A alegria de não ser apenas eu

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“A pandemia veio expor a nossa estrutural fragilidade e fazer avultar a nossa radical incompletude. Nem a pessoa mais habilitada nem o país mais poderoso são capazes de superar este drama por eles mesmos.”

Sobre o autor João António Pinheiro Teixeira nasceu a 25 de Abril de 1965. Ordenado sacerdote a 12 de Agosto de 1989, é padre da Diocese de Lamego. Mas os seus primeiros trabalhos de missão foram em Lisboa, onde esteve até 1993. Concluiu a Licenciatura em 1991, o Mestrado em 1995 e o Doutoramento em 2006. Foi professor no Centro de Viseu da Universidade Católica e exerceu as funções de Diretor do Instituto Superior de Teologia «Beiras e Douro» e de Reitor do Seminário Maior de Lamego. Desde Setembro de 2009, é Reitor do Santuário de Nossa Senhora dos Remédios. Faz parte da sua missão, colaborar em vários jornais e revistas tendo publicado mais de duas dezenas de livros.

João António Pinheiro Teixeira

A alegria

de não ser (apenas) Para superar cristovitalmente a pandemia

A alegria de não ser (apenas) eu

Uma leitura filosófica e teológica da vida sobre o egoísmo e o individualismo que a pandemia nos terá deixado como herança. Em 20 capítulos, que se assumem como cápsulas de pensamentos, o autor vai partilhando a sua reflexão sobre a urgência de colocarmos Cristo no centro da nossa vida. Alertando para a facilidade com que podemos viver sozinhos no meio de todos, sublinha que a egopatia e a egolatria nos podem remeter para uma existência desprovida de sentido. Mas é possível superar cristovitalmente a pandemia!

João António Pinheiro Teixeira

A alegria de não ser (apenas) eu

eu

Rua Duque de Palmela, 11 4000-373 Porto Tel.: 225 365 750 editora@edicoes.salesianos.pt www.edisal.salesianos.pt

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Para ti, querida Mãe, vida da minha vida e abrigo incindível do meu sacerdócio: pois foi sobretudo contigo que aprendi a não querer ser apenas eu!

Ficha Técnica: © 2021 João António Pinheiro Teixeira Copyright desta edição: © 2021 Edições Salesianas Rua Duque de Palmela, 11 4000-373 Porto | Tel: 225 365 750 www.edisal.salesianos.pt editora@edicoes.salesianos.pt Capa: Paulo Santos Foto Capa: Dreamstime.com Paginação: João Cerqueira 1ª edição Agosto 2021 ISBN: 978-989-8982-71-1 Depósito Legal.: 486200/21 Impressão e acabamento: Totem Reservados todos os direitos. Nos termos do Código do Direito de Autor, é ­e­xpressamente proibida a reprodução total ou parcial desta obra por qualquer meio, incluindo a fotocópia e o tratamento informático, sem a autorização ­expressa dos titulares dos direitos.


João António Pinheiro Teixeira

A alegria de não ser (apenas) eu para superar cristovitalmente a pandemia


Ponto de partida É preciso «expectorar» – de vez – o egoísmo Como é sabido – a duras penas! – estes tempos de pandemia têm sido, para lá de tremendamente dolorosos, insuperavelmente exigentes. Ei-los a certificar, a cada dia, a nossa fragilidade, os nossos receios e as nossas incertezas. Mas ei-los ­também a acenar, a cada instante, com uma miríade de possibilidades, de passos (ainda) não andados e de caminhos (ainda) por percorrer.

A pandemia veio expor a nossa estrutural fragilidade e fazer avultar a nossa radical incompletude. Chegou a hora de nos apercebermos, como frisou o Papa Francisco, de que estamos todos «no mesmo b ­ arco, todos frágeis e desorientados, mas ao mesmo tempo importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo ­encorajamento».

