodologia da resenha surrealista, resenhei o livro de Laurent Vidal. E pensando bem é lirismo sim, o velho esquema romântico de despertar/simpatizar/confundir-se com os mortos. Correspondências. de repente você acorda há menos de cinco minutos pensava que desta vez sim conseguiria dormir, mas de repente você acorda, abra a janela e observe o rebanho que mastiga o capim e o som dos dentes e da saliva no verde: rio fluindo rio de pedras polidas fluindo no esquecimento, mas você não você não consegue dormir porque sabe que se esconde numa fortaleza, tão complicada e delicadamente construída, que se tornou sua prisão desconhecida, em que você trafega como um
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rato, um rato com memória, um rato com nome próprio. a infantaria ainda não foi inventada, você tem que se virar com estes canhões enferrujados e um crucifixo fodeu, eles estão lá fora, mais maneiros e manjados que você desta vez você se fodeu. você vegeta como um cão de guarda entre os muros de pedra - e só agora te avisaram. eis o plano de fuga: o Imperador ordena, não a dor, a dor de cada um que se foda, dançando entre os dentes, a dor, o grito que silencia, o silêncio que se grita, foda-se, o Imperador ordena tome conta dos seus pertences, do seu álbum de fotografias, guarde com zelo o nome da família, vele pela memória de Mazagão, tome a canoa e saia pela porta minúscula que se insinua à beira-mar. e não exulte, você não vai afundar no Lethes. você vai é parar no meio de ruínas numa cidade bolorenta, sangrando à virgem que se arrombou num terremoto daqueles, uma puta caçada por Sacerdotes, uma órfã sem eira nem beira, um convento derrubado,
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a porra de uma cidade fodida, é pra onde você vai. e não se misture com seus habitantes, até nesta merda de mapa você só está de passagem. eis o plano de fuga. - e só agora te avisaram. depois, agora você vai se cagar no meio do mar, rumo aos trópicos, aqueles mesmos em que centauros comem o verdadeiro fruto proibido, lá permitido (as mangas-rosas altas e saradinhas), terra das grandes cachoeiras e dos carimbos. mar, que belo e verde! só se for na beira da praia, lá dentro a pura monotonia, os dentes da maresia, que absolutamente não canta, saltam do verde e liso mar e ferem seus olhos, lambem seus dentes, apodrecem sua boca, uma cloaca, lábios de labirintite. me fodi de novo. oh, quanto sal, são lágrimas de um boçal. finalmente você chega à nova morada: madeira podre, infestação de formigas, casas caindo, chuva torrencial, medo dos canibais que inexistem mesmo assim te mordem, roem dentro de sua cabeça, e você ainda a preserva, a memória de seu passado presente de rato com nome próprio.
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- Dona Maria, a Louca, mudou de idéia, reconhece em você a triste marionete nas mãos do destino, esta bosta de metáfora com luvas negras e frases-feitas desenhadas, há de liberá-lo, pode ir, o mundo é seu.
SEM TÍTULO A orquídea finge ser Jesus plastificado Como um galã esquecido Dos filmes de sábado à noite, Com o charme dos fumadores de haxixe, Num convite estendido Na pintura desbotada, azul. A orquídea se faz passar Por um bêbado que se emociona Em lágrimas de cerveja E se esquece da severidade imposta Pela vida de imigrante e office boy Ex-morador do zoológico de Brasília. Atônitas, crianças Que medem a distância das estrelas Correndo com lanternas Lêem Mein Kampf nos bueiros, Livro em que a palavra Deus é repetida mais de vinte vezes Pelo autor que só tinha um testículo (As crianças precisam atestar O mal frente à inocência
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Despetalada a cada dia): As orquídeas colonizaram o mundo Por meio de disfarces: A imitação imperfeita Das flores Desdobra primaveras.
NÃO TENHO MINHA DICÇÃO “Tempo é criança que chora quando quebram a regra do jogo e logo depois se esquece.” Heráclito de Éfeso Tempo é jogo, ritmo de flores indo e vindo vozes na varanda latas de cerveja sobre a mesa (tempo é outro dia outras latas vazias entre as flores frias e o cachorro, de salvo-conduto vinha vinha e caía – tristes flores de Campinas). Ou então, noutro lugar os últimos bêbados limpam mesas e cadeiras com os garçons, cansados –
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poesia social, merda de salário solidariedade de bêbado revolução de boteco também sou verde por dentro. (Bar fechado, mesa vazia, varanda Ninguém.) Agora segundo o manual de instruções acenda uma espiral no círculo riscado em cinza sobre a prateleira de alumínio branco e florescerá a garrafa de vinho com a gérbera amarela à frente de um livro Fragmentos do discurso amoroso neste momento de onde ela está, a cidade mais próxima a 18 horas de barco. Incomunicável. E putz naquele dia ela acendeu o cigarro debaixo do Ipê Amarelo, vocês não vão entender.) Ou quem sabe ainda sob o sol inclemente à procura de cola de sapateiro ou carona o que pintasse primeiro tudo pra vencer o dia vomitando versos sobre as putas de Brasília no sopão de 24 horas ou talvez na praia suja dois bêbados juram que o saxofone do é o tchan é o calabouço da cultura brasileira.
