Sabores à mesa da Palavra Ano C

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SABORES

À MESA DA PALAVRA ANO C



José da Silva Lima

SABORES

À MESA DA PALAVRA ANO C


Ficha Técnica © 2015 José da Silva Lima © 2015 Edições Salesianas Rua Dr. Alves da Veiga, 124 Apartado 5281 4022-001 Porto Tel: 225 365 750 Fax: 225 365 800 www.edisal.salesianos.pt edisal@edicoes.salesianos.pt Autor: José da Silva Lima Autor: Sacerdote Autor: Docente da Universidade Católica Portuguesa - Braga Publicado em outubro 2015 Capa: Paulo Santos Paginação: João Cerqueira Impressão e acabamentos: VASP DPS ISBN: 978-972-690-950-7 D.L.: 399027/15


PREFÁCIO Se quisermos compreender a crescente atenção à Palavra de Deus na pastoral contemporânea, temos, sem dúvida, de recorrer a dois documentos estruturantes do Magistério da Igreja. O primeiro é a Constituição Dogmática Dei Verbum, um documento do Concílio Vaticano II datado de 1965. O segundo, mais recente e desconhecido, é a exortação pós-sinodal Verbum Domini, do ano 2010, sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. Os dois documentos, bem como o Sínodo dos Bispos que deu origem à exortação apostólica, marcaram a indiscutível necessidade de estimular uma pastoral centrada na Palavra de Deus. Alguns poderão dizer que se trata de uma opção lógica, quase sem necessidade de lembrar. A verdade é que, e é justo recordá-lo, a pastoral da Igreja esteve durante séculos ancorada nos sacramentos. O acesso aos sacramentos, diz o Código do Direito Canónico, é um direito adquirido de todos os cristãos. E a Palavra de Deus? Não é ela igualmente sacramento, ou seja, visibilidade de Deus? Não deverá também ela ser um direito, um dever e uma necessidade de espírito de todos os cristãos? Infelizmente, rezar e estudar a Sagrada Escritura parece ser uma realidade reservada a um número residual de cristãos. Em parte, esta circunstância deve-se ao modelo de pastoral, tipicamente tridentino, vigente até há bem pouco tempo. As mudanças, mormente de mentalidade, são processos lentos e de largo espectro temporal. A primeira mudança que os documentos referidos tentaram implementar foi a de apresentar uma nova modalidade de revelação divina, isto é, tornar claro de que modo Deus fala com a humanidade. Diz a Dei Verbum, logo no segundo número, que projecto de Deus é revelar-se a Si mesmo, mostrar a Sua 5


identidade e a Sua vontade. E fá-lo mediante palavras e obras intimamente ligadas. As obras confirmam a Palavra e a Palavra, por sua vez, anuncia e esclarece o sentido dos gestos. Daqui se depreende que não basta a um cristão fazer boas ações ou ser eticamente correto. É necessário que ele conheça, estude e anuncie a Palavra de Deus. No livro do Deuteronómio, no Antigo Testamento, podemos verificar que os dez mandamentos são precedidos de uma recomendação estruturante ou, se preferirmos, de um mandamento que viabiliza os restantes: “Escuta, Israel! O SENHOR é nosso Deus” (Dt 6, 4). Escutar o primeiro mandamento da lei de Deus. Escutar e confessar Deus. Como lembrou em 2013 o Papa Francisco, “se não confessarmos Jesus Cristo, podemos ser uma ONG piedosa, mas não a Igreja”. Não tenhamos dúvidas, devemos primeiro cuidar do ser e depois o fazer, primeiro escutar e só depois partir em missão. O Sínodo sobre a Palavra de Deus usou uma imagem com a qual também eu me identifico: a Igreja como a casa da Palavra. É a Palavra de Deus que dá vitalidade à missão da Igreja; é a Palavra de Deus que conforta os cristãos e os fortalece na fé; é a Palavra de Deus que nos oferece segurança para o presente e esperança para o futuro. Partindo deste critério, são de louvar todas as iniciativas que visam aproximar os cristãos da Palavra de Deus. O livro que o leitor tem agora nas mãos é, neste sentido, um tesouro que nos foi dado pelo Pe. José Lima. Padre, professor universitário, pastor e um amigo. Com a ciência e a competência que todos lhe reconhecemos, oferece-nos o segundo volume do livro “Sabores à mesa da Palavra” e dá-nos as competências necessárias para saborearmos com gosto a Palavra da liturgia dominical. Mas estou certo que este livro poderá ainda ser útil 6


