Economia do patrimĂ´nio cultural
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do Conselho Regional Abram Szajman Diretor Regional Danilo Santos de Miranda Conselho Editorial Ivan Giannini Joel Naimayer Padula Luiz Deoclécio Massaro Galina Sérgio José Battistelli Edições Sesc São Paulo Gerente Marcos Lepiscopo Gerente adjunta Isabel M. M. Alexandre Coordenação editorial Francis Manzoni, Clívia Ramiro, Cristianne Lameirinha Produção editorial Rafael Fernandes Cação, Simone Oliveira Coordenação gráfica Katia Verissimo Produção gráfica Fabio Pinotti Coordenação de comunicação Bruna Zarnoviec Daniel Coleção Sesc Culturas Coordenação Marta Colabone Organização Iã Paulo Ribeiro
Cet ouvrage a bénéficié du soutien des programmes d’aides à la publication de l’Institut français. Este livro contou com o apoio à publicação do Institut français.
Economia do patrimônio cultural Françoise Benhamou
Tradução
Fernando Kolleritz
Título original: Économie du patrimoine culturel © Françoise Benhamou, 2012 © Éditions La Découverte, Paris, 2012 © Edições Sesc São Paulo, 2016 Todos os direitos reservados Preparação Rosane Albert Revisão Elba Elisa, Marcela Vieira Projeto gráfico e diagramação Cores Soluções Gráficas e Translados Capa a partir da obra de Marcia Xavier
B4369e
Benhamou, Françoise Economia do patrimônio cultural / Françoise Benhamou; Tradução de Fernando Kolleritz. – São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2016. – 144 p. Bibliografia ISBN 978-85-69298-97-7 1. Bens culturais. 2. Patrimônio cultural. 3. Gestão patrimonial. 4. Economia. 5. Política. 6. Preservação. I. Título. II. Kolleritz, Fernando. CDD 305.8
Edições Sesc São Paulo Rua Cantagalo, 74 – 13º/14º andar 03319-000 – São Paulo SP Brasil Tel. 55 11 2227-6500 edicoes@edicoes.sescsp.org.br sescsp.org.br/edicoes /edicoessescsp
Nota à edição brasileira Este livro oferece informações para que profissionais e estudiosos interessados possam enriquecer seus repertórios de avaliação do patrimônio cultural, especificando diferenças entre, por exemplo, bens únicos, raros ou típicos de uma época; replicados, públicos ou privados; símbolos nacionais; entre outras modalidades que permitem aprofundar essa avaliação. Benhamou analisa a economia do patrimônio cultural a partir da experiência europeia, especialmente francesa. A autora lança luz sobre a administração econômica do patrimônio cultural, ampliando a discussão acerca da manutenção e gestão dos bens preservados. Nessa perspectiva, museus, sítios arqueológicos, costumes, rituais, gastronomia, cantos, técnicas artesanais e outros bens são analisados na perspectiva de seu retorno financeiro, em muitos casos necessário para o custeio de reformas, a realização de pesquisas, o pagamento de pessoal, a aquisição de materiais e equipamentos e para a própria subsistência de grupos que têm esses bens como fonte de renda, a exemplo de comunidades quilombolas no Brasil. A ampliação do conceito de patrimônio cultural nas últimas décadas do século XX no nosso país coloca a necessidade de avaliação dos avanços e limites no reconhecimento dos bens tangíveis e intangíveis. Nesse sentido, Economia do patrimônio cultural representa uma importante contribuição para as reflexões e práticas de gestão dos bens culturais, com o objetivo de alcançar equilíbrio entre preservação, administração e bom uso desses recursos. A publicação deste livro vem ao encontro das iniciativas do Sesc na promoção de fóruns para a abordagem de experiências e políticas de promoção e preservação da cultura material e imaterial, como é o caso das estratégias para o fortalecimento das ações educativas e inclusivas.
