A proposta de Jesus - Viver em plenitude

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Domingo J. Montero

A Proposta

Viver em plenitude


Ficha Técnica © Domingo J. Montero © 2018 Edições Salesianas Rua Duque de Palmela, 11 4000-373 Porto Tel: 225 365 750 Fax: 225 365 800 www.edisal.salesianos.pt edisal@edicoes.salesianos.pt Publicado em Janeiro de 2018 Tradução: Aníbal Afonso Capa: Paulo Santos Paginação: João Cerqueira Impressão e acabamentos: Print Group ISBN: 978-989-8850-53-9 D.L.: 433230/17


Domingo J. Montero

A proposta de Jesus: Viver em plenitude



APRESENTAÇÃO

As reflexões deste livro, surgidas de encontros de formação permanente e da animação com grupos de leigos integrados em projectos de animação pastoral e espiritual, oferecem sugestões para animar a vida e vivê-la em plenitude segundo o projecto de Jesus; Ele é o Mestre que nos diz: Aprendei de mim (Mt 11, 29) a viver a vida, a dar vida e a dar a vida. Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância ( Jo 10, 10). É assim que Jesus apresenta o objectivo da sua vinda ao encontro do homem: vitalizá-lo com a sua vida, que não é outra senão a de Deus. Porque Deus não é uma doutrina, mas vida. Deus é o Deus vivo ( Jer 10,10) e o amigo da vida (Sab 11, 26); que não Se alegra com a morte – com nenhum tipo de morte (Ez 18, 32). E que, além disso, não quer coveiros (Mt 8, 22) nem ­carpideiras (Lc 8, 52; 23, 28), mas semeadores e cantores da vida. Não deveríamos esquecer isto nunca! E o Deus vivo, o amigo da vida, quer que o homem viva. A glória de Deus é que o homem viva, escreveu santo Ireneu no seu ­Tratado contra as heresias. Não uma vida raquítica, parada ou hipotecada. Deus, fonte de água viva ( Jer 17, 13), convida os homens em Jesus a aproximarem-se e saciarem nessa fonte a sua sede de vida ( Jo 4, 10.14). ­Procurar as fontes de vida verdadeira é a vocação, a sede que Deus semeou no coração do homem: Como o veado procura as correntes das águas, assim meu Deus te procura todo o meu ser. Tenho sede de Deus, do Deus vivo (Sal 42, 2-3). Confundir essa fonte com outras correntes de água é o drama mais frequente e mais penoso que aflige Deus e empobrece o homem: O meu povo cometeu um duplo crime: abandonou-me a mim, nascente de água viva, e construiu para si cisternas rotas, que não podem reter as águas ( Jer 2, 13). 5


Viver a vida e bebê-la da sua fonte original é o grande contributo que Jesus nos traz: Quem beber da água que eu lhe der, nunca mais terá sede; a água que eu lhe der ­converter-se-á em fonte de água que dá a vida eterna ( Jo 4, 14), por isso, se alguém tem sede (de vida), venha a mim e beba… De seu seio nascerão rios de água viva ( Jo 7, 38).

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1 É preciso viver a vida


Não é uma proposta consumista para consumir a vida, mas uma proposta criativa para consumar a vida. Não é um convite hedonista a delapidar a vida, mas um convite a construí-la solidamente. Porque a vida é mais projecto do que produto. E que vida? Porque há vidas que não são vida. É preciso identificar a vida. E, como não há identidade sem referência, coloca-se a pergunta: quem ou qual é a referência da vida? Haverá, certamente, respostas distintas. Para o cristão, a resposta não admite dúvidas: Aquele que se propôs a si mesmo como a VIDA, Jesus Cristo – Eu sou a Vida ( Jo 14, 6). S. Paulo, a esta pergunta respondeu sem titubear: Para mim a vida é Cristo (Fil 1, 21). Não se trata de nenhum slogan publicitário, nem de nenhuma afirmação retórica ou precipitada. É uma proclamação vivenciada, existencial: Enquanto vivo neste mundo, vivo da fé no Filho de Deus que me amou e Se entregou por mim (Gal 2, 20). Noutra ocasião, afirmará que tudo deve ficar incluído neste ­projecto: Quer comais, quer bebais, fazei – vivei – tudo para glória de Deus (1Cor 10, 31). E no mesmo sentido se expressou Simão Pedro: A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna ( Jo 6, 68). E, para viver essa Vida é preciso ver como a viveu a própria Vida. Cristo viveu a sua vida em tom pro-existencial. Uma vida descentrada, polarizada por duas referências constituintes: o Pai – Vivo pelo Pai ( Jo 6, 57) –, dimensão que se consolida na oração, e os homens, dimensão que se verifica no serviço – O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgate de muitos (Mt 21, 28). O Pai como origem e o