aos grupos paroquiais de oração, aos sacerdotes e a todos os cristãos que, a título individual, queiram aprofundar a Sagrada Escritura. A linguagem é acessível, as imagens são sugestivas e a profundidade da reflexão desconcerta-nos. Reconheço ainda outro mérito nesta publicação. Este livro ajuda-nos a compreender a urgência de passarmos de uma pastoral bíblica à animação bíblica de toda a pastoral. Não é um jogo de palavras. A pastoral bíblica visa o aprofundamento sistemático, de certo modo científico, da Palavra de Deus. Por outras palavras, a Sagrada Escritura faz-se objeto de estudo. O segundo modelo que evoquei tem outra finalidade. Pretende dizer que toda a acção eclesial deve nascer e i­nspirar-se na Sagrada Escritura. Não se trata de inventar encontros extra nas paróquias ou dioceses mas antes garantir que, nas habituais atividades das comunidades cristãs, o foco central é o encontro pessoal com Cristo que se comunica na Sua Palavra. A Sagrada Escritura é o motor que move a pastoral, a catequese, as comunidades cristãs, as associações, os movimentos, a vida consagrada, o clero, os seminários e tantas outras realidades eclesiais. Necessitamos, para isso, de subsídios que nos ajudem nesta tarefa. E este livro é, certamente, um instrumento eficaz ao serviço da Igreja e da pastoral. Agradeço ao Pe. José Lima as belíssimas reflexões que nos proporcionou e faço votos que o leitor, por meio delas, possa saborear com prazer a Palavra de Deus e chegar ao encontro de Jesus Cristo. ‡ Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz 07 Julho 2015 – Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo

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ABERTURA Cada um habitua-se a meditar a Palavra de cada domingo. Ao longo de um ano, fá-lo com gosto e deleita-se com os mistérios de que faz narrativa, na certeza de que a Palavra orienta a sua caminhada. Entre esta Palavra e a História que se vai fazendo há uma cumplicidade que é conatural pelo simples facto de serem revelação. A Palavra, que se compraz em ler, orientou a vida de muitos povos ao longo dos séculos e apresenta-se hoje como um grande pilar de construção da comunidade humana; trata-se do grande pilar de toda a Teologia Prática, apontando as bases de uma sadia construção em benefício de todos. É saboreada por muitos como alimento principal da saga que se vai edificando na presente história, pois dão-se conta que saboreando-a é mais branda a subida e a descida da calçada, é mais meigo o esforço que diariamente se vai fazendo. O itinerário a percorrer é mais claro quando se faz dela companheira e as asperezas do caminho tornam-se mais amenas quando por ela acompannhadas: por vezes, os obstáculos persistem, mas a atitude para os ultrapassar e seguir viagem denota mais sentido e prevenção. O peregrino prevenido avança confiante e os seu passos são mais leves enquanto seguros. A Palavra que aqui se saboreia aparece como uma espécie de bastão invisível de segurança que apoia a caminhada: vai ao lado e murmura docemente ao coração. As palavras simples de cada homem ou mulher narram a sua situação quotidiana, narram nobremente a sua aventura neste mundo, tecem as linhas de uma teia que se vai tecendo com o passar do tempo; as palavras humanas marcam pegadas dos pés que avançam e recuam, que aceleram ou vagarosamente serpen8