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E hoje na varanda (dessa vez no décimo primeiro andar) você olha a Matrona de óculos escuros que olha o mendigo que olha a bolsa e uma citação a mais e o abismo olha dentro de você e hoje na varanda você debate com OitoOlhos s.a., o cara é pós-moderno e não sabe, na hora de rezar escolha o Salmo 32 não faça como o cavalo e o jumento que não conhecem freio e rédeas o texto saiu truncado (será boicote?), por uma nova etiologia (o texto saiu, truncado será boicote?): narcisismo sem ego. Mas não, o calabouço era apenas a sala de espera e as vozes, as latas, os livros e as flores sumiram de vista. Você anda pela casa como um caçador à procura de rastros e o tempo diz: o rastro é você & você nem tem dicção própria pra reclamar. A IRMÃ SIAMESA DA MINHA NAMORADA Quando eu conspirava com os pássaros bêbados do Jardim Oricellari, a irmã siamesa da minha namorada me fez uma visita. E eu nem sabia que minha namorada tinha uma irmã siamesa. Todo o ônus estético da cirurgia de separação dos corpos ficou por conta da tal irmã. Minha namorada é linda, pele elástica e suave, a sua irmã tem a metade direita da cabeça cheia de manchas vermelhas, a pele enrugada, como se ela tivesse passado por profundas queimaduras. A pupila de seu olho direito é prateada, quando ela fala soa como um dueto desafinado, porque sua voz é estranhamente dissociada em duas. A irmã siamesa da minha namorada se ofereceu para ser minha amante. Nela, eu poderia confiar cegamente, porque o sofrimento e a destruição levariam à virtude. Minha namorada, disse a sua irmã, tem seus momentos de maldade: a beleza leva a um tipo de inocência um tanto perversa. E eu sofreria muito por causa disso. Isso me soou
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estranhamente a um canto de sereia, ainda que lodoso, sacrificial. Afastei de mim o cálice, despertando para a lucidez do dia. (Mais tarde, descobri que a irmã siamesa de minha namorada tinha chegado no porta-aviões de Noé. Sua verdadeira intenção era bisbilhotar, descobrir como estávamos vivendo, nós, os seres marinhos viventes do dilúvio).
POSSUÍDO PELO NOME Eu não me lembro Mas sei que estava lá No dia da repartição dos nomes Das parcelas de terra que a cada um caberia O solo para pisar E a terra que se reparte em água que se reparte Em ar que se reparte em fogo que se Reparte em alma Que se respira. Meu nome caiu em mim Como alguém cai em si Ao se apreender no nome doado Onde antes havia gruta - voz gutural Mancha imortal surpreendida Em traços inscritos em pedra Que acenderam no corpo o sopro Criador das imagens que são você Seu você mais profundo Abismo tão distante quanto as últimas constelações Mas que é você, a quimera presa em seus ombros, O pássaro rosa-azul, de motivos florais nas asas, O pássaro que absolutamente não canta Mas salta de seus olhos enquanto você dorme,
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Aninha-se nas asas do Simurg. É com este nome que lhe caiu como uma pedra Como um soco na boca Do estômago Que você se depara no hipermercado Com a mulher de dentes cinzentos De quem mastigou cinzas de cigarro o dia inteiro
KATYUSCIA CARVALHO Avançando na minha cartografia, desta vez , iremos até a poesia de Katyuscia Carvalho, aqui o mundo comparece sendo ele mesmo uma espécie de voz que canta dentro dos Poemas, em alguns poemas, a própria poesia é esta voz e fala de si mesma,existe uma cinestesia implícita, dentro dessa imagética, que se corporifica através das coisas, mas que não as opacia, katyuscia com uma delicadeza, que me lembra os delicados batentes de silêncio de Char, feitos elegantemente de palavras exatas, as que se pensam,acrescente-se a este falar, uma alegria que pulsa escondida nas coisas , em seus aspectos mais sobrenaturais, onde objetos e seres dialogam com um Poema entranhado dentro do pensamento, atrás do pensamento até, e
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chegaremos a uma das linhas de força da poesia de katyuscia. Obviamente é uma poesia que se nutre da biografia, mas irradia o que está além da biografia e ainda não tem nome,algo que se confunde com o Tempo, e talvez seja, uma outra modulação da Voz do Poema atravessando os tempos corporais do Tempo.Uma modulação alquímica? . Blog da Autora: http://katyuscia-carvalho.blogspot.com/ SEM TÍTULO Um dia encontrarão os fósseis rupestres de uma saliva já extinta virão tradutores e ólogos e istas capitalizarão: [beijos cravejados na rocha] e os poetas dirão: a fotossíntese da pedra! as ortodoxias intoxicando tudo implorarão o milagre da obra de uma língua santa: - uma palavra sua e seremos salvos! pigmento inteligível para espécies vorazes corroendo caverna
