Histórias daquele tempo

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E se pudéssemos reler as histórias que nos falam de Jesus pelos olhos de outros personagens? Noutros cenários? De outras perspetivas?

mantêm-se próximas da versão original.

Sobre o autor: Paulo Costa é natural de Ovar. Licenciado em Teologia, tem ainda, um Mestrado em Teologia Sistemática e uma Pós-Graduação/Especialização em Educação Sexual. É professor de EMRC há duas décadas no Colégio de Lamas. É também autor de livros de contos e histórias amplamente usados em contextos educativos escolares e catequéticos.

Histórias DAQUELE TEMPO

E assim nasceu este livro! A partir do seu estudo e reflexão sobre os Evangelhos, o autor reconta com as suas palavras inúmeros episódios da Sagrada Escritura. Mantendo a fidelidade ao espírito dos textos sagrados, Paulo Costa desafia o leitor a olhar de uma forma original para Jesus Cristo. A reler episódios que já terá ouvido muitas vezes, com palavras deste tempo. Algumas das narrativas propõem novos cenários e personagens, outras

PAULO COSTA

Era uma vez um homem chamado Jesus… E o mundo nunca mais foi o mesmo!

PAULO COSTA

Histórias DAQ U E L E TEMPO

Rua Duque de Palmela, 11 4000-373 Porto | Tel.: 22 53 657 50 editora@edicoes.salesianos.pt www.edisal.salesianos.pt

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Ficha Técnica: Histórias daquele tempo © 2022 Paulo Costa Copyright desta edição: © 2022 Edições Salesianas Rua Duque de Palmela, 11 4000-373 Porto | Tel: 225 365 750 www.edisal.salesianos.pt editora@edicoes.salesianos.pt Capa: Paulo Santos Foto Capa: lightstock.com Paginação: João Cerqueira 1ª edição: Março 2022 ISBN: 978-989-8982-86-5 Depósito Legal.: 496409/22 Impressão e acabamento: Totem Reservados todos os direitos. Nos termos do Código do Direito de Autor, é expressamente proibida a reprodução total ou parcial desta obra por qualquer meio, incluindo a fotocópia e o tratamento informático, sem a autorização expressa dos titulares dos direitos.


Paulo Costa



Prefácio «Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher e sujeito à Lei, para resgatar os que estavam sujeitos à Lei e nos tornar seus filhos adotivos» (Gl 4, 4-5). Esta é a «Boa-Nova de Jesus Cristo, Filho de Deus»: Deus visitou o seu povo e cumpriu as promessas feitas a Abraão e à sua descendência; fê-lo para além de toda a expectativa: enviou o seu «Filho muito-amado». (Catecismo da Igreja Católica, nº422)

Era uma vez um homem chamado Jesus. O seu estilo de vida não deixava ninguém indiferente e se muitos eram os que se apaixonavam pela forma como vivia e falava das coisas humanas e divinas, muitos outros sentiam-se incomodados e criticavam-no. A verdade é que não havia quem nunca tivesse ouvido falar dele ou não tivesse vontade de o ver e falar consigo. Pessoas de todas as regiões juntavam-se para o escutar pois as suas ­palavras tocavam o coração e tinham o dom de as fazer pensar e, sobretudo, de provocar mudanças nas suas vidas. Ousava ser tudo aquilo que a sua consciência lhe dizia e o coração lhe segredava. Por isso, era amado e odiado. Detestava o egoísmo e a hipocrisia e isso causava-lhe sérios constrangimentos pois o que pensava e dizia questionava e inquietava as 5