teiam congostas de uma vida frágil e com sentido. As palavras exprimem ou procuram exprimir o que se sente e se faz. Na travesssia espinhosa e encantadora que fazem, os homens pelas palavras dizem sentimentos e sensações, aspirações e constatações, sonhos e projetos. Cada palavra exige o sopro e o coração que estão em tudo, mesmo implicitamente ou inadvertidamente. Uma espécie de queixa ou grito de alma atravessa momentos desiguais. Tem em si a marca indelével de quem a diz na força que a configura. As palavras definem, sujeitas ao transitório que passa. A Palavra é a de uma experiência longa, a de séculos, de Alguém que sofreu e amou no decurso de milénios e que decidiu vir visitar as estradas da Terra, fazendo Sua a experiência de muitos. Assim, tornou-se singular como narrativa de um encontro que protagonizou neste planeta, num espaço definido, numa aldeia, por caminhos que empoeiraram os Seus pés e deram suporte aos passos de homem: dialogou e perguntou, respondeu e ensinou, chorou e amargou canseiras, decidiu e acarinhou, acalentou esperanças, formulou boas notícias e sobretudo amou os que com ele andavam. Foi um mestre delicado e não reclamou para si senão o facto de revelar a todos a misericórdia do Pai e patenteou na prática o que era próprio do universo donde vinha. Ficou imortal na História. Volvidos mais de dois mil anos, chama à aventura da liberdade quantos com Ele se encontram. Nada retem, nada reclama, propõe a boa relação e a Sua Palavra é memorizada de geração em geração. Esta memória acompanha a singularidade de cada um e não lhe reduz em nada a responsabilidade das palavras que vai pronunciando. O seu caráter singular e único devolve sempre mais e mais responsabilidade.

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A Palavra em nada diminui ou fere a dignidade de cada um, mas lembra-lhe o seu Património milenar e aviva nele a consciência de corresponsabilidade orgânica e universal. A humanidade sai deste encontro interior restabelecida em sua profundidade. Encontra o legado espiritual de tantas gerações, o que restitui a integridade original que porventura se havia esquecido. Esta provoca sempre Páscoa, isto é, salto solene para que em cada um se cante o hino da libertação. Diferente das palavras frágeis do quotidiano – a nossa frágil expressão – esta, a Palavra, provoca novo alento, nova criação. Esta palavra atrai e dá sabor, pois é a de Deus desde sempre, pronunciada definitivamente em Jesus. É Palavra eterna de Deus descida à História humana. Nela se reflete sempre a dimensão histórica que provoca em cada canto ou lugarejo ou bairro o desejo de conhecer as circunstâncias a que diz respeito, narrando as vicissitudes de um povo escolhido para ser o sinal de Deus que historicamente acontece no primeiro Êxodo e que se realiza plenamente no Mistério Pascal de Jesus, no ano 30 desta era. A sua dimensão histórica leva os homens a buscarem sempre as raízes da sua caminhada e a entenderem que o seu berço possui uma longevidade (duração temporal) de milénios. Cada um tem uma história longa e Deus vai-lhe moldando no decurso do tempo o coração, como Seu povo. A Palavra é essencialmente social. Cria o espírito de um povo, duma só alma, criação acontecida no envio histórico do Espírito aos corações, no Pentecostes sobre a Igreja nascente no I século desta era. O chamamento de um povo inicia-se com Abraão e prossegue na epopeia do povo judeu que, liberto do domínio egípcio, é a passo e passo orientado pela pléiade de profetas. A dimensão social da Palavra cifra-se hoje na comunidade que todos formam sob o impulso do Espírito que é 10


na Igreja o mentor de unidade. A Sua ação faz brotar em cada um a disposição constante para a corresponsabilidade do que pensa e faz. A comunidade onde cada um está e peregrina fá-lo sentir-se parte deste novo povo selado no sangue de Jesus. A Palavra é assim pessoal, doando a cada um a hipótese de ser homem novo no sangue derramado. É-lhe dirigida porque faz povo com todos, participa da vitória de Cristo, doando-se por todos no monte da História de todos os anseios e gritos. Do seu lado aberto jorra uma torrente de água que a todos lava e purifica, instituindo-os como novas criaturas. Esta possibilidade continua aberta a todos. Nenhum se exclui desta fonte nova que derrama a Palavra última sobre a peregrinação de cada um. Pessoalidade da Palavra, universalmente inclusiva. Esta Palavra ilumina hoje a vida das comunidades. A Palavra não é apenas um farol para a calçada agreste, mas fovorece em cada um uma caminhada com sabor suave e sapiente na medida em que lhe entrega o coração. Segu(i)ndo Lucas (Ano C) A Palavra definitiva é encontro entre dois mundos: O de Deus e o dos homens. É a “Palavra feita carne” (Jo 1, 14). Não se espera qualquer outra manifestação, nem acontecimento. Tudo em Jesus que veio e n’Ele se encontram Deus e homens. Agora é no pólo do mundo dos homens que se espera nova transformação já que a criação prossegue na expectativa da revelação subjetiva (Rm 8,20), porquanto no Espírito a criação atual vai assimilando e saboreando o que lhe é comunicado:

