Catequese Intergeracional Desafios e propostas para comunidades e famĂlias
Maria Isabel Azevedo de Oliveira
Título original: Catequesis Intergeneracional © Maria Isabel Azevedo de Oliveira PPC Editorial e distribuidora (2007) Reservados todos os direitos © Tradução para português (2009) Edições Salesianas Edição portuguesa publicada sob licença da PPC Editorial e distribuidora Edições Salesianas Rua Dr. Alves da Veiga, 124 4022-001 Porto edisal@edisal.salesianos.pt www.edisal.salesianos.pt isbn: 978-972-690-593-6 depósito legal: 294653/09 design de capa: Paulo Santos impressão: Edições Salesianas acabamentos: Gráfica Tadinense, Tadim, Braga
Sabemos que não existe evangelização sem diálogo. Não podemos oferecer respostas sem primeiro escutar as perguntas. Não podemos escutar somente as perguntas para as quais temos respostas. O diálogo a estabelecer situa-se noutro lugar, além da relação entre pergunta e resposta. Ele revela que um mesmo Espírito está em movimento no evangelizador e no evangelizado; o primeiro, se conhece o que propõe, aceita ser convertido por aquele que consentiu escutá-lo.»1 Card. Louis-Marie Billé
Corremos o risco de “Deus se calar porque o ser humano se abstém de testemunhar”: urge criar espaços de reflexão catequética.
Vinde!... Entrai!... Experimentai!… Ficai!... Convidai!... Acompanhai!...
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Card. Louis-Marie Billé, Paroles pour espérer, Mame, 2005, p.32-33
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Primeira palavra Um desafio para o leitor! Antes de iniciar a leitura deste trabalho, desafio o leitor a parar, a dar-se conta e tomar conta. O mundo conhecido oferece segurança, o desconhecido toca os medos que habitam as mentes e faz disparar atitudes de autodefesa que bloqueiam qualquer tentativa de crescimento.
Desde as primeiras linhas, podem comentar: “Este projecto é irrealista!... Não faz sentido... Na situação actual das paróquias e das mentalidades é inviável!...” Pois bem, desafio o leitor a cortar as amarras do medo, do cepticismo, do comodismo e do saudosismo para olhar com “olhos de criança” este trabalho. Tudo o que parece absurdo e quimera merece ser meditado e interiorizado. Quem sabe se o “disparate” não provocará reflexão e abrirá novos caminhos? Este trabalho, baseado nos documentos do Magistério, em re-
7 primeira palavra
Será que viver é ser hoje igual a ontem? Será que a dinâmica de tudo o que vive não é a de estar em constante mutação e desenvolvimento? Será que a suprema dignidade do humano não radica na liberdade de ser, hoje, mais humano do que ontem e, amanhã, melhor do que hoje? Será que ser livre é limitar-se a manter decisões de ontem sem repensar as questões do hoje? Será que a atitude de conversão não implica a conversão dos grupos e das instituições? Será que o discernimento de ontem não merece ser questionado hoje? Será que, a nível individual e comunitário, já atingimos a “estatura de Jesus Cristo”? Será que qualquer desafio nascido de um coração cristão não provoca a pergunta: “Que me quer dizer o Espírito com este sinal?”
primeira palavra
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flexões catequéticas e em experiências já concretizadas, confirma que, de facto, a voz do Espírito quer sugerir algo a partir do conceito da Catequese Intergeracional. Na investigação feita, a noção de Catequese Intergeracional encontra eco em documentos do Magistério, em reflexões teológicas e pastorais e concretiza-se em muitas experiências semeadas pelo mundo. Se os adultos não encontram espaço nas Igrejas, se as crianças desertam as catequeses... será que ainda temos medo de nos arriscar a perguntar ao Espírito: “Que queres dizer com isto, Senhor? Que caminhos aguardam desabrochar?” Esta reflexão não é o fim de um caminho, mas o seu princípio “desajeitado”. Entrego ao leitor este pequeno ensaio para que o aperfeiçoe, transforme, desenvolva e o torne vida sob o olhar atento e sábio do Espírito. Boa missão! Maria Isabel Azevedo de Oliveira
Introdução Porquê falar hoje de Catequese Intergeracional?
