Natal, tempo de graça - Contos

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Ficha Técnica:

Natal, tempo de graça © 2022 Pe. José Augusto Marques Copyright desta edição: © 2022 Salesianos Editora Rua Duque de Palmela, 11 4000-373 Porto | Tel: 225 365 750 geral@editora.salesianos.pt www.editora.salesianos.pt Capa: Paulo Santos Imagem de capa: dreamstime.com Paginação: João Cerqueira 1ª edição: Outubro 2022 ISBN: 978-989-9134-08-9 Depósito Legal.: 505630/22 Impressão e acabamento: Totem Reservados todos os direitos. Nos termos do Código do Direito de Autor, é expressamente proibida a reprodução total ou parcial desta obra por qualquer meio, incluindo a fotocópia e o tratamento informático, sem a autorização expressa dos titulares dos direitos.


Pe. José Augusto Marques

Contos

SALESIANOS EDITORA


A todos quantos celebram o Natal de Jesus e fazem do seu Natal em cada ano a mais sentida homenagem ao Salvador… A todos quantos vivem Natal em cada gesto de amor, em cada gesto de vida, em cada gesto de acolhimento… A todos quantos não têm Natal nem uma gruta de acolhimento, nem um pedaço de pão e mendigam por caridade o direito de ser irmão…


O

vazio das coisas…

Contemplo o presépio… Um ambiente bucólico que alimenta a nossa nostalgia dum passado pueril que nos fazia sonhar. Uma gruta sem conforto material, mas onde reinava o amor silencioso, uma contemplação orante… sente-se a alegria interior vivida na fé. Quão distantes nós estamos desse quadro… distantes, porque o desenvolvimento material deu-nos casas muito confortáveis, repletas de coisas, essenciais e supérfluas, mas vazias de pessoas, de vida e de amor. As crianças estão no infantário ou na escola, os pais estão no trabalho, absorvidos nas coisas, os avós estão no lar, mergulhados na solidão… E o tempo que era presença, tornou-se fuga, na ausência… E o silêncio que era orante e de aproximação, tornou-se frieza e distância… E o amor que transparecia na paz e no sorriso, esfuma-se entre palavras ásperas e olhares cansados…

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E a família que vive, reza e dialoga em comunhão, transforma-se em santuário de membros de costas voltadas, de almas vazias e bocas mudas. Deu-se prioridade às coisas e esqueceram-se as pessoas, Inverteram-se as opções e as necessidades e “o mundo gira ao contrário”. Que fazer para inverter este quadro?! Precisamos de dar prioridade às pessoas… estar com as crianças, brincar com elas… dar tempo ao cônjuge, para se enamorar, namorando… acompanhar os avós, ouvindo e admirando… O tempo que gastamos com as pessoas nunca é tempo perdido, mas ganho… Temos sempre que aprender uns com os outros! Esvaziar-nos das coisas, da rotina que mata, para nos “enchermos” das pessoas, dialogando e sentindo com os outros, sorrindo e chorando lado a lado na condução do barco da vida, como timoneiros duma viagem com meta onde todos remam à luz do mesmo farol. Esvaziar as casas das coisas para as encher de vida, nas pessoas e com elas… sentir que só se vive quando se ama e só se amam as pessoas… As coisas escravizam, as pessoas libertam. Sejamos livres… amando!