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assim a “Palavra feita carne” é um pergaminho rico, um tesouro oferecido, que cada um pode traduzir na sua vida. Acontece com Lucas, neste ano C. Não é Lucas uma testemunha ocular. É um “companheiro” e ouvinte de Paulo. Exímio na procura e no manejo dos dados que recolheu (Lc 1, 1 ss). Convertido por ocasião da pregação de Paulo, qual artista culto, “médico” letrado, procura os dados que quer transmitir e conta a história que o levou a ser o que é: testemunha. Não inventa dados, mas investiga cuidadosamente, primeiro a história de quem a faz testemunha, o evangelho de Jesus, e a seguir a experiência das primeiras testemunhas que com ele formam a Igreja primitiva. No ciclo C da liturgia, saboreamos estes textos que são o fruto da sua investigação. Lucas, no seu “primeiro livro”, narra os acontecimentos que dizem respeito a Jesus de Nazaré. Por meados da década de 80, é dependente de duas fontes: a narrativa de Marcos e a fonte do discurso (Q) que já circulava nas comunidades. A sua obra é dupla: evangelho e Atos dos Apóstolos. Seguiremos a sua primeira obra como a liturgia o sugere. Importa saber que leremos também muitos textos dos Atos, livro lido nos domingos do tempo de Páscoa. Sendo o fruto da pregação de Paulo, o evangelizado Lucas investiga e, com base nas suas buscas, compõe o relato evangélico relativo aos acontecimentos do ressuscitado na sua vida e na sua continuidade no coração dos discípulos. O evangelho que escreve é o mesmo que o faz discípulo, como acontece hoje.

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No conjunto da sua obra, Lucas usa duas vezes a linguagem da exaltação do ressuscitado, terminando o seu evangelho (Lc 24,51) e iniciando a obra relativa à primitiva Igreja (Act 1, 9). Coloca assim os seus leitores perante uma linguagem muito utilizada por Paulo de quem seguiu o testemunho. Em nenhum outro lugar do NT aparece esta narrativa tratada desta forma. Os sinóticos são concisos neste episódio, Lucas dá-lhe o valor que já tinha no final do século I: a Ascensão corresponde a uma das três linguagens – levantar-se, subir e estar vivo - aptas para dizer a ressurreição. É material próprio de Lucas e Mateus, ambos escritos por meados da década de 80, os fragmentos narrativos sobre a infância de Jesus. Lucas narra a anunciação, o nascimento e apresentação de Jesus nos dois primeiros capítulos do evangelho, graças a tradições orais em voga. Por Lucas chega igualmente até nós o quadro da visitação e o canto Magnificat. O Tempo do Natal serve-se destas narrações que visitaremos. Lucas é, também com Mateus, o evangelista da universalidade. Escreve para os gentios, ultrapassando o cenário judaico no seu texto. Ancorada diversamente no AT, a obra anuncia a boa nova de Jesus para todos os povos, com episódios únicos, como o bom samaritano (Lc 10, 30-37), o rico e Lázaro (Lc 16, 19-31) ou os discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35). É destinada a todos os que se sentem pecadores ou mesmo injustiçados. Lucas apresenta uma outra faceta de Deus. Não se trata de um Deus de vingança ou de castigo nem de julgamento, mas do Deus cheio de misericórdia que espera o regresso do filho mais novo (Lc 15) e a conversão do cobrador de impostos (Lc 19) decidido a restituir quatro vezes mais (Lc 19, 8). É certo que o “filho mais novo” é na cronologia o distante gentio que acede

