10 critérios para que o teu casamento funcione

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10 critérios para

José Antonio San Martín

que o teu casamento funcione Um velho marinheiro dizia que o matrimónio é como a partida de um navio: o importante não é a saída do porto, mas o começo de uma viagem por mares desconhecidos. No relacionamento do casal, mais cedo ou mais tarde, haverá momentos de crise que parecerão difíceis de ultrapassar. Fazem parte da convivência conjunta e não devem assustar o par. Devem estar conscientes disso, para que, perante as dificuldades, possam canalizar adequadamente os esforços num processo de amadurecimento da vida do casal. As sugestões que apresentamos neste livro visam fortalecer o casamento. Têm como fonte a carta do Papa Francisco Amoris Laetitia e especialistas em terapia matrimonial. São critérios que não se podem dar por adquiridos. Terão de ser trabalhados ao longo da vida para tornar o casamento mais fácil e duradouro.

José Antonio San Martín é salesiano sacerdote. É Licenciado em História (Univ. Oviedo), em Teologia Pastoral (Univ. Pontifícia de Salamanca, sede de Madrid), área na qual tem, também, um Doutoramento. É Mestre em Aconselhamento e Mediação Familiar pela Universidade Pontifícia de Comillas (Madrid). Orienta cursos para educadores e professores na área da educação e é autor de diversos livros publicados pela CCS (Espanha). Em Portugal, as Edições Salesianas publicaram o seu livro “10 critérios para ser mais positivo”.

que o teu

casamento funcione

Rua Duque de Palmela, 11 4000-373 Porto Tel.: 22 53 657 50 editora@edicoes.salesianos.pt www.edisal.salesianos.pt

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José Antonio San Martín

10 critérios para que o teu casamento funcione


Ficha técnica: © José Antonio San Martín © 2017 Editorial CCS Título original: 10 criterios para que tu matrimonio funcione © 2019 Edições Salesianas Rua Duque de Palmela, 11 4000-373 Porto Tel. 225 365 750 editora@edicoes.salesianos.pt www.edisal.salesianos.pt Publicado em Março de 2019 Capa: Paulo Santos Paginação: João Cerqueira Impressão: Printgroup ISBN: 978-989-8850-93-5 Depósito Legal: 452514/19


Introdução No Informe de evolución de la família en Europa 2014, elaborado pelo Instituto de Política Familiar (IPF), apresentado no Parlamento Europeu no mês de setembro, eram referidos estes dados: • Numa década, a Espanha tornou-se no quarto país da União Europeia com maior número de divórcios, a seguir à Alemanha, Reino Unido e França. Se há dez anos, 41621 casamentos acabavam em rutura, hoje esse número foi amplamente ultrapassado. Em 2012, foram 104 262 casais a decidir não viverem unidos o resto das suas vidas. Os últimos dados vão na mesma linha. O número de pedidos de dissolução matrimonial, iniciados em 2014, foi de 133 441, o que significa um acréscimo de 6,9% em relação aos 124 797 registados no ano anterior, conforme os dados tornados públicos pela Secção do Conselho Geral do Poder Judicial.1 Já não significa apenas que se dão mais divórcios, mas que, além disso, à luz dos dados do IPF, a Espanha não segue as tendências dos europeus. Enquanto outras nações conseguiram estancar, e até reduzir, o número de divórcios (como o Reino Unido, com um decréscimo de 19%, ou a Alemanha com 12%), em Espanha deu-se o contrário: o crescimento foi espetacular, de 150%, o que se traduz em mais 62 mil divórcios por 1 Cfr. http://www.expansion.com/juridico/actualidadtendencias/2015/03/16/ 5506cbd 622601d7e 628b456d.html, 11-04-2015.