ideias feitas das pessoas, as tradições, os hábitos sociais e os costumes religiosos e políticos do seu tempo. Tinha o sonho de mudar o mundo. Aborrecido e desgostoso com a futilidade das pessoas, descontente e inconformado com aqueles que detinham o poder e irritado e insatisfeito com quantos se diziam muito religiosos, decidiu sair de casa e ir tentar fazer alguma coisa, pois não podia, de maneira alguma, ficar passivamente de braços cruzados. Na verdade, a figura de Jesus Cristo é verdadeiramente extraordinária e, passados mais de dois mil anos do seu nascimento, continua a falar ao coração e à consciência do ser humano. A sua historicidade é inquestionável. Não se trata de uma lenda, um mito ou de alguém inventado para personalizar as convicções religiosas de uns quantos. Verdadeiro homem do seu tempo, Jesus era, simultaneamente, verdadeiro Deus. Maria de Nazaré aceitou o convite de Deus para que acontecesse, na história e no tempo, a encarnação do Filho Unigénito de Deus que quis oferecer à humanidade um projeto de salvação e não se cansou de proclamar a Boa Nova e falar do Reino dos Céus e do mandamento do Amor. O mundo não foi mais o mesmo depois da sua vida e morte, das suas palavras e obras e das suas parábolas e milagres. O mundo, efetivamente, ficou dividido, do ponto de visto ­cronológico, histórico, cultural, ético e religioso, em duas ­partes: antes e depois de Cristo. A maneira de ser, sentir e pensar daquele que afirmava ser o Caminho, a Verdade e a Vida, morreu numa cruz e ressuscitou ao terceiro dia mexeu com as estruturas e com as gentes. Mais do que um profeta, filósofo, moralista, religioso, ­sicólogo ou curandeiro, Jesus era uma pessoa ímpar que p gerava reações e atitudes radicalmente opostas e os valores que 6


estavam subjacentes ao seu Evangelho constituem ainda hoje a base ética fundamental de grande parte das nações. Os contos que fazem parte deste livro nasceram do meu estudo e reflexão dos textos do Evangelho e são, essencialmente, uma forma de olhar para Jesus Cristo com as palavras do nosso tempo. Como os Evangelhos e os demais livros do Novo Testamento foram escritos há cerca de vinte séculos, a minha ideia foi narrar novamente alguns dos episódios mais significativos da existência de Jesus Cristo, numa simbiose das palavras daquele tempo com as palavras de hoje. Trata-se de um livro em que, na fidelidade ao espírito dos textos bíblicos, procurei ficcionar, imaginando e criando cenários, conversas, personagens e palavras. Há diversos episódios que se repetem, pois, por mais vezes que os leiamos e meditemos, encontramos sempre elementos novos para a nossa reflexão e para a nossa vida em cada momento e circunstância da nossa história. Todos as histórias implicaram pesquisa bíblica, cultural e histórica, para que as narrativas decorressem com alguma coerência relativamente às tradições do tempo de Jesus. As histórias são narradas sob perspetivas, ângulos, atores e temáticas variadas e são contadas segundo diferentes estilos, em função dos destinatários que imaginei: crianças e ­adolescentes ou jovens e adultos. Nalguns contos, seguem-se de perto os textos evangélicos e, noutros, a criação é quase completa. Em alguns imagino o próprio Jesus a pensar e a falar e, noutros, reconto, à minha maneira, vários acontecimentos bem ­conhecidos da sua vida. Espero que estas histórias, que foram publicadas ao longo de vários anos no Portal iMissio (www.imissio.net) e no Blogue de EMRC do Colégio de Lamas ­(emrccolegiodelamas.blogspot.com), 7


possam ser um singelo contributo para quem queira aproximar-se um pouco mais da pessoa e mensagem de Jesus Cristo. “Nós cremos e confessamos que Jesus de Nazaré, judeu nascido duma filha de Israel, em Belém, no tempo do rei Herodes o Grande e do imperador César Augusto, carpinteiro de profissão, morto crucificado em Jerusalém sob o procurador Pôncio Pilatos no reinado do imperador Tibério, é o Filho eterno de Deus feito homem; que Ele «saiu de Deus» (Jo 13, 3), «desceu do céu» (Jo 3, 13; 6, 33) e «veio na carne», porque «o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós. Nós vimos a sua glória, glória que Lhe vem do Pai como Filho Unigénito, cheio de graça e de verdade [...] Na verdade, foi da sua plenitude que todos nós recebemos, graça sobre graça» (Jo 1, 14, 16).” (Catecismo da Igreja Católica, nº423) Paulo Costa

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1 Com licença!

