Orar a vida de Maria

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Em ambos, sugere-se a mesma estrutura: - Apresentação da Festa - Texto de Contemplação - Invocação. “Três palavras resumem a atitude de Maria: escuta, decisão e acção; Palavras que indicam um caminho também para nós diante daquilo que o Senhor nos pede na vida. Escuta, decisão e acção.” (Papa Francisco, Roma, 31 de Maio de 2013, Conclusão do mês Mariano)

Sobre o autor: Eusebio Ángel Moreno Sancho é sacerdote espanhol da diocese de Sigüenza-Guadalajara. Licenciou-se em Teologia pela Faculdade de Burgos e obteve o grau de doutor em Teologia pela Universidade de Salamanca, com a apresentação e defesa da tese “A imagem de Cristo na contemplação de Santa Teresa de Jesus”. Conhecedor da Vida Consagrada, sobretudo na sua dimensão monástica, dirige o centro de acolhimento e oração do Mosteiro de Santa Maria Buenafuente del Sistal e o centro de acolhimento para pessoas portadoras de deficiência com a ajuda das Irmãs da Caridade de Santa Ana.

Rua Duque de Palmela, 11 4000-373 Porto Tel.: 22 53 657 50 editora@edicoes.salesianos.pt www.edisal.salesianos.pt

ÁNGEL MORENO

Um livro de devoção mariana fundamentado na Bíblia e no calendário litúrgico. Sugere dois itinerários devocionais à mãe de Jesus. O primeiro percorre o calendário litúrgico, assinalando as festividades marianas. O segundo segue a ordem da sua vida, sublinhando uma faceta do seu testemunho.

ORAR A VIDA DE MARIA

ORAR A VIDA DE MARIA

ÁNGEL MORENO

ORAR A VIDA

MARIA DE



Ă ngel Moreno

Orar a vida de

MARIA


Ficha técnica: © Eusebio Ángel Moreno Sancho © 2016 Editorial CCS – Madrid (Espanha) Titulo Original: ORAR LA VIDA DE MARÍA © Edições Salesianas, 2019 Rua Duque de Palmela, 11 4000-373 Porto Tel. 225 365 750 editora@edicoes.salesianos.pt www.edisal.salesianos.pt Publicado em Março de 2019 Capa: Paulo Santos Paginação: João Cerqueira Tradução: Antero Ferreira Revisão: Beatriz Jardim Impressão: Printgroup ISBN: 978-989-8850-94-2 Depósito Legal: 452515/19


INTRODUÇÃO

O

calendário litúrgico é um verdadeiro acompanhamento espiritual, pois oferece todos os dias a novidade do santoral e dos diversos textos bíblicos para celebrar os dias do Senhor, assim como festas e solenidades em honra de Nossa Senhora, a Virgem de Nazaré. Sem ser exaustivos, porque, além do calendário litúrgico geral, existem os calendários particulares de dioceses, ordens religiosas, comunidades… vamos deter-nos a contemplar a vida de Maria nas suas festas, ao longo do ano. O Papa Francisco, na sua visita à basílica de Santa Maria Maior, em Roma, ­estimula-nos no projecto de orar a vida de Maria, por sua vez fonte de vida: toda a existência de Maria é um hino à vida, um hino de amor à vida: gerou Jesus na carne, e acompanhou o nascimento da Igreja no Calvário e no Cenáculo. A Salus Populi Romani é a mãe que nos dá a saúde no crescimento, para enfrentar e superar os problemas, em tornar-nos livres para as opções definitivas; a mãe que nos ensina a ser fecundos no bem, na alegria, a não perder nunca a esperança , a dar vida aos outros, vida física e espiritual (Francisco, 4 de Maio de 2013). Na hora de contemplar as diferentes invocações marianas que adornam o ano litúrgico, cabe ordená-las de maneira sucessiva, seguindo o processo biológico da Virgem Maria, desde a sua Conceição Imaculada à sua Assunção ao céu e Coroação como rainha de toda a criação. Contudo, por pedagogia, talvez seja mais fácil orar e contemplar a vida de Maria seguindo o calendário litúrgico por ordem cronológica e segundo as datas em que se celebra cada festa mariana.