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homem como destino. ­Privilegiando os humildes, os pobres, os marginalizados, os “sem vida”. Por isso, saber situar o homem, especialmente o pobre e marginalizado, no centro do projecto vital, é uma garantia para saber se estamos alinhados com a opção de Jesus. Não para idealizar a vida, mas para a encarnar. Para viver cristãmente a vida, é preciso subir ao monte das Bem-aventuranças, e assumir o paradoxo programático de Jesus: converter em significativo o irrelevante, o mais pequeno (Mt 11, 25-27). Uma opção que já S. Paulo traduziu para os cristãos de Corinto, que procuravam a significância em outros espaços (1Cor 1, 26-30). É essa menoridade o nosso espaço e o nosso projecto de vida? Também é preciso subir ao monte Calvário, porque é aí que se descobre a verdadeira identidade de Jesus e do seu Deus. É preciso viver a vida de Jesus com a sua paixão pela vida e com os instrumentos da sua paixão. É preciso recuperar, porque dá a impressão que se perdeu, a paixão pelo Deus da cruz, e fazer d’Ele o verdadeiro centro da vida pessoal e ­comunitária. Porque há quem viva como inimigo da cruz de Cristo (Fil 3, 18). As consequências desta opção são imensas para a antropologia, a eclesiologia, a ética, a política… Quem quiser salvar a sua vida há-de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, ­salva-la-á (Mc 8, 35). É preciso saber perder… mas não por qualquer causa nem a qualquer preço. Jesus apresenta os únicos motivos que legitimam esta perda: por Mim e pelo Evangelho. E Jesus e o Evangelho não podem identificar-se com qualquer projecto de vida. Porque há projectos que se dizem e­ vangélicos, mas não o são. O projecto de vida de Jesus traz riscos importantes. O projecto de Jesus explodiu-Lhe nas mãos. Tomai cuidado, para que ninguém vos desencaminhe! (Mt 24, 4). Apenas por isto – por Cristo e pelo Evangelho – Francisco de Assis ­assumiu o risco de “sair do mundo” (Testamento). Só por isto Paulo considerou tudo como lixo (Fil 3, 8). É preciso saber “perder” sem claudicar. É preciso saber arriscar: Sois capazes…? (Mc 10, 38). 9


Jesus veio oxigenar a vida, desencaixotá-la, ­abrindo-a a espaços até então impensáveis. Por isso, privilegiou os caminhos e o ar puro, em contraste com os espaços rituais do Templo e da Sinagoga. Decidiu-se pelo existencial face ao ritual, pela misericórdia frente ao sacrifício. Preferiu a geografia dos pobres – o mundo rural – aos poderes oficiais da cidade. Em Jesus, tudo é significativo, até as opções geográficas. Qual é a nossa geografia? E, sobretudo, situou a essência da vida no amor (Mc 12, 30-31). Onde há amor não há temor (1Jo 4, 18). Onde há amor há vida e onde há vida há amor. Jesus reivindicou o direito a viver em liberdade e em verdade a quem quisesse… (Mc 8, 34). Não Se impôs, propôs-Se. Confrontou o homem com a necessidade de agarrar a vida em suas mãos, proibindo que outros vivam a vida em seu lugar, convidando-o a um discernimento pessoal e arriscado: Porque não julgais vós mesmos o que é justo? (Lc 12, 37) Jesus veio dizer-nos que viver a vida em liberdade não é fácil. Mas deixou-nos claro que a facilidade não é critério de verdade nem de vida. Para o cristão, o único critério de verdade e de vida é a “sua” cruz, expressão do seu amor ao homem, à vida e à liberdade. De nada me quero gloriar a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo (Gal 6, 15). A vida é imprevisível e é preciso vivê-la com ­espírito aberto, crítico, contemplativo. A vida deve ser ouvida, escutada e contemplada, porque a vida é também “palavra de Deus”. E no seu fluir há sempre lugar para a surpresa. É necessária uma leitura profética, contemplativa, tal como sugerido por Isaías diante da tentação fixista e nostálgica de viver amarrados ao passado e ao “sempre foi assim”: Vou realizar algo de novo, que já está a aparecer: não o notais? (Is 43, 19) A vida, enquanto vida, não pode parar: é preciso competir nela com entrega generosa, com espírito desportivo, como sugeria S. Paulo (Fil 3, 14). Viver a vida não é apenas um direito; é também um dever. E vivê-la pessoalmente, a partir de dentro, sem outra referência que não seja a Verdade, 10