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lá a todos! O meu nome é Cristo. Jesus Cristo. Há pouco mais de dois mil anos, na cidade de Belém, a minha mãe deu-me à luz. Foi um acontecimento tão especial para a humanidade que toda a história ficou ­dividida em duas partes: antes de mim e depois de mim. Durante muitos séculos, muita gente esperou e pediu a Deus que eu viesse. O projeto inicial do Altíssimo foi manchado e o que era uma bela história de amor entre o céu e a terra e entre a divindade e a humanidade ficou corrompido. Os homens e as mulheres quiseram viver sem o seu Criador e Senhor. Mas Deus respeitou-os. É que Ele não vos fez como se fosseis robôs ou computadores programados para fazerdes apenas o que Ele quisesse. Deu-vos por amor o dom da liberdade. Quem ama não pode obrigar. A vossa história podia ter sido de outra maneira bem diferente, mas foi esta a que aconteceu. Apesar do pecado, Deus não desistiu de vós e foi enviando profetas que falaram em seu nome e fez de vós o seu povo querido e fez convosco uma aliança.

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A determinada altura, Deus decidiu adotar outra estratégia e Ele próprio quis vir ter convosco. Chegada a plenitude dos tempos, foi, então, que eu apareci em cena, de uma forma única e radical. Podia ter aparecido de uma forma espetacular. Talvez num avião, num helicóptero, numa nave espacial ou até como o Super-Homem. Mas não. Eu, a segunda pessoa da Santíssima Trindade, surgi no vosso planeta da forma mais bela e singela: sob a forma de um bebé. Uma criança frágil e indefesa. Encarnei no seio de uma jovem mulher chamada Maria. Já deveis ter ouvido falar dela, muitas vezes. Ela foi escolhida e convidada pelo meu Pai para ser a minha mãe humana. Através dela, chegaria o Messias prometido. Ela não compreendeu muito bem como seria aquilo possível, mas, na sua humildade, acreditou naquele desígnio divino e aceitou tão especial projeto de vida. A minha mãe estava noiva de um carpinteiro chamado José. Ele também teve dificuldade em compreender tudo aquilo que estava a acontecer. A minha mãe estava grávida e ele não era o pai. Aos poucos, foi entendendo o tamanho milagre que ocorria ali. Percebeu a origem sobrenatural da gravidez da minha mãe, pois a minha encarnação era obra do Espírito Santo. Ele tornou-se o meu querido pai adotivo. Quando os meus papás humanos já tinham casado e viviam na sua simples casinha de Nazaré, saiu um édito de César Augusto, obrigando todas as pessoas sob domínio do império romano a recensear-se. O meu pai tinha de se deslocar a Belém e como a minha mãe estava grávida, para não ficar sozinha, acompanhou-o. Mas o seu estado não era muito favorável a viagens e aqueles dias foram muito complicados. Ao chegarem a Belém, a minha mãe já estava com dores de parto. O meu pai procurou uma hospedaria para ficarem por 10