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Que retenir de ce foisonnement de recherches et de débats?, in Catéchèse nº 173, ISPC, 2003, p.146
9 introdução
A Catequese Intergeracional (CI) é uma prática comum na Tradição Cristã. Na multidão dos que escutavam Jesus podiam contar-se homens e mulheres, adultos e crianças. Escreve o evangelista Mateus: “Ora os que comeram (depois de O escutar) eram cerca de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças” (Mt 14, 21). Nas primeiras comunidades cristãs, fala-se do grupo dos que abraçavam a fé, homens e mulheres (e com elas obrigatoriamente as crianças). A comunidade não pode ser outra coisa que Intergeracional porque dá nome ao conjunto dos que, em Jesus Cristo, se reúnem para celebrar e viver a fé. A liturgia sendo, por excelência, lugar catequético e lugar da iniciação ao mistério da fé em volta do altar de Jesus Cristo, foi, desde sempre, um espaço Catequético Intergeracional. Porquê falar de CI? No contexto social e eclesial particular do século XXI, a noção de CI, apresentada nesta reflexão, aponta para uma dimensão particular do conceito. A “intergeracionalidade” não se limita ao “estar juntos” numa mesma actividade, mas a viver, em grupo intergeracional, um processo consciente, em que todos os intervenientes são activos nas suas experiências e aprendizagens e se responsabilizam mutuamente pelo crescimento humano e espiritual. Falar de CI é evocar a transmissão da fé como uma “proposta” para todos independentemente da idade e do grau de maturidade da fé. Denis Villepelet afirma: «Uma catequese de proposta não pode nunca supor que a fé já está assimilada como algo que se possui ou não se possui. Ela já não é um a priori catequético. Trata-se de propor a singularidade cristã tanto a pessoas que não a conhecem como às que pensam conhecê-la ou que não se sentem implicadas. Propor não é impor! 2 A CI tem potencial para ser esse espaço de proposta da fé (como primeiro anúncio). A CI é um desafio e, quem sabe, talvez, um apelo urgente da dimensão humana e espiritual dos nossos contemporâneos! Na revista Tabga, coloca-se
a questão do seguinte modo: “As crianças, os jovens, os activos e os reformados, as pessoas de idade avançada não pertencem a uma mesma sociedade? Quais são os seus laços? Qual o seu papel?” 3
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Falamos de Catequese Intergeracional num mundo: em que o individualismo agrilhoou o ser humano dentro de si mesmo e criou periferias de “indesejados”; em que a dignidade humana se tornou efémera e a desconfiança aprisiona o ser em pequenos mundos de “eu”; em que as famílias entre si se tornaram ilhas perdidas num oceano de multidões anónimas; em que o virtual desvirtuou o espaço e o tempo, a dimensão interpessoal e a comunicação profunda; em que a fé perdeu o seu “habitat” de cristandade e o poder de “transmissão automática” na família e na sociedade; em que a fé não é, para muitos, uma condição para a felicidade; em que a fé cristã se apresenta, no “mercado das religiões”, como mais um credo. Falamos de Catequese Intergeracional num espaço paroquial: em que a palavra “paróquia” não é sinónimo de “Comunidade”; em que a comunidade não tomou consciência de que “é a origem, o lugar e a meta da catequese” (DGC 253); em que a catequese de adultos praticamente não existe e se propõe apenas a catequese da infância; em que os catequizandos experienciam um paradoxo entre ambiente paroquial e ambiente familiar e social, e onde a verdade é verdade relativa e contraditória; em que a catequese é entregue a um grupo de “entendidos”; em que os tempos, os ritmos e os métodos catequéticos vão beber, em muitos aspectos, às pedagogias e ritmos escolares e não respondem à tarefa de “iniciar à vida de fé”; 3
Jean Debruynne, Les personnes âgées bousculent la société, in Tabga, nº 8, Nov., Déc. 2005, Jan. 2006
Falamos de Catequese Intergeracional numa família: que deixou de ser um espaço de laços profundos, de diálogo, de estabilidade de transmissão de valores e tradições; em que os adultos perderam credibilidade e deixaram de ser modelos coerentes e significativos; em que a educação se tornou tarefa difícil da qual muitos se demitem; em que os valores materiais suplantaram os valores humanos; em que a transmissão da fé não é um imperativo; em que entre a família e o catequista não se criam pontes de conhecimento, entendimento, concertação e colaboração; em que a vida da comunidade cristã não é percebida como uma mais valia para a qualidade da vida familiar.