porque só a Verdade nos fará livres ( Jo 8, 32). E vivê-la felizes. Foi para ser livres – e felizes – que Cristo nos libertou (Gal 5, 1). Deus dá-nos a vida não para a consumir, mas para a consumar; não para a fechar, mas para a abrir; não para a conservar, mas para a entregar; não para a enterrar, mas para a semear; não para a ocultar, mas para a mostrar. Deus dá-nos o dom da vida para fazermos dela um dom!

A coragem de fazer perguntas 1. Vivo ou consumo a vida? 2. Em que tons a vivo? 3. A partir de uma auto-referência egoísta ou na referência a Deus e ao próximo? 4. Comenta: Deus dá-nos a vida não para a consumir, mas para a consumar; não para a fechar, mas para a abrir; não para a conservar, mas para a entregar; não para a enterrar, mas para a semear; não para a esconder, mas para a mostrar. Deus deu-nos a vida para que f­açamos dela um dom. 5. O que é que as pessoas pensam sobre disto? 6. E tu, que dizes?

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2 Como viver a vida?


A vida tem de ser vivida! Mas como? Há tantas propostas! A partir da referência a Jesus, sugiro algumas, sem a pretensão de ser exaustivo. Mas antes de mais, esclareço que não se trata de atitudes “espiritualistas”. Os enunciados que se seguem devem viver-se a partir dos horizontes da vida concreta. Jesus não foi nada espiritualista. N’Ele, tudo é “encarnação”. E a encarnação define todo o seu projecto. A sua vida percorreu os caminhos mais próximos do realismo, desde o nascimento até à morte: Ele foi provado em tudo como nós, excepto no pecado (Heb 4, 15). Assumiu e desceu às zonas mais escuras do homem, o pecado, pois aquele que não conheceu o pecado, Deus O fez pecado por nós (2Cor 5, 21). E se é certo que o pecado não teve n’Ele morada, Ele fez-Se pecado, desactivando o seu poder de morte e libertando a vida das suas sequelas destruidoras e desumanizadoras, pois o aguilhão da morte é o pecado e a força do pecado… Mas sejam dadas graças a Deus que nos dá a vitória por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo (1Cor 15, 56-57). Jesus é encarnação em duas dimensões. Encarnou a Deus no homem e os homens em Deus. Encarnou a Deus na vida dos homens e encarnou os homens na vida de Deus. A encarnação não é só uma verdade teológica; é real, histórica, personalizada em Jesus de Nazaré. Falando humanamente, porque imperfeita é a nossa ciência (1Cor 13, 9) e a nossa linguagem, poder-se-ia dizer que a “encarnação” dotou Deus de novas possibilidades, permitindo-Lhe viver não só “divinamente”, mas também “humanamente”.

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Em Jesus, Deus experimenta a vida dos homens a partir de dentro: amou com amor humano, sofreu com dor humana, chorou com lágrimas de homem, gozou com alegria humana… Isto permitiu-Lhe ver a vida com olhos de homem. Até então, Deus tinha olhado para o homem “de fora” e “de cima”; em Jesus olha-o “de baixo”, “de dentro”. A encarnação permitiu a Deus assumir um novo estilo de vida e até um novo ponto de vista. E também o homem saiu enriquecido, porque desde o homem-Jesus, o homem já não vê a Deus desde “fora”, mas desde “dentro”; já não somos chamados a viver só “humanamente” mas “divinamente”. A Encarnação de Deus enriqueceu-nos a todos. A encarnação inaugura pois um novo modo de viver para Deus e para o homem. Por isso a vida não pode viver-se senão a partir dessa plataforma e a partir dessa referência: Jesus Cristo.

