O efeito da ressurreicão – Transformação da vida e do pensamento cristãos

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oTransformação efeito dadavidaressurreição e do pensamento cristãos



Anthony J. Kelly, CSsR

oTransformação efeito dadavidaressurreição e do pensamento cristãos Tradução:

Barbara Theoto Lambert


Título original: The Resurrection Effect – Transforming Christian Life and Thought © 2008 by Anthony J. Kelly Orbis Books PO Box 302, Maryknoll, New York 10545-0302 - USA ISBN 978-1-57075-770-9

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Kelly, Anthony J., 1938– O efeito da ressurreição : transformação da vida e do pensamento cristãos / Anthony J. Kelly ; tradução Barbara Theoto Lambert. -- São Paulo : Edições Loyola, 2015. Título original: The resurrection effect : transforming Christian life and thought. Bibliografia. ISBN 978-85-15-04260-9 1. Fenomenologia 2. Jesus Cristo – Ressurreição 3. Teologia – História I. Título. 15–00967

CDD–232.5

Índices para catálogo sistemático: 1. Jesus Cristo : Morte e ressurreição : Cristologia

Preparação: Vero Verbo Serviços Editoriais Capa: Viviane B. Jeronimo Foto de © arsdigital/Fotolia (com adaptações) Diagramação: Rosilene de Andrade Revisão: Mônica Aparecida Guedes

Edições Loyola Jesuítas Rua 1822, 341 – Ipiranga 04216-000 São Paulo, SP T 55 11 3385 8500 F 55 11 2063 4275 editorial@loyola.com.br vendas@loyola.com.br www.loyola.com.br Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.

ISBN 978-85-15-04260-9 © EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2015

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Sumário

Prefácio.................................................................................................9 CAPÍTULO 1

“Localizar” a ressurreição: problema teológico.................................16 O constrangimento da ressurreição para a teologia . ................................ 17 Razão e ressurreição .............................................................................. 23 Atitude ressurrecional ............................................................................ 24 Uma oportunidade pós-moderna? .......................................................... 31 A ressurreição e a confusão de categorias ................................................ 34 Conclusão: um ponto de vista fenomenológico ....................................... 43 CAPÍTULO 2

Abordagem fenomenológica à ressurreição.......................................44 A reviravolta fenomenológica ................................................................. 45 A ressurreição como fenômeno saturado ................................................. 48 Cinco aspectos do fenômeno da ressurreição .......................................... 51 A ressurreição como revelação . .......................................................... 52 A ressurreição como evento ................................................................ 54 A ressurreição como forma estética ..................................................... 56 A ressurreição como “carne” ............................................................... 58


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A ressurreição e a face de Cristo ......................................................... 62 Conclusão: fenômeno saturado ou mistério? . ......................................... 64 CAPÍTULO 3

A ressurreição e o fenômeno do Novo Testamento ...........................67 Receptividade ao Divinamente Dado . .................................................... 68 Interpretação à luz de Cristo .................................................................. 69 Retórica de receptividade e excesso ........................................................ 72 Luz nas trevas . ...................................................................................... 78 Conclusão ............................................................................................. 86 CAPÍTULO 4

O evento da ressurreição....................................................................87 O fenômeno multidimensional ............................................................... 88 Seis dimensões do evento da ressurreição . .............................................. 90 O aspecto pascal: a ressurreição do Crucificado ................................... 91 A fonte generativa paterna ................................................................. 92 Identidade filial . ............................................................................... 94 Espírito: o aspecto expansivo do evento ............................................... 95 Sacramento: a Igreja como Corpo de Cristo . ........................................ 98 Expectativa escatológica .................................................................... 99 A luz da ressurreição . .......................................................................... 101 A luz e seu significado: padrões de retórica ........................................... 103 Arcos de retórica ............................................................................. 103 Dimensões de significado ................................................................. 105 CAPÍTULO 5

Paulo e o efeito da ressurreição.......................................................107 Experiência transformadora de Paulo..................................................... 108 Conversão ao Ressuscitado: cenário narrativo........................................ 111 Da experiência ao significado................................................................ 117 1 Coríntios 15,1-28.......................................................................... 117 Filipenses 2,5-11 ............................................................................ 126 Conclusão ........................................................................................... 131