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Esta distribuição que parece mais inteligível, impede, de certa maneira, que nos fixemos em dimensões e motivos que não se invocam explicitamente como festa litúrgica e são causa de oração. Por esta razão, divido em duas partes os quadros e cenas que descrevem a vida de Maria: o primeiro segue as festividades e invocações na ordem do calendário anual; o segundo segue a ordem da vida de Maria, em contemplação da beleza divina, revelada na criatura mais perfeita, na Cheia de graça.

Festas e solenidades de Nossa Senhora 1 de Janeiro 24 de Janeiro 2 de Fevereiro 11 de Fevereiro 25 de Março 27 de Abril Mês de Maio 13 de Maio 24 de Maio 31 de Maio 27 de Junho 16 de Julho 15 de Agosto 22 de Agosto 8 de Setembro 12 de Setembro 15 de Setembro 24 de Setembro 7 de Outubro 12 de Outubro 21 de Novembro 8 de Dezembro 12 de Dezembro 18 de Dezembro

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A Mãe de Deus Nª Senhora da Paz Nª Senhora da Purificação Nª Senhora de Lurdes Nª Senhora da Anunciação Nª Senhora de Monserrat Mês de Maria Nª Senhora de Fátima Nª Senhora Auxiliadora Nª Senhora da Visitação Nª Senhora do Perpétuo Socorro Nª Senhora do Carmo Nª Senhora da Assunção Nª Senhora Rainha Nª Senhora da Natividade Santíssimo Nome de Maria Nª Senhora das Dores Nª Senhora da Misericórdia Nª Senhora do Rosário Nª Senhora do Pilar Nª Senhora da Apresentação Nª Senhora da Conceição Nª Senhora de Guadalupe Nª Senhora da Esperança


Oração a Santa Maria Nossa Senhora, Santa Maria, desposada pelo varão justo, que te levou para sua casa por obediência ao anjo do Senhor. Eu não posso comparar-me com S. José, mas convido-te a vir a minha casa. Sê tu a Senhora do meu lar. Mãe de Deus, eu não sou como tua prima Isabel que, cheia do Espírito Santo, te abriu os seus braços e te proclamou bendita entre todas as mulheres. Mas, como ela, também desejo que entres em minha casa como arca da Aliança, pois, pelo fruto bendito do teu seio, ao passares, ficam abençoadas todas as gentes. Virgem e Mãe, quisera eu ser como o discípulo fiel, aquele que teve a sorte de reclinar a cabeça sobre o peito de teu Filho, e que recebeu d’Ele o encargo de te levar para sua casa, quando, junto da cruz, te disse: «Aí está tua mãe». Recebe-me em tua casa, já que não posso arrogar-me o título que me dê o direito de levar-te à minha; mas se o desejas, vem comigo. Virgem Maria, não sofras intempérie injusta, entra em minha vida e, se aceitares a minha disponibilidade, me unirei ao teu Magnificat, e cantaremos juntos as misericórdias do Senhor, um canto de louvor até por aquilo que não compreendo, como tu mesma fizeste perante o anúncio do anjo. Sei que, por onde passas, tudo se enche de alegria, e quem entra em contacto contigo fica cheio de felicidade. Até o pequeno João saltou, contente, no seio de sua mãe, quando te aproximaste dela, e os pastores que acudiram para ver o que lhes tinham dito do teu Filho, vinham felizes ao voltar. Se tu aceitares vir comigo, não me faltará a paz e a alegria do coração. Santa Maria, exerce comigo a tua sabedoria e a tua ternura de mãe, as quais me defenderão de todo o sentimento de orfandade e de toda a solidão injusta. E o que te peço para mim faz também com todos os que precisam de ti, como aqueles que tentam resolver os seus problemas só com as suas forças e se rendem sem forças nem esperança ao ver o fracasso dos seus anseios. Hospeda-te na casa dos que se sentem mais sós, fora da sua terra, longe da sua família, errantes, sem porta a que bater, algo vagabundos, desamparados na hora de tomar consciência da sua identidade mais íntima. Tu és, por vontade do Filho de tuas entranhas, nossa mãe. Roga por nós, grita ante o céu, faz-te eco de todos os que sofrem e desejam encontrar um sentido para as suas vidas. 5



Parte I

A VIDA DE MARIA NAS DIVERSAS FESTIVIDADES


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Janeiro

A MÃE DE DEUS Solenidade da Mãe de Deus (Números 6, 22-27; Salmo 66; Gálatas 4, 4-7; Lucas 2, 16-21)

