NA BASE DO FAROL NÃO HÁ LUZ

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NA BASE DO FAROL ˜ O HÁ LUZ NA CULTURA, EDUCAÇÃO E LIBERDADE

MAURO MALDONATO APRESENTAÇÃO E REFLEXÕES DE

DANILO SANTOS DE MIRANDA



Na base do farol não há luz Cultura, educação e liberdade

Mauro Maldonato Apresentação e reflexões de

Danilo Santos de Miranda


Mauro Maldonato procura, neste livro, inquietar a boa consciência da democracia. Com efeito, desde pelo menos a queda do Muro de Berlim e o advento do que Francis Fukuyama chamou de “o fim da História”, construiu-se um amplo consenso sobre a superioridade de um tipo de democracia, que se caracteriza por dois pontos. Primeiro, a liberdade individual: o direito de cada um a escolher sua religião, seus parceiros na amizade e no amor e, ainda, valores que não agridam a existência da sociedade em que vive. Segundo, a liberdade política: liberdade de expressão, de organização e de voto. Tudo isso gera uma sociedade na qual a diferença – de concepções políticas e religiosas, mas também de orientações sexuais e de modos de ser – é aceita como nunca antes. Daí, no limite, que se pense na possibilidade de medir o teor de democracia de cada sociedade, como todo ano faz o Índice de Democracia publicado pela revista The Economist. A democracia seria quantificável, como qualquer produto. O que Mauro Maldonato nos propõe é duvidar disso tudo. Em vez de uma vitória da democracia sobre a ditadura, e se estivermos vivendo hoje numa “democracia totalitária”? A expressão parece – e é – contraditória, mas o autor não receia escandalizar. Para sustentar sua crítica à democracia realmente existente, o autor percorre a história da filosofia; é curioso que dê menos importância à filosofia política do que ao pensamento sobre o horror, sobre os campos de concentração, sobre a ética. A seu ver, não só o comunismo com seu explícito controle radical da vida, mas também a democracia liberal efetuam uma perda do vivido, um sacrifício da diferença ao padrão, um desalojamento do páthos, com sua infinita diversidade, em prol de uma razão instrumental. Mas isso não significa que Maldonato seja avesso à democracia: no elogio-proposta que faz de uma educação diferente da atual – que ele critica porque “tem como objetivo formar cidadãos previsíveis, neutralizar as novidades e a imprevisibilidade” – o autor recorda Rabelais, cuja escola ideal tinha por única regra “Faze o que quiseres”. E proclama: “A culture de l’esprit continua a ser o sal da democracia, mesmo que, sob muitos


aspectos, seja subalterna à técnica científica”. É a cultura que nos vem de Atenas e Jerusalém, lembra. Na verdade, a democracia se torna totalitária quando troca o fim pelo meio, substituindo o logos como criação por uma razão reduzida a mero instrumento, esquecendo assim, como disse Heidegger, que “a essência da técnica não é nada de técnico”. Na defesa do que chamamos humanidades, Maldonato vê uma forte possibilidade de enfrentar o achatamento das diferenças, a destruição das riquezas singulares que é o grande risco da sociedade atual. Daí que seu livro provoque, incomode, mas convide a mudar o mundo em que vivemos. E vale lembrar que parte significativa de sua obra se dá em diálogo com o Brasil e em especial com o Sesc, como podemos ler na apresentação e nas reflexões meditadas por Danilo Santos de Miranda. Renato Janine Ribeiro Professor de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Foi ministro de Estado da Educação entre abril e setembro de 2015.

Texto extraído da orelha do livro Na base do farol não há luz: cultura, educação e liberdade