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CAPÍTULO 6

Ressurreição: o fenômeno visual......................................................132 Uma dialética contínua ........................................................................ 134 As aparições do Cristo ressuscitado ...................................................... 137 A economia de ver: um fim e um princípio ........................................... 142 O outro Paráclito . ............................................................................... 145 Conclusão ........................................................................................... 153 CAPÍTULO 7

Subjetividade, objetividade e a ressurreição ................................. 155 As polaridades de sujeito e objeto ........................................................ 156 A complexidade da experiência ............................................................ 157 Cinco suposições questionadas ............................................................ 160 A saturação do fenômeno..................................................................... 165 Conclusão: o jogo de polaridades . ....................................................... 166 CAPÍTULO 8

O realismo salvífico da ressurreição ...............................................167 Objetividade salvífica . ......................................................................... 167 Realismo salvífico ........................................................................... 168 A iniciativa divina .......................................................................... 170 Presença e ausência . ....................................................................... 174 A humanidade do Jesus ressuscitado ................................................. 175 Perdão............................................................................................. 176 O túmulo vazio ............................................................................... 177 Prelúdio da história mundial . .......................................................... 183 Subjetividade salvífica .......................................................................... 185 Um novo começo ............................................................................. 186 O novo entendimento dos discípulos ................................................. 187 Chamados a testemunhar ................................................................. 189 Um horizonte universal ................................................................... 190 Um mundo reativo .......................................................................... 191


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CAPÍTULO 9

Extensões do efeito da ressurreição.................................................193 A ressurreição e a Trindade .................................................................. 194 A ressurreição e a teologia moral .......................................................... 200 Abertura transcultural .......................................................................... 210 CAPÍTULO 10

A ressurreição como horizonte........................................................ 215 Bibliografia selecionada...................................................................222 Índice de assuntos e nomes..............................................................228


Prefácio

Este livro trata da ressurreição do Jesus crucificado como o evento focal que afeta toda a fé e a teologia cristã. Entretanto, com essa concentração não pretendemos acrescentar outra especialização a um currículo teológico já excessivamente especializado, nem tentamos adaptar a ressurreição mais claramente a um sistema teológico como uma questão, doutrina ou tema bíblico entre muitos. Pretendemos sim examinar o caráter focal do evento da ressurreição para a fé e, em consequência, a necessidade de ser a teologia, em todas as suas especializações — bíblica, fundamental, sistemática, litúrgica e moral — identificada “na ressurreição”, por assim dizer, e agir em sua luz. Com esse fim em mente, esta não é “nova teologia” da ressurreição, que se baseia ou contrasta com a obra notável de autores tais como Durrwell, Pannenberg, O’Collins, von Balthasar, D. B. Hart, N. T. Wright, James Alison e tantos outros. Esse vasto trabalho de síntese e interpretação sistemática é com certeza um projeto muito desejável para o futuro, embora além de nosso escopo atual. Por outro lado, este livro contribui para essa tarefa, mesmo que de uma forma um tanto preliminar, quando procura fazer a teologia mais “ressurrecional” em método, atmosfera e conteúdo. Nova receptividade ao ato de Deus ao ressuscitar Jesus dos mortos, juntamente com um grato reconhecimento da erudição, passada e presente, vai apontar nessa direção. Consequentemente, esperamos dar uma contribuição à ressurreição da teologia como modo característico garantido de racionalidade cristã. Por que esse exame do “efeito da ressurreição” é oportuno será explicado de várias formas no decorrer do livro. No momento basta dizer que o foco