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sanguinidade de sal mas que lábios que línguas que linguística guerrilha deixa fendas na fala? como corpo sem carne a linguagem não cala só o homem sucumbe à ausência de órgãos falência múltipla na boca nunca insossa do tempo *** Pão e vinho feitos nome Tão úmida a sede em meu sotaque bebo-te a voz! tens timbre de Tejo salivas o mar *** desse teu nome minha boca carece verbo que carne! atocaio-te a língua com minha fome
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DESABOTOADURAS Poesia com dentes mordendo-me a fala Poesia com falo com tato, com toque Se não me roça ao pé da letra Se não me rasga botões à pele diante dela ,frígida, - calo!
PENUMBRA DA PONTE Não há tela que o prenda ou pincel que o retoque é um rio onde passa uma sede por cima :sede que afoga, e ninguém atravessa é muito aquém de uma ponte que caia é para além é para longe a perder-se de vista :linha inimaginária é o prenúncio daquela que não se represa que mora sem muros, mas tem trepadeiras
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:por onde subir para a copa de um sonho o que ninguém vê é o exílio em seus olhos não demarca o caminho de volta com pedras :amnésia de mapas vai ter com uma índia, reaprende a rezar e resigna os búzios às vezes reparte poesia entre monges :mas não se ajoelha um nômade a ama, com ele copula e compõem heresias no alto da noite :arregalam-se estrelas Nas duas orelhas adorna risadas e sabe ouvi-las até soluçar estende tapetes à beira de um charco :convite ao que é bento, batismo de barco dá nome ao rio nomeia com seiva suas iniciais e sabe lhe ser sob a lua estuário :só por isso perene cabeceira do mundo na margem de lá DESEMBOCADURA trago à tona esse fundo de mar no fundo das coisas que é só onde alcanço
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um refúgio de ilha poça de terra avesso de água tão profunda é a ida, que volto ferida arranhada na pele dessa vil dura concha de tão delicada: a das palavras bebo-as então para desafogá-las do meu corpo náufrago sei andar descalça sem cortar os pés; mas não sou a que anda sou como a que nada de boca aberta por entre corais de arrecifes cortantes minha voz, que eu sei só o sal cicatriza a língua das frases e esse rio, até que deságue, ainda é raso de tão doce PARA-DENTRO Por vezes parar para apurar olhares e afinar pensamentos
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Aprofundar interiores Inconter silêncios Apalpar um grito que não terminou amputado por alguma canção que soou mais profunda Amparar um devaneio pendido logo ali à frente do corpo freme Chegar ao cerne Lamber a carne Ferida é flora aberta na pele pedaço de pano preso em arame São os rasgos que os riscos sempre nos deixam Tremer de frio mas não de medo Apontar acertos aprimorar os erros Aspirar o pó dos pontos finais soprá-los pra dentro fechar o baú abrir bem os olhos Sem pára-quedas, pára-raios, paradeiros, para-sempres ... E só então ir ter com o presente
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de peito aberto por saber do impulso que o habita Pronta Pular EU POLÍGRAFO das tulipas no alpendre . dos seus polens suicidas . de utopias retorcidas . divas viúvas . véus ao avesso . das mudas musas cotovias . das pudicas desavisadas . do pó-dearroz que assopro pálido . para acordar a deusa póstuma . do prefácio nunca escrito . do difícil livro pródigo . da palavra prematura . que não vingou no sol da boca . do prelúdio em pleno ventre . da água escassa em pote raso . do par de terra jazendo paz . das pás de mãos em pé de guerra . dos pedintes por beleza . do desespero retirante . do pelejar de um anjo torto . de um trovador em profecia . das duras pedras que apanho . dos caminhos que apalpo . das pérolas que por ora empenho . do que me atiram porcos parcos . do meu corpo apedrejado . a pesar nas minhas pálpebras . do penhor da iniquidade . do meu hino em letra morta . perambulando em exposta carne . oxímora, paradoxa, . dos semidons que me aprofundam . do punhal em peito nu . do medo pávido em dorso prévio . de que palavras despedacem . do parecer, do perecível . do desapego de um pária . da voz sem povo, dependente . desapontando o horizonte . trespassando o meu poente . à minha frente sucumbindo . despencando a minha fronte . precária alma de ser gente . NÃO SER DE SOBEJOS