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N

atal em cada gesto de amor

Nova Iorque, 24 de dezembro de 1990. Aproxima-se o Natal. Já cintilam as luzes a iluminar montras e ruas. Já soam melodias harmoniosas que nos t­ ransportam no tempo até àquela gruta de Belém onde nasceu “O AMOR” num rosto de criança reclinado sobre as palhas acolhedoras duma manjedoura. Dois mil anos passados e, da musicalidade do silêncio celestial dessa noite, parece pouco restar a não ser o vago retinir dos sinos orantes e o frio penetrante do agreste i­nverno. O Espírito do Natal parece ter-se transformado. Aproxima-se o fim do dia. A penumbra que arrasta a n ­ oite parece descer rapidamente do céu. A cidade agita-se num vaivém constante de pessoas apressadas em busca, não se sabe bem de quê?! Os últimos comércios abertos tentam sugar até ao último tostão a concupiscência dos olhos ávidos do insaciável. Apinham-se aos montes à porta. ­Cruzam-se pessoas carregadas de pacotes e de indiferença, porque o Amor daquela primeira noite de Natal parece ter-se apagado definitivamente dos ­corações. Daquele banco de jardim, gelado de frio, levanta-se o ­pequeno William. Esfrega os olhos pesados de quem p ­ arece ter dormido uma eternidade. Tinha acabado de sepultar naquele banco de jardim os poucos sonhos que ainda lhe restavam duma vida feita de sofrimento e lágrimas. Tinha-se deitado ali ao amanhe7


cer esgotado pela revolta da noite que o ferira de morte. Agora acordava com o tropel agressivo dos passantes. Acompanha-os com o olhar dorido como quem assiste, impávido e sereno, a um desfile de rostos petrificados de insensibilidade, parecendo perguntar-se para onde vão e carregados de quê?! Como que instintivamente, baixa os olhos e contempla aqueles trapos queimados que o envolvem, sem poderem resistir ao gelo da noite. Mas ele permanece sereno. Cerra a cara entre as mãos e vêm-lhe à memória os acontecimentos da última noite que o tinham conduzido até ali. Tinha ­acordado com a barraca em chamas, envolvera-se no cobertor que o cobria e precipitara-se no meio das chamas para o compartimento do lado onde dormia a sua querida avó já alquebrada pelos anos e pelos desgostos da vida. Gritara furiosamente contra o fogo para que lhe poupasse a única razão que o fazia viver. Em vão, insensível à sua dor, o fogo já tinha reduzido a cinzas aquela que lhe acalentara tantos sonhos. Caiu por t­erra e, entre soluços e gemidos de revolta, regou de lágrimas aquele monte de cinzas que tinham embalado tantas fantasias de criança. Verteu todas as lágrimas. Agora já não tinha mais, já não conseguia chorar. Da sua vida, nada mais recordava que o amor de sua avó. Seus pais, nunca os conhecera. Agora perdera tudo. ­Restava-lhe aquele pobre farrapo que o envolvia e que ele tinha conseguido arrancar a custo às chamas devoradoras. Queimado por dentro por aquelas chamas, mal sentia o frio da tarde que caía. Sem casa e sem ninguém, sem sonhos e sem lágrimas, retirara-se para aquele banco de jardim que se tornou confidente da sua dor. Abatido pelo cansaço e pela angústia do vazio, deitara-se e adormecera. Agora que acordara, olhando à sua volta, contemplava este fervilhar com seus olhos doridos pelas amarguras da vida, quase à espera dum sorriso meigo, duma saudação terna. 8


