Inteligência existencial – e prática de valores no lar e na escola

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INTELIGร NCIA EXISTENCIAL e prรกtica de valores no lar e na escola



Celso Antunes

INTELIGร NCIA EXISTENCIAL e prรกtica de valores no lar e na escola


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Antunes, Celso, 1937Inteligência existencial e prática de valores no lar e na escola / Celso Antunes. -- São Paulo : Edições Loyola, 2015. Bibliografia ISBN 978-85-15-04251-7 1. Aprendizagem 2. Cognição 3. Inteligência emocional 4. Prática de ensino 5. Sala de aula - Direção 6. Valores (Ética) I. Título. 15-00711

CDD-370.152

Índices para catálogo sistemático: 1. Inteligência existencial : Psicologia educacional    370.152

Preparação: Renato da Rocha Capa: Viviane B. Jeronimo Foto de ©200935184/Fotolia Diagramação: So Wai Tam Revisão: Vero Verbo Serviços Editoriais

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ISBN 978-85-15-04251-7 © EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2015


Muitas escolas brasileiras, particulares ou públicas, desenvolvem eficiente ensino de qualidade, mas, além da visão apenas instrucional, também podem, e com amplas condições e fundamentos, educar para a prática de valores e de virtudes por meio de estímulos à inteligência existencial. Este livro ensina como.



Sumário

Introdução: A década do cérebro e sua admirável condição plástica............................................................................

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PRIMEIRA PARTE 1. A solidez que se liquidifica: Bauman e o nosso tempo......... 2. A inteligência humana: a década do cérebro e a educação da inteligência......................................................... 3. Valores e atitudes no ensino público ou particular: um novo método para ensinar e desenvolver competências existenciais....................................................... 4. A inteligência existencial e a educação de valores................ 5. Os riscos de uma educação sem estímulos à inteligência existencial......................................................... 6. Algumas perguntas intrigantes sobre a inteligência.............

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SEGUNDA PARTE Introdução: A experiência do “Chapadão”................................... 1. Inteligência existencial desde o berço.................................... 2. A educação existencial dos cinco aos dez anos, no lar e na escola..................................................................... 3. Lendas, narrativas, análises de caso, fábulas ou passagens bíblicas.............................................................. 4. Perenidade e universalidade nos valores trabalhados na escola.............................................................. 5. O cérebro adolescente............................................................. 6. Trabalhando valores em sala de aula: a “internalização”, o “método socrático” e os “estímulos maiêuticos”................

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7. Estratégias geradoras de discussões, reflexões e internalização de valores........................................................ 105 Conclusão....................................................................................... 131 Referências bibliográficas.............................................................. 133 Livros do autor............................................................................... 135


INTRODUÇÃO

Kk A década do cérebro e sua admirável condição plástica

Até os anos 1990, pouco se conhecia sobre o cérebro humano, sua admirável capacidade de colher informações, transformando-as em conhecimento, e sua sagacidade em transferir experiências vividas ou apreendidas para solucionar novos desafios. O avanço das Ciências da Cognição e o desenvolvimento de técnicas de captação de imagens, que nos permitem ver a atividade cerebral no momento em que esta ocorre e detectar com precisão as estruturas envolvidas, mudaram não apenas alguns conceitos médicos, mas interferiram no conhecimento sobre cognição, aprendizagens e memórias e, dessa forma, no modo de trabalhar conteúdos conceituais em sala de aula e desenvolver procedimentos para o domínio e a materialização de atitudes e valores nas ações do cotidiano. A descoberta de maneiras de rastrear o cérebro, vendo-o funcionar em uma pessoa viva através de aparelhos de ressonância magnética funcional, torna possível perceber onde se escondem as emoções, por onde transitam pensamentos e qual é o sentido lógico que essa dança dos neurônios propõe. Sabe-se da neuroplasticidade cerebral e de sua capacidade em se transformar quando acolhe estímulos. Os caminhos revelados pelas chamadas Ciências da Cognição mostram que perguntas intri9