FESTA O primeiro dia do ano convida-nos a venerar e invocar a Mãe de Jesus como Mãe de Deus. É a «oitava do Natal». Se dia 25 de Dezembro a atenção esteve posta no Menino, prenda de Deus, na «oitava» centramo-nos na «Mãe deste Menino de Deus». A festa tem as suas raízes na verdade definida e proclamada no Concílio de Éfeso, no século V. Desde então, os cristãos rezam a Nossa Senhora: «À vossa protecção recorremos, Santa Mãe de Deus…». É significativo que o novo calendário litúrgico tenha fixado a festa da Mãe de Deus no começo do novo ano civil. A Virgem aparece assim como guia do caminho, estrela da manhã, aurora dos tempos, farol do porto, amor entranhado para a travessia. Hoje também se celebra o Dia Mundial da Paz. A promessa feita por Deus a David, o juramento e a aliança selados no tempo do profeta Natan – «Vai dizer ao meu servo David: Vou pôr-te em paz com todos os teus inimigos, far-te-ei grande e dar-te-ei uma dinastia. “A tua casa e o teu reino permanecerão para sempre diante de mim, e o teu trono estará firme para sempre”» (2 Samuel 7, 16) – e o canto do salmista (Salmo 88) cumpriram-se no momento em que Maria, a Virgem de Nazaré, deu à luz o seu Filho primogénito. O Pregão que se canta no Natal anuncia que quando todo o mundo gozava de paz, nasceu a Palavra. Naqueles dias, as nações gozavam uma paz estável.

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CONTEMPLAÇÃO Na hora de meditar o Mistério da Encarnação não nos habituamos à verdade que dá origem à fé cristã: que Deus, o Criador de tudo, tenha querido fazer-Se um de nós e nascer de mulher. Talvez também Maria não se tenha habituado a que Deus a tivesse escolhido precisamente a ela, quando sentia a evolução do Menino em suas entranhas e quando depois O viu crescer como todos os outros rapazes. A oração mais simples que aprendemos desde pequenos, e que encerra a saudação do anjo à Virgem: «Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco»; e a saudação de Isabel, a mãe do Precursor, e sua prima: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do vosso ventre», completa-se com a resposta que dá o povo ao terminar a oração, com o reconhecimento explícito da maternidade divina de Maria: «Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amén».

INVOCAÇÃO Virgem de Nazaré, desejamos oferecer-te, no início do ano, o lugar mais sagrado de nós mesmos, a hospitalidade que nos possibilita o dom recebido do teu próprio Filho, ao fazer-nos templos do Espírito. Oferecemos o que nos deste, sem mérito nosso. Sem grande mérito da nossa parte, queríamos ser como o discípulo fiel, aquele que teve a sorte de reclinar a cabeça sobre o peito do teu Filho, e que, junto da cruz, recebeu d’Ele o encargo de te levar para sua casa: «Aí tens tua mãe». Recebe-nos em tua casa, e ainda que não tenhamos a pretensão de ter direito de te levar para a nossa, se o desejas, vem connosco, habita na nossa família. Como fazem os cristãos desde os primeiros séculos, reconhecemos-te e cantamos à tua maternidade divina. Se tu aceitares vir connosco, não nos faltará, ao longo do tempo, a paz interior e a alegria do coração. Santa Maria, Mãe de Deus e nossa, toma posse da nossa casa, que é a tua. Exerce connosco a tua sabedoria e a ternura de mãe, as quais nos defenderão de todo o sentimento de orfandade e de toda a solidão injusta. 9


O que te pedimos para nós, torna-o realidade com todos os que necessitam de ti. Lembra-te dos que tentam resolver os seus problemas só com as suas forças, e se rendem esgotados e sem esperança ao ver o fracasso dos seus esforços. Hospeda-te especialmente na casa dos que se sentem mais sós, fora da sua terra, longe da família, errantes, sem porta a que bater, algo vagabundos na hora de tomar consciência da sua identidade mais íntima. Tu és, por vontade do Filho de tuas entranhas, mãe nossa. Roga por nós, eleva a tua voz ao céu, como eco de todos os que sofrem e desejam encontrar sentido para as suas vidas. Ámen!

