Capistrano de Abreu

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Capistrano de Abreu

terra bárbara

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Firmino Holanda O mestre dos mestres Inovador na metodologia dos estudos históricos no Brasil, Capistrano de Abreu produziu uma obra-prima sobre nosso passado colonial. Uma concepção do fazer histórico que, ignorando o “herói na história”, privilegia o povo como agente histórico pelos caminhos e povoamentos dessa antiga Terra de Santa Cruz. Os livros do mestre maranguapense têm aquela perenidade só reservada às obras indispensáveis.

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Estar no mundo, saber do mundo. Desde que nascemos, vamos nos constituindo nessa relação com as pessoas, afinal somos todos seres políticos. Os espaços são múltiplos para esse processo de aprendizagem, ou melhor, para as aprendizagens que vamos vivenciando ao longo de nossa vida. Mas sabemos, também, o quanto a escola é fundamental nesse contexto, desde o ensino infantil até o ensino médio. É no ambiente escolar que aprimoramos nossos conhecimentos formais e informais, nossas sociabilidade e afetividades. Nesta longa caminhada, os professores e as professoras são personagens fundamentais. No diálogo, que estabelecem com seus alunos e alunas, vão formando nossas crianças e adolescentes. Nas suas formas de estar no e saber do mundo. E temos consciência de que as professoras e os professores da rede pública de ensino de Fortaleza caminham com seus estudantes em direção a uma sociedade mais solidária, porque se relacionam com as crianças e adolescentes de nossa cidade como cidadãos. Feliz Dia dos Professores e Professoras. Luzianne Lins Prefeita de Fortaleza

Ana Maria Fontenele Secretária Municipal de Educação


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Coleção

ADOLFO CAMINHA Claudia Albuquerque ALBERTO NEPOMUCENO Floriano Martins BÁRBARA DE ALENCAR Ariadne Araújo BEATO JOSÉ LOURENÇO Xico Sá BENJAMIM ABRAHÃO Firmino Holanda BEZERRA DE MENEZES Luciano Klein Filho CANOA DOIDA Aírton de Farias CAPISTRANO DE ABREU Firmino Holanda CEGO OLIVEIRA Eugênio Leandro CHICO DA SILVA Roberto Galvão CLÓVIS BEVILÁQUA César Asfor Rocha DELMIRO GOUVEIA Aírton de Farias DEMÓCRITO ROCHA Cleto Pontes DOM ALOÍSIO LORSCHEIDER Elsie Studart e Marcelo Gurgel DOMINGOS OLIMPIO Leite Jr DRAGÃO DO MAR Luciana Cavalcante

EDSON QUEIROZ Eduardo Campos FARIAS BRITO Antônio Carlos Klein FIGUEIRAS LIMA Mª Isabel Figueiras Lima Ciasca FRAN MARTINS Carlos Eduardo Bezerra FREI TITO Socorro Acioli IRMÃOS ANICETO Pablo Assumpção JACQUES KLEIN Agamenon Bezerra JÁDER DE CARVALHO Angela Barros Leal JOAQUIM PIMENTA Edimilson Barbosa JOSÉ ALBANO Ruy Vasconcellos JOSÉ DE ALENCAR Mona Gadelha JOVITA FEITOSA Kelma Matos JUAREZ BARROSO Amélia Soares A. Landim LAURO MAIA Nirez LOPES FILHO Túlio Monteiro MARTINS FILHO Paulo Elpídio de M. Neto

MESTRE NOZA Carolina Dumaresq MOREIRA CAMPOS Caterina de Saboya Oliveira NATANAEL CORTEZ Robério Américo Souza OLIVEIRA PAIVA Tércia Montenegro PADRE CÍCERO Régis Lopes PADRE IBIAPINA Benedito Silva PATATIVA DO ASSARÉ Gilmar de Carvalho PAULO ABEL Elvis Matos PAULO BONAVIDES Antonio Carlos Klein QUINTINO CUNHA Francisco José S. Souza RACHEL DE QUEIROZ Socorro Acioli RODOLFO TEÓFILO Benedito Silva ROGACIANO LEITE FILHO Airton Monte SENADOR ALENCAR Aírton de Farias SINHÁ D’AMORA Túlio Monteiro WALDEMAR ALCÂNTARA Blanchard Girão


