Noites de São João

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Faรงa parte dessa aventura FASCINANTE

UBIRAJARA S. SANTOS


Copyright © 2018 by Editora Baraúna SE Ltda

Capa

Áthila Pereira Pelá

Diagramação

Áthila Pereira Pelá

Revisão

Amanda Bonatti

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Santos, Ubirajara S. Noites de São João : faça parte dessa aventura fascinante / Ubirajara S. Santos. -– São Paulo : Editora Baraúna, 2018. 330 p. ISBN: 978-85-437-0893-5 1. Ficção brasileira I. Título 18-1423 CDD B869.3 Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção brasileira Impresso no Brasil Printed in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua Sete de Abril, 105 – Cj. 4C, 4º andar CEP 01043-000 – Centro – São Paulo - SP Tel.: 11 3167.4261 www.EditoraBarauna.com.br


Dedicatória

Rosina Fonseca da Silva (26/03/1938 – 17/06/1969) Dedico esse livro “Noites de São João” à minha falecida mãe “Rosina Fonseca da Silva” e agradeço a Deus pela oportunidade de ter sido seu filho no curto período de vida que Deus lhe permitiu viver no mundo normal. Também lhe envio essa primeira e única carta ao “mundo estranho” para que a Senhora possa, sempre que puder, ler e reler com muito carinho:


Osasco, SP, 11/05/2014 Minha querida Mãe Eu te perdoo! Eu lembro vagamente da Senhora, muito vagamente. Eu não tinha nem 9 anos de idade quando nos separamos. A Senhora me deixou em Junho de 1969, na cidade de Vacaria - RS e foi para uma cidade maior (Caxias do Sul- RS) em busca de emprego e nunca mais voltou, pois naquele mesmo mês foi morar com Deus. E devido a esta fatalidade a Senhora me deixou sozinho, sem amparo, sem carinho e sem seu amor. Eu sofri muito a sua falta. Vivi sem casa e sem lar, por períodos, nas casas dos outros. Passei fome, frio e medo. Mas tudo bem, o tempo passou e eu cresci vivendo na escola do mundo. Dos momentos felizes ao seu lado lembro-me de uma horta no fundo da nossa casa, de madeira. De quando a Senhora me mostrava as estrelas do céu nas noites de verão. Eram milhões brilhando e piscando intensamente. Lembro também das estrelas cadentes, que de vez enquanto rasgavam o céu e desciam em direção ao horizonte negro, fazendo-me rejubilar de alegria. Lembro-me da Senhora me levando de carroça ao hospital, em uma noite fria de inverno, para estancar a minha febre de quase provavelmente 40 graus. Também das minhas roupas de escola lavadas no rio, passadas e dobradas sobre a cama. Da missa


aos domingos e das figurinhas de Nossa Senhora, doadas pela igreja para completar meu álbum. Eu lembro que dançavas comigo na sala da nossa casa, as modas do campo. Também me lembro dos presentes de papai Noel e dos ovinhos de páscoa. A dor que sentia e que ainda sinto até hoje é muito forte, a ponto de ainda procurar o teu rosto e teu sorriso se formando nas nuvens brancas do céu. Eu te perdoo mãe e também te peço perdão por ser essa a primeira carta que lhe escrevo após todos esses anos. Mas também é a primeira vez que lhe digo: “Feliz dia das Mães”, no céu onde a Senhora está junto com Deus desde 1969. Te amo Mãe! Seu filho: Ubirajara da Silva Santos



Sumário Prefácio .................................................... 11 Inverno ................................................... 13 Escola padrão .......................................... 27 Gincanas ................................................. 39 Sonho de Carol ........................................ 45 Lavoura de Jenaro ................................... 53 Cidade Sábia ........................................... 69 Festa junina ............................................. 89 Supergincana ........................................ 105 Escolhidos ............................................. 117 Rumo à São Paulo ................................. 133 Diário ................................................... 153 Retorno ................................................. 197 Noites de São João ................................ 219 Semana da arte moderna ....................... 233 Mundos internos ................................... 251 Natal na campina ................................. 267 Amor inocente ...................................... 279 Depois da chuva ................................... 309



NOITES DE SÃO JOÃO

Prefácio Há muito tempo, meados dos anos setenta, por conta de um projeto arquitetônico, foi construído no pé da colina — humilde bairro periférico da pequena cidade de Palhoça —, uma escola com padrão de primeiro mundo. No terceiro ano de sua existência, um plano audacioso foi colocado em prática pela diretora da escola, o qual, inesperadamente se espalhou para além dos domínios da escola, quebrou tabus, uniu a comunidade e abriu oportunidades inimagináveis no cotidiano dos alunos, vencedores de uma simples gincana de festa junina, daquela noite fria de São João. Caroline, uma das gincanistas vencedoras, filha única de família pobre, oriunda da lavoura familiar de subsistência, foi surpreendida ao receber seu prêmio de campeã e a notícia da sua inscrição em outra gincana ainda maior: A supergincana. Os supergincanistas premiados embarcaram para terras distantes em direção à grande metrópole paulista, em uma aventura fascinante. A viagem mudou para sempre seus sonhos, trouxe-lhes experiências de vida, amadurecimento e visão de mundo, em 11