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Fevereiro

MARIA NA APRESENTAÇÃO DE JESUS NO TEMPLO Nª Senhora da Purificação: Maria apresenta o seu Filho (Malaquias 3, 1-4; Salmo 23; Hebreus 2, 14-18; Lucas 2, 22-40)

FESTA Aos 40 dias da Natividade, a Igreja celebra a Apresentação do Menino Jesus no templo, segundo a lei de Moisés. A liturgia centra o seu olhar no Menino Jesus (é uma festa cristológica), mas é Maria quem O leva nos braços. E relembra a imagem do silvado que fornece o cordeiro para a expiação, no relato do sacrifício de Abraão. A festa de hoje, de certo modo, está unida à da Epifania. Ao ouvir o canto do velho Simeão, ecoa-nos já a vontade divina de enviar o seu Filho ao mundo para o salvar: «Luz para iluminar as nações», «apresentado a todos os povos». Celebramos a consagração de Jesus, sentimos o chamamento de reconhecer n’Ele o nosso modelo e segui-lo, que é um processo como o que descreve S. Lucas no seu evangelho: «O Menino ia crescendo e se robustecia, e se enchia da sabedoria; e a graça de Deus o acompanhava». A vela que se benze neste dia e se leva na mão é sinal da nossa profissão de fé em Jesus Cristo, o filho de Maria, nosso Salvador, e da renovação dos nossos compromissos cristãos.

CONTEMPLAÇÃO Na apresentação do Menino Jesus no Tempo concentram-se muitos significados. Os pais de Jesus cumprem a imposição da lei: «Jesus participou da nossa carne e sangue» para compadecer-se de nós, tomou a nossa natureza. «Assim como Ele passou pela prova da dor, pode ajudar os que agora passam por ela», diz o autor da carta aos Hebreus. 11


Surpreende a Providência de Deus, a sua forma de fazer história. À hora do nascimento do seu Filho em Belém, são uns pastores a receber a notícia. Hoje, são dois anciãos que reconhecem no pequeno Jesus, o Senhor. «Os meus olhos viram o teu Salvador», exclama o ancião. O profeta Malaquias convida a olhar: «Olhai, eu envio o meu mensageiro…» «Vede-o entrar». O ancião Simeão exulta porque viu o Senhor. Hoje é um dia de júbilo, de contemplação, de admiração. Deus feito homem; o Filho de Deus apresentando-Se como um homem qualquer, submetendo-Se à lei. O relato fala-nos de Maria, a quem é profetizado um futuro doloroso. E de Jesus se diz que será um estandarte discutido. Em nenhum momento soam trombetas para receber o Senhor, ainda que a Igreja e o coração do crente apelem ao Salmo 23, para receber com todas as honras, aquele que vem salvar o universo: «Portões, levantai os umbrais, que se elevem as portas antigas: vai entrar o rei da glória». Mas a realidade foi bem diferente.

INVOCAÇÃO Obrigado, Senhora, por nos ensinares a guardar e a meditar a Palavra de Deus no coração, exercício pelo qual se unifica a mente com os lábios. Quem recebe a ­Palavra no santuário do seu coração nunca se sentirá só e, ao mesmo tempo, desfrutará de paz interior. O coração habitado pela Palavra sempre se encontra acompanhado, e saboreia uma experiência imensamente consoladora. Tu foste terra boa em que a semente da Palavra divina, ao entrar em ti, deu fruto abundante. Pelo fruto bendito do teu seio, mostras-nos como, ao receber a Palavra nas entranhas, se alcança a possibilidade de ser fecundos. Porque quem deixa entrar a Palavra em seu coração permite que a sua existência seja afetada e se converta em testemunho do que Deus faz no interior de cada pessoa. Contemplando-te com o Menino Jesus nos braços, descubro que quem recebe a Palavra e a alberga dentro de si convive permanentemente com a força e a presença de Deus. Quando se age a partir da Palavra escutada dentro, como tu fizeste, actua-se com liberdade de coração e mostra-se que a eficácia da ação depende de que seja fruto da Palavra guardada e meditada no coração. 12


Maria, obrigado, porque mostras onde cada um leva o seu tesouro: escondido no seu interior. Quando se acolhe a Palavra, recebe-se a chave para abrir a porta secreta em que se guarda a pedra mais preciosa, que é a descoberta de saber-se habitados por Deus. Tu és mestra de oração, que nos indica a exigência da unificação do ser, atitude obsequiosa ante o melhor hóspede. Quando permitimos que a Palavra habite dentro de nós, ela chega a declarar-nos o amor de Deus. Contigo, Senhor, aprende-se a dar assentimento à Palavra, deixando que se introduza nas entranhas. De tal maneira que aqueles que a ouvem, a acolhem, e lhe obedecem alcançam o conhecimento de se saberem filhos de Deus.