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ano. Noutros países, como a Polónia e a Itália, onde tradicionalmente havia mais separações de casais, registaram-se também aumentos, mas muito menores do que em Espanha; assim, na Polónia, o divórcio só aumentou 16 685 por ano e em Itália, 11 971, de tal forma que a Espanha já os ultrapassou.2 O Instituto Nacional de Estatística verifica que a duração média dos casamentos, durante o ano de 2014, foi de 15,8 anos, um número parecido ao de 2013. A idade crítica dá-se entre os 40 e os 49 anos: nas mulheres aos 42 anos e nos homens, um pouco mais tarde, aos 45 anos.3 Nota do editor: O autor é espanhol e escreve a partir da realidade espanhola. O panorama português não é muito diferente. Em relação aos divórcios, a situação é semelhante. Em 1975 houve 1552 divórcios em Portugal, em 1980 foram 5843, em 1990 foram 9216, em 2000 foram 19.104, em 2010 foram 27.903 e em 2016 foram 22.340. Quanto ao número de divórcios por cada 100 casamentos, Portugal é o número 1 da União Europeia com 69. (Espanha “só” tem 56!)4 Na Exortação do Papa Francisco, A alegria do amor, apontam-se algumas causas que explicam esta situação: “As consultas prévias aos últimos Sínodos trouxeram à luz vários sintomas da ‘cultura do provisório’. Refiro-me, por exemplo, à velocidade com que as pessoas passam de uma relação afetiva a outra. Pensam que o amor, como nas redes sociais, pode começar ou acabar ao sabor do consumidor e até bloquear repentinamente. Transporta-se para as relações afeCfr. http:/www.abc.es.familia-parejas/20140614/abci-espana-cuarto-paisdivorcios-20140610183.html, 26-10-2014.

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Cfr. El Mundo, quarta-feira, 16 de setembro de 2015, p. 46.

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Dados disponíveis em pordata.pt, relativos a 2016.

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tivas o que sucede com os objetos e o meio ambiente: tudo é descartável, cada um usa e deita fora, utiliza e parte, aproveita e destrói enquanto serve. Depois adeus!... O divórcio é um mal, e é muito preocupante o crescimento do número de divórcios. Por isso, sem dúvida, o nosso trabalho mais importante no que diz respeito às famílias é fortalecer o amor e contribuir para curar as feridas, de modo a podermos prevenir a avalanche deste drama do nosso tempo.”5 “A influência das ideologias que desvalorizam o matrimónio e a família, a experiência do fracasso de outros casais a que eles não se querem expor, o medo a algo que consideram demasiado grande, as oportunidades sociais e as vantagens económicas motivadas pela convivência, uma conceção puramente emocional e romântica do amor, o medo de perder a sua liberdade e independência, a rejeição de tudo o que é considerado como institucional e burocrático.”6 “Uma das causas que leva a ruturas matrimoniais é a de ter expectativas demasiado altas sobre a vida conjugal. Quando se descobre a realidade, mais limitada e desafiante do que o que se havia sonhado, a solução não é pensar imediatamente e irresponsavelmente na separação, mas assumir o matrimónio como um caminho de amadurecimento.”7

E, ao mesmo tempo, sugere algumas soluções possíveis: “Os Padres Sinodais disseram de diversas formas que temos de ajudar os jovens a descobrir o valor e a riqueza do matrimónio… Do mesmo modo, pôs-se em relevo a necessidade de programas específicos para a preparação próxima do matrimónio que sejam uma autêntica experiência de participação na vida eclesial e aprofundamento nos diversos aspetos da vida familiar.”8 “Devem-se detetar os sinais de perigo que poderia haver na relação, para encontrar, antes do casamento, recursos que per5

Cfr. Papa Francisco, Amoris laetitia, núm. 39-40; 246.

6

Cfr. ibidem, núm. 40-41.

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Cfr. ibidem, núm. 241.

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Cfr. ibidem, núm. 205-206. 5


mitam enfrentá-los com êxito. Lamentavelmente, muitos chegam ao casamento sem se conhecerem. Distraíram-se apenas juntos, viveram experiências juntos, mas não se enfrentaram com o desafio de se manifestarem a si mesmos e de descobrirem quem é realmente o outro.”9