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Faço uma fissura no vento que passa . assopro um sussurro de interrogação . será que um dia as minhas palavras . serão pressentidas, mais que desfolhadas, . pois que desse assanho, suspiro ou sobejo . eu não me comovo, sou eu o outono! . e por tudo que morro, as linhas que escrevo . não são o meu ar: são a respiração . PÉTALAS EM BRANCO Olhos feridos de não se fecharem . joelhos rasgados, marcas de não correr . essas mãos ora frias . por tanto tocarem . estão chamuscadas de vulcão e silêncio . uma vida . e não basta . a dizer-se mulher . sangrando e sangrando numa língua imprecisa . talvez mesmo preciso . seja mais que uma carne . para os ossos doerem . a fratura dos lábios . já de face cansada . inclinada na haste . daquela açucena . que ao florir, era inverno . UM DEUS PARA O NOME O que quer que eu diga? . Não quero inventar um deus para o nome; . não o faz menos mortal. . Os nomes estão cansados de batismos. . Dou-lhes a minha amnésia pagã. . E os chamo pelas suas significâncias, . como faziam os índios com seus significados. . Já se nasce impermanecível, nessas asas de ficar. . Tantos pássaros privados no passeio público. . Tanta gente aprisionada ao que julga serem as chaves. . Outro dia abri-me a porta para um menino de rua, . ele me salvou da humanidade. . E não tinha nome de santo
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LUCILA DE JESUS
Uma poesia afinada com as idéias do psicanalista e poeta Donald Winnicott, os escritos de Lucila de Jesus conseguem alcançar um equilíbrio intenso entre poemas que ligam o espanto com a beleza do mundo e o ponto e a linha de um silêncio que se interioriza, impossível separar aqui as imagens do mundo e a narrativa da vida, só havia encontrado esse tipo de abordagem antes em Anne Sexton, Hildegard Von Bingen e nos diários de Anna Akhmatóva, mas Lucila abre mão das imagens míticas em nome de códigos de linguagem capazes de ofuscar os limites entre exterior e interior, Lucila em alguns poemas se utiliza de uma coloquialidade que construída de dentro do corpo se harmoniza com o lugar das imagens míticas, essa fala do corpo se converte ela mesma, em linha de força do poema, que para ela continua através da luz e da cor em seus trabalhos de pintura e fotografia,o equilíbrio entre as fotos e os poemas anuncia a existência de um profundo e misteriosíssimo diálogo entre o silencioso lugar do mundo e o lugar do corpo, diálogo esse capaz de pacificar e ao
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mesmo tempo borrar as fronteiras entre a linha que parece separar o fora e o dentro e a linguagem escrita/falada, esse ponto oscilante da expressão, essa pequena estrela que o sol do silêncio alimenta. Uma poética que em sua abordagem da simplicidade do sagrado, me instigou a modificar minha visão do mundo e o meu próprio fazer poético. Blog da autora: http://paraatravessar.blogspot.com/ HILÉTICA Tudo o que sei sei sem saber. Não aprendi, só encontrei. É que nasci com os tendões hiperextendidos.
MUSCULAR - Você está diferente... - É que estou morando dentro do meu corpo. - E onde morava antes? - Entre a distensão e a distorção.
EU TAMBÉM TOMO CONTA DO MUNDO Segurei a menina para que não pisasse na formiga levava o triplo de si nas costas alimento para todo formigueiro a carga escorregava a pequenina se entortava para equilibrar.
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Ando devagar na faixa de pedestres para em silêncio acompanhar a senhora em suas lentas e frágeis pisadas até o outro lado da rua se ela escorregar eu escoro. Os velhos e as formigas são invisíveis. Eu, que sobrevivi, fiquei metida.
CONTORNO Tocar a coisa dói. Toda vez que conto um segredo perco a pele. É terrível. As veias ficam expostas a qualquer contato mais bruto vazam, transbordam. Nessa hora é urgente um abraço. O corpo do outro recolhe o derramamento coloca tudo no lugar e milagre, faz a pele regenerar. Mas tem que ser em silêncio.
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DA NATUREZA II Então eu, e o ar o compacto pequeno e insignificante, no incerto espaço o corpo começa nas fácias do crânio, termina na planta dos pés e ondula o infinito ser é assim?