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à misericórdia e a restituição do “homem de pequena estatura” está muito longe do prescrito pelos doutores da Lei. Já Dante o escreveu: Lucas, “scriba mansuetudinis Christi”. Nesta linha trata-se do “evangelho dos grandes perdões”. De facto, só Lucas narra parábolas como a pecadora (Lc 7, 35-50), a ovelha perdida e o filho pródigo (Lc 15), a presença de Jesus na casa de Zaqueu (Lc 19, 1-10), os verdugos de Jesus (Lc 23, 34), o bom ladrão (Lc 23, 39-45). Faz memória das palavras de Jesus “sede misericordiosos como o vosso Pai” (Lc 6,36) relevando a atitude do vínculo social da caridade, ao passo que Mateus (capítulo 5) se insere em aspetos legais da Torah. Lucas não inventou por si estas maravilhas. ­Recebeu-as e legou-as num texto de admirável mestria. É um artista apaixonado pelo que escreve, cioso e de beleza literária ­inesquecível. O Evangelho é singular na origem e plural nos ­destinatários. A cada um fica entregue a tarefa de retomar o evangelho, já que não há repetições, mas a trajetória é única para cada um. Possível é subir para escutar e ver melhor, como Zaqueu. Possível é deixar as planícies e caminhar para o monte e aí evocar. Possível é fazê-lo seu, atento à boa notícia. Deus vem em cada respiro e oferece-Se com novo rosto.

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ADVENTO


I Domingo do Advento Textos litúrgicos: Jer 33, 14-16|Salmo 24|1 Tes 3, 12 – 4,2| Lc 21, 25-28.34-36 Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas e, na terra, angústia entre as nações, aterradas com o rugido e a agitação do mar. Os homens morrerão de pavor, na expectativa do que vai suceder ao universo, pois as forças celestes serão abaladas. Então, hão-de ver o Filho do homem vir numa nuvem, com grande poder e glória. Quando estas coisas começarem a acontecer, erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima. Tende cuidado convosco, não suceda que os vossos corações se tornem pesados pela intemperança, a embriaguez e as preocupações da vida, e esse dia não vos surpreenda subitamente como uma armadilha, pois ele atingirá todos os que habitam a face da terra. Portanto, vigiai e orai em todo o tempo, para que possais livrar-vos de tudo o que vai acontecer e comparecer diante do Filho do homem”. Novo Ano Litúrgico Com este domingo, o primeiro do Advento, começa um novo ciclo da comunidade. “(A santa mãe Igreja) distribui todo o mistério de Cristo pelo correr do ano, da Incarnação e Nascimento à Ascensão, ao Pentecostes, expectativa da feliz esperança e da vinda do senhor” (SC 102). No decurso de um ano, a Igreja recorda os mistérios da Redenção oferecendo aos fiéis as riquezas das obras e merecimentos do Senhor, tornando-os presentes no nosso tempo (SC ibidem). Abre-se assim na Igreja um novo tempo. Os fiéis são convidados a seguir os passos de Cristo à luz de um farol que é constituído por um evangelho sinótico. O tesouro da Revelação fica acessível a 16


