Primeiros degraus

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Antunes, Celso Primeiros degraus / Celso Antunes. -- São Paulo : Edições Loyola, 2012. ISBN 978-85-15-03958-6 1. Educação 2. Educação - Brasil 3. Educação - Finalidades e objetivos 4. Escolas - Brasil 5. Professores - Formação profissional 6. Qualidade do ensino I. Título. 12-12430

CDD-370.981

Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Educação de qualidade 370.981 2. Qualidade na educação : Brasil 370.981

Preparação: Maurício Balthazar Leal Capa: Walter Nabas Diagramação: So Wai Tam Revisão: Rita Lopes

Edições Loyola Jesuítas Rua 1822, 341 – Ipiranga 04216-000 São Paulo, SP T 55 11 3385 8500 F 55 11 2063 4275 editorial@loyola.com.br vendas@loyola.com.br www.loyola.com.br Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.

ISBN 978-85-15-03958-6 © EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2012

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SUMÁRIO

Apresentação .....................................................................................................

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Capítulo 1 1. A aula..............................................................................................

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PRIMEIRA PARTE

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O que caracteriza uma boa aula? .............................................................. Quais os princípios que dão sentido a uma aula de qualidade ................... A aula e a aprendizagem significativa ....................................................... A aula e avaliação discente ....................................................................... Aula e planejamento pedagógico ..............................................................

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SEGUNDA PARTE

1 A (boa) aula expositiva ............................................................................ 2 Uma aula com situações-problema ........................................................... 3 O Cochicho ............................................................................................. 4 O Arquipélago ......................................................................................... 5 O Painel Integrado e sua diversidade........................................................ 6 De que maneira transformar pontos ganhos pelas equipes em notas?........ Conclusão .................................................................................................... Indicações de leitura .....................................................................................

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Capítulo 2 2. Conteúdos conceituais ....................................................................

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PRIMEIRA PARTE

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Por que ensinar conteúdos conceituais? ................................................... Os conteúdos conceituais dos livros e sistemas de ensino.......................... De que maneira ensinar os conteúdos conceituais? ................................... Muito além dos conteúdos conceituais? ................................................... Uma lição das “escolas campeãs” (estudo de caso) .................................... Os desafios de cada dia (estudo de caso: conteúdos conceituais nas ruas do entorno) ................................................................................ 7 Como avaliar os conteúdos ministrados? ................................................. Atividades práticas Inteligência ................................................................................................... Competências & Habilidades .......................................................................

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SEGUNDA PARTE:

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1 Invente problemas ................................................................................... 2 Desenvolva fórmulas ............................................................................... 3 Crie linhas do tempo ............................................................................... 4 Faça mapas conceituais ............................................................................ 5 Sugira medidas ........................................................................................ 6 Use a estatística........................................................................................ 7 Transforme gráficos em textos ................................................................. 8 Discuta probabilidades ............................................................................ 9 Invente paródias ...................................................................................... 10 Concurso de trovas .................................................................................. 11 O apelo da natureza................................................................................. 12 Colagens ................................................................................................. 13 Simulações e mímicas .............................................................................. 14 Caça ao tesouro ....................................................................................... 15 Mapas, escalas, sinais convencionais e rosa dos ventos ............................. 16 Explore novas linguagens ........................................................................ 17 Mensagens cifradas .................................................................................. 18 Cores e formas ........................................................................................ 19 Criar textos com palavras proibidas ......................................................... 20 Gravador ................................................................................................. 21 Caça às metáforas .................................................................................... 22 Coleção de manchetes ............................................................................. 23 Reportagens e jornais falados ................................................................... 24 Entrevistas ............................................................................................... 25 Dicionovário, provérbios e slogans .......................................................... 26 Estudos de casos ...................................................................................... 27 Caça aos exemplos .................................................................................. 28 A missão do mês ...................................................................................... 29 Legenda criativa ...................................................................................... 30 Coleções (rochas, folhas) ......................................................................... Conclusão .................................................................................................... Indicações de leitura .....................................................................................

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Capítulo 3 3. A prática da amizade entre alunos – A descoberta do outro ..............

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PRIMEIRA PARTE

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Uma justificativa: a prática da amizade e a autoestima .............................. O que é autoestima? ................................................................................ As várias faces da autoestima ................................................................... Como aferir o estado da autoestima ......................................................... Como construir “mapas” de autoestima ................................................... Riscos da alta autoestima e qualidades da baixa autoestima ...................... A ajuda no ambiente familiar ................................................................... A ajuda na escola .....................................................................................

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SEGUNDA PARTE

1 A educação para a amizade ...................................................................... 2 Estratégias de sensibilização ..................................................................... 3 Autógrafos............................................................................................... 4 Descobrindo-se e descobrindo o outro ..................................................... 5 Apresentação ........................................................................................... 6 Eleição .................................................................................................... 7 Passeio de iate ......................................................................................... Conclusão: Conversando com um aluno ....................................................... Indicações de leitura .....................................................................................

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Capítulo 4 4. Empreendedorismo e sustentabilidade .............................................

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PRIMEIRA PARTE

1 O que significa empreendedorismo? ........................................................ 2 O que significa sustentabilidade? Um depoimento do autor...................... 3 Qual a relação entre empreendedorismo e sustentabilidade? .................... 4 Como ser uma escola que instiga o empreendedorismo? .......................... 5 Em quais aspectos é possível identificar um aluno empreendedor? ........... 6 Algumas falácias sobre empreendedorismo .............................................. 7 Como construir uma escola que efetivamente pense em sustentabilidade? 8 O aluno e a consciência sobre sustentabilidade ......................................... 9 A importância e a ajuda do envolvimento familiar .................................... 10 Como avaliar empreendedorismo e sustentabilidade? .............................. Ideias práticas para ações empreendedoras e sustentáveis 1 Linhas metodológicas de atividades incubadoras ou preservacionistas ...... 2 Ideias práticas de projetos voltados para o empreendedorismo e a sustentabilidade .................................................................................. Conclusão: Empreendedorismo e competência ............................................. Indicações de leitura .....................................................................................

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SEGUNDA PARTE:

Capítulo 5 5. A disciplina necessária .....................................................................

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PRIMEIRA PARTE

1 O que significa indisciplina? .................................................................... 2 A indisciplina como produto da insegurança ............................................ 3 Indisciplina, um conflito escolar – Violência, uma contravenção penal ..... 4 Bullying – O limite entre a indisciplina e a contravenção .......................... 5 Bullying – A ação do diretor .................................................................... 6 Massacre em escolas: um sinal de alerta a todos os educadores ................. 7 Quando a disciplina é uma responsabilidade social? ................................. 8 Quando a indisciplina é responsabilidade da escola? ................................ 9 Quando a disciplina é responsabilidade da família? .................................. 10 Quando a disciplina é responsabilidade do professor? ..............................

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11 O valor de um bom e coerente contrato ................................................... 12 Um exemplar estudo de caso: círculos interativos .................................... Estudos de casos 1 A “cara amarrada” de Caio ...................................................................... 2 O caso da professora Sônia ...................................................................... 3 O caso da professora Clarice.................................................................... 4 O caso do professor Reginaldo ................................................................ 5 O caso Rosana ......................................................................................... Conclusão: Paganini e os professores de minha terra ..................................... Indicações de leitura .....................................................................................

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SEGUNDA PARTE:

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APRESENTAÇÃO

Não existe profissão mais significativa e mais completa que a do professor. Significativa porque é a garantia do amanhã, a certeza de que todas as conquistas técnicas e culturais que a humanidade alcançou serão passadas aos ainda não nascidos. Significativa porque solidifica a certeza do amanhã e possibilita que possamos aprender com os próprios erros. Mas é também uma profissão completa. Completa porque confere a quem ministra aulas a certeza das relações humanas essenciais, a garantia de caminhos que nem mesmo a educação familiar pode trilhar. Completa porque é a matriz de todas as demais profissões e, sobretudo, porque permite associar o trabalho à afetividade, o esforço ao reconhecimento. Jamais houve um grande professor que não tenha marcado de maneira indelével a saudade e a lembrança de seus alunos. Mas não é seguramente uma profissão fácil. A responsabilidade de garantir caminhos seguros, a necessidade de orientar para os acertos, o desafio cotidiano de administrar interesse e disciplina e de associar conteúdos conceituais específicos à arte da boa didática e ao pleno envolvimento dos alunos é missão reconhecidamente árdua. Mais ainda, um grande professor é ao mesmo tempo um especialista em saberes implícitos que necessita a cada dia se atualizar, mas também um técnico em conhecimentos sobre aulas, conteúdos, estratégias de ensino, administração de indisciplina, acolhimento e inclusão, relações interpessoais, avaliações significativas e muito mais. Acresce-se a essas dificuldades dessa nobre profissão a circunstância de que raramente os cursos de formação de docentes dispõem de tempo e de recursos para permitir que todos os seus alunos possam completar seus estudos com a serenidade e a segurança necessárias para os desafios da sala de aula. Como inexiste no Brasil para os formandos em pedagogia ou licenciatura algo similar à imprescindível “residência médica”, muitos alunos adentram os desafios da sala 9

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de aula com a inevitável insegurança dos que possuem uma nobre missão e armas frágeis para cumpri-la devidamente. E é pensando nas inevitáveis dificuldades desse professor, muitos dos quais no exercício de sua atividade já há algum tempo, que estamos lançando Primeiros degraus. Formado por uma série de pequenos capítulos, escritos em linguagem que associa clareza a objetividade, possui como foco central a preocupação de ir “direto ao assunto” e dessa forma capacitar o professor a operacionalizar com clareza e objetividade os fundamentos essenciais de sua profissão. Escrito por Celso Antunes, educador reconhecido por sua longa e frutuosa experiência docente em cursos de todos os níveis e por suas obras editadas pelas maiores organizações editoriais do Brasil, da América Latina, da América do Norte e da Europa, Primeiros degraus constitui um manual claro, objetivo, preciso e precioso para o bom desempenho docente. Farto em relatos práticos, rico em princípios metodológicos realistas, minucioso em estratégias para docentes, o livro apresenta ainda uma série de modelos e exemplos que representam verdadeiros degraus decisivos para galgar ao topo dessa profissão extremamente significativa e expressivamente completa que é a docência. EDIÇÕES LOYOLA

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Capítulo 1

A AULA

.PRIMEIRA PARTE.