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ressurrecional da vida e do pensamento cristãos precisa ser sempre renovado e estimulado. Assim como o domingo, “dia do Senhor” que comemora a ressurreição perde-se no moderno fim de semana secular ou, quanto a isso, sai de foco na sucessão de liturgias sazonais, por exemplo, o primeiro domingo do advento, ou o terceiro domingo da quaresma, ou o décimo domingo do “tempo comum” etc., algo parecido acontece com a teologia. Ocorreu-me depois de terminar meu livro recente Eschatology and Hope (Orbis, 2006) que todos os diversos temas e assuntos tratados nesse livro dependiam, da maneira mais natural, da ressurreição de Cristo. Em face de todos os desafios da vida, do sofrimento e da morte, nossa esperança atual é efeito da ressurreição. Se isso não tivesse acontecido, a esperança seria quando muito otimismo repressivo ou acomodação ao desespero da rotina. Mas o efeito da ressurreição é ver o mundo e nele viver de outra forma. Dificilmente esse é um discernimento original. De fato, é tão evidente que a originalidade do efeito da ressurreição na vida da fé chega a ser esquecida. O que originalmente fez toda a diferença aos poucos torna-se remota pressuposição que afeta só vagamente o jeito como entendemos Deus, nós mesmos e o próprio mundo. Este livro, então, almeja fortalecer o foco e ajudar os leitores a expressar o efeito da ressurreição em todos os aspectos da vida. Para esse fim, os capítulos convergem para um só objetivo — renovar a fé e a teologia em receptividade ao fenômeno focal da ressurreição. Até certo ponto, essa receptividade é sempre pressuposta na busca de clareza doutrinal, elaboração sistemática e teologia moral. Mas vamos mostrar que há espaço para uma atenção mais disciplinada às formas em que esse fenômeno cristão primordial é dado ou revelado à fé. Em suma, uma fase fenomenológica precede todas as considerações teóricas ou práticas. Precisamos primeiro tratar do que é dado, por seus próprios méritos e em sua própria luz. Um jeito de elaborar uma fenomenologia da ressurreição é recorrer a uma classe de fenômenos designados como “fenômenos saturados” (Jean-Luc Marion). Por mais que pareça estranho na linguagem corrente, esse termo sugere que a aparição, a “condição de ser dado” ou o impacto autorrevelador de alguns fenômenos é tão multidimensional, tão inexaurível em significância, e de efeito tão transbordante e pródigo, que seu prestígio precisa ser reconhecido. Em uma palavra, esses fenômenos são reconhecidos como “saturados”. Por exemplo, há um tipo de evento — nascimento, morte, guerra mundial, apaixonar-se — que transborda quaisquer limites estabelecidos e provoca interpretação contínua. O mesmo vale para uma obra de arte admirável. A Mona Lisa de Da Vinci cria sua própria história de interpretação e se impõe em um jogo interminável de perspectivas enquanto sucessivas gerações a contemplam através dos séculos. Considere outro exemplo: nossos corpos ou “carne” são uma coisa que simplesmente possuímos e classificamos como entidade biológica


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de determinado tipo. De fato, o corpo é um campo de comunicação encarnada com todo um mundo, em especial nas comunicações íntimas de amor ou paternidade. Outro exemplo é a “face” do outro. Não é objeto comum, mas, em certo sentido, presença dominadora. Chama a pessoa a uma responsabilidade e a uma coexistência ética com o outro de consequências ilimitadas. Todos esses fenômenos têm uma coisa em comum: ocorrem como uma espécie de “revelação”, pois são concedidos de mais longe que o horizonte normal de nossas percepções. São revelados de forma superabundante ou transbordante. Da maneira como são concedidos, eles nos atraem para um campo de “excesso” imaterializável e inexaurível. Dessa forma, os fenômenos saturados nos afetam, não apenas com a superabundância de sua significância, mas com o estranho poder de nos chamar, individual ou comunalmente, para ver o mundo dentro de um horizonte diferente. Cada um a sua maneira vem a significar o mundo para nós — e nosso lugar dentro dele. Em grau supersaturado, a ressurreição do Crucificado é exemplo singular de um fenômeno dessa natureza, enquanto, como veremos, cada um desses exemplos especiais expressa algum aspecto da maneira pela qual a ressurreição se revela à fé ponderada. Embora a terminologia fenomenológica talvez pareça estranhamente técnica ou até exótica, a experiência à qual ela apela não é desconhecida. Correndo o perigo de ser literal demais com referência à “saturação”, o exemplo a seguir pode ser útil para enfatizar o que está em jogo. Talvez estejamos fartos de ler a respeito dos encantamentos da Grande Barreira de Corais e de ver documentários sobre suas maravilhas — e as atuais ameaças a ela. Passamos a sentir necessidade de ir lá, mergulhar nela, ficar imersos nela, ser carregados por suas marés, mergulhar ao redor de seus esplendores de coral e nadar com sua vida marinha variegada. Livros e artigos, fotos e espécimes de museu são deixados para trás por amor ao mergulho na realidade viva e assim ter uma exposição imediata a ela em primeira mão. Isso não exige deixar para trás toda exploração científica, nem esquecer as preocupações ecológicas. Mas significa deixar a Barreira revelar-se, nos atraindo para a emoção do que é dado de maneira tão arrebatadora. A receptividade ao caráter do que é dado tende a inspirar testemunho ativo dessa maravilha natural do mundo. Além disso, a menos que as pessoas continuem a conhecer e explorar a Barreira, todas as palavras, políticas e programas logo vão parecer de segunda mão e muito fracos. Muitas preocupações levam o explorador de primeira mão a refletir no que foi experimentado de maneira tão abrangente e assim inspira respostas específicas de caráter científico, ecológico, artístico ou político. Mas, em sentido profundo, depois que ela é experimentada imediatamente, ninguém se refaz do que foi dado por meio da imersão naquele mundo exuberante de maravilhas marinhas. Depois de “saturado” por ela, imerso nela, ela se torna significativa de formas novas. Inundados por essa experiência,