11 introdução
em que o grupo de catequese é, por vezes, uma realidade sem conexão com a comunidade eclesial e a família... em que é difícil atender à realidade das famílias sabendo que estas apresentam perfis heterogéneos tais como: “Famílias Igrejas Domésticas”: lugar de vivência e de transmissão da fé participando activamente na vida paroquial; “Famílias para as ocasiões”: que apenas acompanham esporadicamente o catequizando na vida paroquial e apresentam grandes lacunas relativamente aos conhecimentos e vivências da fé; “Famílias separadas”: que já experimentaram uma ligação à comunidade, mas que o ritmo e as exigências da vida as distanciaram da comunidade; “Famílias autónomas”: que afirmam ter a sua fé e não necessitar de laços comunitários; “Famílias aconfessionais”: que não partilham da fé cristã, nem encontram, nela, sentido para a vida e se limitam a cumprir uma tradição na inscrição dos filhos na catequese (fazer festa, pedido dos avós); “Famílias desestruturadas”: a quem a vida esfarrapou o gosto e o sentido de viver e fragilizou os laços afectivos...
É neste mundo, nestas famílias e nestas “paróquias que aspiram a ser comunidade” que a CI surge como uma interpelação, oferece instrumentos para reflexão e ferramentas para despoletar experiências.
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São vários os desafios lançados pela Catequese Intergeracional: criar um espaço de “proposta” da fé para todos ajudando a “ver e a experimentar a singularidade e a força” da fé cristã; aumentar a consciência de que todo o ser humano, seja qual for a sua idade e situação social, pertence a uma mesma sociedade e nela deve ter um papel activo; passar do conceito e realidade “paróquia” ao conceito e realidade de “comunidade” de comunidades; criar/reforçar a consciência da responsabilidade catequética da comunidade; estabelecer uma interacção entre a responsabilidade catequética da família e a responsabilidade catequética da Igreja ; recriar o processo de propor a fé a crianças, jovens e adultos através da iniciação à fé em comunidade; fortalecer/reconstruir laços sociais e familiares em torno da fé; “provocar”, na comunidade, a necessidade de participar na catequese de adultos, de viver em “catequese permanente”; “evangelizar ad gentes”: propor a fé fora dos muros das comunidades abrindo portas a adultos que se distanciaram da comunidade e/ou da fé, conscientes de que todo o ser humano tem o direito de se encontrar com Jesus Cristo. (Não nos podemos limitar à preocupação da evangelização ad intra!) A quem se destina este trabalho? Não se pretende fazer deste trabalho ponto de chegada, mas apenas ponto de partida para uma reflexão teórica nesta área. Procura ser um trabalho simples, mas sugestivo que possa ser lido criticamente, nas comunidades paroquiais, por presbíteros, catequistas, conselhos pastorais e outros responsáveis. As suas considerações e sugestões práticas poderão servir de alavanca
motivadora para a análise de questões importantes relativas à transmissão/ proposta da fé. A complexidade das nossas comunidades, inseridas num ambiente sociocultural pós-moderno, pede aos seus responsáveis que, abertos ao Espírito, tenham a coragem de ser criativos na hora de viver e propor a fé. Na bibliografia encontram-se citadas obras de reflexão catequética para quem desejar aprofundar esta problemática.
Como está construído este documento? Este documento está construído em dois movimentos ou partes: 1ª parte: Reflexão teórica onde se situa, justifica, fundamenta e explicita o conceito de Catequese Intergeracional. 2ª parte: Esquema geral que pode servir de paradigma para estruturar a CI; Propostas práticas, ocasionais ou sistemáticas para a realização de Catequese Intergeracional; Uma proposta de concretização do encontro entre “uma catequese litúrgica” e “uma liturgia catequizante”.