A coragem de fazer perguntas 1. Jesus Cristo entra na minha vida como uma referência consciente? 2. Que visão tenho da encarnação de Deus? 3. Como encarno na minha vida os sentimentos que teve Cristo (Flp 2, 5)? 4. Comenta: A encarnação não é apenas uma verdade teológica, mas histórica, personalizada em Jesus de Nazaré. Falando humanamente poderia dizer-se que a “encarnação” dotou a Deus de novas possibilidades, permitindo-Lhe viver não só “divinamente”, mas também “humanamente”. Em Jesus, Deus experimenta a vida do homem a partir de dentro: amou com amor humano, sofreu com dor humana, chorou com lágrimas de homem, gozou com alegria humana…Permitiu-Lhe ver a vida com olhos de homem.

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Até então, Deus tinha olhado para o homem com olhos “de fora” e “desde cima”; em Jesus olha-o “desde baixo” e “desde dentro”. A encarnação permitiu a Deus assumir um novo estilo de vida e até um novo ponto de vista. E o homem também saiu enriquecido porque, desde o homem-Jesus, o homem já não vê a Deus “desde fora”, mas “desde dentro”: já não somos chamados a viver apenas “humanamente” mas “divinamente”. A encarnação de Deus enriqueceu-nos a todos! 5. Que diz a gente a isto? 6. E tu, que dizes?

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2.1 Desde dentro

Para viver, precisamos de interioridade e intimidade. Só a interioridade oferece a verdadeira perspectiva e só ela é o espaço da verdade. Jesus cultivou-a pessoalmente (Lc 5, 15-16; Mt 14, 23) e ­recomendou-a (Mt 6, 5-6). Não é possível viver a partir da exterioridade, da opinião, da publicidade ou da estatística. E isso não é um convite a “emudecer” a vida, a viver ­encerrados, isolados, em fuga permanente. É antes um convite a, ­superando pressas e impressões efémeras, penetrar nela, porque a vida tem interioridade. A escutá-la, porque tem palavra, fazendo dela uma leitura/ escuta serena, profunda e crente. Na “hora” da internet, das “redes sociais” e da publicidade descontrolada, numa sociedade contraditória que, por um lado reivindica com força o direito à intimidade, à privacidade frente à agressão inquisitorial, fiscalizadora ou simplesmente curiosa e que, por outro lado, se entrega vorazmente a visionar programas televisivos e publicações onde reina o exibicionismo mais descarnado e descarado, esta chamada à intimidade pode parecer, no mínimo, descontextualizada e extemporânea. Contudo, é oportuna e adequada, porque necessitamos de ir contra a corrente, para não sermos engolidos pela voragem de exterioridade que ameaça diluir e confundir as tonalidades mais autênticas da vida. São precisos espaços de intimidade para viver o essencial e torná-lo visível. Em tudo isto há algo que frequentemente se esquece: a intimidade não é só um direito, mas um dever. É preciso sermos íntimos; é preciso termos intimidade. Não existe apenas o direito a não ser revelado, descoberto pelos outros, mas o dever de não instigar os outros com o próprio exibicionismo de qualquer tipo que seja: ideológico, comercial, sexual… O direito à intimidade não é um biombo que se fecha ou abre ao sabor dos caprichos, nem um instrumento legal para comercializar fotos exclusivas; 17


é um direito correlativo ao dever de ser íntimos. É a resposta à necessidade que o homem tem de respeito, silêncio e dignidade para a sua vida. É a proclamação de que existem dimensões da pessoa que, fora desse espaço e desse clima, se banalizam e desfiguram. É o protesto contra a imposição de uma cultura sensorial, de tactos e contactos epidémicos e transitórios, cada vez menos respeitadora das dimensões íntimas da vida pessoal e familiar. Não se trata de voltar aos tabus do passado, de adoptar posições obscurantistas. Trata-se simplesmente de recordar a importância de que o homem não se converta em pura exterioridade e espectáculo. Trata-se de reclamar a protecção de um direito/dever imprescindível para viver em l­iberdade. E, já que estamos a recordar, não esqueçamos que a intimidade é um dos atributos de Deus – Tu és um Deus escondido (Is 45,15) – reserva para os rectos a sua intimidade (Pro 3, 32). “Mais íntimo a mim mesmo que a minha própria intimidade”, dizia santo Agostinho.