uns dias e para a minha mãe me dar à luz. Mas não havia lugar algum porque a cidade e as redondezas estavam cheias de gente naquela ocasião. Não dava para esperar mais. Tinha de ser num sítio qualquer. Um pobre homem, vendo o desespero do meu pai e a aflição da minha mãe, disponibilizou tudo quanto tinha: uma grutinha, onde guardava os seus animais. E foi ali, não num palácio ou numa maternidade, mas num humilde curral, que eu nasci para a minha vida terrena. Naquela noite fria eu nasci e fui colocado entre panos numa manjedoura com palhinhas. Não havia médicos, riqueza ou comodidade. Apenas o muito carinho e alegria dos meus pais e o calor de uma vaca e de um burro. Alguns anjos cantavam e davam glória a Deus. Havia uma magia especial em tudo quanto estava a acontecer. Pouco tempo depois, os meus pais foram surpreendidos com a visita de vários pastores que tinham recebido a notícia do meu nascimento e muito felizes se prostraram e ofereceram coisas dos seus trabalhos de pastorícia. Posteriormente, chegaram, também, guiados por uma estrela e fugindo de Herodes, três magos do Oriente. Também se curvaram em solene veneração e ofereceram ouro, incenso e mirra. Todos me adoravam, desde as pessoas mais simples do povo até às mais sábias e poderosas. Tudo aquilo era misterioso e intrigante. A minha mãe escutava tudo quanto se dizia de mim e guardava todas aquelas coisas no seu coração. Este foi o início dos meus 33 anos de vida no vosso planeta. Vim como caminho, verdade e vida, fazer-vos um convite de ­salvação e realização em que tudo se resume no mandamento do Amor. Deus é amor e o amor é a chave da autêntica f­ elicidade.

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Queria dizer-vos que gostava de voltar a nascer na vossa vida e no vosso coração. Nasci criança para que não tenhais medo de mim. Que mal poderia fazer um Deus Menino? Não tenho força para abrir a porta da vossa casa. Volto a bater hoje e, se quiserdes, abri-a. Afinal de contas, sabeis bem quem eu sou. Com licença…

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2 O rapazinho do estábulo de Belém

A

cidade estava um alvoroço. A ordem do Imperador para que todos procedessem ao seu recenseamento nas terras natais levou uma multidão a Belém. Para regozijo de comerciantes e estalajadeiros, não havia mãos a medir e tinham de aproveitar ao máximo a presença de tanta gente para compensar os costumeiros escassos lucros. Judith, com os seus tenros seis anitos, apreciava toda aquela azáfama. Gostava de conhecer pessoas diferentes e metia conversa com todas. Gostava de ajudar a mãe a lavar roupa no tanque público e de acompanhar o pai quando ia alimentar os animais ao estábulo situado numa grutinha perto de casa. Um dia, quando o sol já se despedia da cidade, Judith, no regresso a casa com o pai e por entre muitas outras pessoas, viu um homem a puxar um burrinho com uma senhora grávida em cima. O que mais a impressionou foi aperceber-se que eles batiam a várias portas e pareciam muito cansados, tristes e nervosos. 13


Puxando pelo braço do pai, apontou para o casal e, arrastando-o para junto deles, perguntou-lhes se precisavam de alguma coisa. O senhor disse: – Olá… Chamo-me José e o nome da minha esposa é Maria. Chegámos hoje a Belém e ainda não conseguimos arranjar um quarto para passar a noite. O problema maior é que a minha mulher está grávida e a qualquer momento pode dar à luz… Judith agarrou-se imediatamente ao pai e disse de forma muito determinada: – Não podemos deixar que este senhor e esta senhora passem esta noite fria ao relento… Apesar da nossa casa ser pequenina e pobre, eu não me importo de lhes oferecer o meu quarto. Posso dormir na cozinha, sem qualquer problema… José e Maria sorriram e ficaram muito sensibilizados com a enorme generosidade da menina, mas a senhora respondeu: – És muito querida e simpática, mas nós só íamos atrapalhar… e, além disso, temos este burrinho… Então, o pai da Judith tomou a palavra e disse: – De forma alguma… isso resolve-se… Eu tenho um curral onde guardo uma vaca, um burro e duas ovelhas. Não é propriamente uma suíte, mas está quentinho e podemos improvisar duas camas e um cantinho para o vosso jumentinho. A Judith saltou de alegria e, enquanto o pai ajudava o senhor a puxar o burrinho, conversava com a senhora. O casal parecia bem mais feliz e aliviado. Iam poder descansar e dormir, depois de uma viagem longa e difícil. Ao chegarem ao estábulo, prepararam tudo para que o casal passasse uma noite serena e confortável e acomodaram num cantinho, junto aos outros animais, o burrinho que, depois de comer alguma palha, rapidamente adormeceu. 14