Sumário Introdução ...................................................................... 11 1 Os territórios flutuantes do patrimônio .......................... 15 As origens da tentação patrimonial .........................................................................15 Uma palavra-ônibus? .............................................................................................16 O Inventário Geral ........................................................................................17 Uma noção polissêmica .....................................................................................18 Do patrimônio tangível ao patrimônio intangível ...............................................19 Os valores do patrimônio ..................................................................................20 A economia do patrimônio e da diversidade linguística ..................................21 Preservar tudo? A inflação patrimonial ...................................................................23 Deve-se restaurar os monumentos? Como? As recomendações adotadas em Veneza em 1964 ...................................................................................24 Proibição de saída dos tesouros nacionais .......................................................29 As características econômicas do patrimônio ..........................................................29 Bens únicos .......................................................................................................29 Bens públicos ....................................................................................................31 Bens geradores de externalidades .......................................................................32 Direitos partilhados de propriedade ...................................................................33
2 O “consumo” do patrimônio ......................................... 37 Um consumo pouco popular .................................................................................37 Interdependências de consumo e star-system patrimonial .........................................43 A estimativa do valor e do consentimento em pagar ...............................................44 O método dos valores contingentes ...................................................................44 O método pelos custos de deslocamento ............................................................45 O método dos preços hedônicos ........................................................................46 O problema da tarifação .........................................................................................46 A elasticidade-preço da despesa ..........................................................................47 A variedade das políticas tarifárias ......................................................................49 Gratuito, pago. As incertezas das políticas tarifárias dos museus .......................51 Gratuidade e democratização. Um debate recorrente, resultados enviesados ........52
3 Os custos da preservação e dos serviços patrimoniais ....... 55 Os custos da preservação ........................................................................................55 O patrimônio monumental e a “doença de Baumol” ..........................................55 A gestão dos serviços patrimoniais: uma aposta sempre difícil ..................................57 A singularidade e a diversidade dos projetos de valorização ................................57 Gestão privada ou pública dos sítios e dos museus? ........................................60 O ingresso múltiplo ...........................................................................................61 As políticas de marcas ........................................................................................61 A mutualidade na gestão de um estabelecimento público ...............................62 A valorização por meio dos direitos de propriedade intelectual............................63 A fragilidade dos modelos econômicos ...................................................................64 Receitas insuficientes para cobrir as necessidades de funcionamento ...................64 O risco de desvirtuação do patrimônio ..............................................................65 A gestão do turismo de massa ............................................................................67 Os custos de preservação e de acesso ao patrimônio imaterial .................................68 As estratégias de digitalização: entre cooperação e confronto ..............................68 A digitalização, futuro da salvaguarda ou ilusão coletiva? .....................................72
4 Os impactos econômicos do patrimônio ......................... 75 O emprego patrimonial .........................................................................................76 Efeitos multiplicadores? ..........................................................................................78 A mensuração dos impactos ...............................................................................78 O peso do turismo na economia mundial ..........................................................80 O efeito Guggenheim .......................................................................................83 Avaliação da atividade turística pelo Insee ......................................................83 O multiplicador, mera armadilha? ...........................................................................85 Externalidades negativas? Museificação do patrimônio ou destruição modernizadora? ..............................................................................................87 Indicadores de atratividade cultural ........................................................................88
5 As políticas patrimoniais ................................................ 91 A decisão de preservar.............................................................................................92 A definição do perímetro da preservação ...........................................................92 O nível correto da decisão. Financiamentos centrais ou locais? ...........................94 A inalienabilidade do domínio público ..............................................................96 O debate sobre a inalienabilidade no mundo: posições ainda polêmicas ..........97
Formas e montantes da intervenção pública ............................................................99 O problema do “passageiro clandestino” .............................................................99 A despesa pública patrimonial. O montante do empenho público na França .......100 A produção de normas e de padrões de preservação .........................................101 Os incentivos fiscais aos particulares .................................................................102 O pequeno patrimônio: auxílio sem proteção ..............................................103 Análise econômica dos dispositivos de auxílio e proteção ......................................104 Risco moral, efeito de vantagem e efeito sobre a distribuição dos patrimônios ............................................................................................104 Avaliação do efeito de tombamento sobre o preço dos bens como legitimação econômica do subsídio ...............................................................105 Avaliação do esforço desenvolvido ...................................................................106 Na França, o Tribunal de Contas avalia dez anos de gestão de 37 museus nacionais (março de 2011) .......................................................................108 O mecenato e a loteria, substitutos do empenho público? .....................................108 Os fundos de doação ...................................................................................111 Exemplo de financiamento misto: o financiamento da arqueologia preventiva ............................................................................................ 112