Na análise das causas dos divórcios, é curioso um facto que durante muito tempo surpreendeu psicólogos e sociólogos: “Os casais que conviveram antes do casamento têm uma taxa de divórcios superior aos casais que não conviveram até depois de se casarem”. O senso comum poderia parecer indicar o contrário. Contudo, a conclusão a que chegaram os especialistas é que o tipo de “‘crenças’ que tinham os que conviviam antes de se casarem faz parte de um sistema que inclui a facilidade para se divorciarem.”10 A formação que têm os noivos é pobre para conhecer o que supõe o matrimónio e, sobretudo, aquelas atitudes que ajudam a que o amor persista no tempo. Enrique Rojas, psiquiatra, num artigo no diário ABC, afirma que “as três doenças psíquicas mais frequentes hoje no Ocidente são, por esta ordem, a depressão, a ansiedade e o desequilíbrio de personalidade; e eu acrescentaria uma quarta, relativamente recente e que foi ‘in crescendo’, de forma exponencial, mas que não é uma doença mental, é uma desordem psicológica: as crises conjugais.”11 Este é um problema sério que deve ser abordado com serenidade. Que fique bem claro que o amor não chega para assegurar o bem-estar: é preciso o ‘bom’ amor. O ‘bom’ amor deteta-se porque nele comportamo-nos exatamente como somos e deixamos que o outro seja exata9

Cfr. ibidem, núm. 210.

Cfr. José Antonio Marina, Escuela de parejas. Ed. Ariel, Barcelona, 2012, p. 72

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Cfr. Enrique Rojas, Alguién voló sobre el nido del cuco. Avances de la psiquiatria, ABC, sábado, 13 de setembro de 2014, p. 3.

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mente como é.12 Este livro pretende orientar os namorados e também os que navegam por este mar há anos, e que já se sentem cansados e com o rumo meio perdido. São reflexões simples para os que principiam a experiência do matrimónio ou já estão casados há vários anos. Parece-me muito acertada a reflexão daquele velho marinheiro que, num casamento, expressou a sua visão pessoal sobre o matrimónio: “O importante do matrimónio é como a partida de um navio, não é a saída do porto, mas o começo de uma viagem por mares desconhecidos.”13 Quer dizer que o que importa não é a saída do porto, mas a sua chegada; e para isso importa muito o conhecer, em pormenor, os mapas dos mares, com as suas acalmias e tempestades, com os seus escolhos e problemas, que afetam o casamento. É evidente que em qualquer relacionamento de casais sobrevêm, mais cedo ou mais tarde, crises ou momentos difíceis que fazem parte do desenvolvimento normal da convivência. Não nos devemos assustar. Contudo, temos de os conhecer, para que quando esses momentos cheguem, saibamos situar devidamente a dificuldade que surge. Faz parte do que podemos chamar um processo de amadurecimento da vida do casal. Para compreender o problema principal dos matrimónios, a sua durabilidade, é necessário que ambas as partes percebam o que significa verdadeiramente viver em comum. Porque o matrimónio é muito mais que a soma de um homem e uma mulher. Viver em comum exige conhecer a outra parte; ouvir ativamente; procurar mudar para que o outro mude; enamorar-se primeiro de si mesmo para poder amar o outro. 12 Cfr. Joan Garriga, El buen amor en la pareja. Ed. Destino, Barcelona, 2013, p. 18.

Cfr. Rafael Navarrete, Para que tu matrimonio dure, Ed. San Pablo, Madrid, 1995, 4ª, p. 9.

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E isto não é fácil, mas é possível. Destroem este processo de encontro e relação algumas atitudes como: xx O facto de viverem ambos juntos, como se fossem ‘ilhas’ com impossibilidade de se unir à outra. Comem juntos, passeiam juntos, dormem juntos, passam as férias juntos, saem com os amigos juntos, mas vivem separados. Não se verifica entre eles uma autêntica relação interpessoal. São como ilhas. Vivem isolados. Fechados no seu próprio eu. xx Viver simbioticamente. Aqui dá-se o contrário do anterior. Pensam a mesma coisa, têm os mesmos gostos, leem os mesmos romances, veem os mesmos programas de televisão; o que agrada a um, agrada ao outro… É uma associação de dois, em que cada um apanha do outro o que precisa. Há uma fusão de ideias e interesses para se sentir em segurança. Mas a simbiose também não é boa. xx Viver casados civilmente ou pela Igreja. É importante dar este passo, mas só isso não constrói o matrimónio. Nem um nem outro conseguem com este ato jurídico formar um casal. Isso surge lentamente no encontro diário e com o esforço de ambos. xx Viver ‘enamorado’. Apaixonar-se é bom e bonito; mas o amor no casal não se pode edificar sobre emoções. O sentimento é importante, mas insuficiente. O amor constrói-se a partir do conhecimento real do outro. Mais dia menos dia, descobriremos que nem ele é um sol nem ela uma lua. Temos defeitos, limites. Assumi-los faz-nos crescer e ser realistas.14