ENSAIO Sem a mulher, o homem não pode ser chamado de homem. Sem o homem, a mulher não pode ser chamada de mulher. Hildegard Von Bingen Exaustos, mas descansavam juntos o homem comprido, a cabeça entre os seios da mulher macia -sabe, me sinto como um músico estreante numa orquestra em que você é a maestra...
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o moço não lembrava que toda mulher rege mas também descansa gera mas também chora canta mas também dorme e que o abraço é o lugar onde escutamos a grande música. PORTAL Entre dentro e fora a dobradiça do sonho rústica e quebrada aguarda.
LISO Deslizam fugidios córregos de desejo entre os poros.
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O beijo jorra em cachoeira contra o muro no escuro. O amor ansiado é negro branco e amarelo. Escorre, na sombra do dia.
VOCAÇÃO É preciso caminhar com leveza sobre a terra. A. Naess Espezinhada como formiga assistindo o mundo colapsar devo decidir trabalhar para a continuidade ou desaparecer no incompossível Jesus e a verdade Carvalho e a firmeza-permanente Hidelgard e a terra
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Rosa e o credo aceito; a mulher em mesmidade é devoção. ZELO Luz lunar guardava e no leito das raízes encontrei o presente. Lenta e docemente tiro as fitas o papel de seda e dentro da caixa envolto em plástico bolha, fragilíssimo coração.
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MAIARA GOUVEIA
Vamos agora para os poemas de Maiara Gouveia, uma pulsão erótica que não descarta uma laicalização do sagrado é uma das características da poética de Maiara. Alguns poemas me lembram exercícios da psicomagia de Jodorowski, onde a metáfora é um poder, não de sublimação, mas de intervenção na realidade, como a extensão de um furor que nada tem a ver com o furor abstrato da razão, mas com a transfiguração de estados perigosos do ser, de um Pathos semelhante ao dos rappers, sem utilizar a sintaxe do R.A.P. mas dentro de sua esfera de contemplação ativa do mundo. Como nos expressionistas alemães Maiara alia a esta transfiguração, a evocação de uma simbologia que é um símile de seu mundo interior ressignificado pelo exterior, como um Uroboro em chamas, aí está
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talvez, uma das funções míticas do poema: Falar do mundo como o lugar onde a metáfora e o símbolo são instrumentos de abertura para uma possível intervenção, cujas linhas de força, apontam todas para o encontro com o Outro, não o Outro de Rimbaud, mas com o OutroOutro do Speculum Harmonium. Blog da autora: http://ocorpoestranho.wordpress.com/ SEM TÍTULO Se a palavra flor abrisse inflorescências. /Se em cada face glabra, abracadabra: /outra forma desdobrada. /E se nada se quebrasse, /nem o baço, nem a margem de manobra. /O abraço ficaria pendurado/ na miragem,/ onde a cabra entornaria o seixo, /a despencar no grito (espaço aberto)/ e a garganta viraria tempo /– um tempo de retorno – /até que o verbo fosse inverso: /substância, inflorescência. LUZ EXTINTA Primeiro, eu digo: fio de fumo. E descemos. À luz interrompida, o coro. Divino enfurnado entre as coxas – extensões do escuro. (Ou fagulha alojada no magma oculto). Sorteio. O pano dos seios. E a pele-lençol. Libações aos balidos. Pés e torsos. Murmúrios noutras línguas. Lanhos. Nome interrompido. Saliva de Brômio.
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E manhãs que assustam.
O IMPERADOR Substância Ele não transcende Esta forma provisória Mas leva as maçãs de ouro Ao jardim − herói solar E ensina que a beleza Não é um golpe de sorte Moeda Reina sobre o concreto O visgo de ouro da pedra O que emana do petróleo Poder que fascina tanto E mesmo com mãos atadas Metralha e metralha Com efeito vibratório Ou o peso da Palavra Quebrada no meio de um crânio Não é um golpe de sorte Mas leva maçãs de ouro
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AUSÊNCIA 1. Antes mesmo de ser, ele fere – íntimo desejo. Morde por dentro a finitude & chuta (pés de bode, cabeça de carneiro) Aqui, o corte, uma fenda: eu te procuro nesta fresta. 2. Não escorre entre as coxas, no abandono, o filho do espanto, desfeito, viscoso: ausência, antes mesmo de ser. 3. Clareira do sangue mais sujo. Costura ESTE gesto ao grito. E a seta que se lança à máxima estrela (uma estrela do barro)
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entorna só memória de um querer encolhido latente.
4. Não dedilho o abandono. Não reflito. Não mergulho na atmosfera da fuga. Sobrevôo a pauta. Pura matéria, sem alma, inteiramente escura: musical. 5. Eu te pertenço mais quando se apaga a chama de uma vela. Eu te perco no eterno, e te procuro aqui, nesta fresta. Respiro baixinho, morro devagar.