13 introdução
Objectivos Este trabalho pretende: Levantar algumas questões relativas à missão catequética da Igreja; Escutar e reflectir as indicações para a catequese do “Directório Geral da Catequese” e da Exortação Apostólica “Catechesi Tradendae” (CT) relativamente: ao papel da comunidade, aos agentes de evangelização, à catequese para todas as idades, à evangelização ad intra e ad extra; Apresentar uma reflexão teórica/prática sobre a Catequese Intergeracional; Suscitar reflexão e criatividade nas comunidades e nos grupos de catequistas; Oferecer ferramentas de apoio prático para concretização da reflexão teórica.
PRIMEIRA PARTE
CHAVES DA CATEQUESE INTERGERACIONAL 1
CATEQUESE, UM PROJECTO PARA TODOS 1 Catequese para todos Se durante os primeiros séculos, a catequese de adultos foi a única catequese da Igreja, a partir do Concílio de Trento, a catequese esteve ligada, essencialmente, a um processo de instrução da criança e do jovem. Atendendo a que vivemos num mundo em que a fé não é algo de evidente e “de transmissão automática”4, a catequese permanente é chamada a tornar-se uma dimensão constitutiva da vida cristã. “No início do seu ministério, Jesus proclama que foi enviado para anunciar a Boa Nova aos pobres (Lc 4,18), (…). Jesus é o catequista do reino de Deus para todas as pessoas: grandes e pequenos, ricos e pobres, sãos e enfermos, próximos e afastados, judeus e gentios, homens e mulheres, justos e pecadores, povo e autoridades, indivíduos e grupos…” (DGC 163) A situação actual e a intuição deixam entrever que a catequese não poderá mais limitar-se a uma idade em particular, a uma “catequese de iniciação”. É o conjunto dos crentes, individual e colectivamente, que necessita de permanecer numa atitude de disponibilidade à catequese da Igreja. Ser cristão é nunca deixar de ser discípulo de Jesus Cristo com tudo o que isto supõe de escuta, descoberta, estudo, experiência e conversão. A própria sociedade sente necessidade de contínua actualização. A velocidade com que as descobertas e mudanças acontecem é vertiginosa. Hoje, a formação inicial já não constitui uma bagagem para a vida. A complexidade em que vivemos e nos movemos obriga-nos a contínuas aprendizagens, actualizações e adaptações. A fé, sendo um processo dinâmico encarnado 4
André Fossion, La catéchèse dans le champ de la communication, Cerf, Paris 1990, p. 72
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no mais íntimo do humano, experimenta a mesma necessidade de aprofundamento, questionamento e adaptação. “A catequese, nas diferentes idades da vida, permite aos crentes estruturar os conhecimentos de forma orgânica. O horizonte, sobre o qual se desenvolve o acto catequético, é o de habilitar as pessoas a viver a sua vida de filhos e filhas de Deus à luz de Jesus numa experiência espiritual de sinergia com o Espírito. O acto catequético, em todas as etapas da vida, pretende ajudar a aprofundar a comunhão com Deus e dela viver. É uma comunhão na qual os crentes realizam um trabalho de correlação entre a sua existência em situação de transformação e onde Deus está presente, assim como, os elementos da tradição cristã que lhes são radicalmente anteriores e onde Deus também faz sinal.” 5