Mauro Maldonato

A sarça ardente da liberdade

Um ato de liberdade se distingue de um ato arbitrário porque o primeiro é originário, enquanto o segundo pressupõe opções entre as quais se “escolhe”. Para a liberdade, porém, não há alternativas: depende da criatividade que a decisão pode gerar. É por causa disso que o ato é livre, não mecânico. Pois não é verdade que certas máquinas podem, tal como nós e talvez melhor do que nós, fazer escolhas simples, não casuais e até com base em algum fundamento racional? Nem por isso são livres. A liberdade nasce de um ato criativo individual, mesmo que ele se realize entre vínculos e possibilidades exteriores. É nesse horizonte que encontramos, secularizada, a figura teológica da graça. Favorecer a liberdade significa, portanto, preparar as condições para que ela possa se desenvolver. Tanto no caso de uma ação destinada a uma limitação jurídica que harmonize a liberdade de cada um com a dos outros quanto no caso de uma promoção da prosperidade, condição necessária, mas não suficiente, para o exercício da liberdade. Também neste caso, a ação em favor da liberdade remove um obstáculo, mas sem agir sobre sua fonte. A fonte, de fato, está somente no indivíduo: não num aspecto particular de sua mente, mas em toda a sua personalidade. Na infância da vida, a liberdade se reveste com as mais belas cores. Um poderoso impulso de liberdade abre caminho na floresta petrificada das proibições. Também por isso, chegando à idade adulta, acalentamos as lembranças daquele tempo, quase saudosos daquelas possibilidades, daquelas promessas irrealizadas. Mas ser livre significa decidir-se, assumir responsabilidades, sacrificar as coisas que pareciam poder coexistir, tornar-se, enfim, consciente do cuidado pelos outros. Assim, é compreensível que, para se libertar desse fardo, o homem delegue a alguma outra coisa — a um princípio supra-humano, ao destino, aos astros, à história, ao Estado, ao partido ou a qualquer outra coisa — o esforço de inventar, decidir, projetar. Mas, recusando-se à liberdade, recusa-se aquilo que oferece motivos para a existência humana, pois a liberdade, mesmo incerta e difícil, é a única coisa que torna o homem insubstituível, seja abaixo ou acima de si.


Danilo Santos de Miranda

Do outro ponto da costa

Observações preliminares

As reflexões que se seguirão resultam de uma convivência íntima, ao longo de décadas, com o amplo tema da cultura. Tal experiência deu-se, sobretudo, no Brasil, embora tenha constantemente atravessado as fronteiras nacionais; assim, é natural que as referências brasileiras ganhem relevo no diálogo que será aqui proposto. Este ponto de partida implica enfrentar algumas questões: tais referências constituiriam uma entidade, algo abstrata, denominada cultura brasileira ou pensamento brasileiro? Procurar uniformidades no emaranhado de vertentes que marca as dinâmicas culturais traz riscos. Adentra-se, assim, o delicado território, pleno de contradições, de uma suposta identidade nacional — identidade de um povo, de uma cultura, de um pensamento. O primeiro empenho é atentar aos estereótipos, tanto os já consolidados e universalizados — “país do Carnaval”, “pátria de chuteiras”, “gigante pela própria natureza”, “nação multicultural” — como suas versões modernizadas, representadas pelo binômio “país emergente”/“país da corrupção”. Destacar que o Brasil comporta representações cultural e socialmente construídas é também uma maneira de perguntar: quantos e quais brasis existem dentro do Brasil? Em sentido oposto e tentando rastrear denominadores comuns, indaga-se: quais os aspectos históricos que concretizam um modo de ser brasileiro que é maior do que a percepção das diferenças existentes e — nem sempre devidamente — observáveis? Por aqui, inúmeros pensadores se empenharam em refletir sobre tais questões a partir da realidade nacional, sem, entretanto, desconsiderar a condição global na qual o país se insere. Aqui, a importância de interrogar o passado do país a fim de ler adequadamente sua configuração contemporânea foi largamente reconhecida. Assim, é ponto pacífico que boa parte de nossas peculiaridades pode ser iluminada por um olhar retrospectivo — a História surge como conhecimento fundamental a ser manejado a fim de se alcançar interpretações válidas do presente. Textos extraídos do livro Na base do farol não há luz: cultura, educação e liberdade


Edições Sesc São Paulo

Educar, provocar, comunicar e, em igual medida, ampliar os diferentes debates propostos pela ação do Sesc em seus centros culturais e desportivos no Estado de São Paulo. Esses são nortes que têm definido o trabalho desenvolvido pelas Edições Sesc São Paulo. Desde os seus primeiros passos, a editora vem expandindo os temas de suas criações para os mais diversos campos em que o Sesc tem atuado. Hoje são mais de 170 títulos que compreendem uma variedade temática e de áreas como educação, filosofia, antropologia, sociologia, música, teatro, dança, cinema, fotografia, artes visuais, arquitetura e urbanismo, esportes e práticas corporais, história e terceira idade; compondo um catálogo que mantém a programação sócio-cultural, e voltada à educação não-formal, do Sesc como uma de suas principais referências. Neste ano de 2016, a editora passa a intensificar, igualmente, o seu trabalho diante das possibilidades abertas com as novas ferramentas digitais. Buscando estimular o acesso, a circulação de conhecimentos e a leitura, dinamizados com as novas tecnologias da informação, a editora soma a seu catálogo um crescente desenvolvimento de livros eletrônicos (eBooks). Parte dos primeiros passos para a criação de um selo dedicado exclusivamente a títulos digitais, atualmente a editora conta com mais de 40 de seus livros já convertidos para o formato e disponibilizados para a venda em livrarias virtuais no mundo inteiro.