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6. AGORA, minha lua de fogo incendeia os corpos petrificados avança pelas trilhas de Saturno resgata palavras no ventre da baleia gargalha e fecunda a fossa onde Nanã apanha o medo. 7. Eu virei com as mãos a caixa de dádivas: eram males também. Tive a pressa de um herói, entornei manhãs, entornei a Constelação de Órion no centro do mapa. Entornei o Arqueiro. E ele feriu o calcanhar do meu bicho do espanto. Fincou na massa espessa do Acaso a seta que se lança à máxima estrela.
DOIS, A SACERDOTISA Figurino O losango rubro
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De nobre tecido E a mitra ou tiara Fronteira com o Céu Ação & arroubo Sob o manto azul Cenário E a mitra ou tiara Fronteira com o Céu Em toda a América Em Chihuahua O vento não cura Nem suga o cuspe-esperma Na mulher de Moçambique E há o lençol-navalha E os dentes na cortina E os banhos que nunca limpam “Eu sou a visão do Mundo Ninguém vive sem Estamira Isso até me orgulha E me deixa triste Esses astros negativos Sujam todo o espaço E querem-me. Querem-me” Em toda a América Em Chihuahua O corpo − terreno baldio Pois a língua é masculina
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Em toda a América Em Chihuahua
AGAR
ainda foge. Ainda que o Deserto seja o Outro. O Filho perfura a terra. Explode em duas torres. Há línguas em toda parte & também cabeças – escombros.
UM, O MAGO 1. No começo espreme a força Do Universo em uma taça Extremos se tornam claros O enigma do baralho & apetrechos da arte
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Entre o artífice e a mesa Bastão & moeda: O poder e a vaidade & outros disfarces A fraude e a charlatanice Entre as frestas da potência E da intuição metódica Talhada, sim, para o enigma Da flor: outra orquídea Ou esta vontade alquímica Que faz de uma vida a vida
ONZE, A FORÇA E o belo apodrece e engasta Até emergir noutra face Os frutos da força bruta Esparramados pelo vento À beira do mar & bárbara A túnica rubra − um cardume À beira do mar − o Centauro Ventríloquo do vento − O vento
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À beira do mar − o homem Entre a rede & a gaivota Aprisionados pelo âmbar O que empedra − empedra Em torno da água & do Sol E a Força − um redemoinho Até alagar outra face
ACENO as gaivotas são pedaços de lenço sujo, roberta ferraz e o marulho fende a memória na concha das mãos estátuas de sal no suor friíssimo: escamas de peixe medeias em fuga cabelos vivos no côncavo dos séculos (a música) de águas-medusa guelras ou ábaco líquido (a mística do cálculo) em ondas, em orlas linhas tortas inúteis onde o livro-transparência arde até os rins.
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MARCELI ANDRESA BECKER
Marceli Andresa Becker , poeta gaúcha, autora de poemas densos que dialogam com a Terra e a Natureza dentro do corpo,através de uma sensorialidade que duplica selvagemente o eu lírico em corpo e Corpo, corpo exteriorizado no pensamento que se dissolve no mundo e Corpo interiorizado no pensamento que se auto-investiga, como se procurasse o que está atrás do pensamento do próprio corpo, que se pensa com a mesma autonomia simples e ininteligível dos bichos e das plantas, uma poesia que desconfia da linguagem e se monta como um filme trágico dentro dos orgãos, do sangue e dos ossos, imagens que aparecem com força em alguns poemas. Marceli mais do que evocar a “voz feminina”, materializa em alguns poemas com
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sutileza, um profundo conflito entre um furor abstrato e a irônica visão de uma dicotomia entre a palavra e a vida . O poema se insurge contra essa visão dicotômica. Blog da Autora: http://deterdeondeseir.blogspot.com/ AGOSTO - I respinguei no vidro da palavra que fechaste, da janela que em tão pouco, tão perto, se calou dentro de ti. agosto, ainda. tanta chuva, (mas nenhuma fresta nos lábios, um sopro, que fosse, nenhum silêncio entreaberto para que à noite meu nome adormeça no teu).
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respinguei no vidro, no parapeito, o coração logo atrás. A LUZ DA TUA BOCA
a luz da tua boca, o teu canto, refrata tanto em meu corpo (fratura) que chego a pensar: "tenho ossos de vidro". SEM TÍTULO a fome que tenho se come. porque há saída nenhuma na voz, nenhum lugar para a chave na porta do olhar. porque a palavra, meu anjo,
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volta à garganta quando se choca contra a represa da língua. (tantos poemas vociferei em teu nome, a que custo?) hoje entendo — tarde, talvez: amar é coisa que só se deve dizer pela boca do estômago. é verbo autofágico.