2 Catequese: espaço de diálogo intergeracional “É importante que a catequese das crianças e dos jovens, a catequese permanente e a catequese dos adultos não sejam domínios estanques e sem comunicação. Sobretudo importa que entre elas não haja ruptura. Muito pelo contrário, é necessário favorecer a sua perfeita complementaridade: os adultos têm muito que dar aos jovens e às crianças em matéria de catequese, mas também eles podem receber muito pela catequese em ordem ao crescimento da sua própria vida cristã” (CT45). Neste texto, João Paulo II desafia as comunidades cristãs a estabelecerem um diálogo intergeracional com vista a uma catequização de todos e de uns pelos outros. Na fé, um só é o Mestre e a catequese acontece no diálogo comunitário e na comunhão à volta do mesmo Senhor. A catequese da “paróquia”, por vezes espartilhada em vários compartimentos estanques, retira ao acto catequético a força testemunhal conferida pela comunidade: “Vede, como eles se amam!”. A catequese de iniciação tem algo a dar e a receber da catequese permanente e vice-versa como comunidade de crentes. O catequista não é um agente “único” de transmissão da fé no seu grupo. Individualizado, o processo catequético perde a força e a legitimidade que lhe confere a História da Salvação (comunidade dos que crêem, experimentam, testemunham, propõem e transmitem a fé). 5
Paul-André Guiguère, “Quelle organicité?, in Catéchèse nº 173, ISPC, 2003, p.130
3 Catequese permanente: a fé é um processo em “devir” O conceito de catequese permanente implica uma concepção dinâmica da vida da fé. Ter fé não é da ordem das aquisições definitivas e irreversíveis, mas
um actualizar permanente que desafia a questionar, a aprofundar, a recriar em ordem à encarnação da mesma. É um processo em devir, um lento e longo trabalho de parto nunca finalizado. O primeiro passo na fé inicia um caminho que não conhece termo pois “a fé dos adultos tem de ser continuamente esclarecida, estimulada e renovada…” como o afirma a Catechesi Tradendae (CT 43). A maturidade da fé situa-se, sempre, como horizonte e implica a passagem por sucessivos patamares (experiências diárias) que aproximam o crente da “estatura de Cristo”. A fé exige um estado de sentinela próprio do Ser pessoa em construção tanto a nível humano como espiritual. A catequese Tridentina, pelas suas características e recomendações, insiste na catequese da infância e da juventude. Por sua vez as ideologias sociopolíticas, que concebiam o ser humano como adulto a partir da maioridade, reforçavam a preocupação catequética de focalizar a formação essencialmente nos primeiros anos de vida. Este sistema de pensamento e de actuação não incentivou a necessidade de aprofundamento da fé e de crescimento humano o que resultou na presença de numerosas lacunas nas comunidades cristãs. Na Exortação Apostólica “Catechesi Tradendae”, João Paulo II escreve: “Os adultos em qualquer idade que se encontrem e as próprias pessoas idosas (…) são tão destinatários da catequese, como as crianças, os adolescentes e os jovens” (CT 45). O Directório Geral da Catequese por sua vez reforça que “a catequese dos adultos diz respeito a pessoas que têm o direito e o dever de levar até à maturidade o gérmen da fé que Deus lhes deu, tanto mais que são chamadas a desempenhar responsabilidades sociais de vários tipos” (DGC 173). A CI, ao pretender ser uma catequese da, na e para a “comunidade”, tem em conta a construção progressiva do “ser pessoa de fé”. O diálogo intergeracional, estabelecido sobre uma base catequética, permite a descoberta/aprofundamento da fé através de experiências comuns, de testemu-
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nhos, de liturgias e da exposição de saberes teológicos e antropológicos. Os diferentes níveis de “maturidade”, representados numa assembleia Intergeracional, abrem horizontes de interpretação da vida à luz da fé em ordem a uma compreensão mútua e um enriquecimento pessoal. Mais do que nunca, pela falta de diálogo e de laços, as gerações carecem de pontes que lhes permitam crescer no mesmo habitat em ordem a uma convivência harmoniosa e formativa. A Fé, partilhada em encontros intergeracionais, toca zonas imprevisíveis da vida e coloca-a no arco dinâmico de criação contínua.