todos por intermédio de um escrito que ajudará nos aspetos fundamentais da sua marcha para e com Cristo. I :: Com o evangelho de Lucas O ano presente é dito ano C, pois nele a Liturgia da comunidade será prioritariamente orientada pelo terceiro Evangelho sinótico, o evangelho de S. Lucas (talvez o terceiro cronologicamente e o terceiro na sequência bíblica). Nos tempos que não estão dentro do específico do evangelho de S. João, na maioria dos domingos ditos comuns, ler-se-á o texto de S. Lucas. Assim, ao património da Palavra terão acesso todos os fiéis1 como é vontade de toda a Igreja, vontade expressa pelo último Concílio (DV 22). Será ocasião para ler o evangelho de Lucas mais em profundidade e, portanto, para se deixar revisitar por cenas pintadas por um artista2, como já se teve oportunidade de referir, comparando com Mateus mais advogado, com Marcos mais jornalista e com João mais místico. Lucas apresentará pinturas repletas de cores onde o leitor contemplará a dádiva que vem de um Deus cheio de misericórdia. Aliás, será este evangelho o mais apto para mudar a imagem que cada um possa ter do Senhor, agarrado que possa estar ao perfil mais austero ou judicativo, frequente na pregação que o fez e que guardou na memória infantil. Lucas é referido como aquele médico que se preocupou com as fontes, com as datas do enquadramento histórico do Senhor, para O apresentar fiável historicamente (Cf. Actos 1, 1-5 e Lc. 1, 1-4). Será assim pelas mãos de um escritor cuidadoso que seremos orientados ao longo de um ano. 1

Cf A. LAPPLE, Mensagem Bíblica Para o Nosso Tempo, Paulistas, 1968, 456. 2 Cf Jacques HERVIEUX, Les Évangiles Textes et Commentaires, Paris, Bayard, 2001, 301.

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As cenas da vida do Senhor fluirão segundo alguma cronologia, do seu nascimento vindo a este mundo para o seu regresso à glória do Pai, donde tinha sido enviado. Para quem deseja aprofundar a sua vida de relação com a Palavra que orienta a sua estrada, trata-se de uma caminhada a não dispensar para entender melhor o horizonte adequado que o encadeia. Neste ano C, será um pintor de belos quadros a sugerir evocações para uma viagem sempre a fazer. II :: Preparando o Natal O tempo inicial de cada ciclo anual é o denominado advento. A Palavra refere expectativa de algo que vai acontecer. Na Igreja, aparece como um período de quatro semanas antes do Natal do Senhor. Hoje, no ambiente cultural complexo e difuso, esconde-se o acontecimento sob um ciclo comercial estonteante e sob a azáfama de presentear os demais. As quatro semanas podem asfixiar a novidade que não deixa de o ser, apesar de persistirem recordações/lembranças. A Igreja celebra a vinda do Messias, fazendo recordação do quadro humilde e singelo de um menino nascido numa gruta em Belém. Os trenós de tantos pais natais ofuscam a humildade de um nascimento singular no ano primeiro da nossa era. Não temos registo deste nascimento, como era descabido então, mas retemos a circunstância e o alcance do acontecimento para as comunidades que após a sua Páscoa d’Ele se reclamavam. Jesus já veio há mais de dois mil anos, mas precisa de voltar a vir e de se tornar visível em ti. Terás sempre de o fazer ao longo de toda a caminhada: prepara a tua vida para que Ele surja em ti, de forma nova, te dê uma forma nova de seres com os outros. Precisarás de mais de quatro semanas, de todo um 18


ano ou de tempo indeterminado. Estás orientado aqui e agora. Não desistas. III :: Com dedicatória a um Teófilo O excerto evangélico da primeira celebração dominical do ano litúrgico pertence à quarta parte do primeiro livro de Lucas (Lc. 21, 25-28. 34-36). De facto, aqui se trata do que aconteceu na cidade de Jerusalém. Depois, o autor dá a pena à narrativa da passio seguida do acontecimento da ressurreição. O livro é dedicado a um certo Teófilo (Lc 1, 1-3), amigo de Deus, que pode ser uma pessoa conhecida, cristão ou pagão, ou apenas um anónimo que simboliza qualquer ator da Igreja a quem se dirige esta apologia da fé cristã3. O Evangelho é essencialmente eclesial, embora seja no seu segundo livro (os Atos do Apóstolos) que narra como a comunidade se vai desenvolvendo, o que confere à obra de Lucas esta caraterística. Neste primeiro livro traça os fundamentos de tudo o que escreve depois. Podem-se distinguir nele quatro grandes capítulos, introduzidos por um pequeno prólogo: a infância, ministério na Galileia, viagem para Jerusalém, atividade em Jerusalém. No decurso deste quarto capítulo abordam-se cenas de Jesus na cidade santa que permitem situar as cenas da paixão, morte e ressurreição. É no interior das cenas preparatórias que se situa este quadro escatológico onde Jesus fornece aos discípulos motivos de vigilância, de oração e de esperança. Tendo presentes os acontecimentos históricos da ruína de Jerusalém, criando o caos como na narrativa da primeira criação, 3 Cf Nova Bíblia dos Capuchinhos, Difusora Bíblica, Lisboa/Fátima, 1998, 1664.