14

8

Cfr. ibidem, pp. 16-19.


xx A

imaturidade. A imaturidade carateriza-se pelas mudanças frequentes de opinião, o não saber exatamente o que se quer, o não se conhecer suficientemente, a falta de responsabilidade. São sinais de imaturidade que não propiciam a vida em comum, nem a constroem. É um mal real. Alguns chegam com uma imaturidade clara ao matrimónio e continuam com este defeito ao longo da sua vida. xx O autoritarismo de uma das partes. “É muito frequente o desejo e a tentativa de mudar o outro na direção que mais interessa a uma das partes dominantes… Em geral, os casais têm forte tendência a querer anular, praticamente, a personalidade do outro para que assumam a sua. É algo tão impossível que provoca as grandes desavenças, ruturas e, o que é o pior de tudo, a violência. O amor – é uma frase minha – consiste em caminhar juntos, pelo mesmo caminho, olhando na mesma direção, mas com olhos diferentes.”15 xx A manipulação, a chantagem emocional para ganhar poder na relação de casal que utiliza como armas o castigo, o silêncio, a autopunição, a vitimização, as promessas, as culpas, o dar para receber. Os inquéritos dizem-nos que mais de 90% dos homens e mulheres considera que uma boa relação de casal é o mais importante para a felicidade. É verdade que não há fórmulas mágicas para que o casamento dure; mas também é verdade que, se cuidarmos da nossa maneira de ser e melhorarmos como pessoas, a permanência no amor é uma realidade. O matrimónio é uma experiência que supõe um trabalho Cfr. Isabel Agüera, 10 critérios para aprender a arte de viver juntos, Edições Salesianas, Porto, 2018, pp.39-40.

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c­ onstante sobre a nossa maneira de ser. Uma boa relação leva à felicidade. Este é um motivo que nos deve animar a lutar com força para que o casamento perdure. Mas também nos deve levar a trabalhar pela continuidade do amor. O governo trabalhista de Tony Blair publicou um relatório cujo princípio fundamental era: “O matrimónio é a melhor instituição e o modelo mais estável para educar os filhos”. É algo hoje aceite cientificamente que a autoestima dos filhos, a capacidade de sentir emoções ou de se enfrentar problemas são muito influenciados pela qualidade das relações parentais. A melhor maneira de ajudar um filho é ajudando-se a família inteira.16 Os crentes devem dizer que isso se deve à graça de Deus, mas isto supõe uma natureza madura para se poder ­alcançar o sacramento que dá os seus frutos. As duas somadas, o resultado é positivo. Talvez o grande problema atual seja o de que enfrentamos a experiência do amor a partir de uma chave manifesta de imaturidade psicológica, de profunda fragilidade. E, talvez, aqui radica a causa de tantos fracassos. Albert Einstein disse: “Começa a manifestar-se a maturidade quando sentimos que a nossa preocupação é maior pelos outros que por nós mesmos.”17 Isto exige ser fortes, ter paciência, domínio do próprio corpo, prudência, reflexão, conselho, sinceridade, responsabilidade, caridade, generosidade, constância, perseverança; o que se manifesta em pensar mais nos outros que em si mesmo. As sugestões que apontámos estão na carta do Papa e são fruto de uma longa reflexão e leitura de autores especialistas em terapia matrimonial. Trata-se de critérios que defendem grandes especialistas nesta matéria, como Burns, Gottman e NanSilver, Rafael Navarrete, Pilar Sordo… Estes critérios 16

Cfr. José Antonio Marina, pp. 12-13.

17

Cfr. Diálogo Familia-Colegio, 291(2011-2012) 39.