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O que caracteriza uma boa aula?

A aula é um ato pedagógico e sua qualidade essencial é produzir os objetivos que a justificam. O objetivo de um ato cirúrgico é restaurar a saúde do paciente e o de um ato jurídico condenar ou absolver o acusado. Não podemos afirmar que o ato cirúrgico ou o ato jurídico alcançaram seus objetivos se a finalidade essencial de sua existência não se concretizou. Esses exemplos valem também para a aula. A finalidade essencial de uma aula é ajudar os alunos a alcançar uma aprendizagem significativa, e toda aula que leva a esse objetivo é sempre um ato de alta qualidade. Veja-se, por exemplo, aulas para futuros motoristas ou aulas de culinária para quem nada entende dessas artes. Uma excelente aula sobre como pilotar automóveis ou uma admirável aula sobre como preparar uma lasanha somente podem receber essas qualificações quando o aluno conquista a significação de uma aprendizagem. É bem verdade que alguém que não saiba dirigir não se torna um motorista com uma única aula e, portanto, sua aprendizagem se concretiza após uma série de aulas; o mesmo pode ser dito ao candidato que quer se tornar um cozinheiro ou a um aluno de qualquer nível de escolaridade. Por esse motivo, é importante diferenciar o objetivo do ato pedagógico de seus inúmeros segmentos essenciais à aprendizagem significativa. Dessa forma, a efetiva qualidade da aula somente pode ser aferida após um conjunto de segmentos necessários para cumprir cada uma das unidades de aprendizagem. Existem saberes que se aprendem com apenas um segmento, por exemplo as “causas dos terremotos”, e existem outros, como a “capacidade de se expressar com clareza e correção”, que exigem diferentes segmentos. 11

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Considerando que uma boa aula implica uma aprendizagem significativa, sua qualidade deve ser observada em cada um de seus segmentos (se mais de um for necessário) para que seu objetivo se concretize. Um aluno matriculado no ensino fundamental pode perfeitamente ao cabo de quarenta minutos de aula compreender por que existem terremotos, mas necessitará de muitos segmentos (ou muitas aulas) para que se expresse corretamente. Nesse sentido, uma boa aula deve ser medida pelo alcance pleno de seu objetivo, a aprendizagem significativa, ou pelo encaminhamento a esse objetivo em cada um dos segmentos ministrados pelo professor. Mas a qualidade de uma aula também se subordina a outros fundamentos e, entre estes, três são essenciais: (a) a maturidade do aluno; (b) o preparo do professor; (c) os recursos materiais disponíveis. a) É impossível ensinar uma criança de 5 anos a dirigir um automóvel. Não apenas porque seu nível de maturidade cognitiva não alcança padrões de compreensão para esse domínio, nem mesmo porque seus pés não podem alcançar os pedais de movimento do veículo, mas também porque essa aprendizagem, pela imaturidade da criança, seria ação proibitiva. O mesmo pode ser dito com relação à aula de culinária e naturalmente para uma aula curricular qualquer. Os alunos chegam à escola muitas vezes ainda antes de se libertar das fraldas e na escola permanecem até a vida adulta; portanto, existem alunos com diferentes padrões de maturidade física e mental, e se o que se busca ensinar não está adequado a esse padrão a aprendizagem significativa não pode ocorrer. É, pois, condição essencial da tarefa docente identificar a estreita relação entre o que se precisa ensinar e o padrão de maturidade etária e cultural de seus alunos. Sem essa adequação a aula não alcança seu objetivo. b) É impossível que uma pessoa que não saiba dirigir bem um automóvel e que não conheça, principalmente, estratégias essenciais a essa aprendizagem possa ser um bom instrutor. Muitas vezes, matriculamo-nos em uma autoescola mesmo dispondo de amigos que poderiam nos “ensinar” a dirigir porque o que nos interessa é ser bons motoristas e, nesse sentido, a qualidade de conhecimentos e o domínio de estratégias do instrutor são essenciais. O exemplo se transfere plenamente para uma sala de aula em qualquer nível de escolaridade. Todo professor somente poderá propiciar uma boa aula se dominar bem os conteúdos específicos dos conteúdos conceituais que administra e, principalmente, estratégias de ensino e avaliação altamente eficientes. 12 PRIMEIROS DEGRAUS

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c) Impossível ensinar culinária a uma pessoa sem panela e sem fogão. Dessa forma, os recursos materiais constituem elemento essencial a toda boa aula, mas é importante que se saiba diferenciar os recursos verdadeiramente imprescindíveis dos desejáveis. É interessante um avental para quem ensina a fritar um ovo, mas não se pode comparar sua importância em relação à frigideira e ao fogão. O exemplo bem se ajusta a uma sala de aula convencional. Existem recursos essenciais (professor preparado, aluno interessado, espaço físico satisfatório e outros), mas existem vários outros que se bem usados podem ser muito úteis, mas jamais superam a essencialidade dos primeiros. Concluindo, não é difícil perceber que a aula é um ato profissional e, por esse motivo, não pode ser ministrada por quem não disponha de condições legais de habilitação, mas que essas condições são insatisfatórias quando faltam ao professor conhecimento e competência para o bom exercício de sua função. Não existem bons atos profissionais sem a consciência de profissionalismo de quem bem os exerce, pois a aula como um ato pedagógico tem sua qualidade na medida em que pode produzir os objetivos que a justificam.

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Quais os princípios que dão sentido a uma aula de qualidade

Na segunda parte deste livro demonstraremos algumas diferentes estratégias de aula, buscando quebrar o preconceito, infelizmente muito comum no Brasil, de que existe apenas um formato (a aula expositiva) para esse ato pedagógico. Mas, quer seja uma aula expositiva, quer se desenvolvam outras estratégias para a construção da aprendizagem significativa, existem alguns atributos que permitem caracterizar uma aula de qualidade. Esses atributos, como se verá, se manifestam intensamente no aluno, independentemente de sua idade e dos conteúdos específicos que estejam sendo construídos, mas devem ser provocados pelo professor em sua tarefa de ajudar o aluno a aprender. Em um mundo onde recursos eletrônicos trazem o lazer de forma insinuante e dinâmica para cada aluno em qualquer lugar, é altamente improvável que ele se dirija à aula plenamente motivado. Ao contrário, a regra mais usual são alunos desinteressados e apáticos, ou que se dizem interessados por receio de castigos no lar e na escola ou esperam por alguma forma de compensação. É ilusão acreditar que um professor possa abrigar nas lições que transmite fascínio e encanto igual aos propiciados pelos inúmeros jogos eletrônicos contidos em um celular ou pelos 13 A AULA

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temas envolventes e propositivos discutidos com os amigos na hora dos intervalos. Mas isso não implica afirmar que não existem estratégias de envolvimento do aluno e, sobretudo, de captura de seu potencial de atenção que não possam ser usadas em sala de aula — e são justamente essas estratégias que dão corpo a esses atributos. É importante realçar que tais estratégias não constituem opção para escolha do professor e sim um conjunto integrado e sistêmico de ações que o bom profissional não pode deixar de desenvolver. Nesse aspecto, o ato pedagógico se identifica com outros atos profissionais. Os atributos não são, evidentemente, os mesmos, mas não há um ato cirúrgico, jurídico ou outro qualquer que não tenha sua qualidade expressa por determinados atributos, inerentes à ação de todo grande profissional. No caso da docência, segue-se a relação desses atributos (ou princípios), e são eles idênticos para quaisquer disciplinas, estratégias de aula ou faixa etária do estudante, desde que devidamente adaptados a essas circunstâncias. Os atributos relacionados a seguir são passos essenciais para a construção da aprendizagem significativa. a) Integral significação

O que você pensaria da afirmação seguinte: — Eu e aquela linda mulher vamos praticar herpetologia por grande parte desta noite! Impossível resposta única. Caso você saiba plenamente o significado de “herpetologia” não terá dificuldade em imaginar duas pessoas interessadas pelo estudo específico de répteis, mas se ignorar o sentido dessa palavra será levado a pensar muitas coisas diferentes, algumas delas provavelmente muitos distantes de um estudo. Esse pequeno exemplo serve para demonstrar como a compreensão plena do sentido de uma única palavra pode possibilitar ou comprometer todo o raciocínio de um pensamento. Imagine agora o imenso turbilhão de palavras que todo professor pronuncia em uma aula para alunos muitas vezes com um vocabulário ainda imaturo. Toda a significação de uma frase se compromete com o desconhecimento de uma única palavra; imagine agora como é fácil a um aluno se dispersar e perder interesse na aula quando o professor usa conceitos ou mesmo palavras fora de seu padrão de uso corrente. É por esse motivo que uma boa aula é uma aula com plena significação, e esta somente pode se concretizar quando professor e alunos comungam com ideias plenamente significativas a todos. Se for impossível saber quais palavras 14 PRIMEIROS DEGRAUS

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são plenamente compreendidas por todos os alunos, que não falte ao professor a vontade de abrir espaços para interrogações, solicitações ou indagações. Qualquer aluno que é convidado a refazer um pensamento do professor “com outras palavras” é certamente alguém que foi capaz de atribuir plena significação ao que ouviu. b) Voluntário protagonismo

Observe um espectador diante de um filme, um espetáculo teatral ou um duelo esportivo. Repare que sua ação difere conforme o envolvimento que a representação a que assiste provoca. Se o anima, interessa, desafia e inquieta, esse espectador, ainda que sentado na poltrona, vive intensamente o espetáculo, concentra-se de forma absoluta no que vê. Caso contrário, desinteressa-se e se possível desliga o aparelho, muda de canal ou levanta-se e vai embora. Podemos dizer que no primeiro caso o espectador fez-se protagonista, pois embora não fosse ator ou jogador sentia-se inteiro no acompanhamento do espetáculo. Mas, se pensamos agora no ator ou no jogador, sua condição protagonística é inevitável. Cabe ao espectador sentir-se ou não protagonista, mas todo ator ou praticante de um jogo é sempre protagonista. Não parece ser necessário enfatizar a importância do protagonismo de uma ou de outra forma em uma sala de aula. Quando a aula envolve e anima, interessa e desafia o aluno, este não tem como não se sentir protagonista, e nessa ação concentra sua atenção, destaca seu interesse, aprende com plena emoção. Já imaginou se um aluno pudesse recordar de uma aula de matemática ou de outra disciplina de seu currículo como se recorda do jogo de futebol a que assistiu com emoção ou que disputou com interesse? Toda participação em que a pessoa se faz protagonista a envolve com ampla atenção, ilimitado interesse e garante significativa aprendizagem. Os dois tipos de protagonismo acima descritos podem se fazer presentes em uma sala de aula, e o professor pode envolver o aluno com uma narrativa empolgante em que este somente escuta, mas ouve amplamente concentrado, ou atua e com a ação direta de seu corpo e de sua mente em verdade joga, e ao jogar também se faz atento e igualmente aprende. Quando o professor trabalha com uma aula expositiva, mas sua fala é insinuante, breve, desafiadora e provoca desequilíbrios reflexivos no aluno, tem-se a primeira forma de protagonismo, e quando desenvolve jogos operatórios aplica a segunda forma. Na segunda parte deste livro serão mostradas as duas, e se destacará que, muitas vezes em uma 15 A AULA

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mesma aula, o aluno pode se fazer protagonista ouvindo com interesse, mas também jogando e aprendendo significativamente com prazer. Existe ainda, infelizmente, um terceiro tipo de protagonismo. Este ocorre quando o aluno descobre que precisa “aprender de qualquer jeito”, pois teme os castigos e as consequências de uma nota baixa. Nesse caso não há um protagonismo voluntário ao qual o aluno foi com entusiasmo e prazer, mas um protagonismo autoritário que cobrou a atenção em substituição a um castigo ou reprovação. É nesse sentido que um dos importantes princípios de avaliação da qualidade de uma aula é o protagonismo voluntário e, portanto, não aterrador. Duas são as “ferramentas” de que o professor dispõe para provocar o protagonismo voluntário: a profundidade com que conhece o tema que apresenta e a forma como o faz interessante, propositivo e desafiador, e as estratégias ou tipos de aula que conhece para alterná-las e assim marcar como interessante sua passagem pela sala de aula. Passar informações de forma vazia e rotineira, sem qualquer apelo à reflexão e sem qualquer meio para atrair a atenção e magnetizar o ouvinte, qualquer pessoa pode passar, não necessitando, dessa forma, ser um profissional. Mas, mesmo que possa sempre fazer exposições interessantes, curiosas e provocativas, ainda assim é essencial conhecer outras estratégias ou outras maneiras de dar aula, juntando dessa forma ao protagonismo ouvinte o protagonismo participativo. c) Desafios congruentes

Apenas para melhor ilustrar a explicação, coloque-se diante de duas situações: a. Amanhã é segunda-feira. b. Amanhã é segunda-feira? Observe que as mesmas palavras são usadas tanto na primeira quanto na segunda informação, e um símbolo gráfico ou um sinal de pontuação as diferencia. Na primeira há um ponto final e na segunda um ponto de interrogação. Reflita agora sobre a ação das duas informações em seu cérebro e perceba que provocaram reações diferentes: a primeira, por ser uma informação, não suscitou qualquer reflexão, quando muito é fugaz registro na memória, associado a um “sim” (realmente é segunda-feira) ou um “não”. A segunda afirmação era uma pergunta e, portanto, uma provocação, um desafio. Repare que a primeira informação não o fez protagonista, quando muito uma pessoa que dispara um “sim” ou um “não”; mas a segunda questão, por vir caracterizada como pergunta, o desafiou, exigiu reflexão e suscitou pensamentos. 16 PRIMEIROS DEGRAUS

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Agora transfira o exemplo dessa breve situação e reflita sobre uma aula em que o professor não provoca, não desafia, não instiga, pois se crê com a missão de apenas informar, e outra aula em que o professor provoca, instiga e desafia. Não parecem ser necessárias fantasiosas narrativas para que se possa comparar uma aula carregada de pontos finais e que impõe ao aluno apenas a tarefa de ouvir e memorizar, e uma segunda narrativa, agora entremeada de questões desafiadoras, problemas diversos que suscitam soluções. A primeira pode ser apresentada a um único aluno ou a uma multidão e em nada desafia os ouvintes; a segunda, por ser interrogativa e desafiadora, provoca reflexões e permite diálogo entre os ouvintes, com troca de ideias, exposição de pontos de vista, posicionamentos com respostas que podem ou não ser aceitas pelos demais. Ainda uma vez é importante refletir sobre esses desafios propostos em aula. Um deles, como se procurou demonstrar, pode ser animado, alegre e envolvente, mas pode existir outro carregado de cobrança do tipo “ou acerta ou recebe um zero”. Evidentemente, um dos princípios que caracterizam uma bela aula será sempre o desafio alegre, sincero, congruente, que elogia quem acerta e reconhece o esforço de quem tenta acertar. d) Espaços para reflexão e debate

O que é mais interessante para uma criança que acabou de ganhar uma bola de futebol? Outra bola ou outra criança? É evidente que duas bolas para quem está sozinho não fazem quase diferença, mas um amigo é sempre uma oportunidade que cria nova dimensão para a bola, pelas oportunidades múltiplas de diversões, jogos e brincadeiras coletivas que propicia. Toda criança sempre aprende mais com outras crianças que com seus pais, e qualquer aluno bem mais aprende com seus colegas que com seus professores. É simplesmente colossal o volume e o potencial de aprendizagem entre pessoas iguais, mas esse potencial raramente é aproveitado em sala de aula. Com muita frequência se assiste a mais de quarenta jovens sentarem-se lado a lado e passarem uma aula inteira pensando sozinhos e privados da oportunidade de uma troca de experiências com seus pares. É por esse motivo que toda boa aula deve propiciar aos alunos, em duplas, trios ou quartetos, diversos breves momentos para trocarem informações entre si, discutirem pontos de vistas antagônicos, debaterem problemas e questões propostos pelo professor. Além disso, quando o professor rompe a barreira de apenas ministrar aulas discursivas e sugere trabalhos em grupo, estes devem ser orientados para deci17 A AULA

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sões compartilhadas e para pesquisas que se complementem. Não constitui um verdadeiro trabalho em grupo a reunião de alunos em aparente cooperação em que cada um executa missão específica ignorada pelos demais. Não deixa de ser grotesca ironia observar a vida profissional adulta em qualquer área de atividade sempre propor trabalhos cooperativos e decisões colegiadas e muitos alunos passarem pela vida escolar sem o exercício de múltiplas experiências nessa direção. Pedreiro sozinho jamais ergue uma casa completa, cirurgião único sempre depende de sua equipe e mesmo a aparente solitária condução de qualquer veículo não se faz sem ação coletiva. Assim sendo, uma aula de alta qualidade não pode abrir mão, em alguns breves instantes, de propor situações para reflexões coletivas e para que antes da resposta do problema proposto pelo mestre tenha o aluno a oportunidade de pensar e debater com o colega o sentido dessa posição. É muito frequente o professor indagar coisas aos alunos, e a sugestão que agora propomos é que após as indagações sejam oferecidos aos alunos, em duplas ou pequenos grupos, alguns minutos de debate para uma resposta, situação em que sempre se aprende mais e se retém melhor. e) A exploração de competências e habilidades

Para um observador distante do cotidiano escolar, mas que aqui e ali acompanha notícias sobre educação, deve ser surpreendente como determinadas palavras, como cometas, “cruzam” o céu das escolas para tempos depois desaparecer. Assim foi, por exemplo, com palavras como “construtivismo”, “inteligências múltiplas”, “protagonismo”, “bulliying”, “empreendedorismo”, “sustentabilidade” e muitas outras. Em verdade, palavras como essas não desapareceram do cotidiano escolar, mas incorporadas à rotina do trabalho docente deixaram de ser “assuntos da moda”, circunstância que nada tem a ver com esquecimento. Pois bem, se isso afirmamos é porque para esse observador distante as palavras da moda na educação do agora são “competências” e “habilidades”, elementos que uma aula de qualidade jamais deve deixar de abrigar. Não que esses atributos não fossem desenvolvidos, mas tornaram-se mais frequentes pela publicação dos Quatro pilares da educação, da UNESCO1, em que “saber fazer” se colocava como fundamento inadiável de qualquer escola em qualquer ponto do mundo, e foram reforçados pelos referenciais do ENEM, que orientava ser esse o eficiente caminho para a preparação dos alunos. Não 1. Cf. Celso ANTUNES, A prática dos quatro pilares da educação na sala de aula, Petrópolis, Vozes, 2011.

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constituem palavras vazias e, ainda que deixem de ser difundidas, continuarão necessárias em toda escola, e em um trabalho no qual se enfatizam os estilos de aprendizagem tais palavras necessitam estar presentes mais que nunca. Competência é, efetivamente, o “saber fazer”, dessa forma tirando dos conteúdos conceituais antes ensinados o papel de informação inútil que somente se usava para passar de ano, para mostrar que quem ensina com competência desperta no aluno a capacidade de fazer dos conteúdos que aprende ferramentas do viver e de fazer coerente leitura do mundo. Quem ensina com competência faz “alunos competentes”, e estes aprendem e sabem aplicar em seu cotidiano tudo quanto na escola aprenderam. Competência, por exemplo, é aprender língua portuguesa para conversar melhor e argumentar com mais clareza, aprender geografia para compreender sua terra e fazer leitura consciente dos desafios que correm pelo mundo, aprender matemática para administrar os números que se expressam pelas receitas e pelos gastos com os quais convivem. Ensinar com competência muda de forma radical a característica da aula e, naturalmente, muda o papel do aluno. Morre a aula fria, metálica, repetitiva e pesada, com informações insossas, e nasce a aula transformada em laboratório para que se descubram nos problemas que sempre se enfrentam os caminhos propostos pelos conteúdos das diferentes disciplinas. Aprender com competência muda também o papel do aluno, que deixa de ser espectador da aula e se faz protagonista, deixa de ser apenas ouvinte e é desafiado a solucionar problemas a partir de conceitos que incorporou aos seus conhecimentos. Não nos parece difícil ao professor tornar-se competente e trabalhar competências, ainda que essa transformação implique querer mudar, e infelizmente não é fácil mudar. Mudar a concepção de aprendizagem, mudar seu papel de expositor para desafiador, mudar as estruturas da avaliação que fazia e mudar sua relação com os colegas de profissão, agora transformados em “cúmplices” em projetos verdadeiramente interdisciplinares. Entre as muitas mudanças necessárias ao professor, a mais importante se reflete em seu esquema de avaliação. Se este não muda e se os instrumentos que utiliza não podem aferir se efetivamente seu aluno está se tornando progressivamente “mais competente”, não há como garantir certeza e eficiência em seu trabalho. A sala de aula de qualquer escola guarda agora alguma similaridade com os exercícios práticos de uma autoescola. Impossível afirmar a qualidade das aulas sem a efetiva eficiência do piloto. Para que se perceba o verdadeiro sentido de “habilidades” e para que junto com o trabalho com competências possam elas ser trabalhadas em aula é essencial que se saiba que a separação de umas das outras é apenas exercício dialético. É impossível bom trabalho com competências que se distanciem de habilidades, e 19 A AULA

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não há maneira de trabalhá-las sem aferir o resultado do trabalho e sem que se explorem as competências. Feita essa observação, solicitamos sua compreensão no teste abaixo proposto. O texto é apenas uma tola anedota, mas é breve: — Sua companheira faz sexo com você por amor ou por interesse? — Creio que é por amor, pois jamais mostrou qualquer interesse!

Agora, tomando como referência o texto, faça um breve exercício mental de “compará-lo” a outro texto qualquer ou outra anedota recente que tenha ouvido ou contado. Considerando que existem anedotas de todas as categorias, personagens e naturezas, “classifique” a anedota lida em qualquer um dos esquemas que inventar. Imagine, ainda, que você tenha a necessidade de contar essa anedota a alguém, e assim pense como deverá “relatar” seu conteúdo. Para finalizar, experimente fazer uma “análise” da anedota e perceba que seu enredo se estrutura pelo duplo sentido para a palavra interesse. Observe que na tarefa proposta você fez uso de vários verbos de ação (comparar, classificar, relatar e analisar) e, se desejasse, poderia acrescentar a eles muitos outros, por exemplo observar, aplicar, enumerar, especificar, provar, combinar, avaliar, demonstrar, criticar, sintetizar, adaptar. Esses verbos possuem algo em comum — representam ações que envolvem operações físicas e, sobretudo, mentais. Comparar, por exemplo, é forma de pensamento diferente de relatar, mas ambos exigem operações, isto é, “o fazer”. O exemplo mostra que a conduta intelectual de qualquer adulto quando ouve uma anedota é, se desejar, operá-la através de verbos diferentes, que explicam diferentes pensamentos, como comparar, analisar, localizar, detalhar, sumariar e ainda outros. Se não tiver qualquer dificuldade de executar as operações propostas após a leitura do texto é porque durante a vida aprendeu a “praticar” essas habilidades e, portanto, ensinar alunos a praticá-las envolve desafios relativos aos conteúdos conceituais. Da mesma forma como sua mente pode praticar diferentes operações com o conteúdo da anedota, o aluno pode necessitar aprender a praticar operações com os conteúdos conceituais que aprende. É por esse motivo que é difícil em uma boa aula afastar o sentido de “competência” do sentido de habilidade, pois se competência é saber fazer, ação do “fazer” é uma entre as muitas habilidades. f) Capacidade de associação e contextualização

Você sabe o que é uma metáfora? É uma condição em que uma palavra é substituída por outra que apresenta relação de semelhança. Veja os exemplos: A noite 20 PRIMEIROS DEGRAUS

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é ainda uma criança. Cuidado, a Mariana é uma raposa. Este quarto no inverno é uma geladeira. Repare que em todos eles existe uma palavra que não é empregada em seu sentido verdadeiro, mas que permite uma clara associação com o sentido que se pretende. Os exemplos acima lembram que “a noite está apenas começando”, que “Mariana é pessoa esperta e perigosa” e que “no inverno o quarto é muito frio”, mas o uso de metáforas permite compreensões mais fáceis e uma memorização mais expressiva. Todo professor, ao ministrar uma aula, na maior parte das vezes de maneira inconsciente, se serve de metáforas, e uma excelente aula deve propô-las em profusão, pois se são construídas pelos alunos tornam o tema mais compreensível e ativam esquemas mentais que facilitam sua memorização. Veja um exemplo voltado agora para um conteúdo conceitual: — Os terremotos ocorrem por força da energia liberada pelo atrito entre placas tectônicas.

Ao citar essa afirmação geológica o professor poderia fazer uso de metáforas e lembrar que logo abaixo da crosta terrestre existem placas como “cascas de um ovo cozido”, e quando estas se movimentam liberam uma imensa energia. A referência a “cascas” de ovo é evidentemente uma metáfora, mais fácil de ser guardada que uma citação geológica que fizesse uso de vocabulário específico. Quando os alunos compreendem o que são metáforas e quando percebem com que intensidade as usam em seu linguajar cotidiano e, depois, quando durante a aula são estimulados a produzi-las, o texto se torna mais acessível e sua retenção pela memória sempre é mais fácil. É nesse sentido que a aula de qualidade deve primar por ampla significação, bem como instigar e propor metáforas, associações e comparações entre os conteúdos conceituais trabalhados e sua relação com as falas e as relações dialógicas dos alunos com seus amigos. Não existe nenhuma razão para que o discurso acadêmico e científico não possa ser mais bem assimilado quando o próprio aluno e seus colegas se fazem agentes de sua “tradução” para um falar convencional. Contudo, é evidente que essa providência não pode surgir durante a aula da “noite para o dia” e, nesse sentido, é importante que o professor converse com os alunos sobre essa sugestão, pratique-a com temas do cotidiano e, aos poucos, faça que se incorpore à rotina das aulas. g) Consciência docente do processo de transformação

Quando verdadeiramente aprende, toda pessoa tem plena consciência de que aprendeu. O pretendente a motorista, se efetivamente aprendeu a dirigir 21 A AULA

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veículos automotores, tem consciência desse saber, e de igual forma a pessoa que não sabia preparar um prato e agora revela competência para fazê-lo tem ideia de quanto sabe. Seria possível multiplicar infinitamente esses exemplos, e todos eles podem servir de modelos para a aprendizagem que um segmento ou uma aula desenvolve. A insegurança do aluno em responder a questões propostas por seu professor é sempre reflexo de uma aprendizagem imperfeita, e assim uma aula de qualidade se completa quando o aluno sabe o que aprendeu e sabe como e por que aprendeu. E, como não existe uma verdadeira aprendizagem que não transforme o aprendiz, a aula de alta qualidade assim merece ser chamada quando este tem confiança e segurança nas transformações causadas pela aula a que assistiu. Pense em uma aula (ou em muitas aulas) a que já tenha assistido e que classificaria como de alta qualidade. Procure relembrar essa aula e pensar na ação desse professor extraordinário e verá sem dificuldade que todos os atributos que acabamos de expor e que parecem muitos surgiam admiravelmente sintetizados durante a aula ministrada. Se essas aulas admiráveis ficaram retidas em sua lembrança e se tiveram o mágico poder de transformar você, por certo o que vivenciou trazia significação, e como verdadeiro protagonista sentiu-se desafiado a vivenciar competências e habilidades, produzindo múltiplas associações. Lembrará da aula como inesquecível “gol de artilheiro genial”, e com essa metáfora perceberá que os atributos são inúmeros, mas se integram na magia de pouco menos de uma hora de pleno encantamento.

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A aula e a aprendizagem significativa

Desde a página inicial deste livro, falou-se pelo menos sete vezes em aprendizagem significativa. O que realmente significa essa aprendizagem e em qual sentido difere de outra? Pois é de se imaginar, pela ênfase dada a “significativa”, que outra aprendizagem deve existir. Efetivamente existe. Quando algo que aprendemos fica em nosso cérebro por algum tempo, sem interagir com conceitos relevantes em nossa estrutura cognitiva, armazenando-se de forma arbitrária e não interagindo com saberes relevantes ao desafio do viver, afirma-se que foi essa uma aprendizagem mecânica ou automática, que, em síntese, é o saber guardado na memória como pura decoreba, tal como o saber do papagaio que fala sem saber o que fala. Assim, para quem vai fazer uma omelete, saber, por exemplo, que dom Manuel era o rei de Portugal quando Cabral por aqui chegou constitui uma aprendizagem mecânica e que em nada ajuda na arte 22 PRIMEIROS DEGRAUS

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de preparar a omelete. Da mesma forma, saber ou não os afluentes da margem esquerda do rio Amazonas não é significativo ou relevante para quem precisa bem dirigir um carro. Uma aprendizagem não mecânica e, portanto, significativa constitui o processo por meio do qual uma nova informação se relaciona de forma substantiva e pertinente aos saberes essenciais guardados em nossa mente. Seria legítimo afirmar que compreender o momento em que os ovos devem ser batidos e a forma de os virar na frigideira ou quando se deve parar o veículo para abastecê-lo constituem aprendizagens significativas para quem precisa preparar omeletes e para quem necessita conduzir um veículo. Em termos mais simples, não é difícil descobrir, infelizmente, que, em sua maior parte, todos os saberes que se ensinam aos alunos são aprendizagem mecânica, pois não se necessita deles para viver de forma coerente e pertinente. Comunicar-se com clareza constitui proposta significativa, decorar regras gramaticais insossas é aprendizagem mecânica, da mesma forma que aprender somar é significativo, mas memorizar teoremas é ato cognitivo mecânico. Saber ler é importante, mas dependendo de como se aplica essa aprendizagem é ela significativa ou não, pois muitos sabem ler mas raramente usam esse atributo para crescer, dialogar, pensar. Um bom professor pode ajudar seus alunos a transformar aprendizagens mecânicas em saberes significativos quando ao lado dos conteúdos desenvolve algumas competências. É por isso que uma pesquisa sobre a Tanzânia possui pouca significação, mas é aprendizagem válida se através do exercício o aluno efetivamente aprendeu a pesquisar. Nesse exemplo, a competência “como se efetua uma pesquisa” é ação significativa, pois pela vida inteira é essencial utilizá-la, ainda que as informações restritas sobre esse país africano possam ser dispensadas. Usando-se a referência desse exemplo, seria importante indagar: além de “pesquisar”, que outras ações ou competências poderiam ser aprendidas pelos alunos para transformar informações mecânicas em saberes significativos? Parece-nos que de importância tão expressiva quanto “pesquisar” é a competência de “argumentar”. Não se pratica a coerência na argumentação sem fatos, ainda que os fatos que se exercitam possam ser irrelevantes. Outra competência essencial é permitir que o aluno tenha “visão sistêmica” das coisas de seu mundo e, dessa forma, liberte-se de preconceitos ou de opiniões irrefletidas que se assume porque outro antes as assumiu. Quem possui uma visão sistêmica enxerga longe, pondera e descobre que administrar opiniões e sentimentos envolve delicadeza não mais simples que bem administrar o dinheiro que se ganha. Outra competência essencial é “envolver-se” na realidade de seu tempo, sabendo um 23 A AULA

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pouco de tudo, tudo de cada pouco. Quem se envolve nos saberes do mundo em que vive sabe fazer uma leitura desse mundo e sobe nas altitudes de seu tempo para perceber o ontem e antecipar o amanhã. Não menos importante que se sentir ligado ao tempo é também “assumir uma visão crítica”, percebendo os fatos e notícias como quem analisa, compara, descreve, classifica, contextualiza. Quem assim age desenvolve iniciativa, descobre meios coerentes de socializarse sentindo o outro em si e, certamente, está preparado para viver e conviver descobrindo-se protagonista no tempo que passa, ator nos pequenos dramas com os quais o cotidiano a cada instante nos desafia. Um professor pode reger saberes mecânicos, automatizando-os e assim descobrindo-se inútil pelo que deixa e pela sabedoria com que o cérebro inteligente de seus alunos expulsa as inutilidades que deixou, mas pode também ser profissional imprescindível quando se apossa dos saberes de sua disciplina e por meio deles desenvolve no aluno a capacidade de pesquisar, argumentar, assumir visão sistêmica, ligar-se a seu tempo, assumir visão crítica da realidade, tornando-se apto a inventar, criar e agir, e assim realmente bem viver.

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A aula e avaliação discente

Não existe bom professor que não seja um excelente avaliador. Isso vale para instrutores de autoescola, mestres que ensinam a cozinhar e qualquer outro profissional, que somente pode ter certeza de sua eficácia quando bem avaliou e pode aferir com clareza a aprendizagem por parte de quem aprendeu. Não há no mundo inteiro e não há, por certo, no Brasil um bom trabalho que não culmine com uma eficiente avaliação, pois somente ela pode garantir que o trabalho de ensino foi realmente positivo. O aluno, e somente ele, pode pelas aprendizagens que conquistou demonstrar a efetiva capacidade de quem lhe ensinou. É por esse motivo que, pouco a pouco, vai ganhando corpo no Brasil a ideia já bem aceita em outros países de que bom professor se verifica na avaliação de seus alunos através de resultados expressivos, avaliação preferivelmente feita por outros professores. Mas existe substancial diferença em avaliar a preparação de um motorista ou de um cozinheiro e a de um aluno do ensino fundamental ou do ensino médio. No primeiro caso, avalia-se a eficácia de uma técnica, e no caso da sala de aula se avalia a aprendizagem significativa e todos os outros requisitos que essa aprendizagem exige. É por esse motivo que avaliar é muito mais que aplicar provas e corrigi-las, pois uma avaliação de qualidade jamais dispensa a presença sempre simultânea de seis princípios: 24 PRIMEIROS DEGRAUS

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1. É educativa: não apenas apresenta os resultados como visa à orientação ao aluno, destacando seu progresso e seus limites e enfatizando os pontos em que requer maior empenho e mais ampla dedicação; 2. É abrangente, pois oferece informações não apenas sobre os progressos obtidos pelo aluno, mas também sobre seus interesses e motivações, suas necessidades e as habilidades em que com maior ou menor capacidade se esforça; 3. É persistente, uma vez que leva em conta as provas, mas baseia-se também em lições, relatórios científicos, desempenho nos trabalhos em grupo e, sobretudo, a observação de seu empenho e sua dedicação diante dos múltiplos desafios propostos; 4. É inclusiva, ao levar em consideração a diversidade cultural e linguística do aluno e sua posição entre os colegas, e a relação com os professores como aluno antigo ou novo, em processo de integração ou não; 5. É serena, e portanto o aluno a recebe como instrumento normal do acompanhamento de seu progresso, jamais sentindo tensões, inseguranças e ansiedades, ainda que efetivamente considere o resultado, a dedicação e o empenho do aluno; 6. É transparente, porque jamais oculta ao aluno quais suas expectativas e informa não apenas resultados, mas etapas de conquistas e avanços. Observando-se os seis itens, pode parecer difícil ao professor, sobrecarregado de aulas e inúmeras outras funções, desenvolver uma avaliação assim abrangente. Mas cabe destacar que poucos desses itens implicam um trabalho específico. Consciente de que toda avaliação necessita efetivamente abrigar os aspectos destacados, uma cuidadosa reflexão do professor sobre a prática que emprega e a que deverá empregar já exalta os pontos dessa mudança. A boa avaliação nesta ou naquela disciplina, para as séries iniciais ou finais, deve emergir de um bom planejamento pedagógico e de um efetivo trabalho de uma equipe. “Corpo” docente é, como o corpo humano, não apenas um conjunto de órgãos, mas a essência orgânica de um comando guiado pela mente inteligente.

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Aula e planejamento pedagógico

É impossível boa aula de improviso. Ao entrar em sala todo professor necessita estar ciente do conteúdo conceitual e de seus objetivos e por que vai apresentá-lo. 25 A AULA

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Todo tema conceitual é sempre parte integrante de um todo que necessita se ligar ao que foi mostrado antes e aos assuntos que virão depois. Dessa maneira, ao planejar uma aula é necessário que sempre se pense que ela é como um degrau situado no meio de uma escada, cujo apoio é o degrau anterior e seu objetivo será sempre o degrau seguinte. A omissão desse princípio trai o sentido de uma “boa aula”, levando o professor não raramente a pensar que ensinou, e algo pior, levando seus alunos a acreditar que aprenderam alguma coisa. É por essa razão que todo bom trabalho docente necessita estar claramente definido em um planejamento global e em um planejamento mais simples, para cada uma das aulas a ser ministrada. Esse planejamento deve ser a meta ou missão essencial do professor em relação ao conteúdo que ensina e, por essa razão, deve ser conhecido e analisado por seus alunos e, na medida em que haja possibilidade, também por seus pais e pela comunidade que envolve a escola. É absurdo intolerável os pais levarem seus filhos à escola sem a possibilidade sempre aberta de saber quais, quando e como serão ministrados ensinamentos para seus filhos. Para isso, além do planejamento de aula, que é papel específico do professor, e de planejamentos setoriais, pelos quais responde o coordenador, toda escola necessita de um planejamento global, feito por toda a equipe e por representantes dos alunos e da comunidade, e que envolve toda ação escolar. Esse planejamento global deve envolver todos os elementos participantes do processo escolar, desde auxiliares da limpeza, da cantina e inspetores, até a mais alta escala administrativa da unidade. É esse planejamento que necessita solidificar a ação de um verdadeiro “corpo docente” homogêneo, consistente e coerente. Nesse planejamento, é imprescindível que os conteúdos que serão trabalhados estejam claramente definidos em sua distribuição mensal e semanal e que essa distribuição possa sempre levar em conta quais outros temas, em outras disciplinas, esse mesmo aluno está aprendendo. Nenhum programa pode ser apenas uma relação de assuntos que devem ser apresentados a uma classe, mas uma hierarquização de objetivos a atingir pela execução de um plano de atividades. Em vez de um programa para cada disciplina em particular, deve prevalecer, organizado por todo o corpo docente, o Programa Global da Escola, em que cada professor identifica o objetivo a alcançar em suas aulas. Dessa forma, esse Programa Global necessita de: • definição das metas que deverão ser atingidas em determinado espaço de tempo; • definição dos conteúdos conceituais e procedimentais que levarão os alunos a atingir essas metas; 26 PRIMEIROS DEGRAUS

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• definição das condições materiais mínimas exigidas; • definição e preparação do pessoal docente encarregado da verificação e crescimento da equipe pedagógica; • conhecimento das condições de cada aluno em cada classe; • definição das unidades de trabalho e de suas formas de realização (aulas, práticas educativas, atividades extracurriculares etc.); • definição da correlação do trabalho dos professores que trabalham com uma mesma turma; • meios e caminhos para o pleno envolvimento familiar e dos demais elementos da comunidade escolar. A separação dos saberes escolares em diferentes disciplinas constitui apenas um recurso para que o aluno perceba etapas em seu processo de aprendizagem, jamais “gavetas separadas em uma mesma estante”, em que o que se aprende em uma aula se distancie do que se está aprendendo em outras. É por essa razão que o planejamento pedagógico é sempre trabalho comum de toda a equipe docente, e é também por essa mesma razão que os diferentes saberes necessitam sempre se interligar. A existência de um planejamento de curso elaborado coletivamente não exclui a importância de outro planejamento específico da disciplina que se ensina, no qual se irá destacar os conteúdos conceituais que se trabalham, suas interligações com os outros temas, assim como a interligação com temas já trabalhados e temas com os quais em breve se trabalhará. Conclui-se com o mesmo exemplo da escada enfatizado antes. O Plano de Aula, por sua vez, necessita se enriquecer com outros detalhes que envolvem as estratégias de ensino que se empregarão e os recursos necessários para elas. Nesse plano, é responsabilidade do professor buscar saber se seus alunos: • mostram-se capazes de dominar plenamente a leitura escrita, compreendendo seus símbolos gráficos e lógico-matemáticos e assim de beneficiarse desse domínio por toda a vida; • foram capazes de dominar linguagens e, dessa forma, puderam entender o que foi dito e o que se sugeriu para realizarem sozinhos ou em grupo, mas também que se sentem seguros para interpretar e construir gráficos, diagramas, valendo-se de diferentes linguagens para um mesmo problema; 27 A AULA

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• são capazes de compreender e interpretar conteúdos e assim não sentem dificuldade em interligar as disciplinas escolares entre si e em associar o conteúdo mostrado em aula com a realidade do mundo que os cerca; • foram estimulados a solucionar problemas, dominando informações corretas sobre os fatos para tomar decisões e, sempre que possível, ser capazes de formular propostas para resolver os desafios percebidos; • sabem fazer uso consciente de múltiplas habilidades, como conhecer, compreender, analisar, relacionar, comparar, sintetizar e ainda outras representadas por verbos que envolvem operações; • sabem valorizar o diálogo, a negociação e a busca de entendimento; • sabem localizar, acessar e contextualizar de maneira crítica as informações disponíveis nos mais diferentes meios. • sabem construir argumentações e, portanto, são capazes de defender pontos de vista baseados nas informações e nos conhecimentos adquiridos. Há algumas décadas a ideia que se fazia do “excelente professor” restringiase aos conhecimentos específicos que possuía de sua disciplina. Esse conceito se atualizou e hoje o professor excelente é quem bem sabe ensinar de maneira significativa, trabalho que integra também a capacidade de saber planejar seu curso, suas aulas, e saber despertar em seus alunos o sentido de cooperação, acolhida e compreensão do outro.

.SEGUNDA PARTE.

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A (boa) aula expositiva

Você já percebeu que a aula expositiva é uma excelente “ferramenta” de ensino. O que não significa afirmar que deva ser a única ferramenta utilizada pelo professor. Uma sala de aula deve ser espaço para se ministrarem muitas aulas expositivas e também para se aplicarem diferentes jogos operatórios. Para que uma aula expositiva possa ser considerada “uma aula bem ministrada” é essencial que provoque “aprendizagens significativas”, assim como uma intervenção médica pode ser considerada uma boa intervenção quando leva o paciente a reconquistar a saúde. A seguir, sugerimos propostas de ações ao professor em uma aula. Não as encare de uma maneira rígida, verifique se o que está sendo apresentado é compatível com seu jeito de ser, adapte a pro28 PRIMEIROS DEGRAUS

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posta à sua forma de trabalhar e lembre-se de que a boa aula é a que os alunos compreendem. Dessa maneira, para que o aluno efetivamente aprenda por meio de uma aula expositiva, é importante jamais se esquecer do que se segue: 1. Conquiste a atenção do aluno mostrando o assunto que vai ministrar e a maneira como esse assunto, de uma maneira ou de outra, está ligado à vida dele. Desperte, com perguntas intrigantes e curiosas, a vontade do aluno de saber o que vai ser ensinado. 2. Ao escrever o título do assunto na lousa busque ligar o tema aos conteúdos já sabidos pelo aluno. Lembre-se de que uma nova aprendizagem faz-se sempre “enganchada” em saberes que já se possui. Fale sobre esses “ganchos” e mostre que o que vai ser apresentado se apoia em coisas que o aluno sabe, aprendidas em aulas anteriores ou percebidas na vida que se leva e no cotidiano que se enfrenta. 3. Organize o plano de assuntos a ser exposto. Escreva na lousa — ou se quiser use transparências — os diferentes capítulos da aula que vai ser apresentada. Esse plano representa a estrutura cognitiva da aprendizagem e, portanto, deve refletir os elementos essenciais que serão apresentados, na sequência em que o professor os apresentará. 4. Com o plano escrito na lousa destaque as ideias-âncora, isto é, os pontos fortes do assunto que vai ser apresentado. Nessa conversa com a classe faça um pequeno resumo, destacando as partes mais importantes do conteúdo e as palavras-chave existentes nele. Se quiser pode sublinhá-las ou escrever com outra cor de giz. 5. Explique aos alunos as semelhanças e as diferenças entre as principais ideias do tema. Se, por exemplo, vai narrar um evento que possua “causas” e “consequências”, brinque com eles mostrando nas ações do dia a dia quando uma ação é “causa” e porque ela gera sempre uma “consequência”. 6. Relate o tema. Passando de “capítulo” a “capítulo” da referência do plano, explique cada um deles, nunca avançando para o item seguinte se não tiver certeza de que não persistem dúvidas. Interrogue os alunos e mostre que em toda aula existe “hora para se ouvir”, mas existem também “momentos para se perguntar”. Se puder, faça uma pausa entre um capítulo e outro e proponha questões sobre o tema a que os alunos deverão responder em duplas. 29 A AULA

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7. Ao terminar a exposição, ajude os alunos a comentar o tema usando habilidades operatórias diferentes. Por exemplo: — Guilherme, faça uma síntese do que você aprendeu! — Solange, vamos ver se você pode descrever uma parte do tema. — Marcos, experimente fazer uma análise de uma ideia do tema que tenha chamado a sua atenção…, e assim por diante. Lembre-se de que o aluno aprende melhor quando compara, analisa, sintetiza, classifica, relata, julga, contextualiza, experimenta etc. 8. Repasse o tema, orientando o aluno sobre como desenvolver sua memória, sua emoção, sua linguagem, sua atenção, sua motivação e sua ação. 9. Conclua a aula destacando as ideias mais importantes, respondendo a dúvidas pendentes, estabelecendo relações entre as ideias apresentadas e os temas futuros… Converse com os alunos, indague se compreenderam o que foi passado, veja se podem contextualizar o tema em assuntos de seu dia a dia. Uma boa aula é como uma consulta médica eficiente. Não basta que o paciente saia satisfeito, ele deve sair com mais saúde; mais importante que o aluno gostar da aula é efetivamente aprender.

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Uma aula com situações-problema

Por que existem aves que não voam? Por que o pico de uma montanha, mesmo mais próximo ao Sol, apresenta temperaturas mais baixas que sua base? Se as plantas se alimentam da terra por que em um vaso a quantidade de terra nunca diminui? Como fazer um anúncio comercial de um novo programa de televisão com apenas dez palavras e sem o uso das palavras “canal”, “atraente” e “espectador”? Como é fácil perceber pelos exemplos, todas as disciplinas curriculares são “recheadas” de situações-problema, e uma maneira dinâmica de envolver os alunos em uma atividade protagonística é organizar uma aula com essa finalidade. Apresentamos a seguir um exemplo, facilmente adaptável a qualquer nível de escolaridade, qualquer disciplina e a muitos momentos, e que ajuda o aluno não apenas a construir saberes, mas também a trabalhar hipóteses e pesquisas. A aula deve ser organizada em cinco momentos: 1. O professor apresenta um (ou mais) problema(s) para os alunos, problema(s) que deve(m) estar direta ou indiretamente ligado(s) ao tema 30 PRIMEIROS DEGRAUS

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que se busca ensinar, mas também à realidade do aluno, ao seu entorno e aos programas a que assiste. Individualmente, os alunos pensam no problema e levantam hipóteses (mesmo absurdas) para a sua solução. Nenhuma ideia é descartável e não há limite para soluções pensadas. Devem fazer uma breve síntese, por escrito, das ideias surgidas. É válida a consulta de textos. 2. O professor solicita aos alunos que formem duplas e que nelas cada um tenha a oportunidade de expor as soluções que buscou. Percorre a classe, acompanhando o debate entre as duplas. Os alunos devem expor suas ideias e acolher as ideias do colega. Podem manter a posição inicial, mas também admitir assumir ideias ouvidas ou o aparecimento de uma nova resposta, elaborada a partir das posições das respostas individuais. 3. O professor apresenta algumas ideias, não apresenta a solução do problema, mas sugere “dicas”. Dispõe os alunos em quartetos, unindo duas duplas. É livre a sua opção do critério que utilizará para a formação. Agora em novos grupos, cada dupla apresenta suas ideias, ouve as ideias da outra e devem organizar um sumário breve (não mais que 40 palavras) sintetizando as opiniões colhidas. O quarteto pode assumir uma resposta única e consensual ou manter diferentes soluções para o problema proposto. 4. O professor sugere que cada quarteto escolha um representante, encarregado de apresentar à classe as ideias debatidas. O representante de cada quarteto apresenta as conclusões do grupo, sendo válidos questionamentos pelo professor ou por qualquer aluno do quarteto ou de outro quarteto. 5. É hora da sistematização das ideias propostas. O professor organiza as hipóteses sugeridas e apresenta uma ou mais conclusões obtidas junto à classe. Deve acrescentar ideias e propostas caso existam alternativas de solução não pensadas pelos alunos. Os alunos devem perguntar, sugerir, propor, opinar, mas é essencial que anotem de forma objetiva as conclusões e que cada um possa mentalmente associar a hipótese pensada inicialmente às mudanças que foram sendo incorporadas com o debate em duplas e, depois, em quartetos. A aula se encerra com um debate coletivo, com a finalidade de se refletir sobre o que se fez, os conhecimentos colocados em ação, sistematizando as aprendizagens essenciais para a busca de resposta ao(s) problema(s) proposto(s). Cada aluno organiza seus apontamentos, solicita esclarecimentos aos colegas ou 31 A AULA

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ao professor, sabendo que deverá se sentir seguro para atuar individualmente quando avaliado para resolver problemas de outra natureza mas que impliquem o uso da estratégia aprendida.

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O Cochicho

O Cochicho é um jogo operatório vibrante, que envolve emocionalmente os alunos e se presta ao desenvolvimento de qualquer conteúdo curricular para qualquer série ou ciclo de estudos. Vale-se da organização dos alunos em grupos ou equipes de quatro a sete componentes, e para seu desenvolvimento é essencial que o professor trabalhe um tema sobre o qual os alunos tenham algum conhecimento. Embora realizado pelos alunos organizados em grupos, permite identificar o desempenho individual de cada aluno. Para que exista esse conhecimento prévio sobre o tema, o professor pode solicitar uma leitura, uma pesquisa bibliográfica ou apresentar uma síntese, enriquecida por perguntas diversas a que os alunos devem buscar responder. Com o tema ou conteúdo escolar definido e os alunos organizados em grupos, marca-se a aula em que se aplicará O Cochicho. Iniciada a atividade, solicita-se que cada aluno disponha de uma tira de papel com aproximadamente vinte centímetros de altura e quatro de largura. Essa tira de papel deverá ser dividida em outras duas, a primeira formando um pequeno quadrado de quatro por quatro centímetros, onde cada aluno deverá anotar o nome e no verso do qual o nome da equipe a que pertence. Na tira de papel restante se anotará no alto o nome do grupo. Um aluno de cada grupo deverá recolher os pedaços de papel em que constam o nome de cada participante, trazer à mesa do professor, amontoá-los, deixando separados de outros montes com nomes de alunos de outras equipes. O professor retirará um por um os papéis sobre sua mesa e anunciará a formação de duplas entre aluno de uma equipe contra aluno de outra, até chegar ao último papel. Caso a quantidade de alunos em sala seja um número ímpar, os três últimos formarão um trio. Após esse sorteio todos os alunos já saberão com quem deverão “jogar”, isto é, o nome do colega de outra equipe com o qual irão se defrontar. Nessa oportunidade, o professor sinaliza para que cada aluno se sente em qualquer lugar da classe, desde que ao lado do colega de outra equipe que forma a dupla ou, eventualmente, o trio sorteado. O aluno deverá levar consigo uma caneta e a tira de papel com o nome do grupo que preparou logo no início da aula, como explicado acima. Com os alunos organizados, o professor inicia O Cochicho formulando questões relativas ao tema estudado. Essas questões precisam ser “fechadas”, isto é, verdadeira/falsa ou de múltiplas alternativas, ou ainda suscitar respostas que 32 PRIMEIROS DEGRAUS

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possam ser expressas por poucas palavras. Ao organizar essas questões o professor deve evitar as de natureza essencialmente memorativa e que, portanto, não explorem reflexão, análise, dedução e conclusão. Por exemplo: evitar questões do tipo “Nome da capital do estado do Pará”, preferindo, por exemplo: “Nome de uma cidade situada na região Norte, capital de um estado que se destaca por importante atividade mineral, agroindústria e pecuária, e que no passado se identificava como grande produtor de castanha e borracha”. Dispondo de uma lista de questões reflexivas e envolventes sobre o tema marcado pelo Cochicho, o professor apresenta a primeira questão e oferece aos alunos um tempo para refletirem e anotarem suas respostas. Após esse lapso de tempo, solicita que cada aluno apresente sua resposta ao parceiro e, em seguida, anuncia a resposta correta. Após esse anúncio, a cada dupla de alunos assistem três posições possíveis: zero a zero (os dois erraram), um a zero (um dos dois acertou e o outro não) e um a um (os dois acertaram). O Cochicho prossegue com a formulação de outra e depois mais outra questão, até o limite de tempo possível. Cerca de dez minutos antes de encerrar a aula, o professor afere a contagem final, isto é, quantos pontos — acertos — foram realizados pelo conjunto de alunos de cada equipe. Caso a quantidade de alunos por equipe não seja uniforme, deve extrair a média de acertos de cada equipe, dividindo-se o total de respostas corretas pelos alunos que participaram do Cochicho. Ao final da aula, registra o quadro com a classificação das equipes, destacando as que mais pontos fizeram. O uso ou não dos pontos conquistados no Cochicho como atributo de uma média do aluno é possível caso o professor assim pretenda e será explicado em outro capítulo deste trabalho. Parece importante destacar que o sucesso de um Cochicho depende menos da forma como a atividade é organizada pelo professor e bem mais da qualidade reflexiva das questões organizadas. Estas devem visar sempre a uma aprendizagem efetivamente significativa, explorando diversas habilidades operatórias.

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O Arquipélago

O Arquipélago é outro jogo operatório muito interessante e atraente e, se organizado com questões reflexivas, ajuda na construção do conhecimento e no domínio de conteúdos. Ainda que se preste a inúmeras outras formas de utilização, seu uso principal visa à análise, à interpretação e à assimilação de um texto de qualquer disciplina em qualquer nível de escolaridade. O nome “Arquipélago” deriva do fato de os alunos na maior parte do tempo sentarem-se juntos, organizados em equipes, como “ilhas” de um conjunto. 33 A AULA

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O desenvolvimento do Arquipélago organiza-se em quatro etapas. Previamente, os alunos deverão ser informados sobre o texto que deverão analisar, sendo desejáveis leituras e discussões sobre ele. Com os alunos reunidos, o professor dá início ao Arquipélago solicitando que individualmente façam uma atenta leitura do texto, levantando o braço no caso de dúvidas. Enquanto essa leitura é feita, o professor percorre os diferentes grupos, ajudando os alunos no esclarecimento de suas dificuldades. Concluída essa releitura prévia, tem início a primeira etapa do Arquipélago. Primeira etapa

O professor escolhe um aluno de cada grupo que deverá sentar em outro grupo que não o seu, levando um pedaço de papel e uma caneta. Com os alunos acomodados, solicita que anotem no papel o nome de seu grupo e a seguir propõe quatro a seis questões sobre o texto, possibilitando “respostas fechadas”, como VV, VF, FF ou FV ou ainda outras. Após anotar as respostas os alunos que representam seu grupo devem retornar a ele, deixando na equipe que os recebeu o papel com suas respostas. O professor aguarda esse retorno e anuncia as respostas certas, que deverão ser corrigidas pelo grupo que acolheu esse aluno visitante. São atribuídos pontos (50, 100 ou 150 para cada resposta certa), sendo facultado ao professor “descontar ou não pontos” pelas respostas erradas. A equipe que acolheu o aluno, após a correção, informa o resultado, que deve ser registrado pelo professor na lousa ou em seu diário de classe. Segunda etapa

O professor autoriza nova e breve consulta ao texto e logo após formula uma questão geral a que cada grupo deverá responder por escrito. Informa o valor dessa questão, por exemplo, 400 pontos, valor que será dividido entre as equipes que acertarem. Assim, se duas equipes acertarem a resposta, cada uma delas acrescentará 200 pontos ao saldo acumulado pela participação do aluno representante na primeira etapa. Com esse resultado o “placar” vai se alterando e as equipe vão ou não acumulando mais pontos. Terceira etapa

A terceira etapa é semelhante à primeira, mas dessa vez cabe à equipe o direito de escolha de seu representante. Este se dirige a outra equipe, levando papel e caneta, para responder às questões formuladas pelo professor. Após essa 34 PRIMEIROS DEGRAUS

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etapa, ainda uma vez o “placar” vai sendo progressivamente alterado, destacando a(s) equipe(s) que revela(m) maior capacidade de compreensão do texto. Quarta etapa

A derradeira etapa do Arquipélago é similar à segunda ou então se caracteriza pela abertura para que uma equipe formule uma questão a outra, de maneira que todas possam dispor da mesma possibilidade de respostas. Assim, a equipe Verde, por exemplo, formula uma questão à Amarela, a equipe Amarela à equipe Azul e assim por diante. Concluída a quarta etapa, encerra-se o Arquipélago com o devido registro dos pontos acumulados pelas equipes. Nas primeiras oportunidades em que essa estratégia é aplicada é essencial que o texto seja bastante simples, assim como as perguntas formuladas pelo professor com respeito à sua interpretação, mas a sucessão de atividades permite que progressivamente seja aumentada a complexidade do texto e das questões desafiadoras propostas. Alternando participações individuais (na primeira e na terceira etapas) com decisões consensuais (na segunda e a na quarta etapas), a atividade é extremamente dinâmica e envolvente, altamente motivadora e permite significativo exercício de aprendizagem significativa, por meio de análises e interpretações de texto.

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O Painel Integrado e sua diversidade

O Painel Integrado é uma situação de aprendizagem fácil de executar e extremamente versátil. Excelente para tornar concretas e assimilar de forma significativa novas informações, não deixa de ser também uma atividade que se presta, e muito bem, a fixar informações, à avaliação do desempenho do aluno, e é ainda um instrumento que fortalece a solidariedade e a definição de funções dos alunos em um grupo. Tipo de aula que somente pode ser desenvolvido trabalhando com grupos de alunos, pode ser aplicado uma ou mais vezes em um mês, dependendo do número de aulas semanais da disciplina. Excelente para fortalecer o protagonismo, pois em todas as etapas é o aluno seu agente essencial, constitui estratégia para estimular a linguagem, a construção de novos conhecimentos, a fixação da matéria aprendida e a autoavaliação dos alunos. Pode ser aplicado desde a educação infantil até classes no ensino superior, desde que o professor tenha cuidado em adequar os desafios que propõe ao nível de compreensão e capacidade de pesquisa dos alunos envolvidos. 35 A AULA

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O desenvolvimento do Painel Integrado pode ocupar o espaço de tempo de uma ou duas aulas convencionais e se divide em quatro etapas. 1ª etapa: Preparação

O tema que se busca explorar é dividido em tantas partes quantos os grupos na classe, ficando cada grupo encarregado pelo preparo das questões propostas. Após esse preparo o professor afere a qualidade delas, eventualmente sugerindo mudanças, simplificação, clareza e significação. Todos os alunos da classe são notificados que serão relatores do tema preparado por sua equipe. 2ª etapa: Apresentação

O professor forma em aula “grupos heterogêneos”, isto é, novos grupos que reúnam um ou dois alunos de cada grupo original. Se todos os grupos contarem com igual número de representantes, os grupos heterogêneos contarão com um aluno de cada grupo. A presença de dois alunos de um grupo nos grupos heterogêneos somente se dará em caso de os grupos contarem com número desigual de alunos. Formados os grupos heterogêneos, inicia-se a apresentação, com os alunos explicando aos colegas o resultado das pesquisas de seu grupo. Essa etapa termina quando todos os alunos puderam expor suas investigações e acolher as investigações efetuadas em outros grupos. 3ª etapa: Fermentação

Ao se concluir a etapa da Apresentação os alunos retornam aos seus grupos originas. Nestes promoverão a Fermentação, isto é, a consolidação dos conhecimentos apreendidos com outras equipes. Como cada aluno do grupo ouviu uma explanação feita por colegas diferentes, é essencial essa homogeneização de saberes, acompanhada pelo professor percorrendo os diferentes grupos. 4ª etapa: Avaliação

Ao terminar a etapa da Fermentação o professor pode apresentar uma síntese geral dos temas desenvolvidos pelas diferentes equipes e a seguir promover uma avaliação individual, em duplas ou em grupos. É essencial que todos os alunos da classe se sintam aptos a discorrer sobre os diferentes segmentos em que a matéria foi dividida. 36 PRIMEIROS DEGRAUS

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O Painel Integrado presta-se para rever conteúdos trabalhados, para envolver os alunos em pesquisas nas mais diferentes fontes, para integrar saberes que diferentes grupos trouxeram de uma visita ou de uma aula de campo. Para professores, constitui excelente oportunidade para colocar em discussão temas que diferentes equipes pesquisaram. Por exemplo: os professores de determinada escola podem ser divididos em quatro ou mais grupos, cada grupo fazer pesquisas sobre um tema importante do cotidiano escolar, e a posterior realização de um Painel Integrado pode permitir que todos usufruam das pesquisas de cada grupo.

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De que maneira transformar pontos ganhos pelas equipes em notas?

A primeira e mais importante questão a formular sobre o título deste capítulo é, sem dúvida: Por que transformar pontos ganhos pelas equipes em notas? Não existe uma resposta única. Essa questão constitui decisão específica do professor. Caso pretenda desenvolver jogos operatórios sem lhes atribuir valor que se transformem em notas, está agindo de forma tão correta quanto outro colega que opta por fazer dos jogos operatórios uma forma de se obter notas mais elevadas. A avaliação da aprendizagem escolar não pode se implantar por normas rígidas, uma vez que deverá ser sempre meio para se aferir a efetiva aprendizagem. A nota vale apenas como uma referência para que o aluno saiba seu desempenho, jamais como um critério para selecionar bons ou maus alunos. O verdadeiro compromisso do professor é com a aprendizagem significativa, e a nota que atribui apenas um elemento que expressa essa aprendizagem. Portanto, a transformação de pontos ganhos pelas equipes em notas constitui decisão do professor, que poderá dispensá-la se acredita que os alunos estão aprendendo o que ensina de forma significativa. Caso, entretanto, julgue que o desempenho dos alunos nos jogos operatórios desenvolvidos resultou de um esforço construtivo e deseje expressar a diferença entre os que mais e os que menos se esforçaram, apresentamos uma proposta de transformação de pontos em notas que poderá ou não ser adotada pelo professor. Alguns, por exemplo, combinam com a classe que o primeiro lugar em seu desempenho nos diferentes jogos pode valer um ou dois pontos na avaliação final e, dessa forma, atribui pontos sem, entretanto, estabelecer uma relação direta entre cada atividade e o desempenho revelado. Também está agindo de maneira correta quem assim procede. 37 A AULA

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Outra forma de avaliação consiste em somar os pontos obtidos pelos grupos nos diferentes jogos propostos, tal como o de equipes que disputam um campeonato, chegando a uma classificação. Por exemplo: Durante um bimestre, o professor trabalhou com a classe ministrando aulas expositivas diversas e ainda aplicou, por exemplo, um Arquipélago, um Autódromo e um Cochicho. Totalizou os pontos e o resultado final do bimestre foi: Equipes:

Arquipélago

Autódromo

Cochicho

Total

Verde

500

400

500

1.400

Amarela

600

500

600

1.700

Azul

300

400

400

1.100

Vermelha

400

500

300

1.200

Laranja

600

300

600

1.500

Branca

600

600

600

1.800

No exemplo destacado acima, a equipe que mais pontos somou no bimestre foi a Branca (1.800), e nessa circunstância merece receber a mais alta nota (que pode ser 10). Considerando que 1.800 pontos equivalem a 10, uma regra de três simples nos revela que cada 180 pontos conquistados por qualquer equipe devem equivaler a 1. Portanto: VERDE: 1.400 pontos = 7,7 (uma vez que 1.400 : 180 = 7,7) AMARELA: 1.700 = 9,4 AZUL: 1.100 = 6,1 LARANJA: 1.500 = 8,3 BRANCO: 1.800 = 10 Considerando esse exemplo, cada aluno de cada equipe, se tivesse participado de todos os jogos operatórios, teria direito à nota recebida pela equipe. Fica a critério do professor descontar ou não do aluno que não tenha participado de um ou de outro jogo os pontos auferidos pela equipe durante sua aplicação. Por exemplo: a equipe Laranja conquistou 600 pontos no Cochicho, e caso um de seus integrantes tenha faltado sem justificativa quando de sua aplicação, perderá 3,3 pontos (pois 600 : 180 = 3,3) e, dessa forma, receberá 5 por sua atuação nos jogos operatórios e não os 8,3 pontos recebidos por seus colegas que participaram de todas as atividades. Os pontos ganhos pelos alunos nos jogos operatórios poderiam compor uma de suas notas, e esta teria o peso correspondente, atribuído pelo professor. 38 PRIMEIROS DEGRAUS

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Seria assim possível o professor atribuir, por exemplo, peso 7 para as provas individuais e peso 3 para a participação dos alunos em jogos operatórios. É importante destacar que a ideia proposta por este capítulo serve apenas como uma sugestão e que, dessa forma, deverá ser submetida à apreciação e à análise do professor envolvido, da coordenação e da direção da escola e, se possível, levada ao conhecimento de toda a equipe discente e docente.

Conclusão Imagine ser avisado, momentos antes de embarcar para um cruzeiro pelas ilhas gregas, que em vez de em um transatlântico real resta-lhe apenas viajar em uma caravela… ou, pior ainda, imagine sentar-se em uma cadeira de dentista e este afirmar que não usa anestesia e que toda extração ali se faz com boticão? Pois bem, por mais desconfortáveis e doloridos que possam ser esses absurdos regressos, pode-se compará-los, mutatis mutandis, à aula discursiva, a mais comum das práticas docentes realizadas no Brasil, da educação infantil aos cursos de pós-graduação. A aula discursiva é um processo de comunicação oral, anterior à descoberta da escrita e da invenção da imprensa. Nas universidades medievais representava a única estratégia para que os alunos aprendessem. Como ainda não havia livros, a tarefa dos professores era recitar as leituras dos raros textos, tantas vezes quantas necessárias, para que os ouvintes, mesmo os analfabetos, os decorassem. Era de tal forma importante a função desses raros leitores que as profissões de lector e scriba eram altamente valorizadas na ordem sacerdotal. Ao se afirmar, portanto, que a aula discursiva ou expositiva sem intermediação do aluno representa instrumento medieval, não se está fazendo uma ironia em relação a esse procedimento, apenas buscando situá-lo na história. Portanto, é importante esclarecer que nada temos contra essa prática, assim como não nos opomos ao uso do astrolábio, das caravelas ou dos boticões, apenas não aceitamos essa forma de ensino para tempos posteriores à invenção da imprensa ou da internet. Sem dúvida, constitui recurso válido para a comunicação de massa, tanto para plateias de 500 pessoas como para uma exposição a 500 milhões de ouvintes, mas é absurdo de colossal tamanho pensar que é o formato de aula desejável para 40 ou 50 alunos. Por que deve um professor repetir em turmas do mesmo nível a mesma exposição por seis ou sete vezes, se já se inventaram rádios, gravadores, televisores e computadores? A transmissão verbal se justifica quando ganha contornos de ópera ou teatro, e quando sua finalidade não é a motivação e a aprendizagem, mas o envolvimento de uma plateia numa 39 A AULA

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dramatização. É por essa razão que não somos contra os professauros, apenas pensamos que são mestres ingênuos que ainda não se deram conta de que seu tempo já passou. Acreditamos que um verdadeiro professor é um propositor de problemas e que, por meio de questionamentos, conduz seus alunos à solução do desafio, fazendo-os verdadeiros protagonistas de seu processo de aprendizagem. Guardando-se as devidas proporções, uma aula discursiva em tempos de internet equivale a aula de futebol sem bola, a aula de pintura sem pincel, a aula de culinária a quilômetros do forno ou do fogão.

Indicações de leitura ANTUNES, Celso. Como desenvolver as competências em sala de aula. 7a ed. Petrópolis, Vozes, 2001. _____. A grande jogada. 13a ed. Petrópolis, Vozes, 2001. _____. A linguagem do afeto. 4a ed. Campinas, Papirus, 2004. _____. Professores e professauros. 4a ed. Petrópolis, Vozes, 2009. _____. Manual de técnicas de dinâmica de grupo de sensibilização de ludopedagogia. 26a ed. Petrópolis, Vozes, 1987. DAMÁSIO, António. Ao encontro de Espinosa – As emoções sociais e a neurologia do sentir. Lisboa, Europa América, 2003. DIAMOND, Marian, HOPSON, Janet. Árvores maravilhosas da mente – Como cuidar da inteligência, da criatividade e das emoções de seu filho do nascimento até a adolescência. Rio de Janeiro, Campus, 2000. PAPALIA, Diane E., OLDS, Sally Wendkos. O mundo da criança. São Paulo, Makron Books, 1998. PERRENOUD, Philippe. Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. Porto Alegre, Artmed, 2001. PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência da criança. Rio de Janeiro, Zahar, 1975. PINKER, Steven. Como a mente funciona. São Paulo, Companhia das Letras, 1998. _____. O instinto da linguagem. Como a mente cria a linguagem. São Paulo, Martins Fontes, 2002.

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