A Judith não cabia em si de satisfação e, quando chegou a casa, atropelava-se nas suas próprias palavras a contar à mãe todos os pormenores das últimas horas. Os pais da menina estavam orgulhosos da filhota. A verdade é que, depois de um dia cheio de emoções, Judith não conseguia dormir. Não parava de pensar naquele casal que parecia tão especial, tal a humildade e doçura que transbordavam. Não conseguia deixar de pensar que a senhora a todo o momento podia dar à luz o seu bebé e tinha ouvido dizer que as dores de parto eram terríveis. Então, num impulso inexplicável, saltou da cama, agasalhou-se muito bem, pegou nalgumas coisas num saco e, em bicos de pés, saiu de casa e foi a correr em direção à grutinha. José e Maria ficaram surpreendidos com a chegada inesperada da Judith até porque tinha ido sozinha e estava muito frio naquela noite. A senhora estava deitada e gemia baixinho e o senhor estava muito ansioso e transpirava por todo o lado. Judith pôs-se ao lado de Maria, afagando-lhe os cabelos e, quando percebeu que ia mesmo dar à luz, foi buscar uma bacia com água, uma toalha e uma mantinha que trouxera de casa e, mesmo sem perceber nada do assunto, colaborou de forma decidida com José nos trabalhos de parto e o bebé nasceu. Depois, Judith pegou nele e, esbugalhando os olhos para José, disse toda contente que era um rapaz. Então, lavou-o, secou-o e envolveu-o na mantinha e ficou com o menino ao colo por uns momentos antes de o dar à mãe. Depois, Judith foi buscar uma manjedoura e disse a José e Maria que poderiam pôr ali o bebé pois, naquelas circunstâncias, serviria muito bem de berço e, depois de a mãe lhe ter dado de mamar, assim fizeram.

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O calor dos animais da grutinha ajudou a amenizar as baixas temperaturas daquela noite e Judith apercebeu-se que o burrinho do casal se aproximara e os seus olhos pareciam brilhar ao fixar-se no menino recém-nascido. Judith estava eufórica e entoava suaves melodias que conhecia e abanava lentamente a manjedoura para que o bebé dormisse e os pais pudessem comer qualquer coisa. Judith sentia a felicidade de José e Maria que se olhavam de vez em quando num silêncio amoroso e cúmplice. Disseram-lhe que o menino iria chamar-se Jesus e, de mãos dadas, cantaram baixinho uma canção em jeito de oração. Aquela noite vestira-se de uma magia singular e Judith olhava para tudo aquilo com uma ternura inefável. Sentia que algo de muito especial estava a acontecer, apesar de não conseguir perceber porquê. Achava aquela noite a mais bonita de todas as noites e conseguia imaginar anjos a cantar, louvando a Deus pelo nascimento daquele menino. Entretanto, os pais de Judith acordaram sobressaltados ao ouvir pessoas na rua a falar alto e, levantando-se da cama, deram-se conta de que a menina não se encontrava em casa. Ficaram aflitos, mas a mãe levantou logo a hipótese de ela ter ido ao estábulo ver o casal que chegara à cidade no dia anterior. Então, saíram de casa para ir à grutinha e pelo caminho cruzaram-se com um grupo de pastores muito alegres que pareciam seguir na mesma direção. Ao chegarem lá, espreitaram e as suas suspeitas confirmaram-se, mas não se atreveram a repreender a filha. Os pais da Judith e os pastores entraram em silêncio e todos ficaram comovidos ao ver o bebé que dormia na manjedoura com os pais ao lado e a menina a fazer-lhe carícias na cabeça.