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4 Da catequese de iniciação e catequese permanente à Catequese Intergeracional A Catequese Intergeracional situa-se na intercepção entre a catequese de iniciação e a catequese permanente. As duas confluem em direcção à mesma meta que é a comunhão com Jesus Cristo. O encontro entre as mesmas é fundamental para que os grupos de catequese tomem consciência da dimensão comunitária da caminhada da fé. A “Catechesi Tradendae” aponta para que a catequese não se reduza a grupos auto-suficientes e independentes e por isso afirma: “é importante que a catequese das crianças e dos jovens, a catequese permanente e a catequese dos adultos não sejam domínios estanques e sem comunicação” (CT 45). No encontro Intergeracional, não é a idade que determina o papel de quem sabe ou de quem não sabe, mas a profundidade da vivência espiritual e humana da fé. O episódio de Jesus entre os doutores da lei é interessante do ponto de vista intergeracional; nele, é a sabedoria e a maturidade espiritual que determinam quem oferece o testemunho de fé e quem o recebe. A experiência espiritual pode ser intensa e profunda numa criança de seis anos. Nela, a singeleza de coração pode deixar que o Espírito realize maravilhas. No próprio Evangelho, Jesus pede aos adultos para olharem as crianças (Mt 10,15)… A delicadeza do seu ser é uma lição de vida para os adultos. A lógica do Transcendente ultrapassa a visão humana da realidade e a comunicação de Deus não se cinge ao adulto. Ele comunica-se a todo o género humano sem distinção. A vida é um constante fluir do dar e receber… Adultos e crianças são agentes activos no diálogo e na partilha de vida. Ambos experimentam os mesmos espaços e tempos, actividades e acontecimentos interpretando-os, cada um, segundo a sua maturidade e inteligência. É na partilha da in-
terpretação dos acontecimentos, à luz da fé, que a catequese permanente pode enriquecer a catequese de iniciação e vice-versa. A transmissão/proposição da fé acontece não só pela palavra mas sobretudo pelo testemunho: o ver viver! A CI é um espaço de palavra sem divisões de idades e um lugar em que se “vê viver”. Sem o exemplo, a fé intelectualiza-se, a procura mútua de sentido e de conversão atesta a fé de quem inicia e de quem aprofunda. A CI torna-se um espaço de iniciação e de conversão permanente ao proporcionar espaços comuns do viver e do exigir o “enraizamento” da fé na experiência quotidiana. Este é o instrumento mais eficaz e poderoso na ordem da transmissão e proposição da fé. “A catequese de adultos, uma vez que é dirigida a pessoas capazes de uma adesão e de um compromisso realmente responsáveis, deve ser considerada como a principal forma de catequese para a qual, todas as demais, nem por isso menos necessárias, estão orientadas. Isto implica que a catequese das outras idades deve tê-la como ponto de referência e deve articular-se com ela num projecto catequético de pastoral diocesana que seja coerente” (DGC 59). A CI é um instrumento de articulação entre as diferentes formas de catequese pela sintonia no projecto, pelos objectivos comuns, pelo entrecruzar das pedagogias e sobretudo pelos acontecimentos experienciados em comum a nível da fé/vida. A presença de adultos em formação, numa catequese de infância, permite, a esta, ver concretizados os horizontes aos quais está destinada. O adulto passa de facto a ser modelo. Sabendo que aprendemos por imitação, sobretudo no período da infância, esta experiência comum de fé, não limitada ao encontro entre crianças e catequista projecta a catequese na ordem da experiência comunitária e testemunhal. A fé e coerência do adulto confirma e atesta a fé da criança, e a singeleza da criança, que descobre Jesus Cristo, recorda ao adulto que o essencial está para além do ter, do poder e da fama.
5 Família: um espaço catequético a potenciar A família é por excelência o lugar da Intergeracionalidade. As filosofias e as exigências da sociedade pós-moderna tornam quase impossível o encontro e a partilha saudável do sentir e do pensar das experiências e dos sonhos no lar. Pressionados pela máquina económica e social, os laços familiares limitam-se a um “estar juntos” em momentos obrigatórios.