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podemos bem ver as coisas de modo diferente, em contraste com páginas de relatos científicos, fotografias impressionantes, brochuras para turistas etc. De fato, a Barreira não é uma coisa revelada ao ser catalogada como tesouro nacional, ou tratada como recurso para a indústria turística local, ou transformada em objeto científico da biologia marinha — fotografado, classificado, catalogado, mapeado e modelado com habilidade técnica. Há um momento original, poderíamos dizer, quando cessamos de possuí-la ou tê-la dessas formas e admitimos que a Barreira nos possui. Quando flutuamos por cima de seus corais e nadamos entre seus cardumes de peixe, já não somos o centro. Embora rapidamente, sua realidade literalmente nos inunda com uma totalidade que nos torna parte dela. Devemos permitir que a Barreira venha a nós em sua singularidade. E assim passamos a ter íntima familiaridade com essa maravilha natural especial de uma forma que precede, suscita, mas sempre escapa à atividade da análise científica, à gestão ecológica, ao desenvolvimento turístico etc. Ganhando vantagem sobre Marion e outros, os visitantes podem falar da Barreira como “evento” que mudou para sempre suas percepções do mundo natural: de fato, viram-se “confrontados” pela natureza em sua alteridade esquisita e cativante. No entanto, ao mesmo tempo, sentem-se “corporificados” de maneira nova em um mundo de encantamento e variedade além de qualquer série normal de contatos. São atingidos pelo impacto de uma “beleza” que os deslumbra. Alguma coisa se “revelou” que palavras e ideias nunca captam. Todas as metáforas manquejam e toda experiência da totalidade é muito limitada; mas a ideia está lá. O ato fenomenal de dar da realidade na emoção da experiência precede as questões, reflexões e decisões que possam surgir. O fenômeno é mais que reflexo de nossas preocupações anteriores ou experiência anterior. Excede as expectativas de maneira notável. Neste e em casos similares é como se a prateadura que serve de fundo aos espelhos de nossa percepção fosse tirada e deixasse a luz de um mundo maior transparecer — de modo a vermos mais que nosso reflexo. Alguns talvez prefiram a metáfora mais despretensiosa de não confundir a floresta com as árvores — de uma floresta tropical, por exemplo. Você pode cortar determinada árvore para combustível ou madeira, ou mesmo descobrir sua fauna e flora com algum propósito específico, guiado por grande quantidade de mapas que assinalam determinados pontos de entrada. Mas, de modo geral, você vive em outro estilo, vagando por ela, ou perdido em suas maravilhas, atento à profusão de sua realidade. Nenhuma quantidade de registros consegue “captar” o que o explorador passou: a impressão global da totalidade dos sons, fragrâncias, cores e profusão de formas é mais do que pode ser externado nas gravações e lembranças fotográficas comparado ao que foi “dado” a quem lá esteve. O objetivo de fazer esta referência um tanto literal a um fenômeno saturado no mundo natural é sugerir que a ressurreição de Jesus é esse fenômeno,