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Sozinhos, não conseguimos nada; a falência do egocentrismo está à nossa frente, profusamente certificada. Daí que o Santo Padre não tenha dúvidas quanto ao futuro: «Não podemos continuar o caminho cada qual por conta própria. Só podemos sair desta situação juntos, como uma humanidade inteira». Nem a pessoa mais habilitada nem o país mais poderoso são capazes de superar este drama por eles mesmos. Por tal motivo, a humanidade terá de se centrar «mais no “nós” do que no confronto com o “outro”». Apenas uma via nos resta, então: mais encontro e menos confronto.

Nesta hora, nem sempre tem minguado a lucidez requerida, mas por vezes parece que carecemos da paciência necessária. Não é a pandemia que nos vai melhorar. Mas porque não há-de ser a pandemia um dos activadores da mudança que urge introduzir nas nossas vidas?

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Sobressai como consensual a necessidade – e até a urgência – de empreender uma espécie de expectoração no nosso ser pessoal e na nossa convivência c­ omunitária. Impõe-se, com efeito, expelir um sem-número de secreções que se foram depositando na nossa existência e que inviabilizam uma coabitação salutar nesta casa chamada «mundo».

Estando o ser em constante devir e – como n ­ otara já Xavier Zubiri – sendo dinâmica a estrutura da ­realidade, é imperioso que acolhamos esta adversidade transmutando-a em oportunidade. Não basta pugnar para que tudo seja diferente. É mister unir esforços para que todos venhamos a ser melhores: melhores pessoas, melhores cidadãos e ­também melhores cristãos.

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Para isso, há que assegurar a secreção definitiva do egoísmo, que emperra – e empesta – a nossa permanência no tempo. É que exaltamos muito o «todos por um» e não nos cansamos de publicitar até à exaustão o «um por todos». Mas manda a verdade reconhecer que continuamos a afogar-nos no (aparentemente irresistível) «cada um por si».

A pandemia está a destapar volumes assombrosos de vidas abandonadas, em solidão induzida, em agonia cruel e assassina. Às vezes, temo que o ingresso no «novo normal» constitua um (penoso) regresso à «velha normalidade» egocêntrica. Mudarão as formalidades, mas a couraça da ego-latria não dá sinais de abrandar. É preciso, pois, que esta expectoração seja prolongada, duradoura e ­efectiva.

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Que ninguém retenha as (nefastas) secreções do c­ alculismo, da presunção, da duplicidade, da vaidade, da auto-suficiência, da marginalização, da autocracia e da arbitrariedade. Abramo-nos às surpresas do Espírito, que «renova a face da terra» e transforma o coração das pessoas.

Não resistamos às «ondas» alentadoras da esperança. É indispensável ir mais além do mesmo e dos mesmos. A humanidade não pode ficar à mercê dos (que se julgam) «top». A altivez não é solução; só a humildade será caminho. Não foi a humildade – juntamente com a mansidão – que o Mestre nos legou como ensinamento perene (cf. Mt 11, 29)? Só cristovitalmente renovaremos o mundo. Por conseguinte, não deixemos ninguém à porta, não ponhamos ninguém de lado, não coloquemos ninguém de fora. O mundo novo conta com todos, renovados! Lamego, 25 de Abril de 2021

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Deixar de ser para Passar a ser



O cristão não vive dele. O cristão não é ele. O cristão vive de Cristo. O cristão é Cristo nele (cf. Gál 2, 20). Tudo isto parece conhecido. Mas, por vezes, também parece que tudo isto é (bastante) esquecido.

Frequentemente, prevalece a impressão de que as «vestigia christianorum» prevalecem sobre as «vestigia Christi». Ou seja, as marcas individuantes do eu de cada cristão tendem a sobrepor-se ao carimbo imperecível do Eu de Cristo.

Aos primeiros discípulos foi dito para anunciarem o que Cristo lhes tinha confiado (cf. Mt 28, 16). É por isso que quem os ouvia a eles, O escutava, a Ele (cf. Lc 10, 16). No fundo, ser cristão é uma nova configuração. Ser cristão é deixar de ser para passar a ser: é deixar de ser ele para passar a ser Cristo nele. É cristovitalmente que estamos no mundo. 11


Acontece que a pulsão individualista nem sempre permite vislumbrar Cristo na vida dos cristãos. Não raramente, a transparência é muito difusa e a opacidade pode chegar a ser total.