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Em tempo de cristandade, a família rezava, participava na Eucaristia, celebrava o sacramento da Reconciliação, tentava viver o valor da hospitalidade, do perdão, da partilha... e tudo isto em nome da fé. A leitura das experiências da vida era feita à luz do acreditar: como Deus é nosso amigo! Porque ... Aldeias e cidades acertavam a vida ao ritmo do sino e a voz do presbítero era sagrada. Nesse ambiente, a catequese paroquial era supletiva, a verdadeira iniciação cristã realizava-se no lar. A cultura moderna, entendida como quadro de referência para a vida, desenvolve-se à margem e em larga medida em oposição ao cristianismo. O ritmo da paróquia não é o ritmo da família. Que tempo é dado à partilha de experiências humanas, de fé e de oração? Quem se atreve ainda a uma transmissão do facho da fé, no viver quotidiano? Esta tarefa, mesmo nas famílias ditas praticantes, é cada vez mais delegada à “instituição catequética”. Em tempo de cristandade os canais de transmissão da fé eram os pais. Hoje, os braços maternos continuam a ser os primeiros a revelar o rosto de Deus e a testemunhar o seu amor e ternura. O Directório Geral afirma: “A família como “lugar” de catequese, tem uma prerrogativa única: transmitir o Evangelho, integrando-o no contexto de profundos valores humanos. Com esta base humana, é mais profunda a iniciação na vida cristã: o despertar para o sentido de Deus, os primeiros passos na oração, a educação da consciência moral e a formação do sentido cristão do amor humano, concebido como reflexo do amor de Deus, criador e Pai. Em resumo, trata-se de uma educação cristã mais testemunhada do que ensinada...” (DGC 255) Por sua vez a Catechesi Tradendae indica: “A acção catequética da família tem um carácter particular e, em certo sentido, insubstituível, (...) A educação para a fé, feita pelos pais – a começar desde a mais tenra idade das crianças – já se realiza quando os membros de determinada família ajudam-se uns aos outros a crescer na fé, graças ao próprio testemunho de vida cristã muitas vezes silencioso, mas perseverante, no desenrolar da vida, de todos os dias, vivida segundo o Evangelho, torna-se ainda mais marcante quando, ao ritmo dos acontecimentos familiares – como, por exemplo, a recepção dos Sacramentos, a celebração de grandes festas litúrgicas, o nascimento de um filho, um luto – se tem o cui-
dado de explicar, em família, o conteúdo cristão ou religioso de tais acontecimentos, importa, porém, ir ainda mais longe: os cristãos hão-de esforçar-se por prosseguir e retomar, no ambiente familiar, a formação metódica recebida noutras partes. O facto de determinadas verdades sobre os principais problemas da fé e da vida cristã serem retomadas num quadro familiar, impregnado de amor e de respeito, marcará certamente as crianças de maneira decisiva para toda a vida (...) (CT 68). A CI abre uma janela de esperança para a transmissão da fé, entre gerações, ao propor espaços comuns em que a família vive e partilha experiências nas quais, cada um se oferece ao outro na medida da sua maturidade humana e de fé. A instituição catequética apresenta-se como um agente de formação ao lado da família apoiando, reforçando e alargando a sua tarefa. O grande objectivo da CI é estender, à vida familiar, as experiências desenvolvidas nos encontros catequéticos intergeracionais oferecendo desafios e ferramentas às famílias para que elas possam ser uma «Igreja doméstica» como a define o Concílio Vaticano II. Este encontro de gerações implica em simultâneo uma catequese de iniciação para quem dá os primeiros passos na fé e uma formação permanente para quem já percorreu esse caminho. Quantas histórias de fé e de amor não têm os avós para dar e para receber horizontes novos para a sua fé? Quantas perguntas sobre o sentido da vida não percorrem a mente de crianças e pais? Deixar-se questionar por uma criança toca o coração e provoca a mente... Os nossos pais, mentes racionais e auto-suficientes, que se movimentam no mundo do político e do económico, precisam de ouvir e deixar-se tocar pela singeleza dos mais novos. Estes possuem a delicadeza de quem vê o mundo pela primeira vez e coloca as questões essenciais! Estes ainda estão perto das raízes da vida, do sentir e desfrutar da criação... Como não experimentar, em catequese, o encontro de mundos tão diferentes como o da criança e do adulto sabendo que a zona de consonância se situa ao nível do sentido da vida e do coração? E será que o Espírito, rosto do Amor Trinitário, é estranho a esta linguagem e se permite ausentar-se de tal encontro? A Catechesi Tradendae situa a catequese familiar como aquela que: “precede, acompanha e enriquece todas as outras formas de catequese.”