Firmino Holanda

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Reimpress達o Fortaleza 2007


Copyright©2007 by Edições Demócrito Rocha

DIRETORA EXECUTIVA: Albanisa Lúcia Dummar Pontes CONCEPÇÃO DA COLEÇÃO E COORDENAÇÃO EDITORIAL: Lira Neto COORDENAÇÃO DE DESIGN: Deglaucy Jorge Teixeira COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO: Sérgio Sampaio PROJETO GRÁFICO: Mirtis Rodrigues CAPA: Mirtis Rodrigues/Deglaucy Jorge Teixeira EDITORAÇÃO ELETRÔNICA: Giovanni Muratori REVISÃO: Kelsen Bravos e Vessillo Monte FICHA CATALOGRÁFICA: Rodrigo Leite Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

H722c

Holanda, Firmino. Capistrano de Abreu / Firmino Holanda. – reimpr. – Fortaleza : Edições Demócrito Rocha, 2007 144 p. : il. – (Coleção terra bárbara) Inclui bibliografia ISBN: 978-85-752-9053-3 1. Abreu, Capistrano - biografia. 2. Literatura. 3. História. I. Título. CDU 929ABREU

Av. Aguanambi, 282 - Joaquim Távora - Fortaleza - CE Cep: 60.055-402 - Tel.: (85) 3255.6055/3255.6256 - Fax: (85) 3255.6276 E-mail: edr@fdr.com.br / livrariaedr@fdr.com.br www.fdr.com.br


SUMÁRIO Introdução

UM

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Capítulo 1

ENTRE

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A CRUZ E A ENXADA

Capítulo 2

UM

AUTODIDATA E AS NOVAS IDÉIAS

Capítulo 3

A FRANÇA

SEJA AQUI

44

A PROVÍNCIA

53

Capítulo 4

DEIXANDO

Capítulo 5

61

Literatura e história

Capítulo 6

RETRATO

COM PIMENTA MALAGUETA

Capítulo 7

DESCOBRINDO

O

BRASIL

Capítulo 8

FINAL

DE SÉCULO

Capítulo 9

HISTÓRIA

36

SEM HERÓIS

E A

ALEMANHA

69 76 86 92


Capítulo 10

101

HONORINA

Capítulo 11

107

ÍNDIOS

Capítulo 12

A SOMBRA

E A PELE

EPÍLOGO LEIA MAIS CRONOLOGIA REFERÊNCIAS O AUTOR

113 128 129 133 137 143


Para Os meus irmãos Nilce, Dedé, Artur e Marinilza; e para Nilzinha, a irmã que nunca vimos. F. H.


INTRODUÇÃO

Agir é fácil, o difícil é pensar, dizia Goethe, que o Capis sempre citava nessa frase Em carta ao filho, Paulo Prado recorda-se do mestre Capistrano de Abreu

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Pelo que se depreende das atitudes de Capistrano de Abreu, homem de profundo saber, mas sem ostentações, uma biografia sua seria algo impensável, se vivo estivesse. Ele próprio deixou poucos elementos para compô-la, em especial no que diz respeito à sua infância e juventude no Ceará, passando ainda pela fase de Recife. O fundamental de sua existência era a crítica literária, o desvendar de nossa História e de línguas indígenas, dentre outros mergulhos no saber. Assim viveu este cearense de Maranguape, de meados do século XIX até 1927, quando morreu, sem jamais abandonar suas pesquisas.


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A grande dimensão e a influência de seus trabalhos foram admitidas por intelectuais de vários campos do saber, contemporâneos ou não de Capistrano, como José de Alencar, Eduardo Prado, Sílvio Romero (seu futuro desafeto), Paulo Prado, Tristão de Athayde, José Honório Rodrigues, Darcy Ribeiro e tantos outros. Entre seus amigos e admiradores estava o também historiador Guilherme Studart, ou melhor, Barão de Studart. Em 190l, quando este preparava seu Dicionário bibliográfico cearense, pediu a Capistrano alguns parágrafos para verbete sobre sua trajetória. No texto enviado, segue a lista de suas obras publicadas, incluindo as traduções feitas do alemão. No fim, refere-se ao Livro do centenário [do Descobrimento], onde lhe encomendaram capítulo referente ao ‘‘descobrimento do Brasil, povoamento do solo, organização política e administrativa, evolução social’’. Tendo escrito a primeira parte, ele se mostraria então indisposto a dar-lhe continuidade, ‘‘porque não lhe pagaram’’, conclui Capistrano. Ainda referindo-se a si mesmo na terceira pessoa, arremata: — Não quis fazer parte da Academia Brasileira [de Letras] e é avesso a qualquer sociedade, por achar demais a humana. Por exceção única, pertence ao Instituto [Histórico e Geográfico do Brasil], do qual pretende demitir-se em tempo, se não morrer repentinamente.