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mas especial, no mundo da experiência cristã. De fato, em formas ainda a ser examinadas, a ressurreição abrange a vida de fé com uma significância inexaurível. Nos últimos anos, a teologia tem sido criticada por não focalizar claramente os aspectos específicos da revelação cristã e assim ser influenciada demais pelas ideologias dominantes da época1. Mais razão ainda para enfatizar a necessidade de prestar atenção à forma especial concreta da revelação cristã dada na cruz e na ressurreição de Jesus. Além disso, se é para o cristianismo deste novo milênio ficar cada vez mais em diálogo espiritual com as grandes religiões do Oriente2, se é para ele ser portador de esperança em face dos males horrendos de nosso tempo, será necessário recuperar o que é característico da experiência cristã, se é para a contribuição cristã ser autêntica. Sem receptividade ao que foi especialmente dado, as doutrinas da fé só podem parecer cada vez mais superficiais, abstratas e exóticas, enquanto a teologia parece uma distração mais ou menos sofisticada da inovação no centro do próprio Novo Testamento. Estas páginas almejam exaltar a sensibilidade da fé “à plenitude, à superabundância, ao derramamento inexaurível [...] e abrangente dos atributos divinos” (Newman3), uma vez que eles estão corporificados no Cristo ressuscitado dos mortos, “porque foi do agrado de Deus que toda a plenitude habitasse nele” (Cl 1,19). Para esse fim, estruturamos nossas reflexões em nove capítulos seguidos de uma breve conclusão. O Capítulo Um: “‘Localizar’ a ressurreição: problema teológico” é deliberadamente provocativo. Chamamos a atenção para o constrangimento do lugar da ressurreição na teologia e nos esforçamos para apresentar algumas das razões dessa estranha irregularidade e até negligência. Uma das mais humildes tarefas da teologia, se é para ela proceder de boa-fé, é afirmar e examinar o óbvio. A ressurreição é tão óbvia que com demasiada facilidade é aceita sem discutir, como uma coisa dada, um datum, nas diversas especializações teológicas. Mas o que é negligenciado é a necessidade de considerar a ressurreição como doada, como a grande pressuposição em todo discurso teológico sistemático e moral. Ela não é apenas um datum, uma coisa dada, mas a donum, a dádiva por excelência que afeta toda a questão da teologia. Tais observações críticas levam ao reconhecimento da necessidade de 1  Por exemplo, Michael J. Buckley, At the Origins of Modern Atheism, New Haven, Yale University Press, 1987; Joseph S. O’Leary, Questioning Back: The Overcoming of Metaphysics in the Christian Tradition, New York, Seabury, 1985; John Milbank, Theology and Social Theory: Beyond Secular Reason, Oxford, Blackwell, 1993; William C. Placher, The Domestication of Transcendence: How Modern Thinking About God Went Wrong, Louisville, Westminster, 1996. 2  A necessidade de se harmonizar com as dimensões experimentais da verdade cristã é introduzida de modo desafiador por Joseph O’Leary, La vérité chrétienne à l’âge du pluralisme religieux, Paris, Cerf, 1994. 3  John Henry Newman, Discourses Addressed to Mixed Congregations, London, Bruns and Oates, 1881, 309.