Nada. As pessoas passavam como robots sem sequer se aperceberem da sua estadia. Acompanhava o ritmo do p ­ asseio e a sua dor transformava-se em revolta. Afinal, ele era pobre, muito pobre, sem roupas bonitas e sem brinquedos como os outros, sem quase nada, mas tinha um sorriso nos lábios que agora perdera e esperava reencontrar num outro rosto de criança ou adulto que passasse. Não, só encontrava rostos de manequins que em nada diferiam daqueles que vira nas montras. Alto, vem aí um pequenito com a mãe. Traz um brinquedo nas mãos. Que bonito, pensa ele, quem mo dera! Seus olhos parecem brilhar. Mas o pequeno continua indiferente com ele na mão sem sequer o olhar. Porque será, pergunta-se?! Não gosta dele?! Mas, é tão bonito! Talvez seja apenas mais um e eu não tenho nada. Até aquele carrinho de mão que fiz em madeira, ardeu. E baixava os olhos num resto de tristeza que ainda conseguia expressar. A rua continua a fervilhar e William encolhe-se um p ­ ouco para não sentir tanto frio e continua a acompanhar os ­passos daqueles bonecos animados, agora já mais escassos, à m ­ edida que se aproxima a noite. Subitamente, o rapaz levanta de novo o seu olhar e ­depara-se com uma senhora que olha para ele com ar de preocupação. Bem vestida com um bouquet de flores na mão, vai ao seu encontro. Olha mais uma vez o pequeno e, ao vê-lo assim tão mal v­ estido, pergunta-lhe se não tem frio. Ele e­ ncolhe os ombros para não dar parte de fraco. ­Pergunta-lhe pela casa – não tem casa. A família? – não tem família. Cheia de comoção interior, aquela bondosa senhora convida o miúdo a ir com ela. Ele levantou-se e estendeu-lhe a mão. Dirigiram-se à loja mais próxima e a senhora mandou arranjar roupa nova para o vestir, comprou-lhe os brinquedos mais 9


belos e uma caixa de bombons para comer. Recorda-se de seu marido que tinha falecido exatamente um ano antes. Ia, aliás, visitá-lo ao cemitério, levar-lhe aquele ramo de flores e dialogar com ele um pouco. Afinal John, pensou ela, enviaste-me um intermediário para me fazer companhia neste Natal. Será ele o filho que tu não conseguiste dar-me e eu tanto aspirei ter?! Obrigado John, um dia iremos ao teu encontro e faremos família no céu, dizia para consigo. Com os olhos cheios de emoção, pagou a conta e saiu com o menino pela mão. William, tão feliz contemplava a roupa nova e os brinquedos. Nunca se sentira tão bonito antes. Com aquela ânsia de ver tudo, até se esquecera de agradecer a amabilidade daquela senhora misteriosa. De repente, ainda mal acordado daquele sonho, para, olha para ela com ternura e pergunta: – Você é Nossa Senhora? A senhora tentando recompor-se do choque que a pergunta lhe provocou, respondeu: – Que ideia, meu menino, porque perguntas isso? – É que a minha avó ensinou-me que a Mãe de Jesus é muito boa! – respondeu o menino. – Eu não sou, mas foi ela que me mandou fazer isto – disse comovidamente a senhora. – Obrigado – respondeu o miúdo dando-lhe um beijo. De olhar meigo, a senhora pergunta-lhe também: – E tu, tu és o Menino Jesus? O menino, sem conseguir falar, acena lentamente com a cabeça que não. – És sim – respondeu ela – porque eu aprendi que Ele se oculta na pessoa dos mais pobres e dos mais inocentes, dos que 10


não têm que vestir e que comer, dos que não têm família nem amor. Tu fizeste-mo encontrar neste Natal. Olha, já que não tens família e eu também não, queres ser o meu filho? O menino olhou para ela meigamente e, entre uma lágrima e um sorriso, sem dizer nada lançou-se ao seu pescoço e ambos se envolveram num longo abraço de ternura. Do céu parecia ouvir-se uma sinfonia de Natal e os anjos cantavam: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”. Porque, ali, naquela rua fria quando o negrume da noite parecia descer, aconteceu Natal em mais um gesto de AMOR.

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Índice

O vazio das coisas….........................................................5 Natal em cada gesto de amor...........................................7 O olhar do Menino Jesus!..............................................12 Uma vida por uma vida..................................................16 Em nome da vida... pela força do amor!.........................20 O Jesus do meu Natal.....................................................23 O sorriso do Menino Jesus.............................................26 Há sempre uma Luz.......................................................31 O espelho do Amor........................................................40 A magia do Natal...........................................................43 De Coração a coração....................................................47 O olhar que me conquistou............................................50 Sim, já sinto o Natal!......................................................53 Uma Estrela na noite......................................................56

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