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Os animais do estábulo estavam acordados e olhavam serenos para o menino. Os pastores ajoelharam-se diante do menino e disseram muito baixinho a José e Maria: – Parabéns pelo nascimento do vosso filho… Ele é lindo… ouvimos dizer que nascera o Messias que há tanto tempo esperávamos… o Deus connosco encarnou e, apesar da hora imprópria, quisemos vir adorá-lo. Trouxemos alguns presentes que podem fazer-vos jeito: leite, roupinhas de lã, fruta e mais alguns produtos da terra… O Senhor visitou o seu povo e montou a sua tenda entre nós. Ele veio salvar-nos. Deveras sensibilizados, José e Maria agradeceram as ofertas. Depois, os pastores, assim como entraram em silêncio, saíram calados. Os pais da Judith e do bebé olhavam-se sem perceber muito bem aquelas palavras, mas guardaram-nas nos seus corações. Com a chegada dos primeiros raios de sol, Judith embalou o bebé e os seus pais alimentaram os animais e limparam o espaço para que Maria e José pudessem descansar um pouco. Como não se falava de outra coisa pelas redondezas, o dia foi todo preenchido com a visita de gente que queriam ver o menino, felicitar os pais e oferecer algumas recordações. Com tamanha azáfama, o menino chorava de vez em quando e, surpreendentemente, só sossegava no colo da Judith. Quando a noite já se havia debruçado sobre a cidade e a quietude e a tranquilidade tinham regressado ao estábulo, imprevisivelmente, três homens chegaram em cima de camelos. A julgar pelas suas roupas e estilo, pareciam gente sábia e importante e pareciam oriundos de diferentes continentes. José e Maria não sabiam bem o que lhes dizer pois aquele parecia

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não ser o sítio ideal para os receber condignamente, mas Judith chamou-os para mais perto do menino. Então, disseram: – Desculpem estarmos a incomodar-vos, mas não podíamos deixar de vir visitar e adorar esta criança que acaba de nascer. Chamamo-nos Gaspar, Belchior e Baltazar e seguimos uma estrela que nos indicou o caminho para chegarmos aqui. Queríamos muito conhecer o Rei que veio até nós para renovar o mundo e salvar a humanidade. José e Maria estavam sem palavras com tudo aquilo e Judith arregalava os olhos de surpresa e alegria. Mais boquiabertos ficaram quando viram um dos viajantes a oferecer ouro, dizendo que simbolizava a realeza de Jesus, outro a presentear incenso, para representar a sua divindade e o outro a doar mirra para significar a sua humanidade. José e Maria receberam os presentes e só conseguiram sorrir e dizer ‘obrigado’ vezes sem conta. De seguida, despediram-se e, após lhes terem contado que haviam visitado o Rei Herodes no seu palácio, aconselharam-nos a ter muito cuidado com ele pois achavam que ele poderia tentar fazer mal ao menino. Judith ficou de repente muito triste e, depois de dar muitos beijos ao menino, entregou-o cuidadosamente à mãe, dizendo: – Estamos cansados da maldade dos romanos que invadiram a nossa terra e exploram cruelmente o nosso povo. Vocês têm de sair rapidamente da cidade para que o bebé não corra perigo algum. José e Maria abraçaram a menina e viram nas suas palavras um sinal de Deus para que fugissem dali para bem longe. Não podiam permitir que algo de mal acontecesse ao seu filho. Então, Judith chamou os pais e contou-lhes o que se estava a passar. O pai diligentemente preparou o burrinho e arranjou uma carrocinha e a mãe improvisou umas malinhas para levarem a roupa e alguns presentes que José, Maria e Jesus haviam recebido. 18