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que a valorização da vida se tornou a obra-prima nas construções de suas poesias e nas suas relações com a comunidade e com a escola. Por conta da viagem de Caroline a São Paulo, seu pai Jenaro, simples agricultor de pequena lavoura de Palhoça, não alfabetizado, foi agraciado por momentos de felicidade e de maior aproximação com a esposa no lar. Nos momentos de privacidade, ele teve a oportunidade de lhe mostrar que, além de marido amoroso, carregava dentro de si um mundo de poesias. No retorno dos supergincanistas da excursão, simples redações transformaram a escola padrão em um grande parque de literatura de cordel. Das escolhas dos pais, uma poesia emergiu e do projeto do vencedor, a escola de Palhoça se transformou para sempre na lendária cidade dos sábios.

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1 Inverno

O vento soprava muito naquela tarde de final

de outono e, intruso, trazia a brisa fria à praia, somente para umedecer a pequena face de Caroline. O inverno se aproximava e denotava em seus cabelos o balançar do vento. Com toda a sua força, tentava em vão fechar seus olhos, para que ela não avistasse no horizonte os caminhos de seus sonhos. A praia ficava sempre deserta naquela época do ano, e o frio, sozinho, sem ter nada para fazer, treinava seus dotes artísticos nos contornos da pequena guria. Com a única tinta que lhe restava, ele deixava encarnadas as suas bochechas, extremidades das orelhas, ponta do nariz e também suas mãozinhas, que a todo custo ela tentava esconder por dentro das mangas da blusa, do frio intenso. Carol queria que aquele ano de setenta e sete fosse um ano melhor e diferente, pois nos anos passados ela havia sofrido muito e passado muita necessidade. 13


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Ainda guardava em seu íntimo a triste amargura do ano anterior, quando se levantava cedo todas as manhãs para ir de casa em casa, nas proximidades, pedir alimentos para o sustento de sua família. Lembrava que, mais ou menos, a cada cinquenta pedidos sempre havia uma alma caridosa que lhe estendia a mão, doando pequenas quantidades de alimento para saciar sua fome e também de sua família. O vento começou a soprar forte, zunindo em seus ouvidos, que, junto com o frio, parecia lhe cortar a alma. Não era mais possível ficar ali contra sua vontade. Carol levantou-se e voltou para casa. Palhoça era a cidade onde morava, e para não dizer em um bairro periférico, preferia dizer: “Em uma chácara entre a Praia de Fora e a Praia dos Sonhos”. Já sabia a história de cor: “Seu pai e sua mãe, por amor superaram as barreiras e levantaram uma pequena cabana naquele pedaço de terra, que até a Prefeitura de Palhoça envergonhada ficava, quando alguém em algum comentário lhe dava os méritos”. Senhor Jenaro, homem modesto, humilde, de cabelos grisalhos e olhos verdes, apesar de retraído e de pouco falar, era possuidor de um semblante profundo e penetrante. Carol sabia que seu pai não precisava mesmo falar, pois seu olhar penetrante espantava até mesmo os menos incautos. Naquele pedaço de chão que emprestou de Deus, seu pai fez dele seu aconchego, cercando-o de arame farpado, delimitando seu espaço. Ele nunca frequentou uma escola, mas vivia a maior parte de seu tempo de la14


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zer sentado frente a uma pequena mesa que havia em seu quarto, feito de pau-a-pique, rascunhando em um caderno velho. Ele trabalhava em sua lavoura familiar, de onde retirava o sustento da família, e as sobras, ele vendia nas redondezas para custear as despesas. Diferentemente de seu pai, sua mãe Estella era mais ativa e ajudava Jenaro na lavoura de vez em quando. Apesar de seus dotes caipiras, por muito falar, podia-se até se arriscar e dizer que ela era mesmo comunicativa. Seus cabelos loiros naturais e seus olhos verdes denunciavam sua descendência italiana. Apreciadora de uma boa polenta com radite, não deixava de lado a cuia nem a chaleira. A cada hora, goladas constantes na bomba faziam-na sentir o calor que o mate trazia. A cuia cirandava de mão em mão e seu pai também se acalentava no amargor daquela erva verde. Carol já havia experimentado algumas vezes o chimarrão, mas não conseguia entender como o verde daquela água quente, que queimava intensamente goela abaixo, encantava seu pai e sua mãe em momentos de cumplicidade. Até no inverno, quando lá fora o vento uivava e não zunia e, em tufão se transformava para desraigá-la de seu esconderijo, eles ficavam conversando horas e horas em redor do fogão, vendo a lenha sucumbir em brasas e em cinzas se transformar, sem medo de serem afugentados. Parecia que os medos dos pais eram suportados por Carol, que, debaixo das cobertas, se escondia, enquanto suas preces eram compartilhadas com o anjo da guarda, para que guardasse seu lar da tempestade fria daquelas noites de inverno. 15


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