gantes, desafiadoras e propositivas animam e desencadeiam pensamentos, agindo como estímulos que, ao mudar nossos argumentos frágeis, desestruturam a inconstância de opiniões. Muitas destas, se colocadas à prova, mostram-se infundadas, dando à luz novas ideias, produzindo um renascer de nova consciência e oportunizando um novo pensar. Nada se sabia sobre estímulos cerebrais nos tempos de Sócrates, mas seu método para gerar ideias revela-se atualíssimo. Surgem como revolução na nova ciência do cérebro os estímulos maiêuticos, a arte de mudar a anatomia cerebral por meio de boas e propositivas perguntas. Hoje, já não é possível duvidar que a mente humana responde de maneira significativa aos estímulos, e, se estes se inserem em um projeto que os repete de forma crescente e sistemática, é quase fantástica sua força transformadora. O cérebro humano, assim como os músculos do corpo, apresenta surpreendente poder de mutabilidade quando devidamente estimulado, e existem três grupos de estímulos com procedimentos diferentes quanto a sua aplicação e com efeitos extremamente significativos quanto a seus resultados. O primeiro entre esses grupos de estímulos, tal como há milênios com arte fazia Sócrates, são os estímulos maiêuticos, que analisaremos mais à frente. Os itens agora relacionados neste texto introdutório sugerem algumas das interessantes conclusões sobre a mente humana que devem ser levadas em consideração quando se ministra uma aula ou se ensina a prática procedimental de valores e atitudes, sejam quais forem a idade do aluno e os conceitos que se busca construir. 1.

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A educação infantil é tudo; o resto, quase nada. O cérebro humano é capaz de aprender em qualquer idade, mas reveste-se de notável importância a educação que se recebe desde o nascer até os primeiros anos de vida, assim como o reconhecimento das agudas modificações cerebrais que se processam após a puberdade.

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2.

A imperativa certeza de que cérebro que não se usa é órgão que se perde. Uma pessoa normal nasce dotada de tecido cerebral complexo e com capacidade para diversificadas e múltiplas conexões; mas, se esse tecido não for desafiado com estímulos significativos que atingem a percepção sensorial e depois não utilizada intensamente essa modificação, ocorrerá progressiva atrofia ou perda dessas funções. Em síntese, a escolaridade convencional pode ter limite, a aprendizagem jamais.

3.

A plasticidade limitada e a flexibilidade das mudanças pela intervenção do mediador. Bebês ou crianças pequenas podem sobreviver ou se desenvolver mesmo com comprometimento de uma parte do cérebro, mas à medida que se passam os anos essa flexibilidade diminui e fica bem mais difícil compensar capacidades e funções perdidas. É importante preservar ajuda de pais e professores por toda a vida, mas a cooperação significativa e imprescindível é a que, até os trinta anos, desafia, desequilibra e ajuda o reequilíbrio, instiga, ousa e propõe.

4.

A importância de estímulos procedimentais e de experiências concretas. A plasticidade cerebral que nos faz aprender admite que tudo quanto se assimila chega através de experiências concretas do sujeito sobre o objeto do conhecimento, mas chega também pela observação e pela constatação dos exemplos que se conquistam dos modelos observados com os quais a vida nos propõe conviver. Estímulos procedimentais não substituem estímulos experimentais, mas estes também não substituem aqueles. Ambos são imprescindíveis.

5.

O reconhecimento pleno da individualidade e do talento humano. A complexidade das zonas e das redes neurais, cada uma orientada para capacidades bastante específicas, destaca A década do cérebro e sua admirável condição plástica

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que alguns indivíduos sejam dotados de potenciais e talentos muito acima da média dos demais; e, como as aptidões são relativamente independentes, ninguém é absolutamente bom em tudo o que é necessário para bem viver, mas possui excelência em uma ou outra capacidade. A avaliação do ser humano jamais pode se centrar em uma ou apenas algumas capacidades. 6.

As sensíveis diferenças entre o homem e a mulher. Além de evidentes disparidades biológicas e de papéis sociais que em muitos pontos se opõem, o cérebro masculino e o cérebro feminino apresentam diferenças hemisféricas sensíveis que interferem na forma como percebem e acolhem a compreensão, a “leitura” das pessoas e do ambiente e sua relação com o mundo que progressivamente se descobre e no qual se aprende a conviver. Em outras palavras, homens e mulheres podem fazer uma mesma leitura de seu tempo e de seus personagens, mas compreendem essa leitura de forma singularmente diferenciada.

7.

O incrível papel das emoções na fixação de conheci­mentos. É impossível deixar de reconhecer o imperativo papel da emoção no processo de aprendizagem, e as raras pessoas com capacidade limitada para codificar emocionalmente suas experiências apresentam problemas para progressivamente se transformar pela aprendizagem. Emoção não se ensina, mas sem ela pouco se aprende.