Mauro Maldonato é psiquiatra, escritor, conferencista e professor

de Psicopatologia do Depto. Cultura Europeia e do Mediterrâneo na Universidade da Basilicata, Itália. No Brasil, pelas Edições Sesc São Paulo, já publicou os livros Passagens de Tempo (2012), A Subversão do ser (2014), Da mesma matéria que os sonhos (2014) e Raízes Errantes (2014). Todos os títulos estão disponíveis também em e-book.

NA BASE DO FAROL NÃO HÁ LUZ cultura, educação e liberdade Ao propor um diálogo entre a tradição do pensamento europeu e as reflexões de artistas e intelectuais brasileiros, este livro permite ao leitor ampliar sua perspectiva a respeito dos efeitos da fragmentação do sujeito no mundo e da necessidade de construção de novos valores para a convivência das diferenças.

DA MESMA MATÉRIA QUE OS SONHOS sobre consciência, racionalidade e livre-arbítrio Nesta coletânea de artigos publicados originalmente em revistas brasileiras, o autor aborda com profundidade temas complexos da área científica, em um entrecruzamento de fronteiras entre psiquiatria, psicanálise e neurociência, que estabelece interfaces com a filosofia.


A SUBVERSÃO DO SER identidade, mundo, tempo, espaço: fenomenologia de uma mutação Em um estudo sobre a identidade e sua fragmentação pelas exigências pós-modernas, que se vinculam ao reducionismo das medicinas epidemiológico-estatística e biológico-molecular, o autor aponta o pensamento científico clássico como paradigma insuficiente para esgotar o entendimento das variedades do fenômeno humano.

RAÍZES ERRANTES O filósofo e psiquiatra italiano investiga a situação psicológica e política do indivíduo contemporâneo a partir de aspectos característicos da atualidade: estrangeiros e viandantes, incertezas e interrogações radicais, identidades em movimento, alteridade e familiaridade, figuras de fronteiras, epistemologias em confronto.

PASSAGENS DE TEMPO Fruto de uma aprofundada pesquisa e de sua própria vivência como médico psiquiatra, professor de psicologia e filósofo, o autor apresenta um ensaio em que dialogam filosofia, psicologia, ciência, literatura e outros campos do saber.


As publicações das Edições Sesc São Paulo podem ser adquiridas em todas as unidades Sesc SP (capital e interior), nas principais livrarias e também pelo portal www.sescsp.org.br/livraria Os e-books podem ser encontrados em livrarias virtuais como: Amazon, Livraria Cultura, Livraria Saraiva, Kobo, Apple Store e google play.

Conteúdos exclusivos e notícias recentes sobre as Edições Sesc São Paulo: sescsp.org.br/edicoes /edicoessescsp

Edições Sesc São Paulo R. Cantagalo, 74 – 13o/14o andar 03319-000 – São Paulo SP Brasil Tel. 55 11 2227-6500 edicoes@edicoes.sescsp.org.br sescsp.org.br/edicoes


Ao propor um diálogo entre a tradição do pensamento europeu e as reflexões de artistas e intelectuais brasileiros, este livro permite ao leitor ampliar sua perspectiva a respeito dos efeitos da fragmentação do sujeito no mundo e da necessidade de construção de novos valores para a convivência com as diferenças. Para isso, Mauro Maldonato e Danilo Santos de Miranda abordam assuntos candentes da contemporaneidade como política, cultura, educação, ética, liberdade e alteridade. Na base do farol não há luz contribui para uma indagação sobre o presente a partir de aspectos como os novos papéis da história, do cidadão e do Estado democrático; as relações entre a racionalidade, a moral e as emoções; a banalização da educação diante dos excessos da sociedade da informação; a função da intuição na construção do conhecimento e do pensamento científico; a consciência humana, o inconsciente e os processos de criação; o futuro e os riscos para a liberdade. Trata-se de um convite a manter viva a chama do inconformismo, motor que move o homem, em busca de um porvir que não venha a assombrá-lo.


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