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não devem ser dados como supostos: devem ser trabalhados ao longo da vida. Se se praticarem, o resultado é positivo; caso contrário, é difícil que o matrimónio perdure. A graça de Deus pressupõe-nos, mas se faltarem, pouco se poderá fazer. Se existirem, a fé fortalece-os; mas se nos faltarem, é difícil avançar nesta formosa aventura do amor. Os critérios que aqui oferecemos vão na linha sugerida pelo Papa. Francisco insiste em que a Pastoral Matrimonial deve aportar “elementos que ajudem tanto a amadurecer o amor como a superar os momentos duros. Estas achegas não são unicamente convicções doutrinais, nem sequer se podem reduzir aos preciosos recursos espirituais que a Igreja sempre oferece, mas devem também ser caminhos práticos, conselhos bem incarnados, táticas colhidas na experiência, orientações psicológicas. Tudo isto configura uma pedagogia do amor que não pode ignorar a sensibilidade atual dos jovens, em ordem a mobilizá-los interiormente.”18 Podem ser estes ou outros, mas pensamos que os que tratamos aqui são importantes. O matrimónio exige, para funcionar bem, pessoas maduras. Mas a maturidade é fruto de critérios similares que propiciam o encontro consigo e com o outro. Aplicá-los, ainda que por vezes se torne difícil, é garantia de êxito, de bom funcionamento matrimonial. Um grande especialista em terapia matrimonial, Aaron T. Beck, escreveu um livro intitulado Con el amor no basta. Insiste em que os problemas de um casal se gerem melhor se em vez de uma confrontação, houver diálogo, perdão, mudanças pessoais, porque a mudança para melhor do esposo/a ­dar-se-á se for eu o primeiro a mudar. O amor romântico tem um tempo de vida. Quando os problemas aparecem é apenas a maturidade humana, expressa no saber dialogar, dar carícias psicológicas, 18

Cfr. Papa Francisco, Amoris laetitia, núm. 211. 11


perdoar, escutar ativamente… que resolve as situações difíceis. E é isto que pensa o Papa Francisco quando afirma que as famílias “não são um problema, são principalmente uma oportunidade.”19

19 12

Cfr. ibidem, núm. 7.


1. Elabora o teu projeto matrimonial durante o teu namoro

O Papa Francisco diz…

“Os Padres Sinodais disseram de diversas formas que temos de ajudar os jovens a descobrir o valor e a riqueza do matrimónio… Do mesmo modo, pôs-se em relevo a necessidade de programas específicos para a preparação próxima do matrimónio que sejam uma autêntica experiência de participação na vida eclesial e aprofundamento nos diversos aspetos da vida familiar… para eles próprios…”20

No mesmo sentido insiste João Paulo II na Exortação Apostólica Familiaris Consortio.21 Fala da necessidade de melhorar os programas de formação pré-matrimonial. “A preparação do matrimónio deve ser vista e realizada como um processo gradual e contínuo. Com efeito, supõe três momentos principais: A preparação próxima é uma espécie de catequese onde não devem faltar temas que orientem para viver em harmonia a vida a dois, que ajudem a viver a relação interpessoal, os problemas da sexualidade, a escuta ativa. Neste livro insistimos nesta linha, pois quanto mais o ser humano for aperfeiçoado, mais se aproxima do Evangelho. O Senhor torna-se também presente aí. Este livro aprofunda mais a dimensão antropológica que a catequética. A preparação imediata deve insistir mais na preparação para o sacramento.

E acrescenta: “Delinear juntos o projeto de família no início do nosso caminho em comum é um bom seguro de vida para o futuro… Mas 20

Cfr. Papa Francisco, ibidem, núm. 205.

21

Cfr. João Paulo II, Familiaris Consortio, núm. 66. 13


não é menos desafiante atualizar esse projeto inicial para um casal que já percorreu um bom trecho do caminho”.