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também aqui a vinda do Filho do Homem é de nova criação iminente, ocasião para estar atento, vigilante, orante e expectante. A esperança deve animar os discípulos em ordem à firmeza que o Filho do Homem lhes proporciona. Advento é tempo de esperança firme para os que acreditam que Deus vai chegar na vida de quem quer ser fiel. As forças são abaladas (Lc 21, 26), mas o “Senhor”4 espera e a serenidade reina para os que pertencem a Cristo. O tempo é de esperança fundada.

4 Trata-se do título de Jesus que aparece o maior número de vezes (103) neste texto de S. Lucas, estatística apresentada em A. LAPPLE, ibidem, 469.

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Índice PREFÁCIO ......................................................................................5 ABERTURA......................................................................................8 ADVENTO.....................................................................................15 I Domingo do Advento....................................................................16 II Domingo do Advento..................................................................21 III Domingo do Advento.................................................................26 IV Domingo do Advento.................................................................31 NATAL E EPIFANIA......................................................................35 Solenidade do dia de Natal..............................................................36 Domingo da Sagrada Família..........................................................40 Solenidade de Maria, Mãe de Deus.................................................44 Epifania do Senhor..........................................................................47 QUARESMA..................................................................................53 I Domingo Quaresma......................................................................54 II Domingo da Quaresma................................................................58 III Domingo da Quaresma...............................................................62 IV Domingo da Quaresma..............................................................66 V Domingo da Quaresma................................................................72 Domingo de Ramos.........................................................................75 PÁSCOA E TEMPO PASCAL.........................................................79 Domingo da Páscoa.........................................................................80 II Domingo da Páscoa.....................................................................83 III Domingo da Páscoa....................................................................87 261


IV Domingo da Páscoa....................................................................91 V Domingo da Páscoa.....................................................................95 VI Domingo da Páscoa....................................................................98 VII Domingo da Páscoa - Ascenção do Senhor..............................102 VIII Domingo da Páscoa - Pentecostes...........................................106 Solenidade da Santíssima Trindade...............................................110 Domingo do Corpo de Deus..........................................................114 TEMPO COMUM........................................................................119 Domingo do Batismo do Senhor....................................................120 II Domingo Comum......................................................................125 III Domingo Comum.....................................................................129 IV Domingo Comum.....................................................................134 V Domingo Comum......................................................................138 VI Domingo Comum.....................................................................142 VII Domingo Comum...................................................................146 VIII Domingo Comum..................................................................150 IX Domingo Comum....................................................................154 X Domingo Comum......................................................................158 XI Domingo Comum....................................................................162 XII Domingo Comum...................................................................166 XIII Domingo Comum..................................................................170 XIV Domingo Comum..................................................................174 XV Domingo Comum...................................................................178 XVI Domingo Comum..................................................................182 XVII Domingo Comum.................................................................186 262


XVIII Domingo Comum...............................................................190 XIX Domingo Comum..................................................................194 XX Domingo Comum...................................................................198 XXI Domingo Comum..................................................................202 XXII Domingo Comum................................................................206 XXIII Domingo Comum...............................................................210 XXIV Domingo Comum...............................................................214 XXV Domingo Comum................................................................218 XXVI Domingo Comum...............................................................222 XXVII Domingo Comum..............................................................227 XXVIII Domingo Comum.............................................................231 XXIX Domingo Comum...............................................................235 XXX Domingo Comum................................................................239 XXXI Domingo Comum...............................................................243 XXXII Domingo Comum..............................................................247 XXXIII Domingo Comum............................................................251 XXXIV Domingo Coumum..........................................................255 EpĂ­logo..........................................................................................259

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