Livro "Era uma vez a reconciliação" (amostra)

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Era uma vez a Reconciliação


BRUNO FERRERO • ANNA PEIRETTI

Era uma vez a Reconciliação

Ilustrações de


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Estamos todos ligados “Professora, chamam por si na secretaria.” A vigilante Paula tinha aparecido à porta, deixou o recado e foi a correr para resolver outro problema. “Meninos, volto depressa. Tratem de acabar as multiplicações e tentem não fazer barulho.” Três, dois, um… partida. A professora tinha saído há vinte segundos quando o Lourenço tirou a bola da mochila; Vítor, o guarda-redes, pôsse junto ao quadro; Filipe estava na fila esquerda; Leonor tentava concentrar-se na tabuada dos sete. Ao terceiro remate, Lourenço acertou com a bola no jarro de vidro onde a professora tinha posto umas flores. O jarro parte-se, as flores caem ao chão, a água molhou o livro onde a professora ia buscar os exercícios. “Oh, nããããõ!” Silêncio. Todos para os seus lugares. Ao regressar à sala, a professora ficou de pedra: “Que desastre! O que aconteceu aqui? Quem foi que partiu o jarro?”

Silêncio. As bocas cosidas. “Então, pode-se saber quem foi?” Cada criança calava-se com os seus pensamentos. “Eu não vi nada.” “Se digo que foi o Lourenço, ele vem atrás de mim à hora de almoço.” “Eu não tenho coragem…” “Porque é que hei-de ser eu a falar? Outro que abra a boca!” “Tenho medo. Se digo que fui eu, não me safo sem um valente castigo.”

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“No fundo, eu não tenho nada a ver com isto.” “7 x 7, siiiiim, 49!” “Bem, se não há nenhum responsável deste desastre, a culpa é de todos…” Nesse dia todos foram para casa com um trabalho especial a fazer no caderno de português. Tinham de fazer uma redacção com o tema: “Eu sou responsável quando…”


VIRAR À ESQUERDA

descontraidamente no passeio com as compras. De repente um automóvel descontrolado parou a meio palmo dela.

José pedalava feliz na rua principal da sua cidade, montado na sua bicicleta nova. Havia algum tráfego, mas era bom passar depressa pelo meio dos carros! Nos semáforos, conseguia sempre meter-se à frente dos automóveis. Enquanto dava aos pedais, imitava com os lábios o barulho de um motor. Sentia-se um Ferrari. Estava tão entretido a imaginar que era um carro veloz que só se lembrou de virar à esquerda, para a sua rua, no último momento. Guinou bruscamente, esquecendo-se se sinalizar com os braços. Ouviu o barulho desesperado dos travões do carro que ia atrás dele. Seguiu-se um guincho e uma colorida série de insultos. O guincho vinha da senhora Joana que estava a caminhar

A senhora Joana desequilibrou-se e as suas compras focaram espalhadas pelo chão. Uma bela laranja começou a rolar e o cão do senhor José, brincalhão como era, foi atrás dela. Mas ao fazê-lo esticou a trela e arrastou o dono que, para não cair, se apoiou em Mário, o carteiro, que estava a meter as cartas nas portas. Assim, uma carta para a rua Zeca Afonso 123 acabou na porta 121. A carta era para o contabilista Tiago e pedia que se apresentasse urgentemente no seu novo emprego.

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a substituísse, enquanto ela ia ao centro de saúde. Olga telefonou ao marido Jorge, que fazia de tradutor numa base de aviões da Força Aérea: “Tenho de substituir uma colega; vai tu buscar os miúdos à escola”. Jorge saiu cinco minutos antes de chegar o seu substituto do turno da tarde para chegar a tempo à escola. Naqueles cinco minutos chegou uma comunicação desesperada em alemão: “Um míssil descontrolou-se e vai na nossa direcção. É um acidente; não é um ataque. Repito, não é um ataque; é só um acidente.” Mas ninguém sabia alemão e uns minutos depois o míssil caiu na base aérea. O quartel general ordenou um ataque de resposta com um feroz bombardeamento. Os outros responderam com uma represália pior. Outros países foram envolvidos. Uma semana depois era a Guerra Mundial. E tudo porque José não tinha feito sinal que ia virar à esquerda…

Mas Tiago, que estava desempregado, não recebeu a carta e decidiu aproveitar a manhã para ir consertar umas coisas no telhado. Como não tinha muito jeito magoou-se num braço e foi ao centro de saúde, de onde chamaram a mulher dele, que trabalhava num banco. A mulher de Tiago ficou nervosa e pediu à colega Olga que

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mensagens no quadro

Cada um de nos è importante para os outros. p Nenhum hhomem é uma ilha. A humanidade é uma rede e estamos todos ligados.