Missão, visão e valores

As empresas procuram deixar bem clara a missão, a visão e os valores pelos quais se guiam em relação ao cliente. É o seu projeto. Este critério é também aplicável ao matrimónio. A preparação para formar “a empresa matrimonial” é pobre. Considero fundamental preparar-se para esta experiência. Na preparação penso que falta o projeto de família que deve orientar as relações do casal. O namoro é o tempo ideal para iniciar este trabalho. É um quadro de referência importante a que se deve aceder em momentos de dificuldade ou de necessidade de esclarecimento. O matrimónio é um projeto em comum entre duas pessoas. Por isso, é fundamental traçar um projeto realista e avaliável que mantenha o casal unido. Para a sua realização, pode-se seguir o esquema de missão, visão e valores ou o que parecer melhor. Há um princípio fundamental que se deve ter em conta. No matrimónio há momentos maus, dificuldades, problemas, dor, desamor… mas o importante é dirigir a nossa atenção, mais do que para o mau, para o bem que tem a experiência matrimonial. E aqui desempenha um papel importante a nossa atitude perante o que vivemos. Pode-se viver a vida a dois a partir de uma atitude negativa ou positiva. Esta última constrói o matrimónio; a outra, destrói-o. O matrimónio depende de se conseguir evitar uma instalação na vitimização, no ressentimento, na queixa, no hedonismo, no orgulho, no rancor, na preguiça. A vida a dois não nos pode tornar infelizes, porque a felicidade é um estado interior que apenas depende de cada um. Ninguém tem o poder de me tornar feliz. Ninguém tem a chave da minha desdita. Sou o único responsável da minha própria felicidade. Muitos matrimónios 14


fracassam quando, passada a miragem do enamoramento, o casal não é capaz de aceitar este facto.22 Mas a nossa atitude exige uma preparação antes e ao longo do matrimónio.

A missão

A missão põe em evidência os aspetos que devem ser modificados ou aperfeiçoados, aqui e agora. A missão visa o presente procurando melhorar o desempenho. Aplicada ao matrimónio a missão equivale a estudar o que se pretende ser precisamente enquanto casal; a ideia que se tem, aqui e agora; o que diferencia o vosso casal de outros casais; o número de filhos; a sua educação… Daí a necessidade de ambos se sentarem e esclarecerem o sentido do próprio matrimónio, os aspetos que devem ser modificados, como melhorar ou organizar a própria vida para que o casamento seja uma experiência de amor. É importante, durante o namoro, esclarecer se sois compatíveis ou não como par. Não se deve deixar este estudo para depois de se casar. Cada pessoa tem o seu próprio estilo de vida, os seus costumes, os seus hábitos. Para que a relação seja duradoira, deves escolher uma pessoa compatível contigo a nível intelectual e cultural, situação laboral e financeira, critérios sobre a ordem e a limpeza da casa; objetivos e projetos profissionais; hábitos relacionados com a saúde e o cuidado pessoal; inclinações e vida social; espaço próprio, crenças políticas e religiosas; relação com as famílias de origem, desejo de ter filhos… Uma maior coincidência faz com que haja mais possibilidades de duração do casal.23 E deve-se também pensar na compatibilidade sexual. “O próprio Deus criou a sexualidade que é um presente 22

Cfr. Joan Garriga, o, c., pp. 27-28.

23

Cfr. Monserrat Ribot, Amor de verdad, pp. 88-89. 15


maravilhoso às suas criaturas… S. João Paulo II nunca aceitou que o ensino da Igreja conduzisse a ‘uma negação do valor do sexo humano’ ou que simplesmente fosse tolerado pela necessidade de procriação. A necessidade sexual dos esposos não é objeto de menosprezo, e não se pode, de forma alguma, pôr em questão essa necessidade.”24

A visão

Define as metas que pretendemos atingir no futuro, e onde queremos chegar. A visão tem de definir em poucas linhas a situação futura que o casal deseja alcançar no casamento. Tem de ser uma situação realmente exequível com o passar do tempo, e deve-se lutar para a conseguir. As metas têm que ser realistas e possíveis de alcançar. A visão é como o sonho do casal; é uma declaração de aspiração a médio ou a longo prazo; é a imagem de futuro, de como desejamos que o casal seja mais tarde. É o sonho que tenho de tornar realidade aos dez, vinte, trinta… anos de casados. É aquilo a que aspiro. É o objetivo ideal e final a atingir.