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Parte II

A BELEZA DE DEUS. CONTEMPLANDO A CRIATURA MAIS PERFEITA DA CRIAÇÃO


INTRODUÇÃO

A OBRA MESTRA DO CRIADOR Detém-te por um momento, como fez o anjo Gabriel, perante a criatura que Deus preparou para dar morada ao seu Filho. Não penses em nada, contempla só; desperta a tua atenção e, como quem se detém ante a Anunciação de frei Angélico ou as Maternidades de Morales, deixa que circule em ti o sentimento, ao ver nesta mulher a acção transbordante da graça divina.

INVOCAÇÃO Santa Maria, pelo que demorou a Igreja em propor a tua Conceição Imaculada como verdade de fé, deduzo que tu própria desconhecias a grandeza do privilégio que Deus te concedeu ao fazer-te nascer sem pecado. Contudo, que foi que te levou a cantar que o Todo-poderoso fez grandes obras em ti? Como interpretaste a saudação do anjo do Senhor quando te chamou «Cheia de Graça»? Se nós, que somos pecadores, temos assomos do amor de Deus, da sua passagem pela nossa vida, através das moções consoladoras que nos concede, sentias tu algo de especial na alma que te fizesse intuir ou perceber o esbanjamento da graça de Deus? Quando nasce um menino é muito frequente que as parteiras e parentes lhe atribuam algumas parecenças com os pais. Quando deste à luz o teu filho primogénito, achaste-O parecido contigo? E se o teu filho se parecia contigo, e tu foste feita à imagem e semelhança do Primogénito de toda a criatura, o Verbo eterno, ao ir crescendo o pequeno Jesus, revias-te n’Ele? 50


Se o relato bíblico da criação narra que Deus fez o homem à sua imagem, homem e mulher os criou; e segundo o Apóstolo S. Paulo, Jesus Cristo é o primeiro em tudo, tu, Virgem Maria, foste feita por Deus como a criatura mais perfeita e parecida ao teu Filho? Ao contemplar-te, Virgem Imaculada, não só me deixas admirar a obra de Deus em ti; mas, ao meditar o que tu és por graça especial de Deus e como dom único, revelas-te a mim como identidade resgatada pelo teu Filho para toda a humanidade. Porque Deus quis fazer-Se homem em tuas entranhas, nós agora somos também semelhantes ao Filho de Deus. Esta revelação acontece-nos, como aconteceu contigo, que desconhecias até que extremo estavas isenta de pecado, quando percebemos até que ponto Deus nos vê semelhantes ao seu Filho único, teu próprio Filho. Virgem Imaculada, quero unir-me ao teu cântico e bendizer contigo a Deus e proclamar as suas maravilhas, manifestadas em ti e prolongadas por toda a humanidade, graças à redenção de Jesus, fruto bendito do teu ventre. Proclama a minha alma a grandeza do Senhor. Proclama a minha alma a misericórdia do Senhor. Proclama a minha alma as maravilhas do Todo-poderoso, porque quis fazer-Se em ti nosso irmão, porque fomos remidos, e levarmos na nossa identidade mais íntima a semelhança com o Filho de Deus. Maria, ao olhar o teu Filho, reconhecias-te n’Ele? E ao ver-nos a nós, ­reconheces-nos como filhos teus? Lembra a herança que Jesus te deixou na Cruz: «Mulher, aí tens o teu filho.» Santa Maria, não abandones a obra que o teu próprio Filho fez com tanto amor em nosso favor, para que não destruamos o que há de mais nobre da nossa identidade humana.