Não basta, com efeito, dizer que somos ­c ristãos. O fundamental é mostrar Cristo na nossa vida de ­cristãos. Ser cristão é mais para viver do que para dizer. Ou, então, é mais para dizer com a vida do que (­somente) com os lábios.

Ser cristão é entregar-se a Cristo, como aliás Cristo Se entregou por nós (cf. Gál 2, 20-22). É assim que a vivência cristã é o mais poderoso antídoto ante a egolatria que nos invade e a egocracia que teima em dominar-nos.

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A pandemia veio confirmar – se alguma confirmação ainda fosse necessária – que nenhum eu é capaz de sobreviver por si e em si. Haja em vista que a existência de Cristo é inteiramente dadivosa. Todo Ele é para o Pai, todo Ele é para a humanidade. A Sua vida está depositada nas mãos do Pai (cf. Lc 23, 46) e é entregue a toda a humanidade (cf. 1Cor 11, 24; Mt 26, 28).

Sucede, porém, que nem sempre nos subtraímos à tentação de criarmos um Cristianismo com muitos determinativos, com muitas compartimentações. É natural – compreensível e até saudável – que haja acentuações das diversas tonalidades da pessoa e da mensagem de Cristo.

O problema é quando ousamos adequar Cristo à nossa sensibilidade, à nossa mundividência ou inclusive à nossa conveniência. Neste caso, ocorre uma inversão: em lugar de deixarmos que Cristo nos transforme, somos nós que – temerariamente – nos aventuramos a transformar Cristo. 13


Eis aonde pode chegar a egologia desenfreada em que nos metemos: concebemos e anunciamos um Cristo à nossa imagem quando o importante é ­concebermo-nos e vivermos à imagem de Cristo. Nesse caso, não saímos do casulo sufocante do ­nosso eu. A nossa idealização de Cristo — sem Cruz, sem imperativos nem compromissos — pode estar muito longe da realidade de Cristo (cf. Heb 13, 8).

É tempo de perceber que só Cristo nos liberta de todas as prisões. É hora de testemunhar que só em Cristo o nosso eu deixa de estar agrilhoado, surgindo inteiro e pleno de alegria. Estamos dispostos a inundar todas as vidas com a alegria de não ser (apenas) eu?

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Seremos a «geração perdida»?



O problema não é de agora. Mas talvez nunca se tenha feito sentir tanto como agora. Sendo o homem um ser insatisfeito, porventura nunca como hoje os índices de insatisfação atingiram níveis tão elevados e preocupantes.

Pervade este registo uma sensação duplamente paradoxal. É que, apesar das dificuldades, vivemos na época mais próspera de sempre. E, não obstante (sobretudo desde a irrupção inopinada da pandemia), não falta quem confesse que outrora se sentia «mais feliz».

Não havia muitas coisas para possuir. Mas valorizava-se o que pouco que se tinha e ainda se conseguia partilhar. Havia um rumo que se pressentia para a vida no tempo rumo à eternidade.

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Já nestes dias – e nestas noites – que atravessamos, parece não importar para onde vamos. Queremos desfrutar de tudo e mais alguma coisa no momento que passa. Nunca tivemos acesso a tanto. E, contudo, parece que nunca nos realizamos tão pouco.

Devíamos ter percebido que fomos feitos para encher e não para inchar. E que, quando inchamos no ter, dificilmente somos capazes de encher o ser. Não foi em vão que um grande filósofo notou que o homem «rico de ter» torna-se «vazio de ser».

E é assim que vai emergindo – e alastrando – a «geração perdida». Perde-se no que tem. Perde-se no que ambiciona ter. Perde-se no que desfruta. Perde-se nos direitos para os quais olha. Perde-se nos deveres sobre os quais nem repara. Deveres têm os outros: de lhe encher a carteira e de não lhe fazer qualquer objecção.