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Desafia a Igreja a “encorajar as pessoas ou instituições que, mediante contactos individuais, encontros, reuniões, recursos pedagógicos de toda a espécie, ajudam os pais a cumprirem a sua missão” (CT 68). A Catequese Intergeracional, pela sua estrutura e objectivos, permite aos catequistas uma interacção catequética com a instituição familiar. Os catequistas têm entre as mãos um tesouro fenomenal: crianças à espera de um devir eterno, e, através delas, adultos à espera de alguém que lhes fale do sentido da vida e lhes toque o coração. Somos desafiados, hoje, a “fazer acontecer o diálogo” entre catequese de iniciação e catequese permanente como um espaço de mútuo compromisso e de crescimento na fé. Os encontros entre famílias e grupos de catequese são espaços privilegiados para “fazer acontecer o diálogo”.
ÍNDICE Primeira palavra
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Introdução Porquê falar, hoje, de Catequese Intergeracional?
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A quem se destina este trabalho?
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Objectivos
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Como está construído este documento?
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Primeira parte Chaves da catequese intergeracional 1. Catequese, um projecto para todos
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1. Catequese para todos
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2. Catequese : espaço de diálogo intergeracional
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3. Catequese permanente: a fé é um processo em “devir”
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4. Da catequese de iniciação e catequese permanente à Catequese Inter-
geracional
5. Família: um espaço catequético a potenciar
2. Catequese Intergeracional
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1. Catequese Intergeracional
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2. Fundamentação teológica
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3. Fundamentação espiritual
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4. Fundamentação antropológica/sociológica
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3. Comunidade Paroquial e Catequese Intergeracional
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1. Comunidade e Catequese
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2. Liturgia-Catequese: um espaço intergeracional
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3. Catequese Intergeracional e programação da Comunidade
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4. Que pedagogia para uma Catequese Intergeracional? 1. Estilos pedagógicos 2. Desafios para o catequista, coordenador duma Catequese Intergera-
cional
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Segunda parte Catequese intergeracional: itinerário, projecto e proposta 142
1. Paradigma intergeracional
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1. Etapas para uma Catequese Intergeracional
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2. Espaços para uma Catequese Intergeracional
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2. Projectos Catequéticos Intergeracionais Catequese Intergeracional Sistemática 1. Catequese familiar e Centro de Catequese em parceria: «Uma for-
mação para a família»
2. Interacção Catequese / Comunidade: Criar uma rede de famílias
«Padrinhos para os catequizandos»
57 59 60 66
3. Contador de histórias: “Contar é voltar a viver”
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4. Reunião de grupos de famílias – “Compartilhar vida na Fé”
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5. “A Arte diz a experiência humana e espiritual” – Grupo de teatro
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6. “Partilha de saberes e de Fé”– Grupo de apoio escolar
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7. “Catequese Intergeracional e Diaconia” – Serviço aos mais caren-
ciados, solidariedade com os sós (3ª idade)
8. “CiberFamílias” – Uma página interactiva na internet 9. “Café com sabor a Fé” – Espaços informais para encontros de Cate-
quese Intergeracional
Catequese Intergeracional Ocasional 1. Reunião de pais “De filhos para pais” – Momento para uma Cate-
quese Intergeracional 2. “De pais para filhos” – Reunião de pais e catequizandos preparada pelos pais
86 92 95 99 100 103
3. Criar espaços litúrgicos intergeracionais na catequese – solidarie-
dade com a vida dos catequizandos
4. Criar espaços de oração – em sintonia com a vida social e com o
mundo
5. Criar espaços litúrgicos intergeracionais – Catequese e Eucaristia
3. Catequese Intergeracional e Liturgia : Celebração do Pentecostes 1. Planificação/elaboração de um projecto de Catequese Intergeracional
na comunidade para celebrar o Pentecostes
2. Esquema da Catequese Intergeracional para celebrar o Pentecostes.
Passos para a Catequese Intergeracional
3. Tempo de Celebração Litúrgica Intergeracional.
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Esquema da Vigília de Pentecostes
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4. Rever, reflectir e dar sentido ao vivido
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Anexo Encenação para o momento da abertura da tarde intergeracional
Laços com força de infinito
131
Conclusão
135
Notas finais em forma de “?”
137
Bibliografia
139
143