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MARIA, REFLEXO DA BELEZA DIVINA

A BELEZA DE DEUS Maria é a criatura mais bela, na qual Deus Se extasiou e sobre a qual derramou a plenitude da graça. Em Maria podemos admirar a beleza divina. «Escolhida para ser a mãe do Filho de Deus, Maria esteve preparada desde sempre pelo amor do Pai para ser a Arca da Aliança, entre Deus e os homens» (Francisco MV 24). Os Padres da Igreja aplicam a Maria o salmo: “Ouve, filha, afina o ouvido; o rei está enamorado de tua beleza (Salmo 45).” Maria é reflexo da beleza de Deus, a melhor obra de suas mãos, a manifestação da ternura, graça, prenda da Providência. Nela Se extasiou o Pai, tomou carne o Filho, Se derramou o Espírito Santo. Maria é o sorriso de Deus, o resplendor da luz de Deus, a glória do poder do céu, manifestado na simplicidade, discrição, humildade, fidelidade, fé, confiança, silêncio e diligência da Vigem Nazarena. O Papa Bento XVI disse, dirigindo-se aos artistas: «A beleza, como a verdade, é o que põe a alegria no coração dos homens.» «A experiência da beleza, da beleza autêntica, não efémera nem superficial, não é algo acessório ou secundário na busca do sentido e da felicidade, porque essa experiência não afasta da realidade, mas, pelo contrário, leva a um diálogo aberto com a vida diária, para a libertar do esquecimento e a transfigurar, a fim de a tornar luminosa e bela.» A prenda de Deus ao criar a Virgem imaculada livra-nos do que há de prosaico e obscuro na nossa vida. Se numas pedras ou num bloco de mármore as mãos do artista talham tanta beleza como contemplamos, por exemplo, na Pietá de Miguel Ângelo, que não poderemos nós sentir diante da obra-prima do Criador, a sua Mãe? Maria é a cheia de graça, de harmonia, de amor; tudo nela é verdade e bondade. Nela se concentrou 52


todo o poder do melhor artista. É a Imaculada, a isenta do pecado, a perfeita, mesmo se ela se sente serva do Senhor. O mistério da Imaculada Conceição, festa da beleza divina, revela-nos uma relação ­essencial entre o Criador e a criatura. Dos seres criados por Deus é a mais formosa e mais humilde. O gesto divino é ao mesmo tempo o mais transfigurador e o mais discreto, o mais amoroso e o mais íntimo. Deus guardou o tesouro da criação no segredo, e quando o olhava, alegrava-Se, sentia o gozo de ver já em Maria uma geração nova, uma nova humanidade, terra habitável, cumulada de graça e de formosura, alegria da Trindade Santa. Em Maria, Deus construiu a sua nova Arca da Aliança; deteve-Se para levantar a nova Tenda do Encontro. O três vezes santo edificou em Maria o templo sagrado em que habitaria a sua glória. Maria, desde o primeiro momento da sua existência, recebeu a vocação de ser a padeira santa do pão do céu, a casa de Deus entre os homens, o recinto íntimo do Filho amado de Deus. A celebração da Imaculada Conceição convida-nos a agradecer a Deus a sua acção misericordiosa em Maria, e também a elevar o nosso canto de louvor, porque da mesma maneira que ninguém se apercebeu da acção privilegiada em Maria, também em cada um de nós age Deus, talvez nem nós mesmos sejamos conscientes do amor esbanjado sobre o nosso coração de forma permanente. «Vós sois os guardiães da beleza», disse o Papa Bento XVI aos artistas. Ante estas palavras, quando concordamos em acolher Maria e tratá-la com amor, delicadeza, sensibilidade e respeito, tornamo-nos verdadeiros artistas, porque nos convertemos em custódios da beleza de Deus. S. José e o discípulo amado souberam levar a Mãe de Jesus para casa, onde a acolheram com respeito e amor.

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A CHEIA DE GRAÇA

FESTA Existe a invocação a Maria como «Nossa Senhora das Graças». Poderiam ser muitas as datas para celebrar este mistério mariano, pois desde a sua concepção imaculada, Deus derramou sobre ela todos os dons. Mesmo que a razão bíblica do título nos seja revelada na Anunciação, a Virgem das Graças costuma celebrar-se em algumas terras, que a honram como padroeira, no primeiro Domingo de Setembro, por volta da festa do seu nascimento. O anjo do Senhor saudou Maria com o nome mais identificativo dos que se dão a Nossa Senhora: «Cheia de Graça». Mas já o era no momento da sua concepção.