A coragem de fazer perguntas 1. Tenho intimidade? 2. Cultivo-a? 3. Escuto a palavra de vida? 4. Comenta: Não é possível viver da exterioridade, da opinião, da publicidade ou da estatística. E isso não é uma chamada a “emudecer” a vida, a viver encerrados, isolados, em fuga permanente, é antes um convite a, superando pressas e impressões efémeras, penetrar nela, porque a vida tem interioridade, a escutá-la porque tem palavra, fazendo dela uma leitura/escuta serena, profunda e crente.

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E, já que estamos a recordar, não esqueçamos que a intimidade é um dos atributos de Deus – Na verdade, Vós sois um Deus escondido (Is 45, 15) – que tem a sua intimidade com os retos de coração (Prov 3, 32). “Mais íntimo a mim mesmo que a minha própria intimidade”, dizia S. A­ gostinho. 5. O que é que a gente diz disto? 6. E tu, que dizes?

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2.2 Com intensidade

É preciso “apurar” a vida. Para a viver, é preciso bebê-la até à última gota. Porque, por vezes, o mais precioso encontra-se no fundo do copo. E a intensidade não reside na quantidade dos actos mas na qualidade das atitudes. Nenhum momento deve ser esquecido nem descuidado. E, menos ainda, os momentos finais. Os anos vividos dão-nos razão, mas também no-la tiram. O ritmo vital deve manter-se até ao fim. Enquanto houver vida, ela deve ser vivida intensamente. Sem rotinas, sem precipitações, sem hipotecas ao passado. Nenhum momento deve ser desvalorizado nem vivido precipitadamente, porque nada na vida é irrelevante. Cada momento é decisivo e forma parte desse precioso abecedário com que escrevemos a palavra Vida. Uma intensidade que afecta não só os seus ritmos, mas também os seus conteúdos. Por isso, ela deve ser vivida lúcida, intensa e apaixonadamente. Jesus é contrário às posturas tíbias; prefere a audácia à “prudência”. A sua proposta supera a lógica do razoável. Ele viveu intensamente, mas não apressada nem precipitadamente. A superficialidade anula e esvazia de profundidade o projecto de Deus. Superficialidade é viver na aparência – Jesus falava de sepulcros caiados (Mt 23, 27), de hipocrisia (Mt 23, 13ss). E a aparência, além de enganosa, é débil. A aparência não resiste aos embates do tempo; desmorona-se. O superficial é um “funcionário” do exterior: da moda, do consumo, da opinião. Presta mais atenção ao espelho e ao eco do que à verdade. Cuida mais do físico do que do espírito. Olha mais à sua volta do que para o seu interior. Vive mais da “circunstância” do que do “eu” criticamente discernido. Viver intensamente implica não só “esgotar” a vida, mas “esgotar-se” nela: convertendo-a em serviço fraterno, gratuito até, à maneira de Jesus, derramar a última gota do próprio sangue ( Jo 19, 34). 20


E isto não é poesia. Encarnam-no os que, vencendo o temor ao contágio, entregam a sua vida para dignificar e curar outras. Os que deixam de lado o seu bem-estar pessoal e social para habitar e tornar habitáveis espaços estigmatizados pela miséria, pela violência, pela exclusão social… Essa vida, vivida com intensidade, contrasta com o hedonismo superficial daqueles que apenas descobrem vida onde há bem-estar. Viver intensamente é viver o hoje e o agora. Superando a tentação de viver “revivendo” o passado ou do passado. É viver esperando, sonhando com o futuro. Nenhuma das dimensões é “manejável”. O passado não voltará – e não podemos voltar a ele – e o futuro não virá – é preciso ir ter com ele; não temos que sonhá-lo, mas construi-lo. É no presente que acontece a vida e se avalia a qualidade do passado e as possibilidades do futuro. É “hoje” que devemos escutar a voz do Senhor, que é a voz da vida, e oxalá a escutemos de verdade! (Sl 95, 7).