SONHOS – IV meia-noite. meus seios doíam até o outro lado do atlântico. era evidente por quê: uma fitinha estreita, vermelha, daquelas que facilitam a abertura de embalagens * de bolacha recheada, contornava internamente cada um dos mamilos. a ponta, língua de minúscula serpente, ficava bem na altura areolar em que o relógio marca * meia-noite. (em que o sinal da cruz coloca
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* o pai). silenciosa e pacientemente, posicionei os dedos para puxá-la. QUANDO O CORPO TODO 1 quando o corpo todo, * túmulo vivo de ecos, de caos, * sai pelo umbigo: camaleoa, a língua é corda de um sino imenso dentro do peito. * como se os ossos voltassem à infância para crescer até abrir outra vez * os tecidos. se já não há linhas nas palmas das mãos, meu amor, * se já não temos costuras,
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* a linguagem vaza por todos os dedos: deixa que escorra no meio das bocas, dos túneis, * deixa que sonhe um enxerto pra morte. 2 dá-me a noite que falece, a tua escura escavação, e te ofereço * o meu Narciso ainda de pálpebras fechadas, ainda virgem, * inviolado pelo espelho. * (mas se cantar é cantar contra ouvido e pele, tempo de fibras, * mas se beleza é tu contra carne, então cantar, cantar, pra te fazer * pedaços.)
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3 porque antifalar é qualquer coisa antes das grutas. * há uma presa que em mim grita a tua entrega de Adão nu, ferido, * feito da minha fome de costelas. 4 vê, é só perdão o que hoje em ti me pede o mundo. é só um varal a céu aberto, * roupas voam contra o vento, se confessam, * o que tens no coração.
ESCREVER? escrever? não, virar os pulsos contra o sol até que mujam,
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longa, luminosamente.
NÃO PERGUNTES POR QUE TOCO O TEU ROSTO não perguntes por que toco o teu rosto só com a ponta dos dedos. deixa-me redesenhar as linhas da expressão que perdeste quando o sol descarrilhou de ti. não perguntes por que falo baixo, como se um ninho — esta boca em que ainda canta um sem fim de enxadas e hélices — respirasse no interior do candeeiro. és tão próximo, tão nu, que só sei te amar ao modo de quem limpa um corpo a ser velado. SONHOS – II
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aguardava que medissem minha pressão. * as caixas do sistema de som da clínica transmitiam a seguinte mensagem: doutor marcelo, emergência, doutor marcelo, sua esposa aprenderá contorcionismo para poder chupar o grelo. * quis avisá-lo que os pássaros também pinçam as penas quando se viram para o lado em que a rainha morte dorme. * (box casal, queen size, de mármore.) * uma enfermeira fazia vitrine-viva à porta do consultório. meu nome inteiro, lembrei depois, reverberava naquela boca acrílica. havia chegado a hora: sentei-me no banco ao fundo da sala. * a braçadeira transformou-se em questão de segundos num corpete para moças anoréxicas. era o meu sangue, o meu pulsar intermitente, que a mulher fechara a vácuo. a velcro. * seus dedos longos masturbavam freneticamente a bomba de ar. tive medo de falir, sim, de morrer *
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por excesso de hemopornografia. * NÃO VIREI NA GESTAÇÃO não virei na gestação: tive de fazer meu próprio furo, a dez facadas, tive de ferir meu júlio césar. vim de cesariana a este mundo torpe. — até tu? — ainda pergunta, inconsolável, o olhar da minha mãe. HAVERIA DE DRENAR A ESCURIDÃO DAS TUAS OLHEIRAS haveria de drenar a escuridão das tuas olheiras para a ideia de uma ave. que artéria deste voo romperia se cantasses até o fim? em que praia? ouve, amor, haveria de te erguer
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pelos cabelos de algum poço de petróleo e atirar a plataforma do teu rosto para o céu. POR ISSO CANTO... (Inspirado em poema de Guido Machado Moraes, recitado por Lisandro Amaral) Escuta. Toma o poema em teu colo, em tuas mãos, delicadamente. É parte do rito chorar, de dor ou de deslumbramento. Não te envergonhes: o rosto precisa também procurar uma forma de sobreviver ao canto. Deixa, portanto, que ele levante as suas armas — venenos ou bálsamos, lágrimas, como quiseres — contra essa urgência impiedosa da boca. Da voz. Chega o mais perto possível do canto que atravessa as palavras. Lembra, por fim, que cantar é algum modo misterioso de se estender feito um animal ferido sobre o lombo do poema. Feito uma presa que se recusa a morrer.