Essa relação, muito longe de se acreditar completa, não pode ser vista com indiferença e nem mesmo como receita por este ou aquele pai ou professor. Ao contrário, identificada como resposta da ciência pelo que hoje se sabe, deve transformar-se em instrumento de reflexão e imperativo de discussões entre todo casal e toda equipe docente. 12

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PRIMEIRA PARTE



1 Kk A solidez que se liquidifica: Bauman e o nosso tempo

Uma das mais espetaculares mudanças trazidas para a Educação pela internet foi seu imenso poder de transformar em água tudo o que antes era pedra. A solidez impenetrável do rochedo mudou para a plasticidade serena do lago, onde o peso que se joga logo afunda. Enquanto a pedra possui formato único e definido e não se altera senão pela lentidão do desgaste após muito tempo, a água, ao contrário, não possui forma definida, ajustando-se sempre à forma do recipiente. Tudo quanto é liquido assume formas mutáveis em instantes: a água que sai da torneira forma uma coluna, que assume forma arredondada se colocada em uma jarra, para segundos depois assumir a forma do copo, e com esse formato breve se mantém até que a sorvemos para outros múltiplos formatos em seu trajeto pelo corpo. Antes da internet a escola, a família, a empresa e o emprego, a política e a religião eram sólidas e firmavam esse rígido formato pela tradição esculpida pelo tempo. A boa escola para o pai era, com certeza, a escola boa para o filho; o padrão de uma bela família se ajustava ao tempo, mas os valores eram valores, e isso não se questionava. E assim era em relação a tudo mais. Uma empresa, por exemplo, firmava seu conceito de probidade exibindo os anos de sua existência, e as religiões fundamenta15


vam valores espirituais em nome de profetas seculares. Tudo era rocha, sólido, estático. Com a chegada da internet e sua rápida popularização, o que era duro amoleceu e em pouco tempo sentiu-se a liquefação de tudo. Não há mais espaço para solidez, e os conceitos de qualidade depressa mudaram: a boa escola é a que melhor acompanha as mudanças em seus alunos; e, se nas famílias ainda existe a figura do pai, liquefizeram-se também as relações entre macho e fêmea e entre o que se pensava de masculino e de feminino. É claro que ainda existem famílias como as de antigamente, mas ao seu lado existem também casais de único sexo, filhos assumidos por pais não biológicos. A empresa moderna é a que mais depressa se amolda às mudanças, e, ao lado de espetáculos de falências de grupos econômicos fortes e tradicionais, assiste-se a novas modalidades de empresas que nasceram ontem e serão vendidas por bilhões amanhã. Na política, a internet decide quem vence, e sólidas ditaduras caem não pela força de generais opositores, mas pela ação turbulenta das ações comandadas pelas redes sociais. Ditaduras desfazem-se como castelos de carta; celulares exibem abusos e denúncias que, colocadas em rede, agitam multidões. Poucos analistas da contemporaneidade mostram com tanta clareza como Zygmunt Bauman a modernidade líquida em que atualmente vivemos: um mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível. Antes do agora, as instituições se mostravam sólidas e nesse sentido possuíam formas compreendidas. O governo, a política, a família, a empresa, a profissão e até mesmo a religião podiam ser explicadas por sua estrutura definida e, tal como bloco de granito, eram passíveis de quebrar, sem perder o formato natural. É assim, no contexto dessa brutal transformação em que vivemos e que nos assombra, que emergem um novo espaço e um novo tempo para as escolas laicas ou religiosas. Centros de estudo e aprendizagem excelentes que sempre foram continuarão com essa finalidade, mas a elas é agora possível efetivamente agregar 16

Primeira parte


a educação em valores e em atitudes, conhecendo a força de uma nova pedagogia, que nos próximos capítulos se buscará explicar. Certamente as boas escolas sempre se preocuparam com a formação ética de seus alunos e com o desenvolvimento dos valores essenciais da Cristandade, mas muitas vezes tentavam para crianças e adolescentes de agora uma pedagogia antiga. Com certeza, não se ensina a prática de valores tal como se ensinam regras gramaticais ou estratégias de cálculo e subtração; e, por não distinguir essa sutil mas importantíssima diferença, muitas vezes os valores ensinados não se transformavam em competências assumidas. A razão de ser dos capítulos que se seguem é mostrar que, em tempos de liquefação, não mais existe espaço para a solidez de uma didática em que o professor apenas falava e seus alunos obedientemente deveriam ouvir.

A solidez que se liquidifica: Bauman e o nosso tempo

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