A Menina dos Cabelos de Capim

Page 1

L

embro que, quando menino, nas noites de chuva e trovão, minha mãe contava esta história para me fazer dormir. Passava então a noite inteira enrolando nos lençóis, sonhando coma a pequena menina enterrada pela madrasta no quintal de casa. O cabelo dela, enorme, cresceu tanto para fora da terra que quem visse aquilo dizia que era um imenso capinzal. Uma história fantástica que, a um só tempo, me enchia de medo e de ternura . Pergunte a seu pai ou a sua mãe e tenho certeza de que eles vão dizer a mesmíssima coisa: esta é uma das histórias mais bonitas que já se ouviu no mundo. Não é à toa que a canção “Capineiro de meu pai”, que você vai conhecer agora, permanece como uma das lembranças mais fortes de minha infância. Por isso mesmo, emocionei-me quando li este livro, inspirado no conto popular “Os Figos da Figueira”. Aqui, Ricardo Guilherme recria com extrema sensibilidade e poesia e poesia esta narrativa que nasceu lá na Península Ibérica, atravessou o Atlântico e, assim, foi devidamente incorporada pela tradição oral brasileira. Preste atenção nas ilustrações maravilhosas de Tarcísio Garcia, feitas cuidadosamente em bico de pena. Elas são outra atração à parte. Dei este livro para minha filha ler e ela concordou comigo: esta é uma história tão bonita que faz a gente sorrir e chorar ao mesmo tempo. Lira Neto

O

Capim floresceu e cresceu, cresceu, cresceu tanto queo terreno virou um capinzal. O pai da menina se interessou em saber quem tinha plantado esse capim, assim tão crescido e tão vistoso. “E eu sei?”, respondeu a madrasta, perguntando. O pai então, vendo o capineiro trabalhar, teve a ideia de chamar o rapaz e pediu que capinasse o terreno onde crescia o capinzal. E foi aí que aconteceu. Ao levantar o braço com a foice para cortar o capim, o capineiro ouviu uma voz que cantava assim:

Capineiro de meu pai Não corte o meu cabelo Minha mãe me penteou Minha madrasta me enterrou Pelo figo da figueira Que o passarim bicou.

Meu nome é Ricardo Guilherme. Já fui menino, mas não tive infância sim, mas uma infância muito minha, sem arraias, sem bilas, sem bola de meia, mas marcada por uma vontade precoce de inventar e representar histórias. É assim que guardo comigo a vocação para a meninice que me faz ser escritor e ator. E não basta apenas ter sido criança; é imprescindível continuar sempre sendo. Senão o babau vem e pega, e para nós, recriadores da palavra e do gesto, o bicho- papão é o branco da tela do computador ou o vazio do palco sem persona. Eu sou Tarcísio García. Sou artista plástico e autor de livros, onde, inspirado no palavreado e no comportamento do povo nordestino. ( minha principal fonte de inspiração) conto causos e histórias pra boi dormir. Já fui criança como você, e antigamente (no tempo do ronca !), menino acreditava em Papai Noel, Véi do saco e Papa- figo. Uma história como está da madrasta malvada tirava o sono da meninada, que por conta do medo ficava bem biazinha pra mãe e só dormia depois de fazer o “pelo sinal”.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.