A coragem de fazer perguntas 1. Com que intensidade vivo a minha vida? 2. Com o e que é que a encho? 3. A partir de onde a vivo? 4. Comenta: A vida tem de ser vivida sem rotinas, sem precipitações, sem hipotecas do passado. Cada momento é decisivo e forma parte desse precioso abecedário com que escrevemos a palavra VIDA. Viver intensamente implica não só “esgotar” a vida, mas “esgotar-se nela”: convertendo-a em serviço fraterno, gratuito até, como Jesus, derramar a última gota do próprio sangue ( Jo 19, 34) 5. Que diz a gente disto? 6. E tu, que dizes? 21


2.3 Evangelicamente

Para isso é preciso evangelizar a vida de cada dia e cada dia da vida; evangelizar cada momento, cada opção, abertos ao Evangelho e com o Evangelho aberto. Porque, dar a vida já como evangelizada pode ser o primeiro passo para que a vida deixe de ser evangélica. A credibilidade evangélica joga-se em cada presente. Não se legitima a partir de opções tomadas no passado. O teste de vitalidade deve responder à fidelidade no hoje. É preciso desinstitucionalizar a vida, para a personalizar. É preciso oxigená-la, aspirá-la e respirá-la, abrindo-a aos horizontes e às opções preferenciais do Evangelho: os insignificantes, os marginais e marginalizados, os vulneráveis. Isto é, abri-la às presenças vivas sacramentais e encarnadas do Senhor (Mt 25, 31-44). É preciso recuperar a geografia humana do Evangelho. São esses os ares que respiramos e os espaços onde habitamos? Abrir o Evangelho em todos os momentos da vida e abrir-se ao Evangelho em todos os momentos da vida é o primeiro nível ou grau do ser evangélico. Viver no santo Evangelho é o melhor modo de viver o santo Evangelho. Convertê-lo não só em projecto, mas em espaço vital. Sem essa evangelização prévia, pessoal, os nossos anúncios evangélicos, os nossos projectos evangelizadores, serão inúteis. Pelo menos para nós. Trata-se de um perigo real que já S. Paulo previu: Não aconteça que tendo pregado aos outros, venha eu próprio a ser eliminado (1Cor 9, 27). Esta abertura ao Evangelho deve suceder a partir de situações profundas, de perguntas sérias. Para tanta gente, o encontro frequente, mesmo diário, com o Evangelho é existencialmente irrelevante, insignificante. Irrelevância e insignificância que talvez não sejam outra coisa senão a consequência da superficialidade.

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O Evangelho é profundo e requer profundidade: Àquele que tiver lhe será dado; mas ao que não tiver ser-lhe-á tirado mesmo o que julga possuir (Lc 8, 18) Nos evangelhos há dois tipos de encontros com Jesus: o daqueles que buscam histórias, espectáculo (Lc 4, 23) e os que perguntam “que devo fazer” (Mc 10, 17). Aos primeiros, Jesus despede-os com respostas ­inesperadas: Esta geração malvada e adúltera pede um sinal… (Mt 12, 39). Aos segundos, acolhe-os com carinho (Mc 10, 21) e faz-lhes a proposta: Se quiseres… (Mt 19, 16). No Evangelho não há minúsculas. Tudo é maiúsculo como Jesus. Até um copo de água fresca dado em seu nome adquire ressonâncias eternas (Mt 10, 42). Não podemos fazer uma compreensão e uma vivência minúscula do Evangelho! Viver a vida evangelicamente é vivê-la como “boa nova”, substantivando os dois elementos: a bondade e a novidade. Tal como Jesus viveu o Evangelho vivo. Assim o entenderam os seus contemporâneos: como bom (Mc 10, 17) e como novo (Mc 1, 27). Viver evangelicamente exige a renovação da vida, porque o que era antigo passou; eis que surgiram coisas novas (2Cor 5, 17). A fidelidade ao Evangelho não pode reduzir-se a uma fidelidade textual; pede mergulhar nos seus tons mais profundos para, a partir daí, interpelar e interpretar a vida.

A coragem de fazer perguntas 1. Vivo a vida como Evangelho? 2. A minha vida é evangélica? 3. Evangelizo a vida?