Banco de Dados/O POVO

Rio de Janeiro, 1905. A revista ‘‘O Malho’’ flagra Capistrano de Abreu, um nome já consagrado.


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Econômico na revelação de episódios da infância e da juventude, Capistrano, assim, deixou a parentes e amigos a tarefa de reunir outros fragmentos reveladores de sua vida particular (dados esses, às vezes, confrontados com alguma ‘‘pista’’ em sua correspondência, mais voltada às preocupações de estudioso). Nisso, deu-se margem à circulação de amplo anedotário em torno de sua figura, abrangendo os primeiros tempos, no Ceará, e o segundo momento, no Rio de Janeiro, desde 1875 até seus últimos dias. No fim da vida, já assinando as cartas como ‘‘João Ninguém’’, depois de suportar perdas de entes queridos, chegara, no entanto, a revolver a memória de parentes próximos ou mais remotos. Numa carta ao irmão Sebastião de Abreu, em 1925, discorria longamente sobre tios, avós, primos, etc. E pedia-lhe que, no Ceará, se informasse sobre sua gente, mesmo receando ser tarde para cumprir a tarefa. No ano seguinte, o historiador contaria a Paulo Prado algo que investigara – e que jamais pôde comprovar, pois logo morreria. Ele, Capistrano de Abreu, descenderia de Pero Coelho de Souza, ‘‘o tal da expedição de 1603’’, português desbravador do território cearense. Um tio seu conhecera certo capitão-mor tido por elo perdido dessa linhagem. Assim, para falar de si ou dos próximos, o incansável pesquisador ainda teria pretexto para mergulhar na história nacional. Teria sido também primo, pelo lado


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paterno, do poeta e folclorista cearense Juvenal Galeno (1836-1931). Capistrano tinha rara intuição de pesquisador de nosso passado, mas não dispunha de bola de cristal. Assim, esse velho ateu jamais se imaginou sendo também lembrado, no futuro, como o pai daquela que poderá ser a primeira santa realmente nascida no Brasil. Morta em 1959, sua primogênita Honorina de Abreu, ou melhor, madre Maria José de Jesus, passa por processo de beatificação, instaurado em 1989. Pertencente à Ordem das Carmelitas, foi ela reconhecida por Manuel Bandeira, em prefácio para sua obra, como uma poetisa das mais representativas do gênero religioso. Outro personagem místico, no caso, já eleito ‘‘santo’’ pelo povo, passou pela vida de Capistrano: Padre Cícero, seu colega na época de seminário da Prainha, em Fortaleza. Mas foi um contato breve e sem desdobramentos. Nos velhos tempos, no Ceará, Capistrano de Abreu envolveu-se com a mais jovem e atuante intelectualidade de Fortaleza. Chegara aos 20 anos de idade e tinha por amigos nomes como Rocha Lima, Domingos Olímpio, Xilderico de Faria, Araripe Júnior, Tomás Pompeu Filho e Rodolfo Teófilo; logo depois, foi descoberto pelo escritor José de Alencar; no Rio de Janeiro, seria apresentado por Machado de Assis a Rui Barbosa; correspondia-se com uma pá de ami-


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gos intelectuais, como Barão do Rio Branco, Assis Brasil, Pandiá Calógeras, Arrojado Lisboa, José Veríssimo, Afonso de Taunay, Oliveira Lima, etc. Sua correspondência (ativa e passiva) preenche três alentados volumes, o que motivou Paulo Prado a afirmar que ‘‘a obra principal de Capistrano está talvez na sua formidável correspondência’’. O autor paulista, um desses interlocutores, escreveu Retrato do Brasil (1928), livro nitidamente influenciado pelo historiador cearense. Homem rico, Prado ainda financiava empreendimentos editoriais do mestre pobre Capistrano. A presença de Capistrano de Abreu na cultura brasileira é algo extraordinário. Seja como crítico literário, como historiador ou ainda decifrador de línguas indígenas, seu legado deveria ser revisto com mais atenção por nossos estudiosos, afinal, ele soube fundir várias áreas do saber para traçar o retrato de nossa formação histórica. Em recente estudo de José Carlos Reis, As identidades do Brasil – de Varnhagen a FHC, lá se encontra Capistrano como um dos iniciadores da corrente do pensamento histórico brasileiro que ‘redescobrirá o Brasil’, valorizando o seu povo, as suas lutas, os seus costumes, a miscigenação, o clima tropical e a natureza brasileira.’’Além disso, esse povo é colocado como ‘‘sujeito da sua própria história’’. Capistrano seria pioneiro na procura das identidades do povo brasileiro, contra o português e o Estado imperial e as elites luso-brasileiras.’’