Oração da pedra na mão Mão que deita uma pedra no lago. O som de um mergulho. Círculos na água, pequenos e grandes. A rã que foge. O ligeiro movimento das canas. O pato que se afasta. A pedra, no fundo, cala-se. Bastou um gesto, a força feita pela mão, para lançar a pedra. Senhor, aqui estão as minhas mãos. Aqui está, uma pedra contra os outros… É o mesmo gesto, mas pode ferir, pode magoar e fazer mal. Quanto mal pode fazer uma pedra na mão? Vigia, Senhor, sobre mim, vigia sobre o meu coração, guarda bem a minha mão.

Todas as acções ç tê têm um efeito. O que eu ffaço, influencia os outros: posso unir ou dividir, construir ou destruir.

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O pequeno Paula, a vigilante, estava há trinta anos no 2º andar, sentada à secretária no corredor, sempre sorridente. Não havia dia em que as crianças não passassem por ela, ao menos uma vez. Nem todos a cumprimentavam: alguns desfilavam pelo corredor como se ela fosse uma peça de mobiliário. Mas todos estavam seguros de encontrar nela uma ajuda. “Paula, dói-me a barriga”, e Paula arranjava uns comprimidos e uns miminhos. “Paula, o chão das casas de banho está molhado” e Paula ia enxugar. “Paula, a minha mãe há-de vir com o saco de ginástica” e Paula, assim que recebia o saco entregava-o. “Ei, falta o giz” e Paula, mesmo se não a chamassem pelo nome, ia levar o giz àquela sala. Um dia, Daniela, do 3º C foi ter com ela com um pedido: “A professora quer vinte cópias desta e daquela página”. Nem a tinha cumprimentado; se calhar a rapariga estava

parafuso

cheia de pressa. Paula estava cansada naquele dia; não tinha dormido, ao tomar conta do marido que estava com febre. “Cá estão as fotocópias…” Ma a miúda do 3º C bateu com as folha na secretária: “Está tudo mal, eu disse esta e esta, não aquela! Tens de fazer tudo de novo. Que paciência!”

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Paula olhou para ela durante um bom pedaço, em silêncio. Sem dizer uma palavra, desligou a fotocopiadora, abriu o cacifo e tirou o casaco. A seguir, desceu as escadas e saiu pelo portão de entrada. Daniela olhava-a, agarrando o corrimão. Disse baixinho “Desculpa”, quando ouviu a porta em baixo a fechar-se.


A AVENTURA DE UM PEQUENO PARAFUSO

Rangendo, gemendo, às vezes chorando. Fazendo força uns contra os outros. Foi durante uma longa viagem no Mediterrâneo que o pequeno parafuso decidiu acabar com aquela existência ingrata (em tantos anos ninguém lhe tinha dito “obrigado” por aquilo que fazia) e desabafou: “Estou farto! Vou-me embora!” “Se tu te vais embora, nós temos de ir embora também!” disseram os outros parafusos. De facto, assim que o pequeno parafuso começou a dançar na sua casa, também as outras começaram a tombar. Em cada vaga, um pouco mais. Os pregos que seguravam o casco protestaram: “Assim, também nós temos de deixar o nosso posto…” “Por amor do céu, parem com isso!” gritaram ao parafuso as placas de aço. “Se não houver ninguém que nos mantenha unidas, para nós acabou!” A intenção do pequeno parafuso de deixar o seu lugar espalhou-se rapidamente por todo o navio. Toda a estrutura, que antes desafiava as ondas com tanta segurança, começou a tremer penosamente. Todas as placas, as nervuras, os eixos, os parafusos e até os pregos mais pequenos decidiram mandar uma mensagem ao parafuso para que desistisse do seu propósito: “O navio vai desfazer-se, vai ao fundo e nenhum de

Era uma vez um veleiro potente, chamado a “Pérola do mar”. Foi construído pelos mestres do Estaleiro Real, com grande perícia. Cada pequena peça tinha sido projectada e montada com precisão absoluta.

Entre as muitas peças, fortemente ligadas umas às outras, que compunham p casco do navio, havia também um pequeno parafuso, minúsculo e insignificante por si mesmo… mas que, ao lado de outros parafusos, mantinha unidas duas placas de aço, que, por sua vez, aguentavam as longas traves da quilha. Viajem após viajem, as tempestades, a ferrugem, o caruncho, os choques, as grandes montanhas de gelo a vaguear no mar, tinham coberto os parafusos de feridas. Mas eles resistiam.

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nós chega à pátria”. O pequeno parafuso sentiuse comovido mas já tinha tomado a sua decisão. “Sozinho, safo-me melhor! Vocês só querem aproveitar-se de mim e eu estou farto!” E, lenta mas inexoravelmente, girando e rodando, saiu do lugar onde tinha estado tanto tempo e mergulhou. “Adeus!”, gritou aos colegas. O pequeno parafuso nem acreditava que o mar fosse assim tão profundo. Descia e continuava a descer. A água era cada vez mais escura e parecia que nunca mais acabava. Finalmente, parou com a cabeça de ferro para cima e o corpo bem plantado no fundo. “Que bicho estranho!”, disse um peixe-balão. “É um molusco couraçado”, respondeu um peixe com óculos que tinha a maia de saber tudo. “É um OVNI”, gritou um peixe vermelho e amarelo, apaixonado por ficção científica. “O heavy metal está na moda outra vez”, disseram duas lulas jovens. Um tubarão guloso mas ainda inexperiente quis examinar a coisa à sua maneira e engoliu o