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4. Comenta: É preciso desinstitucionalizar a vida, para a personalizar. É preciso oxigená-la, aspirá-la e respirá-la, abrindo-a aos horizontes e às opções preferenciais do Evangelho. Abrir o Evangelho em todos os momentos da vida… E abrir-se a partir de situações profundas, de perguntas sérias. Viver evangelicamente supõe a renovação da vida, porque o que era antigo passou; eis que surgiram coisas novas (2Cor 5, 17). 5. O que diz a gente a isto? 6. E tu, o que dizes?

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Índice Apresentação ......................................................................................................5 1. É preciso viver a vida......................................................................................7 2. Como viver a vida?........................................................................................13 2.1 Desde dentro.................................................................................................... 17 2.2 Com intensidade.............................................................................................. 20 2.3 Evangelicamente.............................................................................................. 22 2.4 Com alegria...................................................................................................... 25 2.5 Em liberdade.................................................................................................... 28 2.6 Com gratidão.................................................................................................... 30 2.7 Cordialmente................................................................................................... 33 2.8 No compromisso histórico............................................................................... 37 2.9 Solidariamente................................................................................................. 40 2.10 Com simplicidade.......................................................................................... 43 2.11 Serenamente.................................................................................................. 46 2.12 Com dignidade............................................................................................... 49 2.13 Com esperança............................................................................................... 51 2.14 Fielmente........................................................................................................ 53 2.15 Fraternalmente............................................................................................... 55 2.16 Com optimismo............................................................................................. 58 2.17 Sinceramente.................................................................................................. 61 2.18 Com tolerância............................................................................................... 63 2.19 Em verdade..................................................................................................... 65 2.20 Pacientemente................................................................................................ 69 2.21 Com humildade.............................................................................................. 72 111


2.22 Austeramente.................................................................................................. 75 2.23 Com coerência............................................................................................... 77 2.24 Em pobreza.................................................................................................... 79 2.25 Em som de paz............................................................................................... 82 2.26 Na debilidade................................................................................................. 85 2.27 Compassivamente.......................................................................................... 87 2.28 Com compreensão......................................................................................... 90 2.29 Com a porta aberta......................................................................................... 92 3. Quatro tarefas...............................................................................................95 3.1 Cuidar a vida................................................................................................... 96 3.2 Dialogar a vida.................................................................................................. 98 3.3 Rezar a vida...................................................................................................... 99 3.4 Celebrar a vida............................................................................................... 100 4. «Homem, onde estás?» ...............................................................................105

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Um livro de formação cristã para adultos. Através de textos simples, profundos e práticos, apresenta sugestões para animar a viver em plenitude segundo o projecto de Jesus.

Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10, 10) Procurar as fontes de vida verdadeira é a vocação, a sede que Deus semeou no coração do homem.

Como o veado anseia pelas águas correntes, assim a minha alma anseia por Ti, ó Deus. Tenho sede de Deus, do Deus vivo! (Sl 42, 2-3)

Cada texto é seguido de um conjunto de perguntas que servem para a meditação pessoal e suportam um trabalho de grupo. Ricas em citações bíblicas, as reflexões do autor têm o dom de desafiar o leitor a confrontar a sua existência com a Palavra, ajudando-o a saciar a sede de vida eterna.

Se alguém tem sede, venha a mim; e quem crê em mim que sacie a sua sede! (Jo 7, 37) Sobre o autor Domingo J. Montero nasceu em 1948 (Cáceres, Espanha). É Franciscano Capuchinho, com formação nas áreas da Catequese, Teologia e Ciências Bíblicas. É Professor da Sagrada Escritura no Instituto Teológico «Gaudium et Spes» de Salamanca, no Centro Superior de Cultura Religiosa de Leão, no Instituto Teológico San Esteban (República Dominicana) e na Universidade Pontifícia de Salamanca. Integra a equipa dos cursos bíblicos online oferecidos pelo projecto “La casa de la Bíblia” (Madrid).

Rua Duque de Palmela, 11 4000-373 Porto Tel.: 22 53 657 50 Fax: 22 53 658 00 edisal@edicoes.salesianos.pt www.edisal.salesianos.pt


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