Os valores

Os valores são as crenças e os princípios morais que sustentam a cultura do casamento. Os valores devem ficar claros. Este é um trabalho a desenvolver antes de dar o sim prévio ao matrimónio. É como uma espécie de exame de consciência que pode clarificar muitas coisas e orientar o futuro do casal. É bom que ambas as partes arranjem um momento para pensar nisto, para refletir por escrito sobre os valores que deverão presidir às vossas relações, à educação dos vossos filhos. Não convém escolher muitos. Aqueles que podem ser para 24

Cfr. Papa Francisco, Amoris laetitia, núm. 154.

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vós faróis que orientem e guiem a vossa relação enquanto casal. Devem ser procurados os que vos parecem ser primordiais para caminhardes juntos no crescimento do vosso casamento. Os nossos valores são a síntese do que nos enriqueceu na nossa história pessoal. Não é necessário que os valores de ambos coincidam, mas que não entrem em conflito com os do outro e que cada um respeite os do seu parceiro. É também necessário esclarecê-los individualmente e como casal. Um exercício prático para escolher os valores, pode ser este: xx Tomai uma lista de valores. Colocai esta expressão na Internet e encontrareis vários modelos. Escolhei o que mais vos agradar. xx Lede com atenção cada um dos valores e escolhei cinco que sejam significativos para cada um de vós. Ordenai-os hierarquicamente, sendo o primeiro o mais importante. xx O passo seguinte é conhecer os valores do teu possível parceiro. xx Em diálogo, procurai escolher juntos cinco que orientem as vossas vidas. Se vires que os princípios éticos são completamente diferentes dos teus, é aconselhável que não percas tempo com essa pessoa.25 Desenvolver o projeto de matrimónio é muito importante. Uma vez pensado, é necessário pô-lo por escrito, para que o vosso casamento tenha critérios comuns que foram refletidos e rezados. A elaboração e reflexão exigem tempo. 25

Cfr. Monserrat Ribot, o. c., pp. 78-80. 17


Dedicar o tempo que for preciso, num local recolhido, para dialogar sobre o vosso projeto, é muito necessário.

Um modelo judaico: o ketubach

Esta fórmula não é nova nem inovadora. Já os judeus a utilizavam. O ketubach é o velho contrato matrimonial judeu. Determinava as obrigações do marido para com a esposa e vice-versa. O resultado final do procedimento é um acordo escrito dos pontos que vos comprometeis a levar a cabo para que o vosso casamento funcione e perdure. Mas o mais importante não é o contrato em si, mas o conhecimento, a negociação e o compromisso que tem lugar durante o processo de formulação do mesmo. O contrato deve reger-se por três princípios básicos: xx O primeiro é o diálogo que deve ser aberto, sincero e livre. xx O segundo, o conteúdo que deve ser simples, claro, concreto e avaliável. xx O terceiro, ser vantajoso para cada um de vós. As duas partes devem sentir que ganharam algo que valoriza a relação dentro do matrimónio. A finalidade do contrato é dupla. Primeiramente, o diálogo entre as partes ajuda a ver o que cada um quer do outro, assim como o que cada um está disposto a dar ao outro. Em segundo lugar, ensina a utilizar o contrato como uma ferramenta de solução de problemas, a aprender a lidar com o conflito no presente e no futuro.

Um método atual

Convém utilizar uma metodologia adequada. Uma pode consistir em aplicar os termos missão, visão e valores em consonância com o que ficou dito atrás. Outra, fazer uma análise SWAT ou DAFO (debilidades, ameaças, forças e oportunida18