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SUMÁRIO
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Apresentação
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Ângela Castelo Branco
07
Camila Vardarac
16
Daniel Faria
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Katyuscia Carvalho
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Lucila de Jesus
47
Maiara Gouveia
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Marceli Andresa Becker
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A Edições Caiçaras é uma pequena editora independente artesanal inspirada nas cartoneras da América Latina, principalmente na Sereia Cantadora de Santos e na Dulcinéia Catadora de São Paulo. Nasceu pela dificuldade homérica e labiríntica em publicar meus livros em uma editora convencional. É uma forma de reavivar o ideal punk do “faça você mesmo”, incentivando a auto-gestão e o uso da habilidade manual, algo que está se perdendo em nossa sociedade tecnocrata. Em diálogos com os escritores Marcelo Ariel e Alessandro Atanes, editores da revista eletrônica Pausa, comentei da minha urgência e vontade de lançar outros autores e desvincular o projeto de um viés personalista. E sugeri a Marcelo Ariel que organizasse um livro para a editora a partir de seus artigos sobre poesia brasileira na Pausa, assim, de fato, começa a tomar forma a filosofia da Edições Caiçaras, mais do que um caráter social, nos interessa, ousar na forma e no conteúdo. Na forma é um aprimoramento das técnicas das cartoneras - os livros são feitos com capa dura, costurados com sisal e presos
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com detalhes em bambu. No conteúdo priorizamos um diálogo profundo com a Internet e com as literaturas locais do Brasil. Márcio Barreto CATÁLOGO COMENTADO O Novo em Folha (poesia) – Márcio Barreto “Trata da suscetibilidadade poética aos multimeios e multilinguagens, miscigenando significados e construindo novas relações entre imagem, palavra e sonoridade. O nomadismo levado ao seu âmbito primeiro re-significando identidades culturais e provocando novos olhares e reflexões acerca do específico e seus universos em movimento. Um passeio por paisagens sonoras, onde a literatura mistura-se à música e à filosofia, unindo o ancestral ao contemporâneo.” (O Autor) Atro Coração (Dramaturgia) – Márcio Barreto “Um retrato do amor que mistura os textos Romeu e Julieta e Otelo (Shakespeare), Lua na Sarjeta (David Goodis) e partes dos filmes O Colecionador (baseado na obra de John Fowles) e Cenas de um Casamento (Ingmar Bergman). Assim é Atro Coração, peça que coloca dois personagens míticos em uma situação limite: Lilith após ser expulsa do paraíso invade os sonhos do anjo Gabriel e o seduz. Para puní-los Deus os lança à Terra como homem e mulher. Destituídos de suas memórias vagam separados até que o acaso os une novamente. De um lado o amor não correspondido, do outro o amor que nasce do medo da morte. Uma peça que discute os limites do amor através das
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relações de medo, desejo, sonho, posse, loucura e realidade. Uma história que nos faz pensar que não importa o que é o amor, mas o que fazemos com ele.” (O Autor) Nietszche ou do que é feito o arco dos violinos (poesia) - Márcio Barreto "A loucura, não em seu contexto patológico, mas como um campo propício para novas inspirações e idéias, onde valores e costumes são facilmente rompidos e a genialidade e a sabedoria misturam-se com universos muita vezes desconhecidos. Nietzsche, importante filósofo alemão do sec. XIX, possuía grande paixão pela música, como vemos em O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música (1872), O Caso Wagner, um Problema para Músicos (maio-agosto 1888) e Nietzsche contra Wagner (dezembro 1888). De certo modo, a filosofia encontra na música um riquíssimo campo para reflexão. Poderíamos comparar, como faz a física quântica, a gênese do universo às cordas do violino quando vibram tocadas pelo arco. Parece loucura, mas acredita-se que as menores partes do universo agem assim, vibrando e criando a sua volta. Nietzsche enlouqueceu em janeiro de 1889, em Turim, quando seus olhos enevoados pela miopia se chocaram com o espancamento de um cavalo. Aos prantos deixou-se ficar abraçado comovido com seu sofrimento. Nunca mais esteve lúcido. O arco do violino é feito da crina do cavalo; antes da loucura Nietzsche era veemente contra a compaixão." (O Autor)
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www.edicoescaicaras.blogspot.com www.percutindomundos.blogspot.com www.myspace.com/percutindomundos www.youtube.com/projetocanoa
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Pequena Cartografia da Poesia Brasileira Contemporânea foi impresso sobre papel reciclado 75g/m² (miolo). A capa foi composta a partir de papelão e sacolas de papel.
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