CONTEMPLAÇÃO O anjo chama a Maria «amada de Deus», «cumulada de graça». Destes nomes deriva a identidade da Virgem nazarena; neles se descobre a obra mais preciosa do Criador. Orígenes observa que semelhante título nunca foi atribuído a um ser humano e que não se encontra em nenhuma outra parte da Sagrada Escritura (Lucas 6, 7). É um título expresso em voz passiva, mas esta «passividade» de Maria, que desde sempre e para sempre é «amada pelo Senhor, implica o seu livre consentimento, a sua resposta pessoal e original: ao ser amada, ao receber o dom de Deus, Maria é plenamente activa, porque acolhe com responsabilidade pessoal a onda do amor de Deus que se derrama nela. Também nisto ela é a discípula perfeita do seu Filho, o qual realiza totalmente a sua liberdade na obediência ao Pai, e precisamente obedecendo, exercita a sua liberdade» (Bento XVI, Homilia 2006).

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Ao contemplar a Cheia de Graça, admiramo-la como receptora dos dons do Espírito Santo. O dom da Sabedoria é o dom do Amor de Deus. Se alguma criatura foi amada por Deus, e lhe correspondeu com amor de caridade, foi esta mulher escolhida para ser Mãe do Verbo encarnado. Ela amará Jesus em todos os momentos. Graças ao amor maternal de Maria pelo seu Filho, Jesus foi durante toda a sua história o Amado de Deus através do amor de sua Mãe bendita. O dom do Entendimento começa na leitura crente da história. Isabel, sua prima, saúda e felicita a Maria com estas significativas palavras: «Bendita sejas, tu que acreditaste, porque o que o Senhor te disse, se cumpriu.» Maria mostrou-nos que foi cumulada com o dom do Conselho. Poucos textos são mais eloquentes, em relação ao dom do Conselho, do que a passagem do evangelho de S. João em que se descreve Maria dizendo aos serventes da boda: «Fazei o que Ele vos disser». Quem seguir esta indicação experimentará a maior plenitude possível, a sua humanidade divinizada. O dom do Conselho é necessário para saber escolher no dia a dia o que Deus quer, não só o que é lícito, mas o que é melhor; supõe-se «discernir qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que lhe é agradável, o que é perfeito» (Romanos 12, 2). Maria, graças ao dom do Espírito, correu à montanha a servir a sua prima Isabel. O ícone do Monte Calvário representa Maria, a Mãe de Jesus, de pé junto da Cruz, da qual está pendente o seu Filho amado. Mulher, que por dom e graça do Espírito, foi cumulada com o dom da Fortaleza. O Espírito encheu Maria do dom da Piedade; ela entoa o Magnificat ao seu Senhor, como canto de louvor. Ela reúne-se com os discípulos de Jesus em oração, expressão da amizade com Deus, como Santa Teresa de Jesus define a oração, e explica o Papa Francisco, que é o dom da Piedade.

INVOCAÇÃO «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será chamado Filho de Deus» (Lucas 1, 35). Maria, cheia de graça! Assim te saúda o Anjo do Senhor e te comunica que o Espírito Santo te inundará da sua força e gerarás o Verbo divino no teu seio. Na verdade, és Mãe de Deus. 55


Jesus, na sinagoga de Nazaré, no princípio da sua missão pública, leu a passagem do profeta Isaías: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a ­Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano ­favorável da parte do Senhor» (Lucas 4, 18-19). Em passagem anterior, o mesmo evangelista escreve acerca de ti e põe em teus lábios, em forma de hino, a antecipação da missão que o Pai confiou a seu Filho que tu deste à luz: «O Poderoso manifestou a força do seu braço, dispersou os que são soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu-os de bens e despediu os ricos sem nada. Acolheu a Israel, seu servo, recordando-se da sua misericórdia» (Lucas 1, 51-54). O mesmo Espírito consagrou-te como Amada de Deus e ungiu o teu Filho como Messias. O Espírito que te cumulou de graça foi Quem encheu a tua prima Isabel na tua presença, e ela irrompeu em saudações para ti: «Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou-lhe de alegria no seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Então, erguendo a voz, exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre”» (Lucas 1, 41-42). Foste tu que reuniste os discípulos do teu Filho na sala de cima, em que se tinha celebrado a ceia santa, e ali, em oração comunitária e íntima, aguardastes o dom supremo do Ressuscitado, o Espírito Santo. No Pentecostes, o Espírito que fez possível que concebesses no teu seio o Verbo Divino, constituiu-te Mãe da Igreja para acolheres sob o teu olhar todos os discípulos de Jesus. Advogada nossa, roga a teu Filho por nós, para que também saboreemos o dom precioso do Espírito Santo, e que Ele nos conceda, entre todos os dons, o de entender a vontade de Deus sobre nós, e o de anunciar a Boa Nova aos pobres com alegria, como tu mesma fizeste.