Já com tudo prontinho para partir, José viu um pinhão no chão e ofereceu-o á menina, dizendo-lhe: – Judith, nunca mais nos esqueceremos do que fizeste por nós e pelo menino. Semeia este pinhão e que o pinheiro que vai nascer te recorde o nascimento de Jesus e te convide a olhar para o alto e a invocar o Deus que veio até nós para nos elevar até Ele. E para que seja um pinheiro diferente e fique mais bonito, depois até o podes decorar… De seguida, Maria apanhou três pedrinhas de diferentes tamanhos e rabiscou rapidamente umas carinhas e umas roupinhas e disse: – Judith toma estas três figurinhas… Esta pedrinha maior representa o meu marido José. Esta, um pouco mais pequena, representa-me a mim… E esta pequenina representa o menino que ajudaste a nascer. Coloca-as num sítio especial na tua casa. Não te esqueças de nós. Gostava muito que nos voltássemos a encontrar… A Judith ficou comovida e soltou algumas lágrimas num misto indelével de alegria e tristeza. Voltou a pegar no menino ao colo e encheu-o de beijos. O menino agarrou nos seus dedos e parecia não querer sair dali, como que a dizer-lhe que ela tinha sido o melhor presente que recebera em Belém. Então, enquanto a carrocinha de José e Maria ia mergulhando na escuridão da noite, Judith, encostando o pinhão e as três pedrinhas junto ao coração, disse aos pais com o maior sorriso do mundo: – Gostei tanto de conhecer José e Maria e adorei ajudar Jesus, o Filho de Deus, a nascer… Tive a sorte de tê-lo ao colo e de brincar com ele. Havemos de nos reencontrar e tenho a certeza de que seremos grandes amigos.

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Índice Prefácio............................................................................................ 5 1 - Com licença!............................................................................... 9 2 - O rapazinho do estábulo de Belém............................................ 13 3 - O burro do presépio ................................................................. 20 4 - O menino de Nazaré................................................................. 23 5 - Um poema chamado Maria....................................................... 31 6 - As aventuras do jovem Emanuel............................................... 41 7 - O jovem que tocava flauta........................................................ 50 8 - Uma vida radical e sem aparências............................................ 55 9 - O discurso da montanha........................................................... 58 10 - O papagaio da menina Maria................................................. 67 11 - O contador de histórias........................................................... 70 12 - Jesus e a raposa da montanha................................................. 80 13 - Um atleta radical..................................................................... 83 14 - O maior super-herói de todos os tempos................................. 89 15 - A virgem Maria e a sua amiga Sarah....................................... 97 16 - Jesus e as mulheres................................................................ 105 17 - Aquele que era amigo de todos os animais............................ 113 18 - E eu (também) orava…......................................................... 122 19 - A mãe de Jesus e o seu gato branco....................................... 131


20 - O nazareno e a natureza….................................................... 134 21 - E eles seguiram o mestre….................................................... 142 22 - O homem que ensinou a amar.............................................. 149 23 - Simplesmente Maria de Nazaré............................................. 156 24 - Aquele de quem todos falavam….......................................... 163 25 - Jesus e Caio, o soldado romano............................................ 166 26 - Eu sou a Vida na vossa vida!................................................. 173 27 - Jesus e o Espírito Santo......................................................... 177 28 - O segredo da felicidade......................................................... 184


E se pudéssemos reler as histórias que nos falam de Jesus pelos olhos de outros personagens? Noutros cenários? De outras perspetivas?

mantêm-se próximas da versão original.

Sobre o autor: Paulo Costa é natural de Ovar. Licenciado em Teologia, tem ainda, um Mestrado em Teologia Sistemática e uma Pós-Graduação/Especialização em Educação Sexual. É professor de EMRC há duas décadas no Colégio de Lamas. É também autor de livros de contos e histórias amplamente usados em contextos educativos escolares e catequéticos.

Histórias DAQUELE TEMPO

E assim nasceu este livro! A partir do seu estudo e reflexão sobre os Evangelhos, o autor reconta com as suas palavras inúmeros episódios da Sagrada Escritura. Mantendo a fidelidade ao espírito dos textos sagrados, Paulo Costa desafia o leitor a olhar de uma forma original para Jesus Cristo. A reler episódios que já terá ouvido muitas vezes, com palavras deste tempo. Algumas das narrativas propõem novos cenários e personagens, outras

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