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Dados socioeconômicos eram relacionados com ‘‘elementos da superestrutura espiritual psicológica’’, acrescenta Honório Rodrigues, identificando Capistrano como estudioso à frente de seu tempo. Mesmo assim, o cearense foi colocado por Gilberto Freire no rol dos ‘‘historiadores antes em potencial’’ – mas do qual tanto se serviu em seu Casa Grande e Senzala, seja em citações, seja no espírito, ao mergulhar na alma brasileira. Negando-se a cultuar o passado patriarcal brasileiro ou a contar a história de heróis, Capistrano diria: ‘‘A mim preocupa o povo, durante três séculos, capado e recapado, sangrado e ressangrado.’’ O romancista José Lins do Rego, contudo, enxergava em Capistrano ‘‘o homem que poderia ter sido o nosso grande historiador se não tivesse querido ser somente o nosso maior esquisitão.’’ Estranho argumento. Cita sete vezes (a conta do mentiroso?) o nome deste para demonstrar a excelência de Freire em sua obra-mestra que, no fundo, seria a continuidade da ‘‘obra que Capistrano não quis concluir’’, diria José Lins, em 1933. No prefácio da primeira edição norte-americana de Capítulos da história colonial de 1997, clássico desse autor cearense, Fernando Novais vê em Capistrano o nome que possibilitou um salto do conservadorismo de nossa primeira historiografia até os estudos dos pensadores mais profundamente analíticos do século XX, como Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda e Caio prado Jr.


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O fato é que Capistrano não foi somente historiador e objeto de culto, superestimado por uma ‘‘seita’’, como se diria. Darci Ribeiro, tratando-o como um de seus mestres, viu essa questão por outra óptica. Para ele, Capistrano ‘‘pensando que fazia História, por vezes fez Antropologia da melhor sobre o processo de edificação do povo brasileiro.’’ (Confissões; Cia. das Letras, 1998). A Etnografia muito lhe deve, como reconheceria Roquete Pinto e luminares alemães desse campo, como Karl von den Steinen e Koch-Grünberg. Capistrano foi decifrador de línguas indígenas, exaustivo trabalho paralelamente revelador de mitos e costumes das tribos estudadas. Voltando à História, até hoje aí se louva sua ‘‘prosa limpa e serena’’, como atesta Alfredo Bosi, ainda lembrando que, graças à sua operosidade, dispomos de ‘‘excelentes edições de textos coloniais que incorporou de vez às letras históricas.’’ Sem esquecermos sua contribuição à crítica literária. Não é pouco, para um ‘‘esquisitão’’, amante de uma boa rede, da carne-de-sol e de uma cervejinha – como assinalou Gilberto Freyre ao compor as diferenças de temperamentos entre ele e o colega historiador Oliveira Lima, este um gourmet entendido em vinhos e ‘‘charutos finos’’. Capistrano de Abreu seria o ‘‘caboclo’’ sertanejo, modestíssimo, a contrariar as leis de um mundo de aparências, idealizado por elites de várias espécies. Dotado de


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fino humor e ironia – inclusive para consigo e para os com seus –, nisso criava, também, a sua própria ordem, não condizente com a feira das vaidades de seu tempo. E chegava a ‘‘legislar’’ em função desse seu mundo. Até imaginou o que seria a Constituição ideal para nosso País. A nova carta magna disporia de um único artigo. Neste, determinava-se a cada brasileiro o dever de possuir caráter. Revogavam-se as disposições em contrário.


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Firmino Holanda O mestre dos mestres Inovador na metodologia dos estudos históricos no Brasil, Capistrano de Abreu produziu uma obra-prima sobre nosso passado colonial. Uma concepção do fazer histórico que, ignorando o “herói na história”, privilegia o povo como agente histórico pelos caminhos e povoamentos dessa antiga Terra de Santa Cruz. Os livros do mestre maranguapense têm aquela perenidade só reservada às obras indispensáveis.

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