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Índice

Introdução..............................................................................................................................3 Parte I: A vida de Maria nas diversas festividades.......................................7 A mãe de Deus...............................................................................................................8 Maria na apresentação de Jesus no templo................................................................11 Maria na encarnação do verbo de Deus.....................................................................14 Nossa Senhora Auxiliadora..........................................................................................16 Visitação de Nossa Senhora.........................................................................................19 A assunção de Nossa Senhora ao céu.........................................................................22 Nossa Senhora Rainha.................................................................................................25 A natividade da virgem Maria......................................................................................29 Santíssimo nome de Maria..........................................................................................32 Nossa Senhora das dores.............................................................................................35 Apresentação de Maria no templo..............................................................................39 A Imaculada Conceição................................................................................................43 Nossa Senhora da Esperança.......................................................................................46 Parte II: A beleza de Deus, contemplando a criatura, mais perfeita da criação ...............................................................................49 Introdução....................................................................................................................50 Maria, reflexo da beleza divina....................................................................................52 A cheia de graça............................................................................................................54 A serva do Senhor........................................................................................................57 Maria, a crente..............................................................................................................60 Maria, a mulher abençoada.........................................................................................63 Nossa Senhora do magnificat....................................................................................65 Maria, mãe de misericórdia.........................................................................................68 Maria, mãe da palavra..................................................................................................71 Santa maria de caná.....................................................................................................74 Maria, mulher eucarística.............................................................................................77 Maria, a mulher forte...................................................................................................79 Maria, mãe de todos os homens.................................................................................83 Mãe dos apóstolos........................................................................................................87 Maria, mãe da igreja.....................................................................................................90 Maria, virgem peregrina...............................................................................................93 Maria, mãe e companheira do género humano.........................................................95 Epílogo....................................................................................................98 Ladainhas..............................................................................................100 104


Em ambos, sugere-se a mesma estrutura: - Apresentação da Festa - Texto de Contemplação - Invocação. “Três palavras resumem a atitude de Maria: escuta, decisão e acção; Palavras que indicam um caminho também para nós diante daquilo que o Senhor nos pede na vida. Escuta, decisão e acção.” (Papa Francisco, Roma, 31 de Maio de 2013, Conclusão do mês Mariano)

Sobre o autor: Eusebio Ángel Moreno Sancho é sacerdote espanhol da diocese de Sigüenza-Guadalajara. Licenciou-se em Teologia pela Faculdade de Burgos e obteve o grau de doutor em Teologia pela Universidade de Salamanca, com a apresentação e defesa da tese “A imagem de Cristo na contemplação de Santa Teresa de Jesus”. Conhecedor da Vida Consagrada, sobretudo na sua dimensão monástica, dirige o centro de acolhimento e oração do Mosteiro de Santa Maria Buenafuente del Sistal e o centro de acolhimento para pessoas portadoras de deficiência com a ajuda das Irmãs da Caridade de Santa Ana.

Rua Duque de Palmela, 11 4000-373 Porto Tel.: 22 53 657 50 editora@edicoes.salesianos.pt www.edisal.salesianos.pt

ÁNGEL MORENO

Um livro de devoção mariana fundamentado na Bíblia e no calendário litúrgico. Sugere dois itinerários devocionais à mãe de Jesus. O primeiro percorre o calendário litúrgico, assinalando as festividades marianas. O segundo segue a ordem da sua vida, sublinhando uma faceta do seu testemunho.

ORAR A VIDA DE MARIA

ORAR A VIDA DE MARIA

ÁNGEL MORENO

ORAR A VIDA

MARIA DE


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