6 O patrimônio, bem público global ................................115 A noção recente de bem público global ...............................................................115 O que a noção de patrimônio mundial engloba ....................................................116 Globalização e patrimônio. O caso do “Louvre das Areias” em Abu Dhabi ...117 Uma vontade política ......................................................................................118 A dimensão econômica da rotulação ................................................................119 Patrimônio e desenvolvimento. Esperanças ou desilusões? .................................121 Circulação do patrimônio e restituição .................................................................122 É preciso restituir as obras de arte? ...................................................................122 O patrimônio ameaçado ......................................................................................124 A lógica da emergência ....................................................................................124 O direito internacional confrontado ao tráfico ilícito do patrimônio ............126 Em direção a um “direito de ingerência” patrimonial? ......................................127
Conclusão ......................................................................129 Referências.....................................................................131 Sobre a autora.................................................................143
Introdução “A palavra é antiga, a noção é imemorial.” Como resumir melhor do que André Chastel1 o caráter elusivo do patrimônio, um conceito que flutua no tempo e no espaço? Quando o economista Guido Guerzoni define o patrimônio cultural como um “conjunto de bens heterogêneos que se transformam ao longo do tempo, que se encontram no cerne de um processo de historização e que aparecem como o veículo de tradições culturais específicas”2, os contornos do patrimônio parecem vagos e instáveis. Mansões e moradias antigas, relíquias, castelos, dólmens, gastronomia, línguas e saberes. O patrimônio cultural constitui-se de bens heterogêneos tangíveis e intangíveis cuja base comum é a referência à historia ou à arte. O patrimônio é vivo, permanentemente em processo, e sua configuração constitui-se por meio das relações que uma sociedade mantém com sua história. O termo “patrimônio”, que designa monumentos, obras e sítios, estendeu-se ao patrimônio industrial e ao patrimônio ecológico. Quanto ao patrimônio natural, é pensado como um dos elementos do patrimônio cultural: quem poderia negar que a fisionomia de determinada paisagem remete a uma cultura, a saberes e a tradições que contribuíram para moldar a terra e o ambiente construído que nela se enraíza? O Japão, que foi um dos primeiros países a adotar uma legislação de proteção das obras arquiteturais e artísticas antigas (a partir de 1868), avança uma etapa ao assimilar homens a “tesouros nacionais vivos” porque possuem competências e saberes artísticos de cuja transmissão são encarregados: desde 1950, “Ningen Kokuh ” é o título atribuído pelo governo japonês a esses artistas e artesãos detentores e transmissores de saberes e de bens culturais intangíveis. O patrimônio, assim, depende do passado, conta sua história e nos traz até o presente, cuja criatividade nutre. Além do âmbito dos bens, o patrimônio remete a serviços, a toda uma simbólica, àquilo que constitui o fermento das sociedades. Essa extensão 1 2
Chastel, 1986. Guerzoni, 1997, p. 107.
Economia do patrimônio cultural
do conceito não enfraquece seu alcance. O patrimônio é objeto de interesses coletivos que podem expressar-se, dependendo das circunstâncias e dos acontecimentos, nos planos local, nacional e até mundial. No mesmo momento em que uma mera associação reúne os defensores de um pequeno patrimônio rural, monumentos são designados como representativos da história nacional, e é o mundo quase inteiro que descobre em 2001 a destruição espetaculosa dos budas de Bamiyan pelos talibãs. A ferida aumenta porque se trata de uma “destruição premeditada”, para retomar a expressão de Fernando Báez (2008) a propósito da destruição intencional de livros. Atentados e guerras destroem riquezas insubstituíveis: a destruição das cidades de Dresden e do Havre durante a Segunda Guerra Mundial, os atentados à Galeria dos Ofícios em Florença (1993) e contra o mausoléu Al-Askari da cidade de Samarra no Iraque em 2006 e 2007 etc. O cuidado patrimonial fortalece-se com o triste espetáculo dessas perdas e com as emoções coletivas que desencadeia. Este livro atém-se principalmente às construções urbanas e rurais (castelos, edifícios civis, patrimônio religioso, patrimônio industrial, “pequeno patrimônio” – quiosques, capelas, escadas, casas tombadas etc.), aos sítios arqueológicos, aos museus. Trata também das bibliotecas, dos produtos da arte, dos arquivos e do patrimônio científico e técnico. Interessa-se finalmente pelo patrimônio imaterial, o savoir-faire, as tradições, as línguas etc. A área é gigantesca e a economia de cada um desses campos não obedece necessariamente à mesma lógica. Ela está relacionada com as atividades de turismo, com o artesanato artístico e, como a difusão do patrimônio transita pela internet, com a economia das redes e da informação. A articulação entre os modos de financiamento, o peso das regulações e o peso das obrigações ligadas à valorização apresenta-se de modo bastante diferente conforme os campos abrangidos. A economia do patrimônio não se resume à questão dos impactos que produz sobre outras atividades; todavia, a tentação de referir-se a esses está sempre presente, e corre-se o risco, então, de instrumentalizar a cultura concebida como mera criadora de empregos e geradora de rendas. Discutiremos a pertinência e os limites da temática desses impactos.
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Introdução
O primeiro capítulo do livro desenha os territórios do patrimônio. Mostra os fatores da sua amplificação e especifica as características econômicas de bens e serviços. No segundo capítulo, mencionam-se os elementos que determinam o consumo do patrimônio. Este sofre a influência da alta dos custos de preservação (capítulo 3), frequentemente sob a justificativa dos impactos econômicos do patrimônio e das perspectivas de valorização de sítios e locais particularmente atrativos (capítulo 4). Assumindo que o patrimônio depende da memória e da história, a questão de saber a quem pertence e o enquadramento jurídico mais apropriado evolui no tempo. Como articular instrumentos jurídicos e reguladores e subvenções? Até onde os poderes públicos devem intervir? Que políticas conduzir, como otimizar a despesa pública avaliando sua razão de ser, e em que nível intervir (capítulo 5)? Essas questões colocam-se hoje no plano mundial, notadamente no quadro da política patrimonial conduzida pela Unesco com meios bem reduzidos; é aconselhável encaminhar-se para o que podemos chamar de direito de ingerência patrimonial (capítulo 6)?
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