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Esse foi também o drama de Zaqueu. Também ele era rico e por meios nada lícitos (cf. Lc 10, 8). E, no entanto, estava perdido (cf. Lc 19, 10). Notava que a sua vida não tinha rumo nem direcção.

Foi então que ele quis ver Jesus (cf. Lc 19, 3) e foi então que Jesus também quis ver Zaqueu (cf. Lc 19, 5). Para ver Jesus, Zaqueu resolve subir (cf. Lc 19, 4). Mas Jesus manda-o descer e depressa (cf. Lc 19, 5).

Para chegar a Jesus, o caminho não é subir, mas descer. «Para Deus sobe-se descendo», como bem sintetizou São Francisco Xavier. Jesus quis ficar na casa de Zaqueu (cf. Lc 19, 5). Ou seja, quis ficar na sua vida.

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Zaqueu recebeu Jesus e, a partir daí, tudo mudou. Começou a repartir o que tinha obtido por meios ilícitos e até o que possuía de forma legítima (cf. Lc 19, 9). Jesus vem para os perdidos de todas as gerações (cf. Lc 19, 10). Tudo mudará se acolhermos Jesus em nossa casa, na nossa vida!

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Índice Ponto de partida......................................................................3 01. Deixar de ser para Passar a ser.......................................9 02. Seremos a «geração perdida»?...................................... 15 03. Ameaçados pela «tirania do eu»..................................... 21 04. «Senhores de tudo, sozinhos no meio de todos»...........27 05. «O tu vem antes do eu»...................................................33 06. Nunca deixemos de olhar para Jesus.............................39 07. Ser cristão é (procurar) ser Cristo..................................45 08. Aditivemo-nos a Cristo....................................................53 09. Deixemos o protagonismo para Cristo...........................59 10. Cristiformes ou (somente) mundiformes?......................65 11. Cristianismo ou apenas mundanismo?...........................73 12. Não tiremos Cristo da Igreja nem tiremos a Igreja de Cristo................................................................79 13. Façamos como João........................................................87 14. Antes encher que inchar.................................................93 15. Evangelizar é (acima de tudo) incendiar!....................... 101 16. Quem está disposto a ser «sinal de contradição»?................................................ 109 17. Sempre em missão ....................................................... 115 18. A missão (também) é afectiva....................................... 123 19. A dimensão exequial da existência cristã..................... 129 20. A «logo-escuta»............................................................ 135 Ponto de Chegada............................................................... 143

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“A pandemia veio expor a nossa estrutural fragilidade e fazer avultar a nossa radical incompletude. Nem a pessoa mais habilitada nem o país mais poderoso são capazes de superar este drama por eles mesmos.”

Sobre o autor João António Pinheiro Teixeira nasceu a 25 de Abril de 1965. Ordenado sacerdote a 12 de Agosto de 1989, é padre da Diocese de Lamego. Mas os seus primeiros trabalhos de missão foram em Lisboa, onde esteve até 1993. Concluiu a Licenciatura em 1991, o Mestrado em 1995 e o Doutoramento em 2006. Foi professor no Centro de Viseu da Universidade Católica e exerceu as funções de Diretor do Instituto Superior de Teologia «Beiras e Douro» e de Reitor do Seminário Maior de Lamego. Desde Setembro de 2009, é Reitor do Santuário de Nossa Senhora dos Remédios. Faz parte da sua missão, colaborar em vários jornais e revistas tendo publicado mais de duas dezenas de livros.

João António Pinheiro Teixeira

A alegria

de não ser (apenas) Para superar cristovitalmente a pandemia

A alegria de não ser (apenas) eu

Uma leitura filosófica e teológica da vida sobre o egoísmo e o individualismo que a pandemia nos terá deixado como herança. Em 20 capítulos, que se assumem como cápsulas de pensamentos, o autor vai partilhando a sua reflexão sobre a urgência de colocarmos Cristo no centro da nossa vida. Alertando para a facilidade com que podemos viver sozinhos no meio de todos, sublinha que a egopatia e a egolatria nos podem remeter para uma existência desprovida de sentido. Mas é possível superar cristovitalmente a pandemia!

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