parafuso como se fosse um biscoito. Não estava à espera daquilo: engasgou-se, revirou os olhos, tossiu e cuspiu o parafuso. “Uau!” disseram com admiração peixes, moluscos e crustáceos. “Não lhe fez nada!” “Queria ver!” desabafou o parafuso. “Dei-lhe um par de picadas na garganta…” “Entra para o nosso bando” propuseram as lulas. “Serás o nosso chefe. Ninguém ousará atacar-nos contigo no nosso grupo!” “Sim, boa ideia”, pensou o parafuso. “Começo uma vida nova! De acordo”, disse. “Hurra!” gritaram as lulas e inventaram uma dança à volta do parafuso, que sorria feliz. “Ai, se os outros parafusos me vissem agora… Isto sim, é vida!”, pensava. “Vamos à gruta da moreia estrábica. Há lá sempre festa e dança.” “Vamos! Vamos!”, disseram peixes e lulas. “Vem, chefe! Vais-te divertir.” Foram todos. Menos o parafuso. Claro que não sabia nadar. Não se consgiu mexer nem um milímetro, desesperado. “Não sabe nadar… Que vergonha!”, disseram alguns peixinhos ao ver os esforços do parafuso. De repente, um golpe das correntes levou-o para cima, com algas, conchas, caranguejos e peixes grandes e pequenos. Uma rede de arrasto apanhava tudo o que estava no seu caminho. E assim o pequeno parafuso viu de novo a luz do Sol. A rede era manobrada por alguns

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“A sério? Muito obrigado!” O pequeno parafuso sentiu-se a tremer de felicidade. O peixe prateado pegou no parafuso com a boca

pescadores que começaram a escolher o que tinham apanhado. Duas mãos calosas agarraram o pequeno parafuso. “Ei, olha o que aqui temos: um parafuso!”, exclamou um pescador. “Já está meio ferrugento, para que serve? Deita-o fora!”, respondeu outro. O pobre parafuso foi ter novamente à água e recomeçou a descer para o fundo. As palavras do pescador continuavam a ecoar na sua cabeça: “Não serve para nada!” Deitou-se na areia do fundo e começou a chorar. Um peixe prateado que nadava por ali olhou para ele perplexo. “O que te aconteceu?” E o pequeno parafuso contou a sua história, soluçando cada vez mais. “… e agora queria tanto poder voltar para o meu navio, com os meus irmãos e as placas de aço e as traves de madeira… Lá servia para alguma coisa… Mas não tinha percebido!” “Bem, bem!” murmurou o peixe prateado. “Para isso, conseguimos ter remédio.” “Como?”, perguntou o parafuso, com um restinho de esperança. “Vi o teu navio passar aqui perto. Acho que está na rota de regresso. E pelos barulhos que faz percebi que está com problemas. Posso levar-te lá.”

e nadou para debaixo do navio. Aproximou-se, fez pontaria e com jeito enfiou o parafuso no seu lugar. “Regressou! O pequeno parafuso voltou!”, gritaram ao mesmo tempo os outros parafusos, que já estavam perigosamente soltos. “Mesmo a tempo!”, disseram com alívio as placas de aço, as traves e os pregos. Todos estavam a abanar estavam à beira do fim. Com um grande esforço, o parafuso tornou a apertar a sua placa de aço. E logo os outros o imitaram. Todo o navio pareceu recuperar de uma doença e voltou a sulcar orgulhosamente as ondas. “Precisávamos de ti”, disseram os outros parafusos. “E eu de vocês”, disse o pequeno parafuso, com um grande suspiro de alívio.

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mensagens no quadro

Oração de louvor pelas coisas pequeninas Hoje, rezo-Te assim, Senhor: “Senhor, fizeste de mim um prodígio. O meu corpo é extraordinário: tenho um coração que bate, pulmões para respirar. Tenho sangue que corre pelas veias e me dá força. Tenho músculos fortes para correr depressa. Senhor, pensaste em tudo. Tenho braços fortes, mãos ágeis: pernas compridas e… a inteligência!” Senhor, Tu respondes-me: “Esqueceste uma coisa…” “Ah, sim, o estômago… que transforma a comida em energia!” “Esqueceste uma coisa…”, insiste Deus. “Mas eu louvei-Te por tudo o que é importante, Senhor!” “Meti nas tuas mãos o mindinho; que seja para ti motivo de louvor!”

Cada um de nós faz parte de um organismo: cada um é uma parte importatíssima. p Se falta o contributo t ib t de alguém, mesmo do mais pequeno, o conjunto não funciona. Cada um tem uma um tarefa importante: se não a faz, todos sofrem. Conhecer as próprias ó i qualidades e os próprios talentos é muito importante.

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