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uma fase ou um espaço mais fenomenológico onde a reflexão na fé recupere o sentimento da originalidade e singularidade do evento da ressurreição como integrante de todo aspecto da teologia. Sugerimos, na verdade, que a crítica pós-moderna de sistemas filosóficos e teológicos proporciona uma nova oportunidade para a racionalidade cristã dar um reconhecimento mais pleno e mais vital ao fenômeno único da ressurreição como foco da vida e do pensamento cristãos. O Capítulo Dois: “Abordagem fenomenológica à ressurreição” trata de áreas mais técnicas. Primeiro, demora-se no significado da fenomenologia neste contexto teológico. Passamos então à consideração de uma classe especial de fenômenos que podem ser designados como “saturados” por causa da prodigalidade de sua significância. Ao refletir nesses exemplos deles como “revelação”, “o evento”, “a obra de arte”, “o corpo” e “a face”, propomos algumas perspectivas convergentes em que o fenômeno único da ressurreição pode ser apreciado como o mistério no centro da experiência cristã. O Capítulo Três: “A ressurreição e o fenômeno do Novo Testamento” tem abrangência necessariamente ampla. O ponto básico é que, em seu todo, o Novo Testamento é fenômeno literário oriundo da experiência e proclamação da ressurreição. Reverte atitudes enraizadas de busca para encontrar a ressurreição “no Novo Testamento” chamando a atenção para a necessidade de apreciar o Novo Testamento como um todo à luz da ressurreição. A essa luz, a retórica desses documentos de fé é marcada por uma criatividade especial que se esforça para expressar o que ocorreu, mas que nunca pode ser expresso plenamente em seu excesso e efeito transformador do mundo. O Capítulo Quatro: “O evento da ressurreição” empenha-se em uma expressão sintetizada do evento culminante que deu origem ao Novo Tentamento — e à vida e missão da Igreja. Depois de um exame do caráter multidimensional do evento da ressurreição, apresentamos cerca de seis aspectos que o integram (pascal, paternal, filial, efusivo, sacramental e escatológico). O capítulo conclui com uma observação sobre os tipos de retórica e dimensão de significado que o evento da ressurreição inspira. O Capítulo Cinco: “Paulo e o efeito da ressurreição” concentra-se em Paulo como testemunha primordial do efeito da ressurreição em sua vida e seu modo de pensar. Depois de examinar, com a ajuda da análise de Eric Voegelin, o caráter da experiência paulina do Cristo ressuscitado, identificamos sua conversão dentro do cenário maior de sua vida e missão. Em seguida examinamos como a experiência paulina do Ressuscitado determinou o caráter de sua esperança com referência especial a 1 Coríntios e Filipenses 2,5-11. O Capítulo Seis: “Ressurreição: o fenômeno visual” aborda uma questão básica. De um ponto de vista, as revelações de si mesmo do Cristo ressus-


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citado para a visão das testemunhas primitivas terminam com Paulo. Bemaventurados os que acreditam sem ter visto! (por exemplo, Jo 20,29). Mas isso não significa que a ressurreição faça a fé cega e a torne invisível. Há outras formas de “ver” e perceber que fazem parte do efeito da ressurreição na vida contínua da Igreja? A resposta está na dádiva do Espírito Santo, o primeiro testemunho de Cristo e a principal manifestação do efeito da ressurreição. O Capítulo Sete: “Subjetividade, objetividade e a ressurreição” destina-se a responder a algumas das dúvidas inerentes aos capítulos anteriores e a levar ao relato de “realismo salvífico” que se segue. Reconhece ser inevitável um jogo de polaridades entre os aspectos subjetivos e objetivos da ressurreição, mas sugere que tais polaridades são resolvidas mais proveitosamente no campo de comunicação introduzido pelo próprio evento da ressurreição. O Capítulo Oito: “O realismo salvífico da ressurreição” tem estilo mais sistemático. Trata primeiro da “objetividade salvífica” encontrada na iniciativa divina, a “alteridade” e humanidade da presença de Cristo, a oferta de perdão, o testemunho do túmulo vazio e o compromisso com o mundo mais amplo. Contudo, há uma “objetividade salvífica” correlativa manifestada na expe­ riência dos discípulos, no sentimento de um novo começo e entendimento, de vocação para o testemunho, na universalidade de sua missão e na calma aceitação de um mundo reativo. O Capítulo Nove: “Extensões do efeito da ressurreição” restringe-se a apenas três exames teológicos nos quais a ressurreição não costuma figurar de maneira significativa. Primeiro está a ressurreição em relação à revelação da Trindade. Segundo, comentamos a estranha ausência da ressurreição na teologia moral e na ética cristã. Terceiro, no contexto do diálogo interconfessional, refletimos na significância transcultural e universal da ressurreição para a missão da Igreja. Segue-se uma breve conclusão, resumindo as posições que alcançamos e indicando o caminho à frente. Finalmente, meus agradecimentos vão para minha comunidade redentorista que continua a apoiar minhas atividades teológicas e aos colegas e amigos que comentaram de maneira tão proveitosa o manuscrito, em diversas etapas de sua criação. Tenho de mencionar em especial Anne Hunt, Mary Coloe, PBVM, e Tom Ryan, SM. Quando chegou a vez da fenomenologia francesa, Shane Mackinlay, Robyn Horner e Kevin Hart foram fonte de informação e orientação. Bill Burrows da Orbis guiou com primor todo este projeto até sua conclusão e Peter Phan foi incentivador como sempre. Com a ressurreição do Senhor, cremos que todos temos um lugar na nova criação; mas acreditamos mais firmemente no escatológico quando somos apoiados pela bondade e sabedoria de tais amigos e colegas.



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