des) ao conhecimento pessoal e do casal. Para melhorar a relação de casal, tendo em conta que as conclusões devem ter uma finalidade construtiva. O primeiro passo que se deve dar é começar o trabalho pelas forças ou pontos fortes. Realçar coisas boas que vemos em nós e no nosso parceiro. A psicologia positiva critica o facto de se ter empregue demasiado tempo a trabalhar as patologias, os defeitos, em vez de sublinhar o positivo das pessoas. Muitas vezes se pensou que, corrigindo os defeitos, as coisas se comporiam, mas o melhor caminho é outro: fortificar o que temos de bom. Num segundo momento, convém analisar algumas debilidades que temos como pessoa no que respeita a uma relação, às próprias e às do nosso parceiro. São tendências negativas que marcam as nossas vidas e que é bom repensar antes de começar o matrimónio. Trata-se de nos conhecermos pessoalmente melhor para aperfeiçoar os nossos pontos débeis. Não se pretende acusar a outra parte, mas reproduzir fotograficamente aqueles pontos suscetíveis de aperfeiçoamento que devem ser trabalhados por cada uma das partes. É uma atitude preventiva que pode melhorar a relação presente e futura, tendo bem claro que o objetivo não é a procura dos defeitos do outro, e sim o de o ajudar a crescer. Num terceiro momento, é bom examinar conjuntamente as oportunidades e possibilidades que vos oferece o casamento, porque uma vez reconhecidas, vão fortalecer a relação. Essas oportunidades devem converter-se em ­fortalezas. O matrimónio é uma oportunidade para o diálogo, o encontro, o perdão, a comunhão… Oferece oportunidades interessantes. Em quarto lugar, as ameaças. É conveniente conhecer os perigos, as dificuldades, os medos, os problemas que podem surgir. É importante e necessário um exame de cons19


ciência. Não se trata de exagerar, mas de conhecer possíveis perigos que a relação futura entre ambos pode proporcionar para encontrar preventivamente remédio. Conhecer os perigos ajuda-nos a evitá-los.

Uma sugestão

Seria interessante que este esforço de reflexão se escrevesse num documento e que no dia do casamento se lesse a parte que se julgasse mais conveniente, e que se assinasse publicamente no altar. Seria um apoio muito positivo para os momentos normais de crise que possam aparecer em cada etapa do matrimónio. Se não fizestes este projeto no início do matrimónio, fazei-o agora no momento em que estais. Esse projeto pode orientar a vossa vida futura e no documento deveria constar tudo quanto vos poderá tornar felizes, a um e a outro. Poderia começar assim: eu, N. comprometo-me a… Eu, Y, comprometo-me a... Selai-o com um beijo, carícias, agradecimentos, sempre que o cumprirdes.

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Índice Introdução................................................................................ 3 01. Elabora o teu projeto matrimonial durante o teu namoro............................... 13 02. Enamora-te de ti ............................................................. 21 03. Não pretendas mudar o outro, muda tu....................... 28 04. Conhece as “estações do casamento”........................... 36 05. Compreender que a mulher e o homem são diferentes.............................................. 45 06. Aprende a comunicar melhor com o teu parceiro....... 53 07. Resolve os conflitos com o teu parceiro o quanto antes........................................ 59 08. Luta por ser positivo....................................................... 68 09. Dá ao teu matrimónio um sentido cristão.................... 75 10. Escuta ativamente o teu parceiro................................... 82

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10 critérios para

José Antonio San Martín

que o teu casamento funcione Um velho marinheiro dizia que o matrimónio é como a partida de um navio: o importante não é a saída do porto, mas o começo de uma viagem por mares desconhecidos. No relacionamento do casal, mais cedo ou mais tarde, haverá momentos de crise que parecerão difíceis de ultrapassar. Fazem parte da convivência conjunta e não devem assustar o par. Devem estar conscientes disso, para que, perante as dificuldades, possam canalizar adequadamente os esforços num processo de amadurecimento da vida do casal. As sugestões que apresentamos neste livro visam fortalecer o casamento. Têm como fonte a carta do Papa Francisco Amoris Laetitia e especialistas em terapia matrimonial. São critérios que não se podem dar por adquiridos. Terão de ser trabalhados ao longo da vida para tornar o casamento mais fácil e duradouro.

José Antonio San Martín é salesiano sacerdote. É Licenciado em História (Univ. Oviedo), em Teologia Pastoral (Univ. Pontifícia de Salamanca, sede de Madrid), área na qual tem, também, um Doutoramento. É Mestre em Aconselhamento e Mediação Familiar pela Universidade Pontifícia de Comillas (Madrid). Orienta cursos para educadores e professores na área da educação e é autor de diversos livros publicados pela CCS (Espanha). Em Portugal, as Edições Salesianas publicaram o seu livro “10 critérios para ser mais